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29 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

5ª Turma

Julgamento

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Inteiro Teor

Acórdão: XXXXX-97.2019.5.04.0014 (ROT)
Redator: MANUEL CID JARDON
Órgão julgador: 5ª Turma
Data: 26/11/2021
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 4ª REGIÃO
Identificação

PROCESSO nº XXXXX-97.2019.5.04.0014 (ROT)
RECORRENTE: EVERTON SOUZA DA SILVEIRA
RECORRIDO: FEDERACAO GAUCHA DE FUTEBOL
RELATOR: MANUEL CID JARDON

EMENTA

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. RELAÇÃO DE EMPREGO. FISCAL DE JOGO. NÃO CONFIGURAÇÃO. A caracterização de relação de emprego impõe a presença dos requisitos dos arts. e da CLT, quais sejam: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade; por estar comprovado que não havia subordinação jurídica nem pessoalidade necessárias à configuração da relação empregatícia.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos os autos.

ACORDAM os Magistrados integrantes da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE para conceder-lhe o benefício da justiça gratuita.

Intime-se.

Porto Alegre, 19 de novembro de 2021 (sexta-feira).

Cabeçalho do acórdão

Acórdão

RELATÓRIO

O reclamante recorre contra a sentença (Id 47a0a4c, Págs. 1-25; fls. 711-735 pdf), que julgou os pedidos improcedentes.

Pretende a reforma quanto a (Id 465d7d9, Págs. 1-15; fls. 737/751 pdf): 1) benefício da justiça gratuita; 2) inexistência de terceirização legal entre a reclamada e a Peflart, reconhecimento do vínculo de emprego.

Com contrarrazões da reclamada (Id de3cff1, Págs. 1-12; fls. 758-769 pdf), os autos são encaminhados a este Tribunal para julgamento.

É o relatório.

FUNDAMENTAÇÃO

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE

1. JUSTIÇA GRATUITA. CONHECIMENTO DO RECURSO

O reclamante reitera o pedido de concessão do benefício da justiça gratuita, com o consequente conhecimento do recurso interposto.

Argumenta em síntese que: apresenta cópia de sua CTPS, na qual consta que está desempregado desde 02/08/2019; na inicial prestou declaração de pobreza; o benefício da justiça gratuita abrange custas e depósito recursal (art. 98, § 1º, incisos I e VIII, do CPC); a sua CTPS comprova que ao tempo do ajuizamento desta ação auferia renda de R$ 1.211,90 e, atualmente, está desempregado; a realidade da sua classe laboral é o salário próximo ao mínimo legal e muito abaixo dos 40% do limite máximo dos benefícios da Previdência Social; o juízo de origem tinha obrigação legal de lhe intimar para comprovar os rendimentos, antes de indeferir o pedido; a declaração de hipossuficiência apresentada (declaração de Id 0c019ba) tem presunção de veracidade; conforme jurisprudência deste Tribunal, a declaração é suficiente para o deferimento do pedido; invoca a aplicação do art. 99, § 3º, do CPC.

Examina-se.

Consta da sentença (Id 47a0a4c - Pág. 24):

"Quanto à concessão do benefício da justiça gratuita, nos termos da nova redação da CLT ( parágrafos 3º e do artigo 790 da CLT), o deferimento do benefício da justiça gratuita só é devido àqueles que perceberem salário igual ou inferior a 40% do limite máximo dos benefícios do RGPS e, ainda, seja para pessoa física ou jurídica, para a parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo.

No caso, não foi comprovada a hipossuficiência com base em documentos hábeis.

Registro que o requerimento pode ser reapreciado a qualquer tempo caso a parte autora comprove efetiva situação de miserabilidade, por meio da juntada de suas declarações de renda atualizadas, destinadas à Receita Federal, ou outro meio idôneo de prova.

Indefiro."

Acompanha-se o entendimento prevalecente nesta 5ª Turma, no sentido de considerar que a anexação da declaração de pobreza aos autos (Id 0c019ba - Pág. 1) atende aos requisitos para a concessão do benefício da justiça gratuita. Isso porque a norma do artigo 790, § 4º, da CLT (O benefício da justiça gratuita será concedido à parte que comprovar insuficiência de recursos para o pagamento das custas do processo) deve ser lida em conjunto com a norma do artigo 99, § 3º, do CPC (Presume-se verdadeira a alegação de insuficiência deduzida exclusivamente por pessoa natural).

