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29 de Maio de 2024

Progressão de regime dos crimes hediondos e equiparados.

Alterações instituídas pela lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 e o direito comparado.

há 9 meses

Resumo do artigo

O presente trabalho é uma abordagem que compreende as alterações realizadas pela Lei 13.964/19, também chamada de Lei do Pacote Anticrime, com relação ao instituto da Progressão de Regime para os presos condenados por cometimento de crime hediondo. Realizando um estudo entre os ensinamentos de vários autores, e as aplicações da Lei de Execução Penal (LEP), conjuntamente com as constantes alterações ocorridas recentemente, percebe-se que ao editar comandos normativos contrários ao objetivo disposto na LEP, o legislador não somente divergiu dentro da própria lei, mas também incorreu em ofensa aos princípios basilares que norteiam todo o sistema jurídico criminal brasileiro.

INTRODUÇÃO

O presente trabalho procura apontar as contrariedades existentes dentro da Lei de Execução Penal brasileira, diante das constantes alterações legislativas em seu contexto.

Partindo do pressuposto de que a jurisdicionalização do Estado compreende desde a edificação das leis até a execução plena delas, encontram-se muitas divergências durante o processo de cumprimento de pena, especificamente quanto ao instituto de progressão de regime dos condenados pela prática de crimes hediondos frente ao objetivo da LEP, que se trata da ressocialização, divergência essa objeto deste presente trabalho acadêmico.

O Código Penal, o Código Processual Penal e a Lei de Execução Penal ( LEP), fazendo uma analogia, se comportam como um quebra cabeça, em que o legislador sempre traz novas peças de ordenamentos jurídicos alienígenas e tenta encaixá-las no nosso quebra cabeça, de modo que chega uma hora em que a peça irá se sobrepor as demais, gerando inúmeros conflitos, já que o legislador só se importa em criar a nova norma e introduzi-la no ordenamento jurídico sem nenhum cuidado quanto à conformidade com o objetivo da legislação já vigente.

O presente trabalho, para melhor compreensão, será lastreado nos fundamentos do Sistema de Execução Penal, em especial no que se refere ao instituto da progressão de regime. Passando por um breve histórico da formação do nosso sistema, sua classificação, seu objetivo, o conceito do que são os crimes hediondos e de como as alterações trazidas pela Lei 13.964/19 afetam diretamente o binômio prisão-ressocialização ao fixar as regras da progressão de regime.

O Sistema de Execução Penal brasileiro é composto basicamente por princípios que se fundamentam nos direitos humanos, como os princípios da humanidade, da não marginalização das pessoas presa (ROIG, 2016), da individualidade da pena.

Além disso, o sistema de progressão de regime adotado pelo Brasil tem como fundamento o sistema de progressão de regime adotado pela Irlanda (com adaptações promovidas pelo legislador pátrio), onde de fato, as normas impressas nesse sentido cumprem com o seu objetivo, ou seja, aqueles que são condenados recebem tratamentos e medidas que viabilizam o seu retorno à convivência em sociedade.

Vale lembrar que o nosso sistema processual penal é classificado como misto porque possui características dos sistemas inquisitivo e acusatório, o que influencia diretamente nas constantes alterações abarcadas pela LEP.

Assim, se propõe uma reflexão sobre as normas trazidas pela Lei 13.964/19, especificamente as alterações ocorridas no artigo 112, incisos V, VI, VII e VIII, todos da LEP, buscando verificar a eficácia dos dispositivos em garantir ao condenado uma ressocialização efetiva, já que em nenhum momento a lei cria medidas incentivadoras e modeladoras de comportamento para viabilizar o retorno à sociedade, sem que haja reincidência na vida de delinquência.

Quando se trata de crime hediondo, a legislação o trata com mais rigor, por serem entendidos como crimes de maior lesividade e danosidade social, não sendo por outro motivo que o regime de cumprimento inicial de pena privativa de liberdade é sempre o regime fechado.

Não diferente deste sentido é que a Lei nº 13.964/19 trouxe alterações no que tange ao chamado requisito objetivo, que compreende a quantidade de pena que o preso deverá cumprir para alcançar a progressão de regime, tornando-a mais rigorosa, todavia, não estabeleceu normas que tornem possível ao preso atingir o novo quórum estabelecido, o que contrasta drasticamente com o objetivo disposto no artigo da LEP.

Surge então a seguinte indagação: a alteração do quórum do requisito objetivo do instituto da progressão de regime, promovida pelas reformas pontuais ocorridas, estão em harmonia e conformidade com o objetivo da LEP, tendo em vista que não foram acompanhadas de medidas incentivadoras, subjetivas e comportamentais para o pleno alcance do regresso ao meio social, ou, em verdade, estas mudanças apenas servem para afastar cada vez mais esse indivíduo do convívio em sociedade?

Acrescente-se ainda que alguns dispositivos da LEP sobre o instituto da progressão de regime estão ultrapassados, razão pela qual necessitam de uma reforma que viabilizem de fato, a progressão de regime.

1. O MISTO SISTEMA DE EXECUÇÃO PENAL BRASILEIRO

O Sistema Processual Penal brasileiro é classificado como misto, por possuir características dos sistemas inquisitivo e acusatório. Neste item se faz necessária uma breve explanação dos sistemas adotados pelo Brasil, para melhor compreensão das alterações trazidas pela Lei n.º 13.964/19.

Em verdade, inúmeras foram e são as alterações sofridas dentro do sistema penal, de modo que, ora se adotam mais os fundamentos do sistema inquisitivo, ora se valoriza os princípios basilares do sistema acusatório, que é lastreado na ampla defesa e aposta no caráter ressocializador da pena, através de medidas tidas como básicas para promover a dignidade da pessoa humana.

1.1. Sistema inquisitivo

O sistema inquisitivo consiste em concentrar nas mãos do mesmo julgador, o poder de acusar e de julgar, ao mesmo momento. Desse modo, não havia imparcialidade nos julgamentos, e a figura da confissão era tida como a principal prova de um determinado caso.

Dentro do sistema inquisitivo era comum o pensamento e a aplicabilidade da política do cárcere como principal forma de “educar” aqueles que transgrediam as leis. A pena corporal era indispensável para disciplinar àqueles que eram condenados, de modo que a eles eram impostos trabalho escravo, péssimas condições humanitárias e marginalização profunda, ou seja, depois de condenados não eram mais tratados como pessoas humanas, mas sim como coisas.

Muito embora o sistema aqui referido tenha ficado no passado, nos parece que aos poucos ele vem se tornando mais presente no que tange ao tratamento hodiernamente dispensado aos condenados por cometimento de crimes hediondos, tendo em vista que, conforme a nova aplicabilidade do requisito objetivo trazido pelo pacote anticrime (Lei n.º 13.964/19), se tornou mais difícil o alcance da progressão de regime.

