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18 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de Minas Gerais
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Câmaras Especializadas Cíveis / 8ª Câmara Cível Especializada

Publicação

Julgamento

Relator

Paulo Rogério de Souza Abrantes (JD Convocado)
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Inteiro Teor



EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE IMÓVEL - REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS - INCOMUNICABILIDADE - BEM ADQUIRIDO ANTES DO CASAMENTO - REGISTRO FEITO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO - ART. 1.661 CC - PRECEDENTES DO STJ - DECLARAÇÃO DA PARTE - SENTENÇA REFORMADA

No regime da comunhão parcial comunicam-se os bens adquiridos na constância do casamento, a título oneroso ou eventual, sendo que os bens particulares adquiridos por cada cônjuge anteriormente ao casamento são incomunicáveis, reservando-se, assim, à titularidade exclusiva.

Nos termos de jurisprudência do STJ, "imóvel cuja aquisição tenha causa anterior ao casamento realizado sob o regime de comunhão parcial de bens, com transcrição no registro imobiliário na constância deste, é incomunicável. Inteligência do art. 272 do CC/16 (correspondência: art. 1.661 do CC/02)".

Apelação provida.

APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0000.21.246062-0/001 - COMARCA DE TRÊS CORAÇÕES - APELANTE (S): FRANCISCO PAULO DOMINGOS, JANETE MARLY

A C Ó R D Ã O

Vistos etc., acorda, em Turma, a 8ª Câmara Cível Especializada do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos, em DAR PROVIMENTO À APELAÇÃO.

JD. CONVOCADO PAULO ROGÉRIO DE SOUZA ABRANTES (JD CONVOCADO)

RELATOR





JD. CONVOCADO PAULO ROGÉRIO DE SOUZA ABRANTES (JD CONVOCADO) (RELATOR)



V O T O

Cuida-se de Apelação Cível interposta por Francisco Paulo Domingos e Janete Marly em face da sentença proferida pelo Juízo da 2ª Vara Cível da Comarca de Três Corações (doc. ordem 28) que, nos autos da "Ação Civil/Retificação de Registro Imobiliário/Homologação de Vontade", ajuizada pelos apelantes, julgou extinto o processo sem resolução de mérito, nos termos do art. 485, I e VI do CPC, condenando os autores ao pagamento de custas processuais, suspensa a exigibilidade em razão do deferimento da justiça gratuita.

Em suas razões (doc. ordem 32), os apelantes alegam que o entendimento adotado na sentença é equivocado, porque são casados e não se trata de doação, nos termos dos artigos 548 e 549 do Código Civil; que deve prevalecer a autonomia das partes, que reconhecem que o bem foi adquirido somente por um dos cônjuges, antes do casamento; que não foram considerados todos os documentos juntados; que o imóvel foi comprado pela autora quando ela ainda era solteira; que o autor nunca contribuiu para o pagamento do imóvel e nem participou de melhorias realizadas no mesmo; que o autor está de acordo em não ter o imóvel em seu nome; que a questão tem causado desconforto ao casal; que já tentaram resolver a questão extrajudicialmente, sem sucesso, inclusive fazer uma doação, mas não é possível a doação de 100% da parte do autor; que se encontram presentes todos os pressupostos gerais de validade dos negócios jurídicos; que deve ser feita justiça.

Ausente o preparo em razão do deferimento da justiça gratuita.

Sem contrarrazões.

A douta Procuradoria Geral de Justiça entendeu desnecessária sua intervenção no feito (doc. ordem 35).

Despacho do douto Desembargador Renato Dresch, à ordem 37, determinando a redistribuição dos autos, nos termos da Resolução nº 977/2021.

Vieram-me os autos conclusos.

Na origem, trata-se de "Ação Civil/Retificação de Registro Imobiliário/Homologação de Vontade", ajuizada por Francisco Paulo Domingos e Janete Marly, casados desde 17/10/2003, pelo regime da comunhão parcial de bens, conforme certidão de ordem 07.

