Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Maio de 2024

Panorama da Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo

Publicado por Hilton Rayol
há 3 anos

O objetivo deste trabalho é analisar, sob contexto atual do direito, os aspectos da responsabilidade civil do transporte aéreo, bem como, abordar sobre a legislação que disciplina esse instituto, e que dizem respeito as normas do direito aeronáutico.

Inicialmente, cumpre fazer uma abordagem sobre a evolução histórica da legislação aeronáutica, fazendo uma rápida digressão acerca do tema.

Com o aparecimento do avião, surgem novas formas de responsabilidade que estavam contempladas na legislação até então vigente. Isso se deve ao fato de existirem fatores intrínsecos à incipiente atividade aeronáutica que deveriam ser considerados, tais como: as dificuldades da circulação aérea, que dependia, ainda, das condições atmosféricas (por exemplo, as turbulências, as tempestades etc.); a natureza especial dos riscos do ar; o caráter internacional do transporte aéreo; a preocupação de não prejudicar o desenvolvimento e o progresso da aviação comercial, evitando estabelecer um tipo de responsabilidade altamente pesada, em termos de indenização.[i]

Procurando criar uma solução ao problema da responsabilidade do transporte aéreo e uniformizar seus princípios, surge a Convenção de Varsóvia em 1929, a qual institui nova disciplina para a legislação aeronáutica. No tocante ao regime contratual, a Convenção estipulou um sistema de responsabilidade limitada, que, de certa maneira, foi criado para atenuar e minorar a responsabilidade e a carga indenizatória do transportador, com presunção de responsabilidade que pesa sobre os ombros deste.[ii]

Em toda a sua extensão, a Convenção de Varsóvia é premiada por inúmeras divergências quanto aos valores dos limites da responsabilidade, sobrevindo várias emendas, dentre as quais se destacam o Protocolo de Haia, de 1955, e o Protocolo da Guatemala, de 1971, este ainda sem vigência internacional.[iii]

Observada a evolução histórica da legislação aeronáutica, cabe destacar sobre a doutrina jurídica que define o instituto da Responsabilidade Civil como parte do posicionamento que todo aquele que violar um dever jurídico através de ato lícito ou ilícito, tem o dever de reparar, pois todos temos um dever jurídico originário o de não causar danos a outrem e ao violar este dever jurídico originário, passamos a ter um dever jurídico sucessivo, o de reparar o dano que foi causado. O ato jurídico é espécie de fato jurídico.[iv]

Fato jurídico é todo acontecimento da vida que o Direito considera relevante, são os fatos que o direito pode ou deve interferir. Podem ser naturais, acontecidos pela força da natureza, como entre outros, o nascimento, morte, tempestade, ou voluntários quando são causados por condutas humanas que podem ser atos lícitos ou ilícitos. Os lícitos são os que estão de acordo com a lei produzindo efeitos em conformidade com o ordenamento jurídico. Os ilícitos são os que estão em desacordo com o ordenamento jurídico logo produzem efeitos, que de acordo com as normas legais causam um dano ou um prejuízo a alguém, com isso criam uma obrigação de reparar o dano que foi causado, conforme visto no art. 186 e art. 927 do Código Civil onde estão as seguintes previsões:

“Aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral comete ato ilícito” e “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.”[v]

Desta forma, o instituto da responsabilidade civil é de relevante importância na sociedade contemporânea, uma vez que havendo dano, objetiva-se a devida reparação deste e como consequência, a restauração de um equilíbrio moral e patrimonial de acordo com preceitos de justiça. O prejuízo do lesado pode ser verificado a partir da perda ou diminuição no patrimônio deste ou pelo dano moral ocasionado, que resultará em uma reação legal. Vale ressaltar que, no sistema atual de responsabilidade civil, o enfoque se dá na reparação do dano.[vi]

A responsabilidade civil vem de uma evolução tal que, a princípio, o Código Civil de 1916 estabelecia a concepção de que o homem é responsável, enfatizando a culpabilidade individual. Posteriormente, um novo sistema surge; o causador do dano, então, se exime do dever de indenização caso comprove a ocorrência de alguma causa de exclusão do nexo de causalidade, que são: caso fortuito, força maior, fato exclusivo da vítima ou de terceiros.[vii]