Não há razoabilidade para admitir-se como presumivelmente verdadeira, no processo comum, a declaração de insuficiência econômica e, no processo trabalhista, exigir-se de quem ocupa posição de hipossuficiência na relação de direito material a prova inequívoca da insuficiência econômica.

Dá-se provimento ao recurso para conceder o benefício da justiça gratuita ao reclamante.

2. INEXISTÊNCIA DE TERCEIRIZAÇÃO LEGAL ENTRE A PEFLART E FGF

O reclamante insurge-se contra a improcedência do pedido de reconhecimento de vínculo de emprego com a reclamada e, por consequência, dos demais pedidos postulados.

Argumenta em síntese que: a reclamada FGF disse, em defesa, que os próprios clubes realizavam a contratação da Peflart, sem ingerência da reclamada na negociação; impossível reconhecer como válida relação de emprego mantida coma Peflart, empresa estranha à lide sob a alegação de terceirização entre esta e a FGF, a qual nega essa situação; para uma suposta existência de terceirização reconhecida pelo juiz, a reclamada FGF deveria ter contratado formalmente a Peflart, o que não ocorreu, de acordo com o reconhecido pela própria reclamada, a qual alegou que eram os clubes que contratavam a Peflart; a Lei 6.01974, com as alterações feitas pela Lei 13.429/2017 exige, para a validade da terceirização, um contrato escrito de prestação de serviços, que deve conter expressamente a qualificação das partes, a especificação do serviço prestado, entre outros; referido contrato não foi anexado aos autos, demonstrando que a suposta terceirização entre FGF e Peflart nunca ocorreu; resta clara a ilegalidade da terceirização reconhecida na sentença; desde o início do seu contrato (em fevereiro de 2009) até 15 de junho de 2018, quando foi impedido de trabalhar por ordem expressa do Presidente da reclamada (Id 55e83eb), sempre desenvolveu suas atividades na função de fiscal de jogos, controlando o número de pagantes e não pagantes nas catracas dos estádios, dados que eram repassados à reclamada para confronto dos valores informados pelos clubes, no que se refere à arrecadação de bilheteria, da qual possui participação; a reclamada FGF é a única interessada no serviços realizado pelo reclamante e demais fiscais e, para tentar eximir-se das responsabilidades trabalhistas com seus fiscais, criou uma empresa de fachada, sem qualquer comunicação ou indenização com os funcionários; sempre trabalhou com material fornecido pela reclamada, ou seja, fardamento com brasão da FGF, inclusive com seus patrocinadores estampados, pranchetas, mochilas, crachás, etc, sem nunca existir logo da suposta Peflart no material fornecido; nas fotos anexadas está demonstrado o seu uniforme e, em uma delas, a palavra "fiscalização"; os uniformes, a prancheta e o crachá possuíam o logotipo da reclamada e foram entregues por Túlio (apelido de Artulino) Novelletto, sobrinho do então presidente da reclamada, Francisco Novelletto e responsável pela fiscalização; fica mais evidente a fraude se analisarmos os sócios da Peflart: Pedro Perfeito Filho, o "Pedrão", é um dos mais antigos funcionários da FGF, em atividades e sem qualquer registro, homem de confiança do Presidente Francisco Novelletto; Flávio Antônio de Souza também é funcionário antigo sem registro e recebia ordens diretas do Presidente da FGF; Tuli é sobrinho do Presidente, inserido na sociedade Peflart para, provavelmente, o Presidente da FGF ter controle; no e-mail de Id 571f034 a relação de fiscais a trabalhar junto à Arena do Grêmio é encaminhada como "solicitação da FGF" pela Sra Vanessa Gulart para a Sra Renata Tissot; referido e-mail demonstra que Flávio era tratado como funcionário da reclamada, e não como prestador de serviço; o depoimento do sócio Flávio na audiência do processo XXXXX-41.2018.5.04.0020 demonstra que a Peflart foi criada a mando do então Presidente da FGF, que detinha total controle sobre a mesma, para executar tarefas que seriam de competência exclusiva da federação; os sócios da Peflart atestaram ao Ministério Público do Trabalho que eram funcionários da FGF; a preposta da reclamada admitiu que após a intervenção do MPT funcionários com CTPS anotada passaram a desenvolver atividades que até então eram realizadas pelos fiscais; a preposta da reclamada, conforme reconhecido por ela própria, trabalhou na fiscalização, recebendo hora extra, diretamente da reclamada FGF, fato que constou expressamente da ata de audiência de Id ea3769b; considerada ilegal a contratação por meio de empresa interposta, tem-se fraude à legislação trabalhista, com a incidência dos artigos da CLT e 942, "caput", do Código Civil; menciona subsídios jurisprudenciais. Requer a reforma da sentença, com o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada e a condenação ao pagamento das verbas da inicial.

