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17 de Junho de 2024
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    Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX SP XXXX/XXXXX-2 - Inteiro Teor

    Superior Tribunal de Justiça
    ano passado

    Detalhes

    Processo

    Órgão Julgador

    T3 - TERCEIRA TURMA

    Publicação

    Julgamento

    Relator

    Ministra NANCY ANDRIGHI

    Documentos anexos

    Inteiro TeorSTJ_RESP_2070354_21a6c.pdf
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    Inteiro Teor

    RECURSO ESPECIAL Nº 2.070.354 - SP (2023/XXXXX-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : BANCO SAFRA S A

    ADVOGADOS : FELIPE ADJUTO DE MELO - DF019752 CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - SP247319

    RECORRIDO : FRS - FALCÃO REAL SERVICOS LTDA

    ADVOGADOS : GODOFREDO DE SOUZA DANTAS NETO - BA017874

    FELIPE MIRANDA ALPOIM BRAGA - BA053396

    EMENTA

    RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRORROGAÇÃO DO VENCIMENTO DE PARCELAS DE CONTRATO DE MÚTUO PARA FOMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E COLETIVO DE PASSAGEIROS. MEDIDA DETERMINADA POR ENTES FEDERATIVOS PARA CONTER O AVANÇO DO CORONAVÍRUS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSENTE. CONTRATO DE CAPITAL DE GIRO. INAPLICABILIDADE DO CDC. PRECEDENTES. CONTRATOS PARITÁRIOS. REGRA GERAL. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA . POSSIBILIDADE DE REVISÃO. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PREVISÃO DO ART. 317 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO. ART. 478 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. PANDEMIA DA COVID-19 QUE CONFIGURA, EM TESE, EVENTO IMPREVISÍVEL E EXTRAORDINÁRIO APTO A POSSIBILITAR A REVISÃO DO CONTRATO, DESDE QUE PREENCHIDOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS. HIPÓTESE DOS AUTOS.

    1. Ação de obrigação de fazer, consistente na prorrogação excepcional e temporária do vencimento das parcelas de cédulas bancárias durante o período de calamidade pública ocasionado pela pandemia do coronavírus, ajuizada em 8/6/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 7/3/2022 e concluso ao gabinete em 11/5/2023.

    2. O propósito recursal consiste em decidir (I) se a proteção do Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de mútuo para fomento de atividade empresarial de transporte intermunicipal de passageiros e (II) se é possível prorrogar o vencimento das parcelas do referido contrato durante o período de suspensão das atividades de tráfego intermunicipal em razão da pandemia do coronavírus, com fundamento nas Teorias da Imprevisão (art. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC).

    3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15.

    4. Nos termos da jurisprudência do STJ, é inaplicável o diploma consumerista na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada

    destinatária final do serviço. Precedentes.

    5. Nos contratos empresariais deve ser conferido especial prestígio aos princípios da liberdade contratual e do pacta sunt servanda , diretrizes positivadas no art. 421, caput , e 421-A do Código Civil, incluídas pela Lei nº 13.874/2019.

    6. Nada obstante, o próprio diploma legal consolidou hipóteses de revisão e resolução dos contratos ( 317, 478, 479 e 480 do CC). O art. 317 do Código Civil, ao consagrar a Teoria da Imprevisão, de matriz francesa, estabelece cláusula geral de revisão da prestação contratual, desde que presentes os seguintes requisitos: (I) obrigação a ser adimplida em momento posterior ao de sua origem; (II) superveniência de evento imprevisível; (III) que acarrete desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução. A pedido da parte, o juiz poderá corrigir o valor da prestação, de modo a assegurar, quanto possível, o seu valor real.

    7. Do mesmo modo, a interpretação sistêmica e teleológica dos arts. 478, 479 e 480 pode conduzir à revisão judicial do pactuado, não se limitando à resolução contratual. A Teoria da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), de origem italiana, pressupõe (I) contratos de execução continuada ou diferida;

    (II) superveniência de acontecimento extraordinário e imprevisível; (III) que acarrete prestação excessivamente onerosa para uma das partes; (IV) extrema vantagem para a outra; e (V) inimputabilidade da excessiva onerosidade da prestação ao lesado. Possibilidade de flexibilização da "extrema vantagem".

    8. A pandemia da Covid-19 configura crise sanitária sem precedentes, que não apenas colocou em risco, mas também resultou, lamentavelmente, na perda de incontáveis vidas. Diante do cenário emergencial, garantiu-se às autoridades públicas, no âmbito de suas competências, a adoção de medidas necessárias para tentar preservar, ao máximo, a saúde e a vida das pessoas (Lei nº 13.979/2020). Nesse contexto, entes da Federação decretaram a suspensão de atividades e do funcionamento de estabelecimentos comerciais e industriais (lockdown), bem como a suspensão do transporte público e coletivo de passageiros, tanto a nível intermunicipal quanto na seara internacional.

    9. A situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o inadimplemento da obrigação, mas é circunstância que, por sua imprevisibilidade, extraordinariedade e por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário. Desse modo, a revisão de contratos paritários com fulcro nos eventos decorrentes da pandemia não pode ser concebida de maneira abstrata, mas depende, sempre, da análise da relação contratual estabelecida entre as partes, sendo imprescindível que a pandemia tenha interferido de forma substancial e prejudicial na relação negocial.

    10. Esta Corte Superior tem se manifestado no sentido de que a pandemia da Covid-19 configura, em tese, evento imprevisível e extraordinário, apto a possibilitar a revisão contratual com fundamento nas Teorias da Imprevisão (arts. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), ambas interpretadas de maneira teleológica e sistêmica. Nessa linha de raciocínio, permitiu-se a revisão proporcional de aluguel em razão das consequências particulares da pandemia da Covid-19 em relação à empresa de coworking cujo faturamento foi drasticamente reduzido no período pandêmico (REsp XXXXX/DF, Quarta Turma, DJe 9/9/2022), bem como a revisão dos aluguéis em contratos estabelecidos pelo shopping center e seus lojistas, desde que verificados os demais requisitos legais estabelecidos pelo art. 317 ou 478 do Código Civil (REsp XXXXX/GO, Terceira Turma, DJe 20/4/2023).

    11. Na hipótese, o contexto fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias corrobora a possibilidade da revisão contratual com fundamento nas teorias supra analisadas. Houve demonstração de que as rotas realizadas pela empresa de transporte intermunicipal foram efetivamente suspensas e que esta foi impedida de exercer suas atividades em razão de determinação do Poder Público, com a comprovação de queda abrupta e temporária no faturamento empresarial. A manutenção de cobrança de prestações mutuárias, nos moldes do originariamente pactuado, para fomentar atividade que foi paralisada no período pandêmico, mostra-se excessivamente onerosa, devendo-se revisar o contrato para preservar o seu equilíbrio. Manutenção do acórdão estadual.