1.2. Sistema acusatório

Predominantemente aplicado até o século XII, o sistema acusatório exige a figura do acusador honrado e legalmente constituído. Aqui há separação entre o julgador e o órgão acusador, não se esquecendo de proporcionar, tanto ao acusado, quanto à vítima, os seus direitos de defesa e de livre acusação, imprimindo no decorrer do processo o princípio da isonomia entre as partes.

Muito embora seja um sistema criado há séculos, nos dias atuais, se encontra muito forte e presente por exprimir características como publicidade do processo, princípio do contraditório e da ampla defesa, entre outros. No que tange aos requisitos diretamente ligados ao instituto da progressão de regime, quando se trata da exigência de bom comportamento, caso o preso condenado seja acusado de cometimento de falta grave, por exemplo, o mesmo passa por um processo administrativo e disciplinar, em que se tem garantida a sua defesa, como forma de cuidado da legislação em não cometer penalidade injusta.

1.3. Sistema misto

Nascido após a Revolução Francesa, o sistema misto se trata de uma sistemática união dos dois sistemas acima explicitados, em que foram analisadas as suas principais características e retiradas as que melhor se adaptaram a realidade e aos requerimentos da sociedade da época.

Nas palavras de Nucci (2017), citando Gilberto Lozzi,

Conforme bem atesta Gilberto Lozzi, na realidade, não existe um processo acusatório puro ou um processo inquisitório puro, mas somente um processo misto, de onde se possa perceber a predominância do sistema acusatório ou do inquisitivo (Lezioni di procedura penale, p.5). Essa é, sem dúvida, a realidade da maioria dos ordenamentos jurídicos do mundo atual. (NUCCI, 2017, p.73)

No Brasil, embora o sistema de execução penal seja classificado como misto, há maior prevalência do sistema acusatório ao sistema inquisitivo. Até por este motivo, aumentam as divergências dentro da própria LEP, pois, frente à ressocialização proposta pela mesma, o legislador, cada vez mais, vem pondo em prática ideias de que quanto mais tempo o condenado permanecer preso, minguando em uma cela, por mais tempo também a sociedade permanecerá segura, e dessa forma é que se resolve o problema.

Posto isto, diante das constantes mudanças ocorridas na LEP, e agora com a majoração do quórum de cumprimento de pena para que o preso condenado alcance a tão almejada progressão de regime, nos parece que o legislador está mais preocupado com a imposição de maior rigorosidade do cárcere como forma de “prevenir” o cometimento do crime e causar um sentimento de segurança (ainda que falso) do que, de fato, punir e educar se utilizando de medidas socializadoras e ressocializadoras, a fim de que seja cumprido o objetivo para o qual nasceu a LEP.

Não seria arriscado afirmar que o legislador está agindo contrariamente ao determinado pela LEP, pois se quiser mesmo cumprir com os fundamentos legais de todo um sistema jurídico que envolve a Constituição Federal, os Códigos Penal e Processual Penal e Lei de Execução Penal deverão ser criadas normas em sintonia com aquelas já dispostas na LEP, de forma a possibilitar e assegurar ao condenado condições suficientes de se comprometer e atingir a ressocialização, e não institutos que segregam mais ainda àqueles que andam às margens da lei, incorrendo inclusive, em ofensa aos princípios que norteiam o procedimento da Execução Penal.

2. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS REFERENTES À EXECUÇÃO PENAL, PROGRESSÃO DE REGIME E TRATAMENTO AOS PRESOS

2.1. Princípio da Humanidade

Conforme instituído pela nossa Constituição Federal, em seu artigo 1º, inciso III, a Dignidade da Pessoa Humana é um dos fundamentos basilares da República Federativa do Brasil e do Estado Democrático de Direito.

O Princípio da Humanidade é o norte de todos os outros princípios que permeiam a esfera penal, processual e de execução penal, de modo que por ele se entende que todas as pessoas devem ser tratadas com dignidade independente da situação que se encontrem, incluindo assim as pessoas condenadas por quaisquer crimes. É um princípio consagrado tanto pelo Direito brasileiro, quanto pelo Direito internacional.

Nas palavras de Rodrigo Roig (2016), em sua obra Execução Penal – teoria crítica:

Em uma visão redutora da execução penal, a humanidade também se identifica com o imperativo da tolerância (ou alteridade), exigindo do magistrado da execução uma diferente percepção jurídica, social e humana da pessoa presa, capaz de reconhecê-la como sujeito de direitos. Essa nova compreensão do princípio da humanização da pena – cotejada pelo reconhecimento do outro – busca então afastar da apreciação judicial juízos eminentemente morais, retributivos, exemplificantes ou correcionais, bem como considerações subjetivistas, passíveis de subversão discriminatória e retributiva. Busca ainda deslegitimar o manejo da execução como instrumento de recuperação, reeducação, reintegração, ressocialização ou reforma dos indivíduos, típicos da ideologia tratamental positivista.
Sob o viés redutor de danos, o princípio da humanidade revela também como mandamento primordial a vedação ao retrocesso humanizador penal, demandando assim que a legislação ampliativa ou concessiva de direitos e garantias individuais em matéria de execução penal se torne imune a retrocessos tendentes a prejudicar a humanidade das penas. Recorre-se, para tanto, à analogia em relação à própria determinação constitucional de que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais (art. 60, § 4º, IV, da CF). (ROIG, 2016. p. 24)

Portanto, muito embora a LEP tenha em seu corpo dispositivos disciplinares em consonância com o princípio da humanidade, também possui sanções e normas que conflitam com o este mesmo princípio. Desta forma a LEP não se concentra em seu objetivo de promover ações afirmativas para que de fato os que estão ali encarcerados possam evoluir em comportamentos e visualizar o seu retorno ao convívio social.

É claro que quando o indivíduo comete um delito, ele deve ser punido pelo ato que cometeu. Isso não se discute aqui. Mas ainda que condenado, deve o encarcerado ter seus direitos, não atingidos pela condenação, garantidos.

Ainda dentro do princípio da humanidade, a Constituição Federal vigente em nosso país veda expressamente a pena de trabalho forçado, conquanto que a LEP obriga, expressamente, os condenados à realização de trabalhos internos. Ora, se trata de completa incompatibilidade com o disposto na Carta Magna, e ainda, ofendendo o princípio em estudo, pois muito embora o trabalho ali referido não se trate de uma pena específica, não deixa de ser uma punição aos que foram condenados à pena privativa de liberdade.

A garantia do trabalho é uma via de possibilidade de ocupação, de mudança de comportamento e de uma boa convivência social. Entretanto, ser forçado a trabalhar, além de ser uma imposição de natureza inquisitiva, em nada contribui para a ressocialização daquele condenado.