Na inicial, o casal esclarece que a casa residencial de nº 183, da rua H, Conjunto Habitacional Peró II, Três Corações, com área edificada de 29,22 metros quadrados, foi comprada pela autora em 03/10/1983, quando ainda era solteira, de forma parcelada junto à Cohab/MG, sendo que mesmo após o casamento o autor nunca contribuiu para o pagamento do financiamento e nem participou de melhorias realizadas no imóvel.

Narra que na quitação e registro do referido imóvel, mesmo sendo a Cohab/MG e o Cartório de Registro de Imóveis informados pela autora de que o imóvel deveria ser registrado somente em seu nome, sua vontade foi ignorada e realizado o registro do imóvel, incluindo-se o nome de seu cônjuge.

Requer, assim, a retificação do registro civil para que seja excluído o nome de seu esposo do registro do imóvel, já que ele manifesta vontade expressa no sentido de não possuir interesse na partilha do bem e muito menos de permanecer na escritura do imóvel como proprietário.

Ainda segundo os autores/apelantes, a situação tem gerado desconforto e constrangimento ao casal, já que o autor tem plena ciência de que o imóvel não lhe pertence, não correspondendo o registro público à realidade.

Na sentença, a douta juíza a quo julgou extinto o processo sem resolução de mérito, por inépcia da inicial e falta de interesse processual, entendendo que as partes pretendem, na verdade, a doação do referido imóvel, não sendo a ação judicial o meio adequado para tanto.

Foi interposta, então, a presente apelação, alegando as partes que não pretendem a doação, até porque ela já foi tentada extrajudicialmente e, em virtude do previsto nos artigos 548 e 549 do Código Civil, não foi possível a doação de 100% da parte do autor sobre o imóvel, pelo que a doação não resolve o problema do casal.

Reiteram que pretendem com a presente ação a homologação da manifestação de vontade do autor, com a consequente retificação do registro do imóvel perante o Cartório competente, para que conste como única proprietária da casa a autora.

Com efeito, conforme mencionado anteriormente, as partes são casadas desde 17/10/2003 pelo regime da comunhão parcial de bens (doc. ordem 07), regido pelos artigos 1.658 a 1.660 do Código Civil.



Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes.

Art. 1.659. Excluem-se da comunhão:

I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar;

II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares;

III - as obrigações anteriores ao casamento;

IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal;

V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão;

VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge;

VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes.

Art. 1.660. Entram na comunhão:

I - os bens adquiridos na constância do casamento por título oneroso, ainda que só em nome de um dos cônjuges;

II - os bens adquiridos por fato eventual, com ou sem o concurso de trabalho ou despesa anterior;

III - os bens adquiridos por doação, herança ou legado, em favor de ambos os cônjuges;

IV - as benfeitorias em bens particulares de cada cônjuge;

V - os frutos dos bens comuns, ou dos particulares de cada cônjuge, percebidos na constância do casamento, ou pendentes ao tempo de cessar a comunhão.



Não se trata aqui de pedido de divórcio ou de partilha de bens, mas de retificação do registro civil, pois alegam as partes que apesar de o imóvel estar registrado no nome do casal, foi adquirido pela autora 20 anos antes do casamento, de forma parcelada, sendo apenas quitado totalmente e registrado na constância do casamento, sem nenhuma participação do autor na adimplência das parcelas.

No regime da comunhão parcial se comunicam os bens adquiridos na constância do casamento, a título oneroso ou eventual, sendo que os bens particulares adquiridos por cada cônjuge anteriormente ao casamento são incomunicáveis, reservando-se, assim, a titularidade exclusiva.

Nesse sentido, o art. 1.661 do Código Civil:



Art. 1.661. São incomunicáveis os bens cuja aquisição tiver por título uma causa anterior ao casamento



Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2020, p. 370) citando Maria Berenice Dias, ao explicar o regime da comunhão parcial o definem como "um regime pelo qual se estabelece um componente de certo modo ético entre os cônjuges: o que é meu é meu, o que é seu é seu e o que é nosso, metade de cada um".

Assim, o art. 1.659 do Código Civil esclarece que os bens particulares que cada cônjuge adquiriu antes do matrimônio não se comunicam assim como os bens que sobrevierem durante do casamento provenientes de doação, sucessão e os sub-rogados em seu lugar.