Examina-se.

O reclamante afirma na inicial que trabalhou para a reclamada (Federação Gaúcha de Futebol) de 26/02/2009 a 15/06/2018, na função de Fiscal de jogos, sem reconhecimento do vínculo de emprego. Refere ter atuado como Fiscal da reclamada em partidas de futebol, em média cinco por semana, realizando a fiscalização das pessoas que poderiam entrar no campo e nas catracas, nos acessos aos estádios de futebol, apurando o número exato de pagantes e não pagantes e para a confecção de borderôs de controle de renda da reclamada. Afirma que a reclamada criava empresas de fachada para simular a prestação de serviços autônomos. Aduz ter sempre trabalhado diretamente para a reclamada, devidamente uniformizado e com material por ela fornecido. Menciona a existência de ação civil pública na qual foi reconhecida a existência de fraude à relação de emprego. Postula o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada de 26/02/2009 a 15/06/2018, com o pagamento das verbas declinadas na inicial.

Em defesa, a reclamada diz que a fiscalização de ingresso de público nos estádios não compreende sua atividade fim, interessando prioritariamente aos clubes de futebol, em face da divisão de renda a que fazem jus. Refere que para atender a esse desiderato, era utilizada a prestação de serviços terceirizados da empresa PEFLART, regularmente constituída, para a qual o reclamante pode ter prestado serviços eventuais, na condição de Fiscal, assim como centenas de outros prestadores cadastrados que faziam verdadeiro "bico" em alguns jogos (em média 3 a 4 por mês), recebendo por jogo em que atuavam (ultimamente, pelo que tem conhecimento, de R$ 80,00 a R$ 100,00 por jogo). Aduz que não tinha qualquer ingerência sobre a relação de trabalho autônomo porventura existente entre o reclamante e a empresa prestadora de serviços Peflart. Destaca que o entendimento em Recurso Extraordinário com repercussão geral nº 958252 e a legislação em vigor (Leis nºs 13.429/2017 e 13.467/2017) expressamente permitem a terceirização de atividade fim. Refuta a existência dos requisitos da do vínculo de emprego na relação com o reclamante.

Consta da sentença (Id 47a0a4c - Pág. 3/24):

"A prova dos autos confirma a afirmação da ré, de que os serviços de fiscalização e controle de ingresso de público nos estádios era prestado por uma empresa terceirizada. Tal pessoa jurídica denomina-se PEFLART - Fiscalização de Eventos Esportivos Ltda. cuja denominação é formada pelos nomes dos seus três sócios: Pedro Perfeito, Flavio Souza e Art ulino Novelletto (conhecido como" Tuli ", sobrinho de Francisco Novelletto Neto, este presidente da Federação ré).

Em seu depoimento, o reclamante confirma que quem fazia a convocação para que fosse prestar serviço nos jogos eram Flávio, Pedro ou" Tuli "(Artulino), que poderia se negar inclusive a ir em algum jogo (embora tenha feito isso poucas vezes). Disse que Flávio, Pedro ou" Tuli "também faziam o pagamento e coordenavam as atividades no estádio, assim como que a escala de trabalhadores e as ordens de trabalho eram repassadas pela empresa PEFLART - por meio de Flávio, Pedro ou" Tuli "- após análise da demanda de pessoal para a partida feita pela empesa com a Federação e o clube mandante.

Testemunhas do autor, Sr. Ademir Nunes de Oliveira (vigilante terceirizado que prestou serviços na Arena do Grêmio) e Ivan Pereira (igualmente prestador de serviços na Arena), não acrescentaram aspectos relevantes para a definição das condições do vínculo de emprego, não se extraindo de seus relatos qualquer elemento que indique a presença direta dos requisitos da relação de emprego entre o autor e a ré.