Ademais, o Estado deixa a mercê da direção de cada estabelecimento prisional e legislação local o julgamento de faltas que venham a ser cometidas pelos presos, de modo que não precisa passar pelo Poder Judiciário para decisão e homologação das penalidades tidas como disciplinares, somente ocorrendo intervenção do juiz se o diretor do presídio requerer a inclusão do preso em regime disciplinar diferenciado (RDD).

O doutrinador Nucci (2017), em suas explanações, nos esclarece:

Há dois prismas para o princípio constitucional regente da dignidade da pessoa humana: objetivo e subjetivo. Sob o aspecto objetivo, significa a garantia de um mínimo existencial ao ser humano, atendendo as suas necessidades básicas, como moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, nos moldes fixados pelo art. 7º, IV, da CF. sob o aspecto subjetivo, trata-se do sentimento de respeitabilidade e autoestima, inerentes ao ser humano, desde o nascimento, em relação aos quais não cabe qualquer espécie de renúncia ou desistência.
O Processo Penal constitui o amálgama do Direito Penal, pois permite a aplicação justa das normas sancionadoras. A regulação dos conflitos sociais, por mais graves e incômodos, depende do respeito aos vários direitos e garantias essenciais à formação do cenário ideal para a punição equilibrada e consentânea com os pressupostos do Estado Democrático de Direito, valorizando-se, acima de tudo, a dignidade humana. (grifo nosso) (NUCCI, 2017, p. 33).

De certo, a LEP traz em seu bojo dispositivos que garantem aos encarcerados direitos básicos, como saúde e educação, entre outros, porém, o princípio da humanidade deve ser posto em prática pelos sistemas penitenciários brasileiros.

É válido observar que o princípio da humanidade é o pilar que rege todos os pactos internacionais dos quais o Brasil é signatário, o que significa dizer que, é um princípio não só constitucional, mas sim, que é um fundamento que o país faz questão de reafirmar, em todas as suas normas. Apesar disso e das diversas alterações legislativas, não houve nenhuma mudança referente à questão do trabalho obrigatório ou quaisquer outras medidas para que condenados possam ser reinseridos, restando configurada a negligência do legislador.

2.2. Princípio da não marginalização das pessoas presas ou internadas

A marginalização daqueles que cometeram algum tipo de crime é um sentimento natural, aguçado pela sociedade, porém, diante de tantos casos e debates no decorrer dos anos, a sociedade vem evoluindo gradativamente, e conjuntamente com ela, o legislador também evolui de pensamentos, ideias e críticas, de modo a melhor desenvolver soluções que tornem eficaz as medidas por ele indicadas na elaboração das leis.

Nos dizeres de Rodrigo Roig (2016):

Desde o florescimento do cárcere como meio de punição, a figura da pessoa presa tem sofrido diferentes enfoques. Sustentada pelo discurso positivista etiológico, difundiu-se inicialmente a percepção do preso como objeto (res) da execução penal, “abandonado a forças que de todo lhe eram estranhas, arredado do direito – posição em que tudo lhe era ‘concedido’ e ‘nada negado porque nada tinha’”40. Atrelada à ideia de que a execução penal possuía natureza meramente administrativa, a reificação do indivíduo retirava deste qualquer perspectiva de fruição de direitos, submetendo-o ao exclusivo arbítrio da autoridade administrativa penitenciária. (ROIG, 2016. p. 33)

Por muitos anos, com discurso punitivista, o Estado Brasileiro, bem como a sociedade brasileira, acolheu a ideia de que aos presos deveriam ser dispensados trabalhos degradantes, com o único objetivo de humilhar, escarnecer àqueles que tenham sido condenados por algum, de modo que assim, quando enfim a sua pena terminasse (e se sobrevivesses a ela), ele não voltaria a delinquir por medo de viver novamente aquilo que viveu quando encarcerado.

Muito embora a LEP traga dispositivos coadunados com os princípios constitucionais da não tortura, a vedação a tratamentos desumanos e incongruentes com a dignidade da pessoa humana, a mesma lei não traz comandos de como essas pessoas que vivem encarceradas, devem ser tratadas, deixando tal normatividade para os regimentos internos de cada unidade prisional.

Roig (2016) segue com suas reflexões para citar Andrew Coyle e a questão da jurisdicionalização do Estado:

se o Estado assume para si o direito de privar alguém de sua liberdade, por qualquer razão que seja, ele também deve assumir para si a obrigação de assegurar que essa pessoa seja tratada de modo digno e humano. O fato de os cidadãos que não estão presos terem dificuldade de viver com dignidade nunca pode ser usado como justificativa pelo Estado para deixar de tratar aqueles que estão sob seus cuidados de modo digno. Esse princípio reflete o cerne da sociedade democrática, na qual os órgãos do Estado devem ser vistos como exemplos do modo como devem ser tratados todos os cidadãos. (COYLE, 2004, p. 54 apud ROIG, 2016, p.34)

E complementa,

Nos dias de hoje, a ideia do less elegibility ainda povoa o imaginário popular, pauta discussões político-criminais e norteia veladamente decisões judiciais, causando profundos danos humanos e sociais. (ROIG, 2016. p.34)

Hodiernamente, pouco se discute sobre formas práticas de evitar a não marginalização daqueles que sempre viveram às margens da sociedade. Há falta de debates nos meios legislativos e pouco interesse em mudar essa postura, já que, para os representantes do povo, causar um sentimento de segurança na sociedade, ainda que isso signifique massacrar aqueles que já são automaticamente discriminados por suas atitudes errôneas, ao invés de legislar sobre como se pode mudar a realidade do país, através de políticas afirmativas no que dispende a ressocialização.

Prova disso é a nova ordem que majorou o requisito objetivo quanto aos condenados por crimes hediondos, quase que impossibilitando os mesmos a atingirem o quórum da progressão de regime, que em alguns casos, terá o condenado de cumprir até 70% da pena privativa de liberdade, para alcançar seu objetivo, sem direito ao livramento condicional, e ainda deverá ter bom comportamento em todo esse período, o que de extrema dificuldade frente ao nosso sistema de execução penal.

Portanto, diante das explanações do autor acima citado e em observância aos estudos adquiridos para construção deste artigo, se entende que aquilo que está descrito na lei é insuficiente e carregado de lacunas, motivos pelos quais a prática de tratamentos desumanos é uma constante nos presídios do nosso país.

2.3. Princípio da individualização da pena

O princípio da individualização da pena é um dos pilares do Sistema de Execução Penal Brasileiro, e por ele se entende que cada condenado deve ter sua pena executada conforme as informações contidas sobre o próprio acusado, ainda que ele tenha sido condenado por crimes praticados por organização criminosa ou em bando, ou incorreu em concurso de pessoas.