Assim, pode-se dizer que a responsabilidade civil passou por significantes mudanças ao longo do século XX, tendo seus domínios ampliados paralelamente à multiplicação de inventos, descobertas na área da ciência e tecnologia e de outras conquistas da humanidade.[viii]

Com o advento da Constituição Federal de 1988, o panorama da ordem jurídica nacional teve sua feição alterada, tornando-se mais condizente com nossa realidade, e abrindo novas perspectivas à responsabilidade civil do transportador aéreo. Dentre as inovações trazidas pela promulgação da nova Carta Magna, temos o fato de o transportador aéreo ser um concessionário de serviço público, como previsto no art. 37, § 6º. Assim, mesmo que decorra de contrato, a sua responsabilidade será objetiva, não cabendo questionar culpa ou dolo para ensejá-la. De acordo com a Constituição:

Art. 37 […].

§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e privado e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.[ix]

Outra questão fundamental é a do dano moral decorrente da responsabilidade do transporte aéreo, que se vê contemplado pela Constituição Federal de 1988 (art. 5º, incisos V e X). Nem o Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA) nem a Convenção previam a possibilidade de indenização por dano moral.

A Constituição, como lei maior, sobrepõe-se às demais leis, e mesmo a tratados firmados pelo Brasil, resultando clara a possibilidade de indenização por dano moral nos casos de atraso de voo e de extravio de bagagem.[x]

Além da Constituição Federal, a responsabilidade civil está disciplinada no Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor.

O Código de Defesa do Consumidor é tido como uma lei especial, que atinge toda e qualquer relação de consumo. Assim, este código é lei própria e específica, que se refere à responsabilidade civil nos contratos de transporte aéreo que envolva relação de consumo, mesmo que posteriormente promulgue-se uma nova Convenção sobre esta temática ou até um novo Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA). No transporte aéreo, percebe-se nitidamente uma relação de consumo em que em um polo se tem o consumidor, a prestação do serviço mediante remuneração e no outro extremo o fornecedor dos serviços, a companhia aérea.[xi]

Assim, como as empresas de transporte aéreo são prestadoras de serviço público, estão submetidas ao regime do Código de Defesa do Consumidor, que estabelece a responsabilidade objetiva integral, em que o art. 22, parágrafo único aborda que os órgãos públicos, por si ou suas empresas concessionárias, permissionárias ou qualquer outro empreendimento, são obrigadas a fornecer serviços eficientes e seguros. Tem-se que o transporte aéreo é um serviço público concedido pela União, conforme aponta o art. 21, XII, alínea c da Magna Carta e assim, as companhias não podem ser excluídas do sistema de indenização integral estabelecido pelo Código de Defesa do Consumidor nos art. , I e VI e art. 25. A limitação da responsabilidade só é admissível em certas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor na condição de pessoa jurídica, de acordo com o art. 51, inciso I também do código consumerista.[xii]

Importante ressaltar que o serviço de transporte de pessoas configura uma relação jurídica de consumo. O próprio Código de Defesa do Consumidor estabelece e define a figura do consumidor como: “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final” (art. 2º).

Segundo o Código Civil vigente, arts. 186 e 187, aquele que violar direito e causar dano a outra pessoa, comete ato ilícito, ficando obrigado a repará-lo. Os pressupostos da responsabilidade civil, são, portanto, a transgressão do dever jurídico e o dano, como já explicitado. Há um dever jurídico originário, em que a violação ocasiona um dever jurídico sucessivo ou secundário, de indenização do prejuízo.[xiii]

A doutrina divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual. Caso preexista um vínculo obrigacional, sendo o dever de indenizar uma consequência do inadimplemento, tem-se a responsabilidade contratual; já se o dever surge em decorrência de lesão a direito subjetivo, sem preexistência de qualquer relação jurídica entre o ofensor e a vítima, tem-se responsabilidade extracontratual, também denominada de ilícito aquiliano.[xiv]