    12. Recurso especial conhecido e desprovido.

    ACÓRDÃO

    Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva, Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

    Brasília (DF), 20 de junho de 2023 (Data do Julgamento)

    MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    Relatora

    RECURSO ESPECIAL Nº 2.070.354 - SP (2023/XXXXX-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : BANCO SAFRA S A

    ADVOGADO : CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - SP247319

    RECORRIDO : FRS - FALCÃO REAL SERVICOS LTDA

    ADVOGADOS : GODOFREDO DE SOUZA DANTAS NETO - BA017874 FELIPE MIRANDA ALPOIM BRAGA - BA053396 RELATÓRIO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO SAFRA S/A, fundado

    nas alíneas a e c do permissivo constitucional, contra acórdão do TJSP.

    Recurso especial interposto em: 7/3/2022.

    Concluso ao gabinete em: 11/5/2023.

    Ação: de obrigação de fazer, ajuizada por FRS - FALCÃO REAL SERVIÇOS LTDA em face de BANCO SAFRA S/A, por meio da qual se pretende a prorrogação excepcional e temporária do vencimento das parcelas de cédulas bancárias durante o período de calamidade pública, declarado pela Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, e Decreto Legislativo nº 6/2020.

    Sentença : o Juízo de primeiro grau julgou procedente a pretensão autoral para determinar "a prorrogação das parcelas vencidas desde março por 7 meses" (e-STJ fls. 241-244).

    Acórdão: o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por maioria, negou provimento às apelações interpostas por FALCÃO REAL SERVIÇOS LTDA e BANCO SAFRA S/A, nos termos da seguinte ementa:

    CONTRATOS BANCÁRIOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA, PARA SUSPENDER OS DESCONTOS E A EXIGIBILIDADE DAS PARCELAS VINCENDAS DOS CONTRATOS. ATIVIDADE EMPRESÁRIA ESPECIALMENTE AFETADA PELAS MEDIDAS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL IMPOSTAS PELO PODER PÚBLICO PARA CONTENÇÃO DA PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. PRESENÇA DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS À CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA.

    É fato notório que a pandemia de Coronavírus afetou economicamente parcela significativa da população e alguns estabelecimentos comerciais. Uma delas, sem sombra de dúvida, é a categoria desenvolvida pelos autores, transporte de passageiros. Os autores transportam passageiros de uma determinada cidade para outra e, em razão dos decretos de suspensão de circulação dos transportes intermunicipais, ficaram sem auferir rendimentos desde o início da pandemia. Ora, os contratos de empréstimos estão garantidos pelos veículos utilizados no exercício de sua atividade econômica, mas, em razão das medidas de distanciamento social impostas pelo Poder Público, os autores se viram impedidos de desenvolver sua atividade empresária e, como consequência, a obrigação de pagar as parcelas dos financiamentos tornaram-se, ao menos a princípio, excessivamente onerosas. E não se vislumbra perigo de irreversibilidade dos efeitos da medida, pois, após o prazo estabelecido pelo Douto Juízo "a quo", nada impedirá a ré de retomar a cobrança na forma contratada e determinada na r. sentença.

    SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS.

    Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos com base no artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal.

    HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS.

    Correto o arbitramento dos honorários advocatícios pelo Douto Juízo "a quo", pois se trata de ação em que não há condenação em valores, motivo pelo qual deve ser arbitrado de forma equitativa.

    APELAÇÕES NÃO PROVIDAS. (e-STJ fls. 343-350)

    Embargos de declaração: opostos por BANCO SAFRA S/A, foram rejeitados.

    Recurso especial: alega violação dos arts. 1.022, II, e 492 do CPC/15, art. 478 do CC/02 e art. 2º do CDC/90, bem como dissídio jurisprudencial.

    Além da negativa de prestação jurisdicional, sustenta que houve decisão extra petita , na medida em que concedida providência jurisdicional não requerida (incidência da legislação de consumo). No ponto, assevera que não foi observado o conceito de consumidor esculpido no CDC.

    Refere inexistir elemento que autorize o Poder Judiciário a revisar o contrato entabulado entre as partes, pois o fato imprevisível (pandemia), por si só, não justifica essa interveniência. Aduz que não estão presentes as condições para revisar o contrato de empréstimo com fundamento da Teoria da Imprevisão (art. 317 do CC).

    Menciona que não foi esclarecido o motivo pelo qual o prazo de prorrogação das parcelas foi arbitrado em sete meses, porquanto o serviço intermunicipal de transporte foi retomado, embora de forma gradual, a partir de 10/8/2020.

    Requer seja anulado o acórdão que julgou os aclaratórios ou, subsidiariamente, seja provido o especial para reformar a decisão recorrida.

    Juízo prévio de admissibilidade: o TJ/SP inadmitiu o recurso, dando azo à interposição do AREsp XXXXX/SP, provido para determinar a conversão em especial (e-STJ fl. 427).

    É o relatório.

    RECURSO ESPECIAL Nº 2.070.354 - SP (2023/XXXXX-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : BANCO SAFRA S A

    ADVOGADO : CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - SP247319

    RECORRIDO : FRS - FALCÃO REAL SERVICOS LTDA

    ADVOGADOS : GODOFREDO DE SOUZA DANTAS NETO - BA017874

    FELIPE MIRANDA ALPOIM BRAGA - BA053396

    EMENTA

    RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER. PRORROGAÇÃO DO VENCIMENTO DE PARCELAS DE CONTRATO DE MÚTUO PARA FOMENTO DA ATIVIDADE EMPRESARIAL. SUSPENSÃO DAS ATIVIDADES DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL E COLETIVO DE PASSAGEIROS. MEDIDA DETERMINADA POR ENTES FEDERATIVOS PARA CONTER O AVANÇO DO CORONAVÍRUS. NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. AUSENTE. CONTRATO DE CAPITAL DE GIRO. INAPLICABILIDADE DO CDC. PRECEDENTES. CONTRATOS PARITÁRIOS. REGRA GERAL. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA . POSSIBILIDADE DE REVISÃO. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PREVISÃO DO ART. 317 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO. ART. 478 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. PANDEMIA DA COVID-19 QUE CONFIGURA, EM TESE, EVENTO IMPREVISÍVEL E EXTRAORDINÁRIO APTO A POSSIBILITAR A REVISÃO DO CONTRATO, DESDE QUE PREENCHIDOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS. HIPÓTESE DOS AUTOS.

    1. Ação de obrigação de fazer, consistente na prorrogação excepcional e temporária do vencimento das parcelas de cédulas bancárias durante o período de calamidade pública ocasionado pela pandemia do coronavírus, ajuizada em 8/6/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 7/3/2022 e concluso ao gabinete em 11/5/2023.

    2. O propósito recursal consiste em decidir (I) se a proteção do Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de mútuo para fomento de atividade empresarial de transporte intermunicipal de passageiros e (II) se é possível prorrogar o vencimento das parcelas do referido contrato durante o período de suspensão das atividades de tráfego intermunicipal em razão da pandemia do coronavírus, com fundamento nas Teorias da Imprevisão (art. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC).

    3. Devidamente analisadas e discutidas as questões de mérito, e suficientemente fundamentado o acórdão recorrido, de modo a esgotar a prestação jurisdicional, não há falar em violação do art. 1.022, II, do CPC/15.

    4. Nos termos da jurisprudência do STJ, é inaplicável o diploma consumerista na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço. Precedentes.

