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23 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJES • AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO • XXXXX-71.2021.8.08.0049 • Juízo de Direito da Vara Única de Venda Nova do Imigrante do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Juízo de Direito da Vara Única de Venda Nova do Imigrante

Assunto

Furto

Juiz

JOSE BORGES TEIXEIRA JUNIOR
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PODER JUDICIÁRIO
Juízo de Venda Nova do Imigrante - Vara Única
AV. EVANDI AMÉRICO COMARELA, 971, Fórum Desembargador José Vieira Coelho, BAIRRO MARMIN, VENDA NOVA DO IMIGRANTE - ES - CEP: 29375-000
Telefone:(28) 35462800

PROCESSO Nº XXXXX-71.2021.8.08.0049
AÇÃO PENAL - PROCEDIMENTO ORDINÁRIO (283)
AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPIRITO SANTO
REU: EDIVALDO FLORINDO

SENTENÇA

1. RELATÓRIO.

Trata-se de ação penal pública incondicionada, proposta pelo Ministé­rio Público do Estado do Espírito Santo em face de Edvaldo Florindo, impu­tando-lhe a prática da conduta prevista no art. 155, caput do Código Penal.

A denúncia fora recebida às fls. 27, em 7 de fevereiro de 2022.

Devidamente citado às fls. 33, o acusado apresentou resposta à acusação às fls. 35 a 37.

A instrução se deu consoante assentada de fls. 50 e ID XXXXX, oportunida­de em que foram ouvidas as testemunhas, a vítima e interrogado o acusado.

Alegações finais do Ministério Público no ID XXXXX e as da Defesa no ID XXXXX.

É o relatório.

2. FUNDAMENTAÇÃO.

Verifico não haver preliminares ou questões de ordem pública que impeçam o conhecimento do mérito. O feito tramitou de forma regular, tendo sido ofertadas às partes o direito ao contraditório e à ampla defesa, sendo certo que a ausência de instrução probatória somente não ocorreu por livre iniciativa das partes.

Passo, pois, ao julgamento da lide.

A materialidade encontra-se demonstrada pelos boletins de ocorrência de fls. 5 a 7, relatório de fls. 15 a 17, sendo que o delito imputado ao réu se classifica, a rigor, como transeunte, de maneira que sua comprovação por prova material se mostra dispensável como manda o TJES (XXXXX-61.2009.8.08.0045).

A autoria, a seu turno, revela-se pela prova oral produzida em contra­ditório, em tudo confirmando o teor da prova indiciária, ou seja, a vítima confirmou que foi o acusado que furtou o pássaro, nos moldes das imagens de câmeras de videomonitoramento, sendo que ele esteve em sua residência no dia anterior aos fatos para pedir dinheiro emprestado.

Ademais afirma que o réu lhe confessou pessoalmente que furtou o pássaro para quitar dívidas de drogas, chegando a fazer um acordo para pagamento do valor da ave, no patamar de R$1.500,00, mas que só houve o pagamento de R$400,00.

Nesse diapasão, como sói acontecer em delitos patrimoniais, é in­questionável que a palavra da vítima, mormente quando corroborada por outros meios de prova, é sufici­ente para lastrear o decreto condenatório, uma vez que delitos deste jaez usu­almente são per­petrados às escuras, com o fulcro mesmo de evitar sua repressão, consoante entendimento do TJES:

APELAÇÃO CRIMINAL - ART. 157, § 2º, II, DO CP - ABSOLVIÇÃO - IMPOSSIBILI­DADE - AUTORIA E MATERIALIDADE ROBUSTAMENTE COMPROVADAS - RE­CURSO IMPROVIDO. Com­provadas a autoria e a materialidade delitiva, não há que se falar em absolvição por insuficiência de provas. Certo que nos delitos de roubo, naturalmente cometidos na clandestinidade, sem a presença de testemunhas, a pala­vra da vítima adquire enorme importância, sobretudo quando não há nos autos ne­nhum elemento a indicar que a mesma tivesse o intuito de prejudicar o réu, impu­tando-lhe falsamente o delito. Recurso improvido. (TJES. APL XXXXX-14.2014.8.08.0048. Segunda Câmara Criminal. Relator: Des. Adalto Dias Tristão. DJ 02/12/2015).