Quanto a responsabilidade do transportador no transporte de passageiros, uma vez contratado seu serviço, o empresário tem o dever de transportar o passageiro. Esta é a primeira e principal obrigação. Do dever assumido, decorrem outros constantes no contratado ou na lei. Destes, o que primeiro chama a atenção é o dever de transportar o passageiro com segurança, de modo que este não venha a sofrer no percurso qualquer tipo de lesão. É a cláusula de incolumidade implícita no contrato, que pode ser percebida no artigo 17 da Convenção de Varsóvia (Responde o transportador pelo dano ocasionado por morte, ferimento ou qualquer outra lesão corpórea sofrida pelo viajante, desde que o acidente, que causou o dano, haja ocorrido a bordo da aeronave, ou no curso de quaisquer operações de embarque ou desembarque), disposição semelhante àquela contida no art. 256, inciso I, do Código Brasileiro de Aeronáutica (CBA): o transportador responde pelo dano decorrente: “I – de morte ou de lesão de passageiro, causada por acidente ocorrido durante a execução do contrato de transporte aéreo, a bordo de aeronave ou no curso das operações de embarque e desembarque; […]”. Desse modo, respondendo o empresário por morte ou lesão de passageiro, verifica-se que há, em verdade, uma obrigação de incolumidade, tratando-se a indenização de obrigação principal e, portanto, caso de responsabilidade. A morte e lesão são as duas primeiras hipóteses de que resulta a responsabilidade civil do transportador.[xv]

O Código Brasileiro de Aeronáutica, nos artigos 230 e 231, sob o título “Do bilhete de passagem”, alcança outras hipóteses de obrigação sucessiva, decorrentes da mora ou inadimplemento na prestação de serviço:

Art. 230. Em caso de atraso da partida por mais de quatro horas, o transportador providenciará o embarque do passageiro, em voo que ofereça serviço equivalente para o mesmo destino, se houver, ou restituirá, de imediato, se o passageiro o preferir, o valor do bilhete de passagem.

Art. 231. Quando o transporte sofrer interrupção ou atraso, em aeroporto de escala por período superior a quatro horas, qualquer que seja o motivo, o passageiro poderá optar pelo endosso do bilhete de passagem ou pela imediata devolução do preço.

Parágrafo único. Todas as despesas decorrentes da interrupção ou atraso da viagem, inclusive transporte de qualquer espécie, alimentação e hospedagem, correrão por conta do transportador contratual, sem prejuízo da responsabilidade civil.[xvi]

Quanto ao Contrato de Transporte Aéreo e os Princípios Contratuais, esclarece que o contrato de transporte de pessoas é um negócio jurídico por meio do qual alguém se obriga a transportar outrem, mediante um pagamento, de um lugar para outro, segundo que preceitua o art. 730 do Código Civil brasileiro. A redação espelha-se na definição de Pontes de Miranda, in verbis, “contrato de transporte é o contrato pelo qual alguém se vincula, mediante retribuição, transferir de um lugar para outro pessoas e bens.”[xvii]

Um outro aspecto importante está relacionado a segurança e proteção do contratante. Tratando-se de transporte de pessoas, a preocupação com as denominadas obrigações de segurança e proteção assumem especial relevo, sendo consideradas essenciais.[xviii]

Sendo assim, o artigo buscou explanar acerca da evolução histórica da legislação aeronáutica, abrangendo normas que estão estabelecidas no Direito Aeronáutico, novas formas de responsabilidade contempladas na legislação até então vigente.

Em seguida, abordou sobre o conceito da Responsabilidade Civil, além de expor aspectos relevantes sobre a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor, o Código Brasileiro de Aeronáutica, o Código Civil e as normas internacionais com base na Convenção de Varsóvia de 1929, denominada também de Convenção para a Unificação de Certas Regras Relativas ao Transporte Aéreo Internacional, sendo promulgada no Brasil pelo Decreto nº 20.704, de 1931.