    5. Nos contratos empresariais deve ser conferido especial prestígio aos

    princípios da liberdade contratual e do pacta sunt servanda , diretrizes positivadas no art. 421, caput , e 421-A do Código Civil, incluídas pela Lei nº 13.874/2019.

    6. Nada obstante, o próprio diploma legal consolidou hipóteses de revisão e resolução dos contratos ( 317, 478, 479 e 480 do CC). O art. 317 do Código Civil, ao consagrar a Teoria da Imprevisão, de matriz francesa, estabelece cláusula geral de revisão da prestação contratual, desde que presentes os seguintes requisitos: (I) obrigação a ser adimplida em momento posterior ao de sua origem; (II) superveniência de evento imprevisível; (III) que acarrete desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução. A pedido da parte, o juiz poderá corrigir o valor da prestação, de modo a assegurar, quanto possível, o seu valor real.

    7. Do mesmo modo, a interpretação sistêmica e teleológica dos arts. 478, 479 e 480 pode conduzir à revisão judicial do pactuado, não se limitando à resolução contratual. A Teoria da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), de origem italiana, pressupõe (I) contratos de execução continuada ou diferida;

    (II) superveniência de acontecimento extraordinário e imprevisível; (III) que acarrete prestação excessivamente onerosa para uma das partes; (IV) extrema vantagem para a outra; e (V) inimputabilidade da excessiva onerosidade da prestação ao lesado. Possibilidade de flexibilização da "extrema vantagem".

    8. A pandemia da Covid-19 configura crise sanitária sem precedentes, que não apenas colocou em risco, mas também resultou, lamentavelmente, na perda de incontáveis vidas. Diante do cenário emergencial, garantiu-se às autoridades públicas, no âmbito de suas competências, a adoção de medidas necessárias para tentar preservar, ao máximo, a saúde e a vida das pessoas (Lei nº 13.979/2020). Nesse contexto, entes da Federação decretaram a suspensão de atividades e do funcionamento de estabelecimentos comerciais e industriais (lockdown), bem como a suspensão do transporte público e coletivo de passageiros, tanto a nível intermunicipal quanto na seara internacional.

    9. A situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o inadimplemento da obrigação, mas é circunstância que, por sua imprevisibilidade, extraordinariedade e por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário. Desse modo, a revisão de contratos paritários com fulcro nos eventos decorrentes da pandemia não pode ser concebida de maneira abstrata, mas depende, sempre, da análise da relação contratual estabelecida entre as partes, sendo imprescindível que a pandemia tenha interferido de forma substancial e prejudicial na relação negocial.

    10. Esta Corte Superior tem se manifestado no sentido de que a pandemia da Covid-19 configura, em tese, evento imprevisível e extraordinário, apto a

    possibilitar a revisão contratual com fundamento nas Teorias da Imprevisão (arts. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), ambas interpretadas de maneira teleológica e sistêmica. Nessa linha de raciocínio, permitiu-se a revisão proporcional de aluguel em razão das consequências particulares da pandemia da Covid-19 em relação à empresa de coworking cujo faturamento foi drasticamente reduzido no período pandêmico (REsp XXXXX/DF, Quarta Turma, DJe 9/9/2022), bem como a revisão dos aluguéis em contratos estabelecidos pelo shopping center e seus lojistas, desde que verificados os demais requisitos legais estabelecidos pelo art. 317 ou 478 do Código Civil (REsp XXXXX/GO, Terceira Turma, DJe 20/4/2023).

    11. Na hipótese, o contexto fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias corrobora a possibilidade da revisão contratual com fundamento nas teorias supra analisadas. Houve demonstração de que as rotas realizadas pela empresa de transporte intermunicipal foram efetivamente suspensas e que esta foi impedida de exercer suas atividades em razão de determinação do Poder Público, com a comprovação de queda abrupta e temporária no faturamento empresarial. A manutenção de cobrança de prestações mutuárias, nos moldes do originariamente pactuado, para fomentar atividade que foi paralisada no período pandêmico, mostra-se excessivamente onerosa, devendo-se revisar o contrato para preservar o seu equilíbrio. Manutenção do acórdão estadual.

    12. Recurso especial conhecido e desprovido.

    RECURSO ESPECIAL Nº 2.070.354 - SP (2023/XXXXX-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : BANCO SAFRA S A

    ADVOGADO : CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - SP247319

    RECORRIDO : FRS - FALCÃO REAL SERVICOS LTDA

    ADVOGADOS : GODOFREDO DE SOUZA DANTAS NETO - BA017874

    FELIPE MIRANDA ALPOIM BRAGA - BA053396

    VOTO

    A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora):

    O propósito recursal consiste em decidir (I) se a proteção do Código de Defesa do Consumidor é aplicável aos contratos de mútuo para fomento de atividade empresarial de transporte intermunicipal de passageiros e (II) se é possível prorrogar o vencimento das parcelas do referido contrato durante o período de suspensão das atividades de tráfego intermunicipal em razão da pandemia do coronavírus, com fundamento nas Teorias da Imprevisão (art. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC).

    1. DA NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL

    1. É firme a jurisprudência desta Corte no sentido de que não há ofensa ao art. 1.022 do CPC/15 quando o Tribunal de origem, aplicando o direito que entende cabível à hipótese, soluciona integralmente a controvérsia submetida à sua apreciação, ainda que de forma diversa daquela pretendida pela parte. A propósito, confira-se: AgInt no REsp XXXXX/MT, Teerceira Turma, DJe 31/8/2020 e AgInt no AREsp XXXXX/MG, Quarta Turma, DJe 16/3/2020.

    2. No particular, o acórdão recorrido enfrentou as questões suscitadas pelo recorrente, estando suficientemente fundamentado, de modo a esgotar a prestação jurisdicional.

    3. Ademais, a decisão proferida, nos limites propostos pelas partes, porém com fundamento jurídico e subsunção normativa diversos do apresentado pelos litigantes, não se caracteriza como extra petita - e tampouco viola o princípio da congruência, adstrição ou correlação aos pedidos.

    4. Nesse sentido, destaca-se que "o juiz não está adstrito a nomes jurídicos nem a artigos de lei indicados pelas partes, devendo atribuir aos fatos apresentados o enquadramento jurídico adequado. Aplicação do brocardo da mihi factum, dabo tibi ius" (REsp XXXXX/DF, Terceira Turma, julgado em 21/6/2016, DJe de 28/6/2016 e REsp XXXXX/SP, Quarta Turma, julgado em 2/6/2015, DJe de 23/6/2015).

    5. Não há, portanto, vício a ser sanado no acórdão recorrido.

    2. DA INAPLICABILIDADE DO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR AOS CONTRATOS DE CAPITAL DE GIRO

    6. O Código de Defesa do Consumidor, consagrando a adoção da

    Teoria Finalista, dispõe ser consumidor "toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final", bem como "a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo" (art. , caput e parágrafo único, do CDC).

    7. Não obstante a previsão legal, tendo em vista a proteção e o equilíbrio das relações sociais, podem ser considerados consumidores não apenas as pessoas (físicas e jurídicas) que sejam destinatárias finais (fáticas e econômicas) do produto e serviço, mas também aquelas que comprovem algum tipo de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional (BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor [livro eletrônico] 9. ed. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021).

