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2 de Maio de 2024

STJ Out22 - Crime de Incêndio (veículo coletivo) - Absolvição por Falta de Perícia

ano passado

Inteiro Teor

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2086317 - SP (2022/0071162-4)

DECISÃO

Trata-se de agravo de ANDERSON VINICIUS DOS SANTOS em face de decisão proferida no TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO que inadmitiu seu recurso especial interposto com fundamento no art. 105, III, alínea a, da Constituição Federal - CF, contra acórdão proferido no julgamento de apelação criminal n. 0027476-04.2016.8.26.0050.

Consta dos autos que o agravante foi condenado pela prática do delito tipificado no art. 250, § 1º, II, c, do Código Penal - CP (incêndio em veículo de transporte coletivo), às penas de 4 anos de reclusão, em regime inicial aberto, e de 13 dias-multa, à razão mínima. A pena privativa de liberdade restou substituída por uma restritiva de direitos, consistente na prestação de serviços à comunidade, e por uma pena de multa, no valor equivalente a 10 dias-multa. Foi o réu absolvido da prática do delito previsto no art. 244-B do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA (corrupção de menores) (fl. 146).

Recurso de apelação interposto pela Defesa foi desprovido. Já o apelo ministerial foi provido para condenar o réu também pela prática do crime tipificado no art. 244-B do ECA à pena de 1 ano de reclusão, resultando em uma pena total de 5 anos de reclusão, mais o pagamento de 13 dias-multa, no mínimo legal (fl.226). O acórdão ficou assim ementado:

APELAÇÃO CRIMINAL Incêndio Recurso da Defesa - Absolvição por falta de provas - Improcedência - O seguro depoimento da vítima e o laudo pericial amealhado nos autos são suficientes para a comprovação dos fatos descritos na denúncia - Conjunto probatório robusto para lastrear o decreto condenatório - Desclassificação para dano qualificado - Impossibilidade - Evidenciada a exposição a perigo da vida e do patrimônio de outrem, não há falar em desclassificação para dano, sobretudo porque é subsidiário do delito de incêndio - Condenação mantida -Recurso defensivo improvido.

Recurso Ministério Público - Réu absolvido pelo delito de corrupção de menor - Recurso do Ministério Público - Pretendida a condenação do réu, também, pelo cometimento do crime de corrupção de menor nos termos da prefacial - Procedência - Provas orais que demonstram a prática do furto em comparsaria com adolescente - Crime de natureza formal, nos termos da Súmula nº 500 do STJ - Condenação de rigor - Recurso Ministerial provido. (fl. 217).

Embargos de declaração opostos pelo Defesa foram rejeitados (fl. 257). O acórdão ficou assim ementado:

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - Artigo 619 do CPP - Pretensão no sentido de que seja analisada a infringência ao artigo 250, caput, do Código Penal, bem como da existência de infringência ao artigo 173 do Código de Processo Penal - Inadmissibilidade - Matéria não ventilada em recurso de apelação - Prequestionamento - Hipótese não prevista em lei - Não se discutem, em sede de embargos de declaração, questões que sequer foram ventiladas no recurso de apelação - A oposição de Embargos de Declaração para fins de prequestionamento é hipótese não prevista na lei processual - Embargos de declaração rejeitados. (fl. 257).

Em sede de recurso especial (fls. 268/281), a Defesa apontou violação ao art. 250 do CP e ao art. 173 do Código de Processo Penal - CPP, porque o TJ manteve a condenação do recorrente a despeito de inexistir laudo pericial comprobatório da materialidade do delito de incêndio.

Requer a absolvição do recorrente.

Contrarrazões do MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO (fls. 286/291).

O recurso especial foi inadmitido no TJ em razão de: a) ausência de prequestionamento; b) óbice da Súmula n. 7 do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - STJ; e c) óbice da Súmula n. 83 do STJ (fls. 294/295).

Em agravo em recurso especial, a Defesa impugnou os referidos óbices (fls. 301/307).

Contraminuta do MP (fls. 310/313) Os autos vieram a esta Corte, sendo protocolados e distribuídos.

Aberta vista ao MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL - MPF, este opinou pelo não conhecimento do recurso especial, em razão da incidência do óbice da Súmula n. 7 do STJ (fls. 329/334).

É o relatório.

Decido.

Atendidos os pressupostos de admissibilidade do agravo em recurso especial, passa-se à análise do recurso especial.

Sobre a violação ao art. 250 do CP e ao art. 173 do CPP, o TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO rechaçou a tese defensiva sobre a ausência de comprovação da materialidade delitiva e manteve a condenação do recorrente nos seguintes termos do voto do relator:

Ou seja, apesar de o ônibus não ter sido periciado, verifica-se que a prova testemunhal constante dos autos teve o condão de suprir tal ausência, à luz do disposto no artigo 167, do CPP. (fl. 222).