Por fim, o Contrato de Transporte Aéreo e os Princípios Contratuais como um negócio jurídico, por meio do qual alguém se obriga a transportar outrem, além da proteção e da segurança dos passageiros que se utilizam deste modal.


[i] MOURA, Geraldo Bezerra de. Transporte aéreo e responsabilidade civil. São Paulo: Aduaneiras, 1992, p. 227-228.

[ii] Ibidem, loc. cit.

[iii] FARES, Ali taleb. Panorama da responsabilidade civil no transporte aéreo. Rev. Fund. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, ano 9, v. 18, p. 11-25, dez. 2001.

[iv] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas 2008, p. 2.

[v] GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007, p. 13-14.

[vi] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 7.

[vii] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit.

[viii] CAVALIERI FILHO, Sérgio; DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil: das preferências e privilégios creditórios. 2. ed. Rio de Janeiro; Forense, 2007.

[ix] FARES, Ali taleb. Op. cit., loc. cit.

[x] Ibidem, loc. cit.

[xi] ALONSO, Viviane Lorenzetti Branquinho. Consideração sobre a responsabilidade civil do transportador aéreo. Itajaí, SC: Univali, Itajaí, 2010. Disponível em: <http://siaibi01.univali.br/pdf/Viviane%20Lorenzetti%20Branquinho%20Alonso.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2021.

[xii] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit.

[xiii] GONÇALVES, Carlos Roberto. Op. cit.

[xiv] CAVALIERI FILHO, Sérgio. Op. cit.

[xv] CAVALCANTI, André Uchôa. Responsabilidade civil do transportador aéreo. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 133-135.

[xvi] Ibidem, loc. cit.

[xvii] MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. v. 45, p. 8.

[xviii] ROMANELLI, Gustavo. II Transporte aéreo di persone. Padova: Cedam, 1966, p. 5-7.


REFERÊNCIAS

ALONSO, Viviane Lorenzetti Branquinho. Consideração sobre a responsabilidade civil do transportador aéreo. Itajaí, SC: Univali, Itajaí, 2010. Disponível em: <http://siaibi01.univali.br/pdf/Viviane%20Lorenzetti%20Branquinho%20Alonso.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2021.

CAVALCANTI, André Uchôa. Responsabilidade civil do transportador aéreo. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de responsabilidade civil. São Paulo: Atlas 2008.

CAVALIERI FILHO, Sérgio; DIREITO, Carlos Alberto Menezes. Comentários ao novo código civil: da responsabilidade civil: das preferências e privilégios creditórios. 2. ed. Rio de Janeiro; Forense, 2007.

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: responsabilidade civil. 28. ed. São Paulo: Saraiva, 2014. v. 7.

FARES, Ali taleb. Panorama da responsabilidade civil no transporte aéreo. Rev. Fund. Super. Minist. Público Dist. Fed. Territ., Brasília, ano 9, v. 18, p. 11-25, dez. 2001.

GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2007.

MIRANDA, Pontes de. Tratado de direito privado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002. v. 45.

MOURA, Geraldo Bezerra de. Transporte aéreo e responsabilidade civil. São Paulo: Aduaneiras, 1992.

ROMANELLI, Gustavo. II Transporte aéreo di persone. Padova: Cedam, 1966.

  • Sobre o autorDireito Aeronáutico e Segurança de Voo
  • Publicações41
  • Seguidores15
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações86
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/panorama-da-responsabilidade-civil-no-transporte-aereo/1314915117

Informações relacionadas

Wagner Vieira, Advogado
Artigoshá 5 anos

Transporte Aéreo - Responsabilidade Civil - Legislação Pertinente

Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Jurisprudênciahá 2 anos

Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Apelação Cível: AC XXXXX-79.2020.8.13.0024 MG

Rodrigo Colsato, Advogado
Artigoshá 9 anos

Responsabilidade Civil no Transporte Aéreo

Eduardo Fernandes Bueno, Advogado
Artigoshá 5 anos

Cancelamento de VOO

Sara Ribeiro, Advogado
Artigoshá 3 anos

Meu voo foi cancelado em cima da hora. Tenho algum direito?

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)