No caso, tem-se um imóvel financiado em 299 parcelas junto a Cohab/MG, adquirido exclusivamente por um do cônjuges (a autora), 20 anos antes do casamento, conforme contrato juntado a ordem 13 e comprovantes de pagamento juntados a ordem 16.

Entretanto, como a quitação total e o consequente registro se deram em 2012 (doc. ordem 14), quando a autora já era casada, constou da matrícula do imóvel como sendo proprietários o casal.

No entanto, na presente ação, o autor alega na inicial que:



DECLARAÇÃO DE VONTADE

O Sr. FRANCISCO PAULO DOMINGOS declara neste ato, de livre e espontânea vontade, perante este Juízo que não tem interesse na partilha do Imóvel citado nesta ação (doc. 14) e muito menos que seu nome permaneça na escritura do referido Imóvel, e requer a exclusão de seu nome do registro do Imóvel devendo ser averbada a Escritura do Imóvel somente em nome da Sr"JANETE MARLY, desta feita, que seja homologada sua vontade e que seja expedido mandado de averbação para o Cartório de Registro de Imóvel desta comarca para Retificação do registro do Imóvel sendo lançado somente o nome da Sr" JANETE MARLY como única e exclusiva proprietária do Imóvel não comunicando este entre as partes.

Foi juntado aos autos também atestado de sanidade mental do autor, assinado por médico psiquiatra em 15/09/2021 (doc. ordem 09).

Assim, comprovado nos autos que o imóvel em questão foi adquirido apenas pela autora, 20 anos antes do casamento, não vejo motivos para que o bem permaneça registrado em nome do casal, em razão de sua incomunicabilidade, ressaltando que os registros públicos devem espelhar a realidade.

Repito que não se trata aqui de ação de divórcio e nem de partilha, entretanto, não vejo óbices para que seja deferida a retificação pretendida, dada a incomunicabilidade comprovada do bem, conforme vontade de ambas as partes, que são maiores e capazes.

Nesse sentido, jurisprudência do STJ, proferida em sede de ação declaratória de direito de propriedade sobre imóvel:



"DIREITO CIVIL. FAMÍLIA. IMÓVEL CUJA AQUISIÇÃO TEM CAUSA ANTERIOR AO CASAMENTO. TRANSCRIÇÃO NA CONSTÂNCIA DA SOCIEDADE CONJUGAL. INCOMUNICABILIDADE.

- Imóvel cuja aquisição tenha causa anterior ao casamento realizado sob o regime de comunhão parcial de bens, com transcrição no registro imobiliário na constância deste, é incomunicável. Inteligência do art. 272 do CC/16 (correspondência: art. 1.661 do CC/02).

- A jurisprudência deste Tribunal tem abrandado a cogência da regra jurídica que sobreleva a formalidade em detrimento do direito subjetivo perseguido. Para tal temperamento, contudo, é necessário que a forma imposta esteja sobrepujando a realização da Justiça. Recurso especial não conhecido"

( REsp XXXXX/DF, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 28/6/2005, DJ 1º/08/2005) grifo nosso



E também lição de Caio Mário da Silva Pereira:



"(...) o que determina a exclusão é o fato de o título aquisitivo ser anterior ao casamento, embora a aquisição se aperfeiçoe na constância do casamento, como no caso de uma promessa de compra e venda celebrada antes e somente executada depois das núpcias." (Pereira, Caio Mário da Silva in Instituições de Direito Civil, V. V, Direito de Família, 15ª ed., Rio de Janeiro: Forense, 2005. p. 218)



E de Silmara Juny Chinelato, desenvolvendo tema encetado por Zeno Veloso:

"Trata-se de promessa de compra e venda celebrada antes do casamento, mas com escritura definitiva depois dele. (...) Para Zeno Veloso, quando o art. 272 do Código de 1916 alude a 'título' refere-se ao ato jurídico que deu origem à aquisição, ato jurídico. O momento da aquisição, o fator temporal, é que importaria para o deslinde da questão. Sustenta que é bastante o título ser apto, idôneo, hábil para servir de base ou de fundamento para a futura transmissão da propriedade, enfatizando que a promessa de compra e venda - que gera uma obrigação de fazer - é suficiente para tanto. (...) Considerando que, em nosso sistema, a transmissão da propriedade ocorre não só por força do contrato de compra e venda, mas pela transcrição (registro) do título de transferência no Registro de Imóveis (arts. 530, I, 533, 620, 676 e 1.122 do CC de 1916), se alguém celebrasse contrato de compra e venda de um imóvel, no estado de solteiro, vindo a casar e, só então, registrasse a escritura, o bem se comunicaria, solução que lhe parece inaceitável e a mim também." (Chinelato, Silmara Juny in Comentários ao Código Civil, Parte Especial - Do Direito de Família, V. 18, São Paulo: Saraiva, 2004. p. 331/332)



Ainda de acordo com a doutrina, em casos de divórcio com partilha de imóveis financiados, cuja aquisição foi feita antes do casamento exclusivamente por um dos cônjuges, é comunicável apenas a parte do financiamento adimplida na constância do casamento.

Sobre o tema, Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald (2020, p. 374):

"O valor pago pelo titular antes de casar será considerado somente seu (bem particular). Todavia, o montante pago durante o casamento tem de ser partilhado, por decorrer de esforço comum, ingressando na comunhão, mesmo considerando que o imóvel tenha sido, originalmente, adquirido por um dos cônjuges sozinho".



Entretanto, no caso (que repito não se trata de divórcio), o próprio autor afirma que também não contribuiu com o adimplemento das parcelas que se venceram na constância do casamento.

De toda forma, eventual direito a parte do valor pago no financiamento adimplido durante a constância conjugal não obsta que o imóvel seja registrado apenas no nome da autora, dada a sua aquisição anterior ao casamento.

Nesse sentido, jurisprudência do Tribunal de Justiça de Santa Catarina:

[...] PARTILHA DE BENS. COMUNICABILIDADE DAQUELES ADQUIRIDOS, ONEROSAMENTE, NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. [...] APARTAMENTO ADQUIRIDO PELA VIRAGO PREVIAMENTE AO INÍCIO DA RELAÇÃO MARITAL. COMUNICABILIDADE CINGIDA ÀS PARCELAS DE FINANCIAMENTO ADIMPLIDAS NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. VALORIZAÇÃO IMOBILIÁRIA QUE APENAS À SUA PROPRIETÁRIA APROVEITA. Em se tratando de imóvel adquirido e financiado antes do início da relação de convivência, o que são partilháveis, haja vista a presunção de esforço comum que decorre da união, são as parcelas relativas ao financiamento para quitação do preço adimplidas na sua constância. A propriedade do imóvel é exclusiva de quem, sozinho, o adquiriu, de tal modo que eventual valorização imobiliária apenas ao detentor do domínio aproveita. [...]

(Apelação cível n. XXXXX-45.2011.8.24.0008, Primeira Câmara de Direito Civil - Rel. Desembargador Jorge Luis Costa Beber - Dje.: 13/07/2017)



Portanto, sob qualquer prisma de análise, não verifico óbices ao deferimento da pretensão deduzida pelas partes, dada a vontade manifestada nos autos.

Ante o exposto, DOU PROVIMENTO À APELAÇÃO para reformar a sentença, e nos termos do art. 1.013, § 3º, I do CPC, julgar procedente o pedido inicial para que seja excluído da matrícula nº 28534 do Cartório de Registro de Imóveis de Três Corações o nome de Francisco Paulo Domingos, passando a constar como única proprietária do bem imóvel apenas Janete Marly, devendo o bem ser gravado com a cláusula da incomunicabilidade, nos termos da fundamentação.

Custas recursais ex lege.



JD. CONVOCADA IVONE CAMPOS GUILARDUCCI CERQUEIRA - De acordo com o (a) Relator (a).

JD. CONVOCADO PAULO TAMBURINI - De acordo com o (a) Relator (a).



SÚMULA: "DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO"

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-mg/1574134178/inteiro-teor-1574135671

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