Por seu turno, na sentença constou o seguinte:

E a prova pericial postulada pelas partes foi suprida pela prova testemunhal, que não deixa qualquer dúvida quanto à efetiva existência do crime em questão, a tornar inequívoca a materialidade delitiva, consoante dispõe no artigo 167 do Código de Processo Penal. Ademais, tem-se que condicionar a prova da materialidade delitiva a um determinado meio de prova (pericial) significaria retroceder ao sistema de provas legais, expressamente abolido pelo Código de Processo Penal, conforme se lê na exposição de motivos (fl. 144).

Extrai-se dos trechos acima que as instâncias ordinárias limitaram-se a afirmar que a prova testemunhal demonstrou de forma suficiente a materialidade do crime de incêndio, suprindo, pois, a ausência da perícia. Não foi apresentada qualquer justificativa da não realização da perícia no presente caso.

Contudo, a tese da prescindibilidade da perícia no crime de incêndio não encontra amparo na jurisprudência desta Corte Superior, que dispensa a análise dos experts tão somente se justificada a impossibilidade de realização de exame pericial, o que não ocorreu na hipótese em tela.

Conforme é cediço, o crime de incêndio deixa vestígios, devendo ser sua existência, por essa razão, comprovada por meio de perícia, a teor do disposto no art. 158 do CPP. Ademais, há no diploma processual penal previsão específica sobre os requisitos e particularidades do laudo pericial voltado à constatação do crime de incêndio. Assim, no art. 173 do CPP, determina-se que "os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado [o incêndio], o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato".

O bem jurídico tutelado pelo tipo penal é a incolumidade pública, que se vê ofendida quando o autor causa incêndio "expondo a perigo a vida, a integridade física ou o patrimônio de outrem". Assim, nem toda conduta de "atear fogo" configurará o crime de incêndio, visto que se exige a criação de perigo concreto, a ser verificado por perícia realizada no local incendiado, de acordo com as formalidades previstas no art. 173 do CPP.

Nesse sentido, destaca-se a remansosa jurisprudência desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE INCÊNDIO.

ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA IDÔNEA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DA PERÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA.

CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. Segundo o entendimento desta Corte, a ausência de perícia no crime de incêndio somente poderá ser suprida por outros meios de prova nas hipóteses em que seja impossível a realização do exame de corpo de delito, o que não restou evidenciado no caso dos autos.

2. Não tendo sido apontado nenhum fundamento capaz de justificar a não realização da perícia no local do crime, impõe-se a absolvição do recorrente e do corréu.

3. Agravo regimental improvido.

( AgRg no REsp n. 1.916.613/RS, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 11/5/2021, DJe de 17/5/2021).

AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE INCÊNDIO CIRCUNSTANCIADO. PLEITO DE ABSOLVIÇÃO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. ARTS. 158 E 173 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA IDÔNEA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DA PERÍCIA. NÃO COMPROVAÇÃO DA MATERIALIDADE DELITIVA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ABSOLVIÇÃO. ART. 386, INCISO II, DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. RECURSO DESPROVIDO.

1. O art. 158 do Código de Processo Penal determina que, quando a infração deixar vestígios, será indispensável o exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo supri-lo a confissão do acusado. Especificamente quanto ao crime de incêndio, o art. 173 desse mesmo diploma normativo processual estabelece que, no caso de incêndio, os peritos verificarão a causa e o lugar em que houver começado, o perigo que dele tiver resultado para a vida ou para o patrimônio alheio, a extensão do dano e o seu valor e as demais circunstâncias que interessarem à elucidação do fato.

2. Segundo esta Corte Superior, tratando-se de crimes que deixam vestígios, somente se justifica a dispensa da prova técnica em hipóteses excepcionais nas quais a perícia tenha se tornado inviável, o que não ocorreu no caso em apreço, pois, sem justificativa idônea o exame pericial não foi realizado, sendo, inclusive, destacado pelo Magistrado sentenciante que "o trabalho policial [deixou] bastante a desejar no presente caso".

3. Não se desconhece a existência de decisões da Sexta Turma desta Corte Superior no sentido de que a falta de preservação do local de incêndio pode constituir justificativa idônea para a não realização do exame pericial. Todavia, no caso, a não preservação do local decorreu da omissão Estatal (Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento) que, mesmo ciente dos fatos pelo registro de ocorrência, "não acionou o Departamento de Criminalística" e não preservou o local de incêndio, o que inviabiliza o afastamento da exigência.