De acordo com a legislação, cada condenado deve ser observado mediante o seu comportamento e as suas atitudes, não devendo ser discriminado por nenhum motivo dentro do estabelecimento prisional em que cumpre a pena.

Nesta senda, em primeiro lugar, deve o indivíduo ser tratado como ser humano, e isso é um dever de todos aqueles que são responsáveis ao cumprimento da execução penal. Em verdade, o cumprimento de pena privativa de liberdade não é para ser uma colônia de férias, mas sim, tem o caráter de punir aqueles que cometem crimes e promover medidas, enquanto cumprem pena, medidas essas de cunho educativo e social, de modo que quando os condenados tenham encerrado a convivência no cárcere e voltarem para o seio da sociedade, não mais voltem a delinquir.

Muito embora alguns magistrados, doutrinadores e legisladores entendam que a aplicabilidade do princípio da individualização da pena vai de encontro ao princípio da isonomia, Rodrigo Roig (2016) nos traz a reflexão sobre tal questão.

Do mesmo modo, não mais deve ser usada como pretexto para o desrespeito ao princípio da isonomia, mascarando a imposição de tratamento discriminatório a certos sujeitos. Estas são premissas basilares.
Na verdade, individualização deve significar, em primeiro lugar, que as autoridades responsáveis pela execução penal possuem a obrigação de enxergar o preso como verdadeiro indivíduo, na acepção humana do termo, considerando suas reais necessidades como sujeito de direitos. Daí decorre a exigência de que as autoridades administrativa e judicial dispensem um olhar humanamente tolerante, capaz de considerar a concreta experiência social e a assistência e oportunidades dispensadas à pessoa presa. (ROIG, 2016, p. 39)

Para tanto, de modo diverso, a nova mudança trazida pela Lei n.º 13.964/19, no que diz respeito à progressão de regime para os condenados por crimes hediondos somente agravou a situação dos encarcerados por tal crime, de modo que cada vez, o princípio da individualização da pena resta prejudicado, já que a intenção do legislador, tendo em vista a edição dessa lei, é propagar o sentimento negativo que rodeia os praticantes deste tipo de crime, sem levar em consideração o comportamento de cada indivíduo.

Portanto, cabe aos magistrados, competentes para julgar e acompanhar os feitos da execução penal, não analisar de maneira pura e simples os crimes aos quais os presos foram condenados, mas sim, devem observa os comportamentos e os atos que na fase executória eles exercem, sob pena de dispensar ao preso tratamento degradante, humilhante, sem oportunidades de alcançarem os institutos da progressão de regime e liberdade condicional.

Neste sentido, o Roig (2016) supracitado continua,

Além disso, partindo das premissas de que o princípio individualizador possui assento constitucional e que a Constituição de 1988 instituiu o dever jurídico-constitucional de minimização de danos, faz-se necessário concluir que a individualização da execução somente se mostra constitucional quando operada no sentido redutor de danos (como, por exemplo, a flexibilização das regras do regime de cumprimento de pena, permitindo a imposição de regime menos gravoso não em função do texto de lei, mas em virtude da necessidade de individualização). De fato, como excepcionalização do princípio da legalidade, a individualização da pena não pode ser empregada em prejuízo do condenado (tal como ocorre na requisição de exames criminológicos).
Em matéria de execução da pena, individualização significa também a vedação de apelo a considerações relativas à espécie abstrata do delito, fato este que retiraria da agência judicial o poder discursivo e argumentativo de, individualizadamente, limitar com racionalidade o poder punitivo. (ROIG, 2016, p. 39-40)

Dessa maneira, não pode o magistrado de execução analisar o caso de um preso condenado, ainda que este tenha concorrido na pratica de crimes com outras pessoas, levando em consideração as atitudes dos outros presos. Cada indivíduo tem um comportamento característico, intrínseco ao momento em que está vivendo, ainda que o mesmo tenha cometido crime hediondo. Ao não observar esse princípio, incorre o magistrado em aplicar uma punição equivocada aquele que já se encontra encarcerado, privado de sua liberdade.

Visto isso, passaremos a compreensão do que são os crimes hediondos e as alterações trazidas pela nova lei, dando nova redação ao artigo 112, dos incisos V a VIII, da Lei de Execução Penal.

3. CRIMES HEDIONDOS

Primeiramente, vale ressaltar que o objetivo deste artigo não é tratar de todos os pontos que cercam os crimes hediondos, mas sim tratar especificamente da progressão de regime e as alterações trazidas pela Lei n.º 13.964/19, no que dispende a majoração do requisito objetivo, bem como anotar as alterações na classificação de crimes taxados pela lei como hediondos.

Os crimes hediondos estão regidos pela Lei nº 8.072 de julho de 1990, são crimes cometidos com maior grau de periculosidade, e por este motivo são tratados com mais rigidez pelo Estado, e possuem como regime de cumprimento de pena privativa d liberdade, inicialmente, o regime fechado.

Conforme citado acima, a Lei do Pacote Anticrime (Lei n.º 13.964/19) também alterou o rol dos crimes hediondos e equiparados disposto nos artigos 1º e 2º da lei supracitada, de modo que atualmente os crimes classificados como hediondos e seus equiparados, são:

· homicídio (art. 121), quando praticado em atividade típica de grupo de extermínio, ainda que cometido por um só agente, e homicídio qualificado (art. 121, § 2º, incisos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII);

· lesão corporal dolosa de natureza gravíssima (art. 129, § 2o) e lesão corporal seguida de morte (art. 129, § 3o), quando praticadas contra autoridade ou agente descrito nos arts. 142 e 144 da Constituição Federal, integrantes do sistema prisional e da Força Nacional de Segurança Pública, no exercício da função ou em decorrência dela, ou contra seu cônjuge, companheiro ou parente consanguíneo até terceiro grau, em razão dessa condição;

· roubo:

- circunstanciado pela restrição de liberdade da vítima (art. 157, § 2º, inciso V);

- circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B);

- qualificado pelo resultado lesão corporal grave ou morte (art. 157, § 3º);

· extorsão qualificada pela restrição da liberdade da vítima, ocorrência de lesão corporal ou morte (art. 158, § 3º);

· IV - extorsão mediante sequestro e na forma qualificada (art. 159, caput, e §§ 1o, 2o e 3o);

· estupro (art. 213, caput e §§ 1o e 2o);

· estupro de vulnerável (art. 217-A, caput e §§ 1o, 2o, 3o e 4o);

· epidemia com resultado morte (art. 267, § 1o) ;

· favorecimento da prostituição ou de outra forma de exploração sexual de criança ou adolescente ou de vulnerável (art. 218-B, caput, e §§ 1º e 2º);

· furto qualificado pelo emprego de explosivo ou de artefato análogo que cause perigo comum (art. 155, § 4º-A);

· o crime de genocídio, previsto nos arts. , e da Lei nº 2.889, de 1º de outubro de 1956;

· o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso proibido, previsto no art. 16 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

· o crime de comércio ilegal de armas de fogo, previsto no art. 17 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

· o crime de tráfico internacional de arma de fogo, acessório ou munição, previsto no art. 18 da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003;

· o crime de organização criminosa, quando direcionado à prática de crime hediondo ou equiparado.

