STJ Out22 - Estupro e Atentado Violento ao Pudor - Novatio Legis in Mellius - Crime Único para conduta no mesmo contexto
Inteiro Teor
RECURSO ESPECIAL Nº 2024026 - SP (2022/0275843-1)
EMENTA
RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI N. 12.015/2009. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS.CONDUTAS PRATICADAS NO MESMO CONTEXTO CONTRA A MESMA VÍTIMA. CRIME ÚNICO. RECURSO ESPECIAL PROVIDO.
DECISÃO
Trata-s e de recurso especial interposto por X, com fundamento no art. 105, inciso III, alínea a, da Constituição da Republica, contra o acórdão prolatado pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo no Agravo de Execução Penal n. 0005176-02.2021.8.26.0041.
Consta dos autos que o Recorrente foi definitivamente condenado à pena de 17 (dezessete) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, pela prática dos crimes de estupro, atentado violento ao pudor e roubo majorado, em concurso material.
O Juízo das Execuções deferiu o pedido da Defesa para reconhecimento de crime único entre o delito de estupro e o antigo crime de atentado violento ao pudor, tendo em vista as alterações introduzidas pela Lei n. 12.015/2019.
Irresignado, o Ministério Público estadual interpôs agravo em execução penal, que foi provido "para cassar a decisão agravada, retomando-se os termos do acórdão condenatório, o qual havia reconhecido o concurso material entre os delitos previstos nos artigos 213 e 214, do Código Penal, em sua redação anterior à alteração legislativa promovida pela Lei 12.015/09" (fl. 156).
Nas razões do recurso especial, o Recorrente alega contrariedade ao art. 2.º, parágrafo único, do Código Penal e negativa de vigência ao art. 213 do Código Penal.
Pugna pelo restabelecimento da "decisão proferida pelo Juízo das execuções que reconheceu o crime único entre as condutas dos artigos 213 e 214 do Código Penal, determinando o consequente refazimento do cálculo de penas, nos exatos moldes definidos em primeira instância" (fl. 169).
Contrarrazões às fls. 188-191.
O Ministério Público Federal opinou pelo "conhecimento e provimento do recurso especial para reconhecer a prática de crime único e determinar o retorno dos autos ao e. Tribunal a quo para que proceda ao devido redimensionamento da pena, como entender de direito" (fl. 211).
É o relatório. Decido.
O Juízo singular reconheceu o cometimento de crime único, afastando a condenação relativa ao delito de atentado violento ao pudor, nos seguintes termos (fls. 33-35; sem grifos no original):
"2. Com a promulgação da Lei nº 12.015/2009, as condutas descritas no artigo 214 foram reunidas na figura típica delineada pelo artigo 213 do Código Penal, revogando-se aquele.
O pedido é procedente, visto que as alterações introduzidas pela Lei nº 12.015/09 tipificaram o estupro e o atentado violento ao pudor como crime único.
Em outras palavras, com a revogação do artigo 214 do Código Penal, as condutas ali tipificadas passaram a integrar aquelas estabelecidas no artigo 213, que trata do crime de estupro. Em razão disso, quando forem praticados num mesmo contexto, contra a mesma vítima, atos que caracterizariam estupro e atentado violento ao pudor, não mais se falaria em concurso material ou crime continuado, mas sim, em crime único.
[...] Reconhecido, portanto, o cometimento de crime único, resta afastada a condenação relativa ao atentado violento ao pudor.
Mantida a pena base, tal como fixada na r. sentença condenatória e inalterada a condenação pela prática do roubo, remanesce a pena final de onze anos e quatro meses.
3. Posto isso, defiro o pedido de reconhecimento de crime único, restando apenas a condenação por infração ao artigo 213 e 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, remanescendo a pena final de 11 (onze) anos e 4 (quatro) meses."
O Tribunal de origem, por sua vez, destacou o que se segue (fls. 152-156; grifos diversos do original):
"Ao contrário do sustentado pelo agravado, a Lei nº 12.015/09, tal como apontado pelo Parquet, não se constitui como novatio legis in mellius, uma vez que a atual redação do artigo 213, do Código Penal, passou a ter redação que criou tipo penal misto cumulativo e não, como sustentado, tipo penal misto alternativo. Tal ocorre porque, uma vez reconhecido o maior desvalor referente à existência de mais de uma conduta delituosa, ainda que seja o mesmo bem jurídico tutelado, não há falar em mera absorção do delito de atentado violento ao pudor pelo delito de estupro.
[...] Deste modo, a decisão impugnada não merece prosperar.
Ante o exposto, dá-se provimento ao recurso, para cassar a decisão agravada, retomando-se os termos do acórdão condenatório, o qual havia reconhecido o concurso material entre os delitos previstos nos artigos 213 e 214, do Código Penal, em sua redação anterior à alteração legislativa promovida pela Lei 12.015/09, mantendo-se, ainda, como consequência, a pena de reclusão de 17 (dezessete) anos e 4 (quatro) meses, que havia sido imposta ao agravado no processo de nº 0057696-15.1998.8.26.0050."
Ao reconhecer a inexistência de "novatio legis in mellius, uma vez que a atual redação do artigo 213, do Código Penal, passou a ter redação que criou tipo penal misto cumulativo e não, como sustentado, tipo penal misto alternativo" (fl. 152), o Tribunal local divergiu da orientação desta Corte Superior, consoante precedentes a seguir transcritos:
"PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. INADEQUAÇÃO.
ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI 12.015/2009. CRIME MISTO ALTERNATIVO. RETROATIVIDADE DA LEI MAIS BENÉFICA. CONDUTAS PRATICADAS NO MESMO CONTEXTO CONTRA A MESMA VÍTIMA. CRIME ÚNICO.
INCREMENTO EXCESSIVO PELO CONCURSO FORMAL PRÓPRIO. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...] 2. A reforma introduzida pela Lei n. 12.015/2009 condensou num só tipo penal as condutas anteriormente tipificadas nos arts. 213 e 214 do CP, constituindo, hoje, um só crime o constrangimento, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso, na hipótese em que a conduta tenha sido praticada em um mesmo contexto fático e contra a mesma vítima, em observância ao princípio da retroatividade da lei mais benéfica. Trata-se, pois, de crime misto alternativo.
3. Na hipótese dos autos, verifica-se a ocorrência de crime único de estupro, pois as condutas delitivas - conjunção carnal, sexo anal e oral - foram praticados contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático-temporal, o que inviabiliza a aplicação da continuidade delitiva. Ressalte-se, contudo, que, apesar de inexistir concurso de crimes, é de rigor a valoração na pena-base de todas as condutas que compuseram o tipo misto alternativo do atual crime de estupro, sob pena de vulneração da individualização da pena.
[...] 6. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida, de ofício, para determinar ao Juízo das Execuções que proceda à nova dosimetria da pena, considerando a ocorrência de um crime único de estupro, ficando limitado o aumento a 1/4 pelo concurso formal entre os crimes de roubo."( HC n. 325.411/SP, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 19/4/2018, DJe de 25/4/2018; sem grifos no original.)
"PENAL E PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO ORDINÁRIO. ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR. LEI Nº 12.015/2009.
PENAL. CONDENAÇÃO POR ESTUPRO E ATENTADO VIOLENTO AO PUDOR EM CONCURSO MATERIAL. SUPERVENIÊNCIA DA LEI N. 12.015/2009. NOVA TIPIFICAÇÃO. CRIMES DA MESMA ESPÉCIE. NOVATIO LEGIS IN MELLIUS.
RETROATIVIDADE DA LEI PENAL MAIS BENÉFICA. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.
[...] II - Com as inovações trazidas pela Lei n12.01555/2009, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor são agora do mesmo gênero - crimes contra a dignidade sexual - e também da mesma espécie - estupro -, razão pela qual, desde que praticados contra a mesma vítima e no mesmo contexto, devem ser reconhecidos como crime único.
III - Na espécie, evidencia-se que as práticas de conjunção carnal e ato libidinoso diverso ocorreram contra a mesma vítima e no mesmo contexto fático.
Habeas Corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para cassar a decisão do Juízo da Execução e o v. acórdão objurgado e determinar que o Juízo das Execuções refaça a dosimetria das penas do crime único de estupro, nos termos da Lei n. 12.015/2009, admitindo-se a consideração acerca da prática de atos libidinosos diversos da conjunção carnal quando da avaliação das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal."( HC n. 355.963/SP, relator Ministro FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 2/5/2017, DJe de 11/5/2017; sem grifos no original.)
Desse modo, deve ser restabelecida a decisão de fls. 33-35, que deferiu o "pedido de reconhecimento de crime único, restando apenas a condenação por infração ao artigo 213 e 157, § 2º, inciso I, do Código Penal, remanescendo a pena final de 11 (onze) anos e 4 (quatro) meses" (fl. 35).
Por fim, não pode ser acolhido o pleito ministerial de retorno dos autos ao Tribunal a quo para que proceda ao devido redimensionamento da pena, dada a existência do óbice intransponível da preclusão consumativa, já que tal pedido não consta das contrarrazões ao recurso especial apresentadas pelo Recorrido.
Nesse sentido:
"[...] 1. A pretensa remessa dos autos para o STF visando que fosse primeiramente analisado o princípio da proporcionalidade não foi declinada por ocasião das contrarrazões ao recurso especial, não havendo, pois, como enfrentá-lo por ora, dada a existência do óbice intransponível da preclusão consumativa.
[...] 3.Agravo regimental desprovido." ( AgRg no REsp n. 1.700.630/RS, relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 22/5/2018, DJe de 30/5/2018; sem grifos no original.)
"[...] 4. O Agravante, ao oferecer as contrarrazões ao recurso especial defensivo, não suscitou a alegação de que o Agravado não teria comprovado que não havia concluído anteriormente o ensino médio, o que, no seu entender, impediria a concessão da remissão, vindo a trazer tal questionamento tão-somente no presente regimental, o que configura indevida inovação, inadmissível no recurso interno, pela preclusão consumativa.
5. Agravo regimental parcialmente conhecido e, nessa extensão, desprovido." ( AgRg no REsp n. 1.995.491/MG, relatora Ministra LAURITA VAZ, Sexta Turma, julgado em 7/6/2022, DJe de 13/6/2022; sem grifos no original.)
Ante o exposto, DOU PROVIMENTO ao recurso especial para restabelecer a decisão de fls. 33-35.
Publique-se. Intimem-se.
Brasília, 14 de outubro de 2022.
MINISTRA LAURITA VAZ Relatora
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(STJ - REsp: 2024026, Relator: LAURITA VAZ, Data de Publicação: 18/10/2022)
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