Tais fatos, somados aos antecedentes dos requeridos, que possui con­denações com trânsito em julgado em seu desfavor, específicas em crimes patrimoniais (extratos de fls. 30 a 32 indica que o acusado tem condenações por crimes patrimoniais e ainda responde por ações de mesma natureza em curso), in­clusive, permitem, à luz do art. 239 do CPP, las­trear decreto condena­tório, na esteira do en­tendimento do TJES:

APELAÇÃO CRIMINAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. FURTO QUALIFICADO PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO. ATIPICIDADE MATERIAL. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. AFASTADO. AUTORIA COMPROVADA. ANIMUS FU­RANDI. DESCLASSIFICAÇÃO PARA FURTO SIMPLES. IMPOSSIBILIDADE. AU­SÊNCIA DE LAUDO PERICIAL. EXISTÊNCIA DE PROVA TESTEMUNHAL. DOSI­METRIA DA PENA. AFASTAMENTO DA CULPABILIDADE, MOTIVOS E CIR­CUNSTÂNCIAS DO CRIME. READEQUAÇÃO DA PENA-BASE. MANUTEN­ÇÃO DAS DEMAIS ETAPAS DE FIXAÇÃO DA PENA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. […] Diante do contexto fático dos autos, uma sucessão de circunstâncias e indícios coerentes e concatenados podem ensejar a certeza fundada que é exigida para a condenação, sobretudo na hipótese em apreço, onde o delito fora praticado na clandestinidade, sem nenhuma testemunha presencial do momento da subtração da res. Por conseguinte, é perfeitamente clara a existência da comprovação da autoria do delito praticado pelo apelante ("animus furandi") […] 9. Recurso parcialmente provi­do. (TJES. APL XXXXX-03.2011.8.08.0037. Primeira Câmara Criminal. Relator: Des. Carlos Henrique Rios do Amaral. DJ 10/12/2014).

O acusado não admitiu os fatos nos moldes como descritos na denúncia, tendo afirmando que estava com capacidade de entendimento comprometida pelo uso de drogas, ou seja, não for por sua vontade que os fatos aconteceram.

Não se acolhe das teses defensivas, mormente porque, na esteira do entendimento do STJ “[...] consuma-se o crime de furto com a posse de fato da res furtiva, ainda que por breve espaço de tempo e seguida de perseguição ao agente, sendo prescindível a posse mansa e pacífica ou desvigiada [...]” (REsp XXXXX/RJ).

Para a Colenda Corte predomina, na doutrina e na jurisprudência, a utilização da teoria da apprehensio (ou amotio), em que é necessário apenas que a coisa passe, por algum espaço de tempo, para o poder do agente, ainda que não seja transportada para outro lugar, nem usada por ele.

Segundo essa perspectiva, o simples apanhar da coisa com intenção de obtê-la para si ou para outrem, é o suficiente para consumação do delito.

Quanto a tese excludente, o STJ sustenta que, com base no “[...] art. 28, inciso II, do Código Penal, é cediço que a embriaguez voluntária ou culposa do agente não ex­clui a culpa­bilidade, sendo ele responsável pelos seus atos, mesmo que, ao tempo da ação ou da omis­são, era inteira­mente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de se determinar de acordo com esse entendimento. Aplica-se a teoria da actio libera in causa, ou seja, consi­dera-se impu­tável quem se coloca em estado de inconsciência ou de incapacidade de auto­controle, de for­ma dolosa ou culposa, e, nessa situação, comete delito [...]” (AgInt no REsp XXXXX/MG).

Não há como acolher o pleito de insignificância almejado quando o autor dos fatos possui vasta reincidência em vários tipos de crimes, o que, consoante entendi­mento do STF (HC XXXXX/MG), impede o reconheci­mento de tal postulado.

Assim, verificada a materialidade e a autoria dos crimes, há que ser ou­torgada pro­cedência aos pleitos autorais.

Vislumbro a presença da agravante do art. 61, inciso I do Código Pe­nal, eis que em consulta ao sistema informatizado do TJES, denota-se a presença de pelo menos quatro condenações por crimes patrimoniais específicos¹, utilizo de apenas duas destas (específicas) para majorar sua sanção em 1/3, na forma do entendimento do TJES (et al, vide Ap­Crim XXXXX).

Em razão do crime ter sido praticado em horário noturno – circuns­tância narrada pela vítima – aplica-se aqui a causa majorante do § 1º do art. 155 do Código Penal.