    8. Desse modo, pautado em uma interpretação teleológica e

    proporcional do dispositivo legal, este Superior Tribunal de Justiça adere à Teoria Finalista Mitigada ou Aprofundada, a qual viabiliza uma releitura "extensiva" do conceito de consumidor.

    9. Nessas situações, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor

    fica condicionada à demonstração efetiva da vulnerabilidade da pessoa frente ao fornecedor, sendo atribuição do sujeito que pretende a incidência do diploma consumerista comprovar a sua situação peculiar de vulnerabilidade.

    10. Outrossim, as características dos negócios jurídicos celebrados

    entre as partes também podem obstar a referida incidência, como sucede com os contratos destinados ao fomento da atividade empresarial (contratos de capital de giro).

    11. No ponto, esta Corte Superior tem orientação consolidada no

    sentido de ser inaplicável o CDC ao contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro, porquanto não figura a sociedade empresária como destinatária final do serviço. Confira-se os seguintes precedentes:

    RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO BANCÁRIO. FINANCIAMENTO. PESSOA JURÍDICA. MÚTUO PARA FOMENTO DE ATIVIDADE EMPRESARIAL. CONTRATO DE CAPITAL DE GIRO. EMPRESA NÃO DESTINATÁRIA FINAL DO SERVIÇO. RELAÇÃO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR. INAPLICABILIDADE. TEORIA FINALISTA MITIGADA. VULNERABILIDADE NÃO PRESUMIDA. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPOSSIBILIDADE.

    1. Ação revisional de contrato bancário ajuizada em 24/08/2021, da qual foi extraído o presente recurso especial interposto em 23/02/2022 e concluso ao gabinete em 01/06/2022.

    2. O propósito recursal consiste em dizer se o Código de Defesa do Consumidor é aplicável à relação jurídica firmada entre as litigantes, oriunda de contratação de empréstimo para fomento de atividade empresarial.

    3. Nos termos da jurisprudência do STJ, é inaplicável o diploma consumerista na contratação de negócios jurídicos e empréstimos para fomento da atividade empresarial, uma vez que a contratante não é considerada destinatária final do serviço. Precedentes. Não há que se falar, portanto, em aplicação do CDC ao contrato bancário celebrado por pessoa jurídica para fins de obtenção de capital de giro.

    4. Dessa maneira, inexistindo relação de consumo entre as partes, mas sim, relação de insumo, afasta-se a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e seus regramentos protetivos decorrentes, como a inversão do ônus da prova ope judicis (art. , inc. VIII, do CDC).

    5. A aplicação da Teoria Finalista Mitigada exige a comprovação de vulnerabilidade técnica, jurídica, fática e/ou informacional, a qual não pode ser meramente presumida. Nesta sede, porém, não se pode realizar referida análise, porquanto exigiria o revolvimento do conjunto fático-probatório dos autos (Súmula 7/STJ).

    6. Afasta-se a aplicação de multa, uma vez que não configura intuito protelatório ou litigância de má-fé a mera interposição de recurso legalmente previsto.

    7. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 2.001.086/MT, Terceira Turma, DJe 30/9/2022)

    AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. CÉDULA DE CRÉDITO BANCÁRIO. CAPITAL DE GIRO. VIOLAÇÃO DO ART. 1.022 DO CPC. NÃO CONFIGURADA. LEGISLAÇÃO DE PROTEÇÃO AO CONSUMIDOR. NÃO INCIDÊNCIA. DEMONSTRATIVO DE DÉBITO. SUFICIÊNCIA. REEXAME. APLICAÇÃO DA SÚMULA 7/STJ.

    1. Se as questões trazidas à discussão foram dirimidas, pelo Tribunal de origem, de forma suficientemente ampla, fundamentada e sem omissões, deve ser afastada a alegada violação ao art. 1.022 do Código de Processo Civil de 2015.

    2. "A empresa que celebra contrato de mútuo bancário com a finalidade de obtenção de capital de giro não se enquadra no conceito de consumidor final previsto no art. 2º do CDC. Precedente" (AgRg no AREsp XXXXX/SP, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, DJe 4.6.2013).

    3. Não cabe, em recurso especial, reexaminar matéria fático-probatória (Súmula n. 7/STJ).

    4. Agravo interno a que se nega provimento. (AgInt no AREsp n. 1.841.748/DF, Quarta Turma, DJe 15/12/2021)

    12. No mesmo sentido: AgInt no AREsp XXXXX/SP, Quarta Turma,

    DJe 1/7/2019; AgRg no AREsp XXXXX/MG, Quarta Turma, DJe 20/4/2015; AgRg no AREsp XXXXX/SP, Quarta Turma, DJe 4/6/2013; REsp XXXXX/DF, Quarta Turma, DJe 29/6/2012; e REsp XXXXX/MG, Terceira Turma, DJe 14/12/2009.

    3. DA REVISÃO DOS CONTRATOS NO DIREITO PRIVADO

    13. Nos contratos empresariais deve ser conferido especial prestígio aos princípios da liberdade contratual e do pacta sunt servanda , também denominados de princípio da intangibilidade contratual e da força obrigatória dos contratos. Isso porque, reconhece-se verdadeira presunção de simetria e paridade entre os contraentes, os quais assumem riscos ordinários e inerentes ao negócio jurídico celebrado.

    14. Recentemente, estas diretrizes foram positivadas no art. 421, caput , e 421-A do Código Civil, incluídos pela Lei da Liberdade Econômica (Lei nº 13.874/2019).

    15. Nada obstante, as vicissitudes da práxis cotidiana tornaram indispensável a previsão, no próprio diploma legal, de hipóteses de revisão e resolução dos contratos. Nesse sentido, os arts. 317, 478, 479 e 480 do Código Civil consagram a legitimidade interventiva do Poder Judiciário, nos seguintes termos:

    Art. 317. Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação.

    Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato . Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação.

    Art. 479. A resolução poderá ser evitada, oferecendo-se o réu a modificar eqüitativamente as condições do contrato.

    Art. 480. Se no contrato as obrigações couberem a apenas uma das partes, poderá ela pleitear que a sua prestação seja reduzida, ou alterado o modo de executá-la, a fim de evitar a onerosidade excessiva.

    16. De início, impõe-se a adoção dos seguintes pressupostos: (I) o alcance da hipótese fática do art. 317 não é restrito apenas à análise e fixação da correção monetária nos contratos em que as partes não a estabeleceram, configurando-se verdadeira cláusula geral de revisão da prestação contratual ; e (II) embora os arts. 478, 479 e 480 não mencionem, expressamente, a possibilidade de revisão judicial do contrato (mas"resolução" ou "oferecer" a modificar as condições do contrato), esta é decorrência da interpretação sistêmica e teleológica de suas próprias disposições, sobretudo daquelas relacionadas à cláusula geral de boa-fé objetiva (art. 422 do CC/02), qual impõe a cooperação e a colaboração entre as partes contratantes, voltadas à efetiva realização do fim contratual.