As ordens não eram emanadas de pessoas da FGF - Federação Gaúcha de Futebol. As atividades não eram coordenadas por pessoas da FGF. Os pagamentos não eram feitos por pessoas da FGF. As convocações para comparecimento aos jogos não partiam de pessoas da FGF. Conforme depoimento do autor, essas atividades eram praticadas por Flávio, Pedro ou" Tuli ", da PEFLART.

Ou seja, o trabalho de fiscalização nos estádios de futebol era basicamente coordenado pelos sócios da empresa PEFLART, os quais contatavam os fiscais, comandavam as suas atividades e os remuneravam ao final da partida.

E não há prova nos autos no sentido de que qualquer dos sócios da PEFLART fosse de fato vinculado à FGF - Federação Gaúcha de Futebol.

A única referência a vincular a ré é o uso de uniforme com logotipo da FGF o que é insuficiente para concluir pela efetiva ingerência da Federação ré nas atividades do autor.

Além disso, do depoimento das demais testemunhas (admitidos como prova emprestada e a seguir transcritos) não se verifica a atuação da empregada da FGF Yentel em atividade de direção e comando do trabalho do autor.

Os documentos juntados (e a prova oral em seu conjunto) não indicam que Artulino ("Tuli") efetivamente integrasse a FGF. Seu nome não consta nos documentos de constituição da FGF juntados aos autos. Também não se verifica seu nome no rol de integrantes da diretora e do conselho fiscal da Federação no site desta na internet (https://www.fgf.com.br/).

Tal pessoa (" Tuli ") é sobrinho de Francisco Novelletto Neto, presidente da FGF ré até 2019, de modo que é bastante provável a proximidade entre ambos (o que pode resultar na impressão de que ambos integram a FGF). E até se pode questionar a moralidade da contratação de empresa de familiar do presidente da Federação. Mas esse tipo de discussão extrapola os limites desta ação, mormente considerando que a FGF é entidade associativa de direito privado, cujos atos estão sujeitos a controle dos seus associados.

Para julgamento da causa, interessa saber se a empresa PEFLART prestava serviços com autonomia ou se era mera" laranja "da FGF (de modo a evidenciar subordinação e pessoalidade diretas do autor, prestador de serviços da PEFLART, à FGF).

No caso dos autos, os elementos de prova indicam que a empresa PEFLART existia regularmente, prestava os serviços para os quais foi contratada e essa prestação de serviços era efetivamente coordenada pelos seus sócios administradores, os quais estavam sempre presentes quando da fiscalização nos estádios.

Sobre a contratação e a remuneração da empresa PEFLART, cabe destacar o depoimento da testemunha Régis, ex-empregado do Sport Club Internacional, e da testemunha Marcelo, ex-empregado do Grêmio Foot-Ball Porto Alegrense - ambos aqui utilizados como prova emprestada, conforme ata do ID XXXXXd - Pág. 2 -, que bem elucidam a questão:

(...)

As notas fiscais juntadas a partir do ID c94f74f - Pág. 1 confirmam o relatado acerca dos pagamentos feitos pelos clubes de futebol à empresa PEFLART, relativos a"Fiscalização jogo (...)". O Regulamento Geral das Competições emitido pela CBF em atendimento à Lei nº 10.671/03 (Estatuto de Defesa do Torcedor), disponível para consulta pública na internet (cbf.com.br), inclusive prevê que cabe tanto à Federação Estadual quanto ao clube mandante (que, em regra, fica com o lucro da partida), providenciar as medidas locais de ordem técnica e administrativa, necessárias e indispensáveis à logística e à segurança das partidas (o artigo 6º, I - trata desta atribuição pela Federação Estadual e o artigo 7º, I - trata desta atribuição pelo clube detentor do mando de campo).

Além dos elementos analisados acima, o autor juntou crachá que indica o seu credenciamento para atuar em partida de futebol, recibos de pagamento de autônomo emitidos pela ré para pagamento de árbitros (fls. 26 e 27), recibos de fiscal autônomo contendo assinatura de fiscais e logomarca da FGF em parte (fls. 28/32), boletins financeiros de partidas, fotos e escalações de trabalhadores para partidas.