· o crime de tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins (previsto na Lei nº 11.343, de 23 de agosto de 2006);

· o crime de tortura;

· o crime de terrorismo.

Diante das alterações no rol dos crimes considerados como hediondos, percebe-se que o legislador aumentou a quantidade de crimes taxados como tal, em uma tentativa de precaver, através da “ameaça punitiva”, o cometimento de tais crimes.

É obvio dizer que, com relação aos crimes hediondos e seus equiparados, todos eles devem ser punidos com maior rigidez. Isto não se discute e muito menos se discorda neste artigo. Porém não é porque àquele foi condenado por cometimento de crime com alto grau de periculosidade, que deverá submergir dentro do cárcere, sem garantia dos seus direitos ou muito menos, sem medidas que lhe tornem possível a sua ressocialização, já que o legislador só faz cada vez mais dificultar a sua reintegração social.

Em que pese os condenados por este tipo de crime comecem o cumprimento de pena em regime inicial fechado, a LEP autoriza o trabalho externo remunerado deste, desde que seja em obras ou serviços públicos, realizados por órgãos da administração pública direta ou indireta, ou ainda, em entidades privadas, desde que haja escolta para assegurar que aquele preso não irá fugir e garantir a disciplina do mesmo. Contudo, esta decisão fica a cargo do diretor do estabelecimento prisional onde o preso se encontra encarcerado. Ora, não se trata de uma medida administrativa para ficar aos cuidados do diretor do presídio, mas sim, trata-se de um direito do preso, que deveria ser garantido e de responsabilidade do juízo de execução penal, assegurado pela lei, mas precisamente, estabelecido pela LEP que o magistrado deveria decidir sobre tal premissa, para que de fato, isso uma medida viabilizadora da reinserção do condenado ao seio da sociedade.

Sobre este ponto tão relevante, o legislador não fez questão em observar, tampouco alterar o disposto na LEP, de maneira a tornar eficaz o real objetivo da lei.

Posto isto, passaremos a análise das alterações trazidas pelo pacote anticrime para o instituto da Progressão de Regime com relação aos crimes hediondos, e como o legislador tornou mais severo alcançar tal benefício.

4. AS ALTERAÇÕES FEITAS PELA LEI N.º 13.964/19 NO ARTIGO 112, INCISOS V A VIII, DA LEP.

O pacote anticrime, como dito outrora, trouxe alterações quanto ao quórum de cumprimento da pena privativa de liberdade para àquele condenado por cometimento de crime hediondo. Dessa maneira, para que o mesmo possa progredir de regime e alcançar a sua liberdade, deverá passar mais tempo no cárcere, aprisionado, por ter cometido crime mais gravoso.

Antes da alteração, a progressão de regime dos condenados por crime hediondo e equiparado era tratada pela Lei n.º 8.072/90, específica deste tipo de crime, e em seu § 2º, do artigo , era definido que os condenados primários que cumprissem 2/5 (dois quintos) da pena e os reincidentes que cumprissem 3/5 (três quintos) da pena estariam aptos para a progressão de regime.

Com as alterações, o artigo acima citado restou revogado, e a LEP passou a dispor sobre a progressão de regime para os presos condenados por cometimento de crime de hediondo e equiparado, exigindo, para cada situação estabelecida no artigo 112, ao menos o cumprimento de um determinado percentual da pena, para que então, juntamente com os requisitos subjetivos estabelecidos, possa progredir de regime. São eles:

- 40% (quarenta por cento) da pena, se o apenado for condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, se for primário;

- 50% (cinquenta por cento) da pena, se o apenado for:

a) condenado pela prática de crime hediondo ou equiparado, com resultado morte, se for primário, vedado o livramento condicional;

b) condenado por exercer o comando, individual ou coletivo, de organização criminosa estruturada para a prática de crime hediondo ou equiparado;

- 60% (sessenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente na prática de crime hediondo ou equiparado;

- 70% (setenta por cento) da pena, se o apenado for reincidente em crime hediondo ou equiparado com resultado morte, vedado o livramento condicional.

Estas foram as únicas alterações trazidas pela nova lei, ou seja, a única mudança com relação à progressão de regime determinada pelo legislador foi com relação ao requisito objetivo, deixando de observar que o condenado também deve preencher os requisitos subjetivos, como o bom comportamento, para se considerar apto a avançar de regime.

Observa-se que diante de tais alterações, há uma tendência do legislador em sempre tornar mais rigoroso o retorno do condenado ao convívio ao seio da sociedade, já que em nenhum momento, a nova lei fez alterações, inovou ou atualizou as medidas ensejadoras e alternativas para que o condenado tenha uma sobrevida, ou ao menos uma oportunidade real de progredir de regime, alcançar a liberdade, o regresso ao meio social com chances reduzidas de voltar a delinquir.

A falta de novos dispositivos normativos viabilizadores da concretização do direito que o condenado tem para progredir de regime é uma falha grave quando se trata de uma lei instituída com o objetivo de reingressar àquele que cometeu crime e por ele foi sentenciado, a vida em comum com a sociedade.

Nesta senda, temos a problemática no sentido de que a própria LEP se contrapõe quando trata, especificamente, do instituto progressão de regime e do seu objetivo. Muito pelo contrário, ao invés de proporcionar ao condenado meios legais para alcançar a sua pretensão de liberdade, ela o priva ainda mais de uma vida harmônica, tornando difícil o cumprimento do requisito objetivo e consequentemente do requisito subjetivo, que é o bom comportamento, ambos para conquistar o direito de progredir de regime.

5. OS CONFLITOS ENTRE AS ALTERAÇÕES SOFRIDAS PELO ART. 112, E O DISPOSTO NO ARTIGO , AMBOS DA LEP, E A NECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO DE MEDIDAS APTAS PARA A PROGRESSÃO DE REGIME.

Conforme já demonstrado no decorrer do trabalho, a lei de execução penal brasileira tem como um dos objetivos (artigo da LEP), a promoção da ressocialização do preso condenado. Diante das novas alterações trazidas pela Lei n.º 13.964/19, a respeito do requisito objetivo para o alcance do instituto da Progressão de Regime, contidos no artigo 112 da LEP, a mesma lei tem em seu corpo, dispositivos que contrastam uns com os outros, e para, além disso, faltam outros dispositivos que a tornem verdadeiramente eficaz.