    17. Esclarecidas as premissas, é assente que a revisão contratual por meio da Teoria da Imprevisão (art. 317), de alicerce francês, como desdobramento da cláusula rebus sic standibus , prestigia os princípios da conservação do negócio jurídico e da função social do contrato. Pressupõe, para tanto, uma alteração substancial entre o momento de formação do contrato (plano da existência) e o momento de sua execução ou cumprimento (plano da eficácia) (SCHREIBER, A., TARTUCE, F., SIMÃO, J. [et. al.]. Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021). 18. De acordo com os ensinamentos de Ruy Rosado de Aguiar Jr., os

    3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021). 18. De acordo com os ensinamentos de Ruy Rosado de Aguiar Jr., os

    18. De acordo com os ensinamentos de Ruy Rosado de Aguiar Jr., os pressupostos de incidência do art. 317 do Código Civil são: "a) obrigação a ser adimplida em momento posterior ao da sua origem ; b) superveniência de motivos imprevisíveis , quer dizer, fatos imprevisíveis quando do nascimento da

    obrigação, determinantes da alteração do valor da prestação; c) desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o valor do momento da execução" (AGUIAR JR., Ruy Rosado de. In.: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao Novo Código Civil . v. VI. tomo. II. São Paulo: Grupo GEN, 2011).

    19. Destaca-se que, "coerentemente com a seção em que se insere (objeto do pagamento), [o art. 317 do CC] contempla uma desproporção interna à própria prestação - desproporção entre seu valor real originário e seu valor real ao tempo do pagamento -, não cogitando de uma análise comparativa entre as prestações que integram um contrato, como faz o art. 478" (TEPEDINO, Gustavo; SCHREIBER, Anderson. Fundamentos do Direito Civil: Obrigações. v. 2. 3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2022).

    20. Ademais, a posição do dispositivo e a redação legal aconselham as seguintes conclusões: (I) possibilidade de revisão de prestação tanto de origem contratual quanto extracontratual; (II) desnecessidade de desvalorização ou prejuízo, podendo-se pleitear a revisão quando há superveniente valorização do valor da prestação; e, por fim, (III) legitimidade dupla para a revisão, isto é, tanto o credor quanto o devedor podem solicitá-la, desde que prejudicados pela desproporção (AGUIAR JR., Ruy Rosado de. op. cit.).

    21. A seu turno, o art. 478 do CC consagra a Teoria da Onerosidade

    Excessiva , de matriz italiana, ao estabelecer que "nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato".

    22. Para sua incidência, é necessário o preenchimento dos seguintes requisitos: (I) existência de relação obrigacional, comutativa, onerosa,

    duradoura, ou de trato sucessivo , ou quando o adimplemento tenha sido dividido em parcelas, a serem pagas ao longo do tempo; (II) excessiva onerosidade ; (III) superveniência, imprevisibilidade e extraordinariedade do evento causador da desproporção manifesta; (IV) extrema vantagem para a contraparte ; e (V) inimputabilidade, ao lesado, da excessiva onerosidade da prestação (MARTINS-COSTA, Judith. In .: TEIXEIRA, Sálvio de Figueiredo (Coord.). Comentários ao Novo Código Civil . 2. ed. v. V. tomo. I. São Paulo: Grupo GEN, 2006).

    23. Existem, ainda, outros elementos importantes a serem considerados, uma vez que a excessiva onerosidade não é aferível em abstrato , mas deve ser "filtrada de acordo com o relacionamento em concreto", avaliando-se a conduta das partes e o conteúdo do contrato, sempre tendo em conta a "específica arrumação dos interesses econo^mico-sociais em concreto considerados" (MARTINS-COSTA, Judith. Ibidem.).

    24. Outrossim, no que concerne ao requisito da "extrema vantagem para a outra parte", parcela da doutrina posiciona-se pela sua flexibilização, ponderando que:

    As críticas ao requisito da extrema vantagem mostram-se tão contundentes que parcela dos autores brasileiros chega a sugerir que seja simplesmente ignorada. Nessa direção, na IV Jornada de Direito Civil, foi aprovado o Enunciado n. 365, com o seguinte teor: "A extrema vantagem do art. 478 deve ser interpretada como um elemento acidental da alteração de circunstâncias, que comporta a incidência da resolução ou revisão do negócio por onerosidade excessiva, independentemente de sua demonstração plena". Como "elemento acidental" que dispensa "demonstração plena", a extrema vantagem deixaria, a rigor, de integrar o rol de requisitos do art. 478 do Código Civil, interpretação que afasta as dificuldades inerentes à sua verificação, mas tem o grave "inconveniente" de divergir inteiramente da linguagem da norma em comento. Para tentar superar esse obstáculo, parte da doutrina brasileira que se ocupa do tema tem sustentado que, embora se trate esta última incide sobre um dos contratantes, o outro contratante estaria ipso facto diante de uma extrema vantagem, na medida em que estaria na iminência de obter uma prestação por valor inferior ao valor que seria necessário para obter a mesma prestação naquele momento, à luz das condições de mercado . (SCHREIBER, Anderson. [et. al.]. Código Civil Comentado: Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Grupo GEN, 2021)

    A exigência concomitante da excessiva onerosidade e da vantagem extrema igualmente mostra-se censurável. Bastaria a alteração das circunstâncias e o conseqüente desequilíbrio da álea econômica. A onerosidade surgirá naturalmente, não cabendo indagar sobre eventuais lucros advindos ao outro contratante, muito menos condicionar o reconhecimento da imprevisão à ocorrência daquele fenômeno. Seria odioso exigir a prova de um ganho inesperado, quando já se é difícil a documentação da excessiva onerosidade (nesse sentido: AGUIAR JÚNIOR, 2000:28; SANTOS, 1989:37; DONNINI, 1999:65; USTÁRROZ, 2003:50; ALVES; DELGADO, 2005:248; GAGLIANO; PAMPLONA, 2005:307). (RODRIGUES JUNIOR, Otavio Luiz. Revisão judicial dos contratos: autonomia da vontade e teoria da imprevisão. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2006. p. 165).

    4. DA REVISÃO DOS CONTRATOS EM RAZÃO DA SUPERVENIÊNCIA DA PANDEMIA DA COVID-19

    4.1 APONTAMENTOS GERAIS

    25. Em 30/1º/2020, a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou que o surto de coronavírus constitui emergência de saúde pública de importância internacional e, na sequência, em 11/3/2020, declarou a pandemia da respectiva doença, então denominada de COVID-19.

    26. Trata-se de crise sanitária sem precedentes, que não apenas colocou em risco, mas também resultou, lamentavelmente, na perda de incontáveis vidas, especialmente de integrantes dos grupos de risco, como idosos e pessoas com doenças respiratórias. Conforme os dados fornecidos pelo Ministério da Saúde, em 28/2/2023, já se somaram 699.087 óbitos por COVID-19 no país (https://covid.saude.gov.br/).