In fine, percebo que nada fora alegado ou provado com relação à cau­sas dirimentes da ilicitude da conduta ou excludentes de culpabilidade.

3. DISPOSITIVO.

Isto posto, julgo procedentes os pedidos autorais, para con­denar Edvaldo Florindo na prática do crime previsto no art. 155, caput do Código Penal.

Passo, à luz do art. 5º, inciso XLVI, da CF/88, à individua­lização das penas.

3.1. DA DOSIMETRIA DA PENA

Verifico, a priori, que o acusado agira com culpabilidade normal ao delito em espécie..

O requerido é possuidor de maus antecedentes, uma vez que, utiliza­da uma condenação específica com trânsito em julgado para os fins de reincidência, a de­mais po­dem ser utilizadas na primeira fase da dosimetria da pena, consoante entendimento do STJ (por to­dos, o REsp XXXXX/SP). Portanto, diante da inconteste reincidência, reputo essa circunstân­cia em seu prejuízo.

Não há elementos fidedignos acerca de sua conduta social e persona­lidade, pelo que deixo de aquilatar esses dados, face a ausência de provas nos autos. O moti­vo do crime, também não despontam no sentido de ultrapassarem o juí­zo de adequação típi­ca. Igualmente digo das circunstâncias e as consequências do crime.

Enfim, o comportamento da vítima não mili­ta em seu desfavor.

Assim, arbitro a pena base em 1 ano, 4 meses e 15 dias de reclusão e multa de 16 dias-multa.

Sopesando a agravante apurada, encontro uma pena intermediária equivalente a 1 ano, 10 meses e 1 dia de reclusão, e multa de 22 dias-multa.

Face a existência de uma causa de aumento, consolido sua pena em 2 anos, 5 meses e 13 dias de reclusão e multa de 29 dias-multa, calculando-se os dias-multa em 1/30 do salá­rio mínimo vigente à épo­ca do fato, cada, em razão da ausência de elemen­tos que de­notem capa­cidade econômi­ca su­perior do réu.

3.2. DO REGIME INICIAL DE CUMPRIMENTO DA PENA.

Reputo adequado fazer incidir a literalidade do art. 33, § 2º, caput e alínea a do Código Penal, para fixar o regime fechado para o início do cumpri­mento das san­ções impost­as.

Isso porque, a priori, o acusados é multireincidente e possui ou­tras con­denações com trânsito em julgado utilizadas como maus antecedentes, o que, sob o aspecto pura­mente legal, já motivaria o regime mais gravoso previsto ao crime punido com reclusão.

Além disso, ostenta circunstâncias judiciais em si desfavoráveis, sen­do oportuno assinalar que sobre o réu pende uma miríade de procedimentos penais em trâ­mite, a maioria deles ainda em fase instrutória, e que surpreende por ser igualmente de natureza patrimonial. A prática de crimes de furto de roubo aparentam ser uma característica de vida do acusado.

Exatamente por isso, furto-me à aplicação do Enunciado n.º 269 da Súmula do STJ pela existência de circunstâncias judiciais sopesadas em desfavor dos réus, o que violaria, em meu sentir, o princípio da proibição da proteção insuficiente, tornando a sanção incompatível à postura de vida do réu, compactuada com o ilícito.

Por outro lado, não entendo factível, à luz do princípio da proibição da proteção insuficiente, sequer cogitar na aplicação do regime semiaberto ao requerido, em razão da gravidade concreta do delito por ele praticado, bastando perceber que as circunstâncias judiciais lhe foram negativas.

Tais fatos, a bem da verdade, pela sua gravidade concreta, somados à existência de um acusado multireincidente, ostentando ainda diversos processos em trâmite em seu desfavor, merecem punição de cunho adequado e, a bem da verdade, não se coadu­nam com o cumprimento pelo – conhecidamente inexistente e impraticável – regime semia­berto brasi­leiro.

Evidentemente, não cabe ao acusado suportar as consequências da fa­lência do sistema nacional de ressocialização. É certo que não.

Porém, no caso concreto, havendo norma legal que expressamente o determina, i.e., cogente ao Magistrado pela aplicação de um regime mais gravoso, somando-se a isso ainda o escárnio reiterado do acusado para com as normas de convivência e a gravi­dade peculiar dos eventos aqui apurados, não vislumbro outra de­cisão consoante à justiça.