4. Aplicável o entendimento de que "as provas testemunhais e o boletim de atendimento do corpo de bombeiros - atestando apenas a ocorrência do incêndio e os objetos danificados -, não bastam para alicerçar a condenação. É imprescindível o laudo pericial para a configuração do crime de incêndio, eis que a delineação de sua causa é decisiva para se concluir se houve ação proposital" ( HC 283.368/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 23/10/2014, DJe 10/11/2014).

5. Agravo desprovido.

( AgRg no HC n. 617.878/RS, relatora Ministra Laurita Vaz, Sexta Turma, julgado em 6/4/2021, DJe de 15/4/2021).

PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRIME DE INCÊNDIO. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. ART. 173 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. AUTO DE CONSTATAÇÃO INDIRETA. AUSÊNCIA DE JUSTIFICATIVA PARA A NÃO REALIZAÇÃO DE LAUDO PERICIAL. RECURSO IMPROVIDO.

1. Segundo a jurisprudência consolidada desta Corte, nos delitos que deixam vestígios, a substituição do exame pericial por outros meios de prova somente é possível em hipóteses excepcionais quando desaparecidos os sinais ou as circunstâncias não permitirem a realização do laudo, hipótese não verificada no caso dos autos.

2. Agravo regimental desprovido.

( AgRg no REsp n. 1.750.717/RS, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 5/2/2019, DJe de 18/2/2019).

PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ESPECIAL.

NÃO CABIMENTO. CRIME DE INCÊNDIO. DELITO QUE DEIXA VESTÍGIOS. EXAME PERICIAL NÃO REALIZADO. IMPRESCINDIBILIDADE. PROVA TESTEMUNHAL.

IMPOSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

I - A Terceira Seção desta Corte, seguindo entendimento firmado pela Primeira Turma do col. Pretório Excelso, firmou orientação no sentido de não admitir a impetração de habeas corpus em substituição ao recurso adequado, situação que implica o não conhecimento da impetração, ressalvados casos excepcionais em que, configurada flagrante ilegalidade apta a gerar constrangimento ilegal, seja possível a concessão da ordem de ofício.

II - O exame de corpo de delito direto, por expressa determinação legal, é indispensável para configuração da materialidade delitiva nas infrações que deixam vestígios, podendo apenas supletivamente ser suprido por outro meio de prova, quando os vestígios tenham desaparecido ou quando justificada a impossibilidade de realização da perícia. Precedentes.

III - No caso sob exame, não foi realizada perícia para constatar a materialidade do crime de incêndio, não existindo nos autos justificação alguma para a ausência da perícia, o que indica a presença de flagrante constrangimento ilegal.

Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para anular a r. sentença condenatória e o v. acórdão que a confirmou, absolvendo o paciente da prática do crime de incêndio, nos termos do art. 386, inc. II, do Código de Processo Penal, considerando a inexistência de prova da materialidade da conduta imputada.

( HC n. 440.501/RS, relator Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, julgado em 24/5/2018, DJe de 1/6/2018).

Com efeito, não foi juntado aos autos o laudo pericial do ônibus supostamente incendiado pelo recorrente. O laudo mencionado pelo acórdão (fl. 219), acostado às fls. 117/119, refere-se tão somente à descrição de dois lençóis, irrelevante, pois, para a comprovação do fato delituoso.

Portanto, não há que se falar, no presente caso, em comprovação da materialidade do crime de incêndio, eis que ausente o laudo pericial do ônibus supostamente incendiado. Inevitável, neste cenário, a absolvição do recorrente pelo crime previsto no art. 250, § 1º, II, c, do CP.

Por decorrência, não pode subsistir o delito de corrupção de menores, porquanto não comprovado, no caso, o crime em relação ao qual teria sido o menor corrompido a praticar. Falta, dessa feita, elementar do tipo previsto no art. 244-B, que exige para a sua configuração que se corrompa ou facilite a corrupção de menor, praticando com ele infração penal ou induzindo-o a praticá-la.

Portanto, figura como consequência lógica da absolvição do recorrente pelo crime de incêndio a sua absolvição também pelo crime de corrupção de menores, por ausência de elementar desse tipo penal.

Ante o exposto, conheço do agravo para conhecer do recurso especial e, com fundamento na Súmula n. 568 do STJ, dou-lhe provimento para absolver o recorrente da prática do delito previsto no art. 250, § 1º, II, c, do CP, com respaldo no art. 386, II, do CPP, e, de ofício, absolvo o recorrente da prática do crime tipificado no art. 244-B do ECA.

Publique-se. Intimem-se.

Brasília, 30 de setembro de 2022.

JOEL ILAN PACIORNIK Relator

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(STJ - AREsp: 2086317, Relator: JOEL ILAN PACIORNIK, Data de Publicação: 04/10/2022)

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