    27. Diante do cenário emergencial, medidas se mostraram necessárias

    para tentar preservar, ao máximo, a saúde e a vida das pessoas. No Brasil, por exemplo, foi editada a Lei nº 13.979 de 6/2/2020, que dispõe sobre medidas para o enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus. Garantiu-se às autoridades, no âmbito de suas competências, a adoção das seguintes providências: isolamento; quarentena; determinação de realização compulsória de exames médicos, testes laboratoriais, coleta de amostras clínicas, vacinação e outras medidas profiláticas; uso obrigatório de máscaras de proteção individual; restrição excepcional e temporária de rodovias, portos e aeroportos, tanto para a entrada no país, quanto para a locomoção interestadual e intermunicipal ; entre outras (art. 3º).

    28. Sobre o tema, o Pleno do Supremo Tribunal Federal, ao referendar a medida cautelar na ADI XXXXX/DF, em julgamento ocorrido em 15/4/2020, reconheceu a competência concorrente da União, dos Estados, Distrito Federal e Municípios para adotar medidas com o objetivo de conter a pandemia da Covid-19, como prevê o art. 3º da Lei nº 13.979/2020. Do mesmo modo: STF, ADPF XXXXX/SP, Tribunal Pleno, DJe 25/6/2021.

    29. Nesse sentido, inúmeros entes da Federação decretaram a interrupção de atividades e do funcionamento de estabelecimentos comerciais e industriais (lockdown), bem como a suspensão do transporte público e coletivo de passageiros, tanto a nível intermunicipal quanto na seara internacional .

    30. Para além dos irrefutáveis prejuízos às relações afetivas e sociais vivenciados pela população mundial, o cenário emergencial trouxe consequências nefastas às relações socioeconômicas e contratuais, prejudicando ou mesmo impedindo o adimplemento das obrigações convencionadas em momento anterior.

    31. Certo é que a situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o inadimplemento da obrigação, mas é circunstância que, por sua imprevisibilidade, extraordinariedade e por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário.

    4. DA APLICAÇÃO DOS ARTS. 317 E 478 DO CÓDIGO CIVIL AOS CONTRATOS DE TRANSPORTE INTERMUNICIPAL

    32. Esta Corte Superior já tem se manifestado no sentido de que a pandemia da Covid-19 configura, em tese, evento imprevisível e extraordinário, apto a possibilitar a revisão contratual com fundamento nas Teorias da Imprevisão (arts. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), ambas interpretadas de maneira teleológica e sistêmica.

    33. Isso porque, a superveniência de doença disseminada mundialmente, que, na tentativa de sua contenção, ocasionou verdadeiro lockdown econômico e intenso isolamento social , qualifica-se como evento imprevisível, porquanto não foi prevista, conhecida ou examinada pelos contratantes quando da celebração do negócio jurídico, e extraordinário, pois distante da álea e das consequências ínsitas e objetivamente vinculadas ao contrato.

    34. Nessa linha de raciocínio, permitiu-se a revisão proporcional de aluguel em razão das consequências particulares da pandemia da Covid-19 em relação à empresa de coworking cujo faturamento foi drasticamente reduzido no período pandêmico (REsp XXXXX/DF, Quarta Turma, DJe 9/9/2022). Do mesmo modo, autorizou-se a revisão dos aluguéis em contratos estabelecidos pelo shopping center e seus lojistas, desde que verificados os demais requisitos legais

    estabelecidos pelo art. 317 ou 478 do Código Civil (REsp XXXXX/GO, Terceira Turma, DJe 20/4/2023).

    35. Nos referidos julgados, frisou-se que a revisão de contratos

    paritários com fulcro nos eventos decorrentes da pandemia não pode ser concebida de maneira abstrata, mas depende, sempre, da análise da relação contratual estabelecida entre as partes. Ou seja, é imprescindível que a pandemia tenha interferido de forma substancial e prejudicial na relação negocial.

    36. Inclusive, para auxiliar no exame da viabilidade de adaptação dos

    contratos em virtude de alterações supervenientes das circunstâncias, Judith Martins-Costa e Paula Costa e Silva definem alguns critérios hermenêuticos, a saber:

    (i) a regra é: contratos são celebrados para serem cumpridos no futuro, de modo que nem todo evento futuro, ainda que excepcional e imprevisível, provoca efeitos resolutórios ou revisivos nos contratos de duração;

    (ii) em cada caso, cabe averiguar a gravidade do evento em face do sinalagma contratual , sendo necessário apreciar os seus efeitos no caso concreto, pois os efeitos são para cada caso particular: extraordinariedade e imprevisibilidade o são, sempre, em relação com os seus efeitos em cada contrato;

    (iii) o juiz ou árbitro deve investigar se o contratante que alega a alteração superveniente das circunstâncias em busca da revisão ou da resolução contratual agiu, ao contratar, com as cautelas exigíveis à pessoa ativa e razoável, considerado o setor econômico no qual situada a atividade prevista no contrato, assumindo os riscos normais do contrato, pois desincumbir-se dessa cautela integra a "álea normal";

    (iv) ao promover a adaptação do contrato às circunstâncias, não são tomados em conta motivos particulares das partes, mas devem ser considerados a finalidade do contrato e os motivos comuns a ambos os contraentes , desde que expressos no contrato ou que dele possam ser deduzidos por via hermenêutica;

    (v) deve haver comprovada relação causal entre o evento alegadamente imprevisível e extraordinário e a excessiva onerosidade superveniente. (MARTINS-COSTA, Judith; SILVA, Paula Costa e. Crise e perturbações no cumprimento da prestação: estudo de direito comparado luso-brasileiro . São Paulo: Quartier Latin, 2020). (grifou-se)

    37. Na hipótese, o contrato de mútuo para fomento da atividade empresarial , estabelecido entre instituição financeira e empresa delegatária do serviço público de transporte intermunicipal e coletivo de passageiros, sofreu influência negativa de evento imprevisível, extraordinário e que causou excessiva onerosidade a um dos contratantes. Sabe-se que o serviço de transporte coletivo de passageiros foi demasiadamente afetado com as medidas de distanciamento social para enfrentamento do coronavírus, uma vez que os veículos permaneceram inutilizados e, consequentemente, não houve arrecadamento da contraprestação financeira por parte dos cidadãos nesse período .

    38. Veja-se que, para além da qualificação da pandemia ocasionada pela

    Covid-19 como evento imprevisível e extraordinário, ao analisar abstrata e objetivamente os demais requisitos exigidos pela Teoria da Imprevisão, estes se fazem presentes . Isso porque, (I) a obrigação correspondente ao pagamento de parcelas de prestação pecuniária configura obrigação a ser adimplida em momento posterior ao da sua origem; e (II) as ordens de paralização do serviço de transporte intermunicipal de passageiros, emitidas por autoridades públicas, com a consequente redução abrupta das atividades lucrativas, podem acarretar desproporção manifesta entre o valor da prestação no momento da sua efetivação (situação de lockdown) e quando de sua pactuação (contexto de livre circulação de pessoas).

    39. Por sua vez, os demais requisitos da Teoria da Onerosidade Excessiva também se mostram presentes em tese. Isso porque, (I) a obrigação, correspondente ao pagamento de prestação pecuniária parcelada, configura relação obrigacional, comutativa e de trato sucessivo; (II) é possível, em tese, constatar a excessiva onerosidade para a parte que precisou continuar a pagar o

    mutuante nos moldes originalmente ajustados, flexibilizada a exigência de extrema vantagem para a outra parte.