Conforme magistério de Luciano Feldens, traz a noção da dupla di­mensão dos direitos fundamentais, “[…] os quais estariam a exigir não apenas uma atuação negativa do Estado (no sentido de não invadi-los de forma desproporcionada), mas, também, uma ação positiva, no sentido de sua proteção efetiva, como imperativo de tutela (dever de proteção)”.

E prossegue, afirmando que, “[…] de acordo com essa proibição da proteção deficiente, as medidas tutelares tomadas pelo legislador no cumprimento de seu de­ver prestacional no campo dos direitos fundamentais deveriam ser suficientes para oportuni­zar essa referida proteção adequada e eficaz, bem como estar assentadas em averiguações cuidadosas dos fatos relevantes e avaliações argumentativamente justificáveis (plausíveis). Segundo colhemos da decisão, caso não se pretensa violar a proibição da proteção deficiente, a configuração da tutela por parte do ordenamento jurídico deve corresponder a exigências mínimas”.²

In casu, considero que a incidência do enunciado sumular supra cita­do viola frontalmente o dever estatal de assegurar não só a segurança da vítima mas ainda a sensação de comunidade, de legalidade no seio da comunidade local, pelo que justificada resta, a meu ver, sua fixação.

3.3. DA SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE E DA SUSPEN­SÃO CONDICIONAL DA PENA.

O quantum da pena e a reincidência do agente afastam a aplica­ção dos artigos 44 e 77 do Có­digo Penal, sendo inviável pois a substituição da pena privativa de liber­dade ou a con­cessão da sursis no caso vertente.

3.4. DA FIXAÇÃO DE VALOR MÍNIMO PARA REPARAÇÃO DE DANOS.

Na esteira do art. 387, inciso IV do CPP, sendo apurado prejuízo à ví­tima, fixo o valor de R$1.100,00 a título de reparação à vítima, com juros desde o evento danos­o e correção monetária a partir do prejuízo (Súmulas n.º 43 e 54 do STJ).

3.5. DO DIREITO DE RECORRER EM LIBERDADE.

No caso concreto, não há requerimento de prisão preventiva, ainda no caso de sentença condenatória, por parte do órgão acusatório.

Tal fato obstaculiza qualquer entendimento deste Juízo em sentido di­verso, ex vi do art. 311 do CPP e do entendimento do TJES (XXXXX-44.2020.8.08.0000).

Assim, sem ingressar no mérito do tema, outorgo ao réu o direito de recor­rer em liberdade.

3.6. DAS DISPOSIÇÕES FINAIS.

Uma vez que o réu fora assistido pela Defensoria Pública, em ra­zão de ser declaradamente hipossuficien­te sob o as­pecto econômico, condeno-o ao pa­gamento das custas processuais, suspendendo, entretanto, para ele, esta obrigação, pelo prazo de 5 anos, na forma do art. 98, § 3º do CPC.

Com o trânsito em julgado, determino a realização das seguintes providências: a) a inscrição do réu no rol dos culpados; b) a inscrição no sistema informatizado do egrégio Tribunal Regional Eleitoral, para os fins do disposto no inciso III do art. 15 da CF/88; c) a expedição de ofício ao Instituto de Identificação Criminal, para os fins do art. 809 do CPP; d) a destinação dos bens apreendidos pela Autoridade Policial consoante previsão do Ofício Circular CGJ n.º 88/2012, do Código de Normas da CGJ/ES e do Manual de Bens Apreendidos do CNJ; e) a expedição de mandado de prisão por sentença penal transitada em julgado, atentando-se ao seu regime inicial de cumprimento fechado, com a data limite para sua execução como sendo a de 8 anos após a data do trânsito em julgado desta, na esteira do art. 3º, inciso XII da Resolução n.º 137/2009 do CNJ; e g) com seu cumprimento, a expedição da guia definitiva de execução e sua remessa ao Juízo competente.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

VENDA NOVA DO IMIGRANTE/ES, 12 de outubro de 2023.

Juiz (a) de Direito


¹ Processos n.º XXXXX-35.2004.8.08.0049, XXXXX-30.2009.8.08.0049, XXXXX-72.2007.8.08.0049 e XXXXX-07.2008.8.08.0016.

² A constituição penal: a dupla face da proporcionalidade no controle das normas penais. Porto Alegre: Livra­ria do Advogado, 2005. p. 97-98 e 108.

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-es/2482715998/inteiro-teor-2482715999