Conforme posicionamento de Rodrigo Roig (2016):

Embora tenha procurado se esquivar da polêmica doutrinária, o projeto de elaboração da Lei de Execução Penal acabou por se aproximar das finalidades de retribuição e prevenção especial positiva (ao construir o objetivo de proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado). No entanto, tais finalidades são absolutamente inconciliáveis (pois se almeja uma “pena justa” com conteúdo de utilidade1), e nenhuma delas parece estar, por si só, alinhada com uma concepção democrática e republicana. (ROIG, 2016, p. 17)

Como demonstrado no item “4”, a Lei n.º 13.964/19, só se preocupou em fazer alterações com relação ao requisito objetivo, ou seja, a nova redação do artigo 112 apenas aumentou o quórum de cumprimento da pena para que o preso condenado por crime hediondo consiga alcançar a progressão de regime.

Em outras palavras, para que o preso condenado por crime hediondo, após a vigência das alterações sofridas pelo artigo 112, possa alcançar a progressão de regime, ele deverá passar mais tempo encarcerado do que os presos condenados antes da vigência da Lei n.º 13.964/19.

Porém, em que pese as alterações supracitadas serem justas, por se tratar o crime hediondo como mais gravoso, a nova lei foi imperfeita em não trazer meios eficazes e motivadores para que àquele preso condenado alcance a progressão de regime por meio da sua ressocialização.

Ainda, não se preocupando em alterar os dispositivos já existentes na LEP e que dizem respeito aos direitos do preso, como a já citada situação de trabalho externo e o julgamento do cometimento de falta grave, onde, em ambas situações, o diretor do estabelecimento prisional é quem decide quais medidas se adequam a cada situação, relativizando os direitos legais do preso condenado, transformando-os em ocorrências administrativas, suprimindo tais direitos quando na verdade deveriam estar sob a tutela do juízo da execução penal.

De certo, quando há alterações nas leis, são com o objetivo de aprimorá-las em face dos paradigmas da sociedade, em busca de soluções, melhorias e melhor satisfação de um povo, que clama por justiça e segurança.

Acredita-se que por este motivo é que a nova lei majorou o quórum da pena para progressão de regime, com o objetivo de criar na sociedade um sentimento de segurança, já que aquele que foi condenado por um crime com alta reprovabilidade perante a coletividade, como é o caso dos crimes hediondos, permanecerá encarcerado por mais tempo.

Acontece que o artigo da LEP, determina que ela própria deverá proporcionar condições para que haja uma ressocialização do condenado. Para isso, a LEP institui dois tipos de requisitos, o objetivo, já visto no presente artigo, e o subjetivo, que trata do comportamento do preso.

Toda vez que o Estado toma como medida só um lado da moeda, ele causa um desequilíbrio na balança, que uma hora ou outra, vai cair. Ou seja, toda vez que se torna mais drástica uma medida como forma de punição, resta prejudicada a ressocialização do condenado, bem como de sua família, e de uma sociedade inteira, que por um tempo viverá iludida com o falso sentimento de segurança, mas assim que aquele preso sair, por ter cumprido a pena a ele sentenciado, sem nenhum apoio, nenhuma atividade, nenhum fator ressocializador, por pura omissão do Estado, a paz social terminará, e as medidas drásticas virão um ciclo.

Portanto, não basta que o preso condenado fique encarcerado por bastante tempo, e somente tenha como requisito subjetivo, o bom comportamento. Também haverá de ter mudanças quanto a viabilização desta reabilitação, que deveriam constar na lei, de modo a aperfeiçoa-la, tornando-a completa e eficaz, cumprindo com o seu objetivo.

Corroborando com esse pensamento, Rodrigo Roig (2016) dissertou,

A prevenção especial positiva também padece de absoluta irrealizabilidade, pela própria essência do encarceramento, em especial em nosso país. Em primeiro lugar, o Estado não dispõe de políticas públicas efetivas e duradouras no sentido de integrar socialmente os egressos. Além disso, por si só, o encarceramento é fator de desagregação familiar, repúdio social, rotulação e dessocialização do indivíduo, sendo tais características ontologicamente incongruentes com a pretendida finalidade de proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado.
Na verdade, a anunciada finalidade de proporcionar condições para a harmônica integração social esconde falaciosamente o real exercício do poder punitivo (potestas puniendi) típico do Estado de Polícia, caracterizado pelo paternalismo, arbitrariedade, seletivização, verticalismo, repressão e estigmatização. A ideia de harmônica integração social pressupõe a existência de uma sociedade homogênea, justa e não conflitiva (a cujos valores deve o condenado se integrar harmonicamente), quando na verdade a mesma é plural, seletiva e palco de conflitos entre ideologias, concepções morais e segmentos absolutamente díspares. (ROIG, 2016, p. 18)

Portanto, afirmar que a LEP tem por finalidade a ressocialização do preso, mas não legislar de que forma isso poderá ser feito, é o mesmo que ser uma norma de eficácia limitada, pois, nela há um comando ordenando a proporcionar condições que oportunizem o condenado a progredir de regime, porém, não há na lei comandos efetivos de como essas medidas deveram ser desenvolvidas e oportunizadas para alcançar tal fim.

Perceba, não é tão somente garantir o direto, mas sim, executar ou fazer com que aquele direito seja executado, pois não só o condenado é beneficiado, mas toda a sociedade, tendo em vista que “ganhou” uma pessoa, agora sociável, de modo que poderá conviver como qualquer cidadão comum.

De certo, a LEP garante ao preso seus direitos de trabalho e estudo, para fins de alcançar mais rápido a sua progressão de regime. Porém, como já exposto acima, são garantias que não se bastam entre si, ou melhor, são garantias ineficazes, já que não há uma regulamentação de medidas que, de fato estimulem e viabilizem aos presos o seu retorno a sociedade com chances de não regressar ao sistema de execução penal.

Em alguns sistemas de progressão de regime no Direito Comparado, por exemplo, as medidas que deverão ser executadas, não estão a mercê dos estabelecimentos prisionais, mas sim, constam diretamente nas normas que regulamentam a execução da pena. E é exatamente isto que falta no Sistema de Progressão de Regime brasileiro.

O Estado deixa de cumprir com seu papel de educador, de promover a ressocialização a qual se propôs quando criou a LEP, de aplicar medidas eficazes de sua responsabilidade para que aquele condenado possa dar um retorno positivo à sociedade, e ainda, promovendo alterações que são conflitantes com o caráter ressocializador da pena, como o já exaurido aumento do quórum quantitativo de cumprimento de pena, indo de encontro com todos os princípios norteadores da Execução Penal, e cada vez mais, fomentando a reincidência no cometimento de crimes.