    40. Desse modo, demonstrando-se que as rotas realizadas pela empresa de transporte foram efetivamente suspensas e que esta foi impedida de exercer suas atividades em razão de determinação do Poder Público, com a comprovação de que houve queda abrupta e temporária no faturamento empresarial, há que se permitir a revisão do contrato. Até mesmo porque a manutenção de cobrança de prestações mutuárias, nos moldes do originariamente pactuado, para fomento de atividade que foi paralisada no período , mostra-se excessivamente onerosa, devendo-se preservar o equilíbrio contratual.

    5. DA HIPÓTESE DOS AUTOS

    41. Colhe-se dos autos que FRS - FALCÃO REAL SERVIÇOS LTDA (recorrida) ingressou com ação de obrigação de fazer em face de BANCO SAFRA S/A (recorrente), consistente na prorrogação excepcional e temporária do vencimento das parcelas de cédulas bancárias durante o período de calamidade pública decorrente da pandemia do coronavírus, com fundamento na Teoria da Imprevisão e da Onerosidade Excessiva.

    42. Após a devida instrução, houve sentença de procedência do pedido, com fundamento na Teoria da Imprevisão (art. 317 do CC/02), para determinar a "prorrogação das parcelas vencidas desde março por 7 meses, assim, a parcela que venceu em março terá seu prazo reajustado para o mesmo dia de outubro, já a parcela vencida em abril terá seu prazo reajustado para o mesmo dia de novembro, e assim por diante" (e-STJ fl. 243).

    43. Posteriormente, a recorrida interpôs apelação com pretensão de majorar os honorários advocatícios, enquanto o recorrente pleiteou a reforma

    integral da sentença. Nada obstante, o TJSP, por maioria, manteve a condenação, alterando o fundamento da decisão, a fim de incidir a Teoria da Quebra da Base Objetiva (art. , V, do CDC). Houve, ainda, voto divergente no sentido da inaplicabilidade do CDC aos autos, porquanto "a autora é sociedade empresária do ramo de transporte coletivo de passageiros e pactuou empréstimos com o réu no intuito de alavancar o capital de giro" (e-STJ fl. 351).

    44. De fato, nos termos expostos anteriormente, a proteção do

    Código de Defesa do Consumidor é inaplicável às relações jurídicas decorrentes de contrato de empréstimo para fomento de atividade empresarial. Logo, o pacto avençado entre os litigantes não pode ser revisado com fundamento na Teoria da Quebra da Base Objetiva, que incide nas relações eminentemente consumeristas (REsp XXXXX/SP, Terceira Turma, DJe 3/3/2015).

    45. Lado contrário, o contexto fático-probatório delineado pelas instâncias ordinárias corrobora a possibilidade da revisão contratual com fundamento nas teorias supra analisadas. Veja-se que houve efetiva suspensão das atividades e paralização das rotas realizadas pela recorrida, bem como "queda abrupta no seu faturamento, tornando a prestação ajustada no contrato, ainda que temporariamente, excessivamente prejudicial a sua saúde financeira e econômica, com risco de levá-lo à bancarrota" (e-STJ fl. 242). Reprisam-se os termos da sentença e do acórdão recorrido:

    Induvidoso que a pandemia do novo Coronavírus trouxe e continuará trazendo prejuízo econômico para todos. Trata-se de uma evidente situação de força maior, hipótese prevista em lei, e que dá azo à análise momentânea das balizas contratuais quando essas levam a um desequilíbrio excessivo não previsto . Cabe ao Poder Judiciário, portanto, intervir em relações jurídicas privadas para equilibrar os prejuízos em situações nas quais reste evidente que pela conduta de uma das partes a outra ficará com todo o ônus financeiro resultante desse cenário.

    Importante destacar que o pedido visa tão somente prorrogação excepcional e temporária da cobrança das parcelas, em razão de uma grave crise social e econômica imprevisível às partes.

    Em razão do Decreto Estadual nº 19.586/2020, do Estado da Bahia, 390 municípios baianos que estão com os transportes intermunicipais suspensos, atingindo assim 93,5% dos 417 municípios do Estado, certo que as rotas realizadas pela autora estão todas suspensas .

    Nesse sentido, incide, especificamente na possibilidade de revisão, o art. 317 do Código Civil, in verbis : 'Quando, por motivos imprevisíveis, sobrevier desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução, poderá o juiz corrigi-lo, a pedido da parte, de modo que assegure, quanto possível, o valor real da prestação'.

    Este é precisamente o caso dos autos, na medida em que a pandemia instaurada pela disseminação rápida e global de vírus até então não circulante acabou por levar as autoridades públicas a concretizar medidas altamente restritivas de desenvolvimento de atividades econômicas, a fim de garantir a diminuição drástica de circulação das pessoas e dos contatos sociais.

    Tal situação ocasionou a suspensão total de suas atividades e, evidentemente, a queda abrupta no seu faturamento, tornando a prestação ajustada no contrato, ainda que temporariamente, excessivamente prejudicial a sua saúde financeira e econômica, com risco de levá-lo à bancarrota.

    Desse modo, cabível a revisão extraordinária, com a finalidade de assegurar a manutenção da base objetiva, para ambas as partes, gerando o menor prejuízo possível a elas, dentro das condições de mercado existentes e das previsões legais.

    Mostra-se razoável então, compartilhar de forma isonômica entre as partes a concessão de moratória enquanto a autora estiver impedida de exercer suas atividades.

    De mais a mais, conforme recentemente noticiado, é fato que o transporte intermunicipal está sendo retomado, ainda que de forma gradual, desde o dia de hoje (10/08/2020 - https://g1. globo. com/ba/bahia/noticia/2020/08/10/apos-4-meses-rodoviaria-de-salvadorerea bertaeflexibilizacao-do-transporte-intermunicipal-na-ba-comeca-nesta-segund

    a. ghtml) Portanto, defiro o reajuste do prazo de vencimento das parcelas,

    em 7 meses, a partir das parcelas de março, assim, a parcela que venceu em março terá seu prazo reajustado para o mesmo dia de outubro, já a parcela vencida em abril terá seu prazo reajustado para o mesmo dia de novembro, e assim por diante, na medida em que mostra-se razoável, inclusive na esteira de decisões que vêm sendo tomadas pelo E. Tribunal Bandeirante, bem como por outras Cortes Estaduais, e também coaduna-se com as previsões do Código do Civil sobre o inadimplemento em razão de caso fortuito/força maior"(e-STJ fls. 242-243).

    "Pois bem.

    É fato notório que a pandemia de Coronavírus afetou economicamente parcela significativa da população e alguns estabelecimentos comerciais. Um deles, sem sombra de dúvida, é a categoria dos transportes, da qual os autores fazem parte.

    Os autores transportam passageiros de uma determinada cidade para outra e, em razão dos decretos de suspensão de circulação dos transportes intermunicipais, os autores ficaram sem auferir rendimentos, desde o início da pandemia .