Os documentos pouco elucidam quanto à relação entre autor e ré: possuem emblemas da ré, da CBF e até da Confederação Sul-Americana de Futebol; outros indicam o mero credenciamento do autor para atuar em partidas de futebol; outros são recibos de pagamentos da ré para árbitros (estando mal explicada a assinatura conjunta do reclamante no campo destinado ao prestador de serviço - fls. 26/27, considerando suas atividades diversas exercidas afirmadas na prova testemunhal), bem como recibos de pagamento do reclamante com logo da ré impresso em folha colorida simples sem assinatura de representante da Federação (fls. 28/32). Assim, tais documentos pouco esclarecem quanto à frequência deste trabalho, a forma de remuneração, direção, etc.

Ocorre que o reconhecimento do vínculo de emprego pressupõe a concorrência dos requisitos estabelecidos pelos artigos 2º e 3º da LT e, conforme já analisado acima, os elementos de prova não evidenciam a prestação de trabalho de modo pessoal à ré, com subordinação a ordens da ré e mediante remuneração que fosse alcançada pela ré. Tais elementos também não demonstram ingerência da ré nas atividades da PEFLART, de modo a se poder concluir pela subordinação e pessoalidade diretas do autor à ré.

Já o reconhecimento de vínculo de emprego decorrente de ilicitude de terceirização (por eventual fraude na contratação da PEFLART, ante a característica" fim "das atividades contratadas frente ao objeto social da Federação) dependeria, previamente, da análise do tipo de relação existente entre o autor e a empresa PEFLART, já que ão há formalização de vínculo de emprego entre ambos.

Ocorre que não há causa de pedir nesse sentido (a petição inicial nada refere quanto a tal empresa), nem pedido. A empresa PEFLART não foi incluída no polo passivo e as características da relação mantida pelo autor com ela não foram abordadas em juízo. Evidentemente, a existência de pedido de reconhecimento de vínculo com ela depende de iniciativa da parte autora, com observância do devido processo legal e com garantia de produção de prova à referida empresa.

A respeito, oportuno colacionar o artigo 141 do CPC:"O juiz decidirá o mérito nos limites propostos pelas partes, sendo-lhe vedado conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte".

E não existindo permissão para conhecer de tal matéria nestes autos, por consequência não se permite examinar eventual responsabilidade subsidiária ou solidária de parte da reclamada FGF, pela condição de tomadora dos serviços, em relação aos direitos pretendidos pelo autor.

Ainda que assim não fosse, cabe destacar que o Supremo Tribunal Federal definiu, no julgamento da ADPF 324, a teste jurídica de que"1. É lícita a terceirização de toda e qualquer atividade, meio ou fim, não se configurando relação de emprego entre a contratante e o . 2. Na terceirização, empregado da contratada compete à contratante: i) verificar a idoneidade e a capacidade econômica da terceirizada; e ii) responder subsidiariamente pelo descumprimento das normas trabalhistas, bem como por obrigações previdenciárias, na forma do art. 31 da Lei 8.212/1993".

A decisão restou ementada nos seguintes termos:

(...)

A decisão acima registrada foi proferida em consonância com o que já havia decidido o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal ao julgar o ARE XXXXX, quando declarou parcialmente inconstitucional a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho, nos seguintes termos:

(...)

Recentemente, o Tribunal Pleno do Supremo Tribunal Federal reafirmou a sua jurisprudência ao julgar o RE XXXXX, com repercussão geral reconhecida, firmando a tese de que"é lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante", restando a decisão ementada nos seguintes termos:

(...)

Por fim, analisando as decisões exaradas no processo nº 0020230- 91.2014.5.04.0016 (juntadas nestes autos), verifico que a análise se centra na licitude ou não da terceirização das atividades de fiscalização de público nas partidas de futebol e de elaboração do boletim financeiro (borderô) da partida, matéria que - no entender deste Juízo - restou decidida em definitivo pelo Supremo Tribunal Federal.

Aliás, vai nesse sentido a decisão em tutela provisória incidental de urgência deferida pelo TST em agravo de instrumento em recurso de revista na ação civil pública citada (documento de fls. 568/570 - ID 8c489ef).