Nos ensinamentos de Nucci (2018), na obra intitulada Curso de Execução Penal, quanto à finalidade da pena, afirma:

Temos sustentado que a pena tem vários fins comuns e não excludentes: retribuição e prevenção. Na ótica da prevenção, sem dúvida, há o aspecto particularmente voltado à execução penal, que é o preventivo individual positivo (reeducação ou ressocialização). Uma das importantes metas da execução penal é promover a reintegração do preso à sociedade. E um dos mais relevantes fatores para que tal objetivo seja atingido é proporcionar ao condenado a possibilidade de trabalhar e, atualmente, sob enfoque mais avançado, estudar. (grifo nosso) (NUCCI, 2018. p. 19).

Conforme já mencionado outrora, é perceptível que não se trata de uma questão meramente administrativa e que só deva ser cuidada pelos estabelecimentos prisionais, mas sim, é uma jurisdicionalização do Estado e que deveria estar normatizada na LEP, assim como estão os requisitos objetivos e subjetivos, como bom comportamento, para aquisição da progressão de regime.

A LEP possui o instituto da remição, que trata de uma “redução” da pena, a partir da realização do trabalho e do estudo realizados pelo preso condenado. Acontece que quanto ao trabalho, o preso é quem deve conseguir uma vaga e apresenta-la ao Diretor do presídio que decidirá se o preso vai ou não exercer aquela atividade laborativa. Ora, se tratando de direito garantido por meio de lei, também por meio de lei deveria o magistrado ser o responsável por tal decisão, ou imposição, sob pena de ofensa a Carta Magna e aos princípios ali regidos no que diz respeito à dignidade da pessoa humana.

É um dever do Estado aplicar medidas de políticas públicas afirmativas, como, por exemplo, ofertar ao preso o trabalho, fora do estabelecimento prisional, com remuneração digna, passando pela análise do Juiz. E não ao contrário, pois o preso não tem como sair do estabelecimento para procurar emprego algum. Por tal motivo, este deveria ser o papel do Estado.

Em seu Manual de Processo penal e Execução Penal, Nucci (2017) traz um debate relevante sobre a questão das medidas adotadas pelo Poder Executivo frente ao não incentivo em favor dos presos para que eles possam se tornar aptos à progressão de regime e a reinserção na sociedade.

Há muito, temos nos insurgido contra as medidas do Poder Executivo, real administração dos presídios, no sentido de permitir que os presos permaneçam em suas células ou empate sem absolutamente nada para fazer. É um elevado estímulo à ociosidade, em confronto com os preceitos da Lei de Execução Penal.
Por isso, muitas atividades que os presos poderiam realizar vinham sendo retiradas, aos poucos, pelos administradores executivos, tal como a importante lida na cozinha, passível de proporcionar trabalho a um enorme contingente de internos.
[...]
Portanto, com ou sem propina, o trabalho em geral dos presídios vem sendo gradativamente desativado; o que é pior, no regime fechado. Isso corta a possibilidade do benefício da remição (3 dias de trabalho valem por 1 dia de pena). Alguns juízes de execução penal, pela completa ausência de trabalho, têm autorizado o preso (no regime fechado) a trabalhar fora; ora, deixou de ser regime fechado, passando a uma espécie de semiaberto não previsto em lei. Por exclusiva responsabilidade do Executivo, parcela do Judiciário que tem a Como pode para contornar tais deficiências.
[...]
Quando o estado vai entender que cumprir pena é um importantíssimo trabalho de ressocialização da pessoa humana e não pode ser tratado como um serviço qualquer com a finalidade de se economizar, enquanto se gasta com bobagens o dinheiro público noutros campos. (NUCCI, 2017, p. 966-967) (grifo nosso)

Cumpre reafirmar que a jurisdicionalização do Estado não tem somente caráter administrativo, mas sim, de dispor, mediante normas, que deveriam ser inclusas dentro da Legislação de Execução Penal, já que o que está em questão são os direitos garantidos ao preso, e que afeta não somente a ele, como toda a sociedade.

Longe de levar essa questão para discussão sobre se a falta de norma reguladora de medida que abarcam e impulsionam os presos condenados a progredir de regime, se dá por assuntos políticos, ou por incompetência, ou mera mediocridade do Estado em se interessar por quem está encarcerado. Fato é que pouco se discute no legislativo sobre medidas que beneficiariam, não no sentido de trazer regalias ao presidiário, (o que, aliás, é uma recompensa prevista no artigo 56, I, da LEP), mas sim de garantir que funções produtivas, com trabalhos e estudos exercidos conforme o regime de pena privativa de liberdade de cada condenado.

Portanto, se regulado através de lei fosse, as atividades que beneficiam os presos seriam obrigatoriamente executadas pelos estabelecimentos prisionais, de maneira que estaria em conformidade com os preceitos da LEP e com todas as outras disposições nela abarcadas.

6. SISTEMA DE EXECUÇÃO PENAL DIANTE DO DIREITO COMPARADO.

O primeiro país a tratar do instituto da progressão de regime foi a Inglaterra, em um sistema implantado Alexander Maconochie, por volta de 1840, em que os presos condenados poderiam reduzir a sua pena mediante atividades, estudos e bom comportamento dentro da penitenciária. Dessa forma, a ideia de “deixar a punição se encaixar no crime” foi ficando obsoleta, e passou a priorizar o tratamento individualizado de cada condenado, com sentença indeterminada, viabilizando a liberdade condicional.

A Irlanda foi o país que modernizou o sistema de progressão de regime inglês, em que Walter Crofton, na década de 1850, instituiu a evolução dos presos em três fases, de modo que a primeira consistia no isolamento individual, depois, dependendo dos feitos do condenado, ele efetuaria trabalhos em meio a outros presos, e se notasse um progresso “social”, ele realizaria trabalhos externos, com diminuta supervisão, sendo dessa forma feita a avaliação para saber se àquele teria o direito a viver o quanto antes a sua liberdade.

O Brasil adotou o mesmo sistema de progressão de regime da Irlanda, com disposições a favor da garantia de direitos como realização de trabalhos e estudos, como forma educacional para promover a reinserção social do apenado, conforme já esclarecido ao longo do trabalho.

A “Revista Liberdades - nº 11 - setembro/dezembro de 2012 I Publicação Oficial do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais”, publicou um artigo em que fez uma breve narrativa do que acontece nos sistemas de execução penal em alguns países do mundo.

No novo sistema irlandês, há uma quarta fase, antes da “liberdade condicional”, na qual o preso trabalhava em um ambiente aberto sem as restrições que um regime fechado compreende. Após esse período, vários outros sistemas de prisão foram surgindo, como o Sistema de Montesinos na Espanha que tinha trabalho remunerado, e previa um caráter “regenerador” na pena. Na Suíça criam um novo tipo de estabelecimento penitenciário, em que os presos ficavam na zona rural, trabalhavam ao ar livre, eram remunerados e a vigilância era menor. (ENGBRUCH e MORAIS DI SANTIS, 2012.).