    Ora, os contratos de empréstimos estão garantidos pelos veículos utilizados no exercício de sua atividade econômica, mas, em razão das medidas de distanciamento social impostas pelo Poder Público, os autores se viram impedidos de desenvolver sua atividade empresária e, como consequência, a obrigação de pagar as parcelas dos financiamentos tornaram-se, ao menos a princípio, excessivamente onerosas."(e-STJ fl. 348)

    46. Ainda, o prazo de prorrogação se encontra em conformidade com o pedido da inicial e em harmonia com as peculiaridades da espécie. A Lei nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, foi publicada e entrou em vigor em 6/2/2020, sendo que a sentença afirmou que houve o retorno das atividades de transporte nos municípios baianos, ainda que gradual, em 10/8/2020 (e-STJ fls. 242-243). Desse modo, considerando-se os sete meses de parcial ou absoluta suspensão das atividades da recorrida (fevereiro, março, abril, maio, junho, julho e agosto), é de ser mantida a prorrogação das parcelas vencidas pelo referido prazo, nos exatos termos da sentença ratificada pelo acórdão.

    47. Por fim, em virtude do exame do mérito, por meio do qual foram rejeitadas as teses sustentadas pelo recorrente, fica prejudicada a análise da divergência jurisprudencial.

    6. DISPOSITIVO

    Forte nessas razões, CONHEÇO do recurso especial e NEGO-LHE PROVIMENTO.

    Nos termos do art. 85, § 11, do CPC/15, considerando o trabalho adicional imposto ao advogado da parte recorrida em virtude da interposição deste recurso, majoro os honorários, fixados anteriormente em R$ 5.000,00 (e-STJ fls. 244 e 350), para R$ 6.000,00.

    RECURSO ESPECIAL Nº 2070354 - SP (2023/XXXXX-2)

    RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI

    RECORRENTE : BANCO SAFRA S A

    ADVOGADOS : FELIPE ADJUTO DE MELO - DF019752 CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - SP247319

    RECORRIDO : FRS - FALCÃO REAL SERVICOS LTDA

    ADVOGADOS : GODOFREDO DE SOUZA DANTAS NETO - BA017874

    FELIPE MIRANDA ALPOIM BRAGA - BA053396

    VOTO-VOGAL

    O EXMO. SR. MINISTRO HUMBERTO MARTINS:

    Cuida-se de recurso especial interposto por BANCO SAFRA S.A. contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

    O tribunal, na origem, assim decidiu:

    CONTRATOS BANCÁRIOS. OBRIGAÇÃO DE FAZER. PEDIDO DE SUSPENSÃO DE EXIGIBILIDADE DE DÉBITO. CONCESSÃO DE TUTELA DE URGÊNCIA, PARA SUSPENDER OS DESCONTOS E A EXIGIBILIDADE DAS PARCELAS VINCENDAS DOS CONTRATOS. ATIVIDADE EMPRESÁRIA ESPECIALMENTE AFETADA PELAS MEDIDAS DE DISTANCIAMENTO SOCIAL IMPOSTAS PELO PODER PÚBLICO PARA CONTENÇÃO DA PANDEMIA DE CORONAVÍRUS. PRESENÇA DOS REQUISITOS INDISPENSÁVEIS À CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA. É fato notório que a pandemia de Coronavírus afetou economicamente parcela significativa da população e alguns estabelecimentos comerciais. Uma delas, sem sombra de dúvida, é a categoria desenvolvida pelos autores, transporte de passageiros. Os autores transportam passageiros de uma determinada cidade para outra e, em razão dos decretos de suspensão de circulação dos transportes intermunicipais, ficaram sem auferir rendimentos desde o início da pandemia. Ora, os contratos de empréstimos estão garantidos pelos veículos utilizados no exercício de sua atividade econômica, mas, em razão das medidas de distanciamento social impostas pelo Poder Público, os autores se viram impedidos de desenvolver sua atividade empresária e, como consequência, a obrigação de pagar as parcelas dos financiamentos tornaram-se, ao menos a princípio, excessivamente onerosas. E não se vislumbra perigo de irreversibilidade dos efeitos da medida, pois, após o prazo estabelecido pelo Douto Juízo" a quo ", nada impedirá a ré de retomar a cobrança na forma contratada e determinada na r. sentença. SENTENÇA MANTIDA PELOS SEUS PRÓPRIOS FUNDAMENTOS. Sentença mantida pelos seus próprios fundamentos com base no artigo 252 do Regimento Interno do Tribunal. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Correto o arbitramento dos honorários advocatícios pelo Douto Juízo" a quo ", pois se trata de ação em que não há condenação em valores, motivo pelo qual deve ser arbitrado de forma equitativa. APELAÇÕES NÃO PROVIDAS.

    A Ministra relatora conheceu do recurso e negou-lhe provimento.

    É, no essencial, o relatório.

    O caso em tela trata de decidir sobre a possibilidade de prorrogação excepcional e temporária do vencimento das parcelas de cédulas bancárias durante o período de calamidade pública ocasionado pela pandemia de coronavírus, que levou à suspensão das atividades de tráfego intermunicipal, tudo com fulcro nas Teorias da Imprevisão (art. 317 do CC) e da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC).

    A Ministra relatora entendeu que os fatos, de forma incontroversa, demonstraram que as rotas realizadas pela empresa de transporte intermunicipal foram efetivamente suspensas e que esta foi impedida de exercer suas atividades em razão de determinação do Poder Público, e, de consequência, a manutenção de cobrança de prestações mutuárias, nos moldes originais, para fomentar atividade que foi paralisada no período pandêmico, mostra-se excessivamente onerosa, o que impõe a revisão do contrato para preservação do seu equilíbrio

    Ante o exposto, manifesto-me no sentido do voto da Ministra relatora para conhecer do recurso especial e negar-lhe provimento.

    É como penso. É como voto.

    CERTIDÃO DE JULGAMENTO

    TERCEIRA TURMA

    Número Registro: 2023/XXXXX-2 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 2.070.354 / SP

    Números Origem: XXXXX20208260100 20210000918120

    PAUTA: 20/06/2023 JULGADO: 20/06/2023

    Relatora

    Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

    Presidente da Sessão

    Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA

    Subprocuradora-Geral da República

    Exma. Sra. Dra. MARIA EMILIA MORAES DE ARAUJO

    Secretária

    Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

    AUTUAÇÃO

    RECORRENTE : BANCO SAFRA S A

    ADVOGADOS : FELIPE ADJUTO DE MELO - DF019752 CARLOS AUGUSTO TORTORO JUNIOR - SP247319

    RECORRIDO : FRS - FALCÃO REAL SERVICOS LTDA

    ADVOGADOS : GODOFREDO DE SOUZA DANTAS NETO - BA017874

    FELIPE MIRANDA ALPOIM BRAGA - BA053396

    ASSUNTO: DIREITO CIVIL - Obrigações - Espécies de Títulos de Crédito - Cédula de Crédito Bancário

    CERTIDÃO

    Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:

    A Terceira Turma, por unanimidade, conheceu do recurso especial e negou-lhe provimento, nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora.

    Os Srs. Ministros Humberto Martins, Ricardo Villas Bôas Cueva (Presidente), Marco Aurélio Bellizze e Moura Ribeiro votaram com a Sra. Ministra Relatora.

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