Percebe-se que, apesar do sistema de progressão de regime brasileiro ser decorrente do adotado na Irlanda, àquele não evoluiu no sentido positivo da norma, com adoção de medidas que de fato possam realizar uma transformação na vida dos que se encontram sobre a égide do cárcere, como por exemplo, a realização de trabalho externo, com o mínimo de vigilância e interferência do Estado, resguardada a segurança, mas também praticando a confiança que qualquer ser humano necessita para sua evolução.

É claro que, como ocorre no direito comparado, isso não deve acontecer de forma imediata, não é isso. Mas sim seguindo uma trajetória efetiva, ou melhor dizendo, desempenhando atividades como oficinas, cursos, trabalhos internos e posteriormente, trabalhos externos. Mas isso deve acontecer não ao arbítrio do estabelecimento prisional, mas sim, por comando jurídico, disposto em lei, movimentado pelo Estado e decidido pelo juízo da execução.

O legislador brasileiro, tendo em vista que o nosso ordenamento jurídico criminal é muito antigo, baseado em uma sociedade outrora sem limites e com pensamentos tendenciosos a combaterem os criminosos castigando seus corpos, não pode hoje, com tantos exemplos internacionais, inclusive tratados e pactos dos quais o Brasil é signatário, e clamores em favor da aplicabilidade do princípio da dignidade da pessoa humana, retardar um sistema que estava em constante evolução.

Por outro lado, mas ainda no mesmo sentido, o sistema de execução penal exercido na Itália, por exemplo, compreende dois juízos, um que determina a execução e outro que fiscaliza essa execução. Ou seja, o Estado em momento nenhum se afasta da sua responsabilidade em zelar pelo objetivo da punição imposta àqueles que cometem crimes. Muito ao contrário. O legislador italiano se preocupou em cuidar de maneiras diferentes, daqueles que cometeram crimes diferentes e que estão em situações distintas.

Diante desse estudo, é imperioso encerrar este item, afirmando que, apesar das mudanças comportamentais constantes sofridas pela sociedade, ainda hoje prevalece a ideia de que quanto mais rigorosidade se pune um crime, mas dificilmente as pessoas o cometerão. Portanto, ainda que os legisladores brasileiros tenham se inspirado na metodologia aplicada ao sistema de execução penal irlandês, com a instituição de progressão de regime, não acompanhou os aperfeiçoamentos para fins de ressocialização propriamente dita, e nem muito menos proporciona uma real segurança à sociedade, tendo em vista que quanto mais tempo o condenado fica encarcerado, sem políticas de incentivo à progressão de regime ou de melhorias em comportamentos, a probabilidade de voltar a delinquir é muito alta.

CONCLUSÃO

Diante de todos os aprendizados aqui aplicados, é imperioso concluir que, de fato, o legislador pátrio, perante as alterações trazidas pela nova Lei n.º 13.964, de 24 de dezembro de 2019, que majorou o quórum quantitativo de cumprimento de pena privativa de liberdade, e diretamente tornou mais difícil o alcance da progressão de regime, tão somente tomou medidas que implicam na marginalização dos condenados, especificamente, daqueles que cometeram crimes hediondos e seus equiparados, caminhando na direção inversa da finalidade proposta pela Lei de Execução Penal.

A Exposição de Motivos da LEP (Exposição de Motivos nº 213, de 9 de maio de 1983), em seu item 13, quando versa sobre do objeto e da aplicação da Lei de Execução Penal, explica que a LEP tem por objetivo fazer cumprir aquilo que ordenado por meio de sentenças e/ou mandados, visando combater os crimes cometidos e prevenir que outros sejam praticados, impondo, ao mesmo tempo, que, a LEP também veio com o objetivo de ofertar meios pelos quais os encarcerados venham a contribuir com a comunhão social.

Muito embora a exposição de motivos sirva apenas para fundamentar o projeto da lei, e quando esta passa a vigorar, ele não possui mais eficácia jurídica, ainda assim, serve para melhor entendimento dos objetivos da lei. Ou seja, a LEP é uma norma que deveria ser completa em todos os quesitos, com dispositivos suficientes para garantir o retorno daquele que outrora fora condenado, mas que apresentou a evolução exigida nos termos da lei e que por isso conseguirá retornar ao seio social, com dignidade e oportunidades para não mais praticar delitos.

Enquanto o legislador só se interessa em por em prática medidas que segregam ainda mais os presos do meio social, seja por meio de edição de leis, seja se utilizando da omissão, a sensação falsa de segurança aumenta, na mesma medida em que os princípios constitucionais são afrontados, a ressocialização fica cada vez mais distante, e em um curto período de tempo, uma onda de violência retorna para a sociedade.

Portanto, também se conclui que a LEP é carente de medidas efetivas de caráter ressocializador, e necessita, com certa urgência, de disposições que incentivem aos condenados o sentimento de querer progredir de comportamento. Todavia, essas medidas, como já dito outrora, não podem ficar ao julgamento do diretor do presídio, mas sim, por tratarem de disposições sobre os direitos do preso, deveria haver mais cuidados em seu tratamento e pô-las em prática deveria ser prioridade.

Nesta senda, sem que haja normas de políticas afirmativas descritas no corpo da Lei de Execução Penal, como forma de imposição em favor da ressocialização, ao invés de tão somente aplicar alterações em que só aumentam e dificultam os quóruns exigidos por lei para se alcançar algum benefício, cada vez mais fica penoso e antissocial, e por que não dizer, é um retrocesso para nosso Estado Democrático de Direito, uma vez que nem pauta nas discussões emanadas no Poder Legislativo, no que diz respeito a medidas afirmativas aplicáveis ao Sistema de Execução Penal, esse assunto está incluso.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição da Republica Federativa do Brasil, promulgada em 05 de outubro de 1988.

BRASIL. Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 ( Lei de Execução Penal).

BRASIL. Decreto- Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940 ( Código Penal).

BRASIL. Decreto- Lei nº 3.689, de 03 de outubro de 1941 ( Código de Processo Penal).

BRASIL. Lei nº 13.964, de 24 de dezembro de 2019 (Pacote anticrime).

ENGBRUCH, Werner; MORAIS DI SANTIS, Bruno. A evolução histórica do sistema prisional e a Penitenciária do Estado de São Paulo. Revista Liberdades - nº 11 - setembro/dezembro de 2012. Disponível em http://www.revistaliberdades.org.br/site/outrasEdicoes/outrasEdicoesExibir.php?rcon_id=145. Acessado em 22 de abril de 2020.

NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 14 ed. ver. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2017.

NUCCI, Guilherme de Souza. Curso de execução penal. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Forense, 2018.

ROIG, Rodrigo Duque Estrada. Execução penal: teoria crítica– 2. ed. – São Paulo: Saraiva, 2016.

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