Portanto, não se evidenciando o preenchimento dos requisitos da relação de emprego entre autor e ré, nem havendo falar em formação deste vínculo pelo caráter ilícito da terceirização (o que - reitera-se, no entendimento deste Juízo, demandaria inclusive prévia análise da existência ou não de relação de emprego entre o autor e a empresa terceirizada PEFLART), a ação não prospera por qualquer ângulo que se analise a questão.

Por conseguinte, indefiro a pretensão, dedicando a mesma sorte aos pedidos acessórios de anotação do contrato na CTPS e reconhecimento de salário básico.

O acima decidido retira a base obrigacional para demais pretensões elencadas na inicial (pedidos C a O do rol da inicial), razão pela qual são indeferidas."

O reclamante pretende o reconhecimento do vínculo de emprego com a reclamada, sob o fundamento de que trabalhou em seu benefício na condição de Fiscal de jogos. Destaca a existência de irregularidade na relação mantida entre a reclamada e a empresa Peflart (não integra o polo passivo desta ação), as quais atuariam com o propósito de fraudar a legislação trabalhista.

Para estabeleçer-se uma relação jurídica de emprego, é indispensável a presença dos requisitos previstos nos arts. e da CLT, quais sejam, trabalho prestado pessoalmente, por pessoa física, de forma onerosa e não eventual mediante subordinação jurídica.

Foram anexados crachás (Id 78b382c), nos quais consta o emblema da Federação Gaúcha de Futebol, recibos de pagamento a autônomo - RPA, confeccionados pela FGF (Id 3b6ce8a), recibos de pagamento de fiscal autônomo, com emblema da FGF (Id 1142fce -), boletins financeiros com emblema da FGF e assinatura do reclamante (Id e50ede6), escalas de Fiscais feitas pela FGF (Id 4223e9b), fotografias do reclamante com a camiseta de trabalho (Id 041be3f a d4b96bf), ofício do Presidente da FGF, datado de 15/06/2018, solicitando aos Presidentes dos Clubes absterem-se de utilizar trabalhadores por intermédio da empresa Peflart Fiscalização de Eventos Esportivos Ltda, em razão de determinação emanada dos autos de ação civil pública (Id 55e83eb), recibos de pagamento dirigidos ao reclamante pela empresa Peflart Fiscalização de Eventos Esportivos Ltda (Id 96cbd39), declarações socioeconômicas e fiscais da empresa Peflart (Id 0a259e3), notas fiscais emitidas pela Peflart aos clubes de futebol (Id c94f74f).

De acordo com o art. , § 1º, inciso IV, da Lei 10.671/2003, Estatuto do Torcedor, é incumbência das entidades responsáveis pela organização do evento de desporto publicar na internet os borderôs completos das partidas. Portanto, não é interesse apenas dos clubes, mas das entidades de organização do evento, no presente caso a Federação Gaúcha de Futebol, realizar os boletins financeiros de arrecadação das partidas e, para isso, faz-se necessário o trabalho dos Fiscais de jogos. É obrigação da reclamada a divulgação da renda e do número de espectadores e tais informações somente são possíveis de serem recolhidas pelo trabalho executado pelos fiscais contratados para controlar o acesso do público nos estádios.

Nesse sentido, os próprios clubes de futebol, em informações prestadas no âmbito de inquérito civil instaurado pelo Ministério Público do Trabalho, informaram que os Fiscais eram contratados pela empresa Peflart, a qual mantinha contrato de prestação de serviços com a Federação Gaúcha de Futebol (informações de Ids ffeccfd e 7d34bf2).

Assim, os serviços de fiscalização e controle de ingresso de público nos estádios era prestado à reclamada, Federação Gaúcha de Futebol, no interesse desta, por meio da empresa PEFLART - Fiscalização de Eventos Esportivos Ltda, empresa cujos sócios são Pedro Perfeito, Flavio Souza e Artulino Novelletto (conhecido como "Tuli", sobrinho de Francisco Novelletto Neto, este presidente da Federação ré).

O fato de o reclamante ter trabalhado exercendo atividade de interesse da Federação - ou até mesmo atividade-fim, não é mais fator primordial para o fim de declarar a existência o vínculo de emprego com a reclamada. Isso porque o STF, por ocasião do julgamento do conjunto da ADPF nº 324 e do RE nº 958.252, fixou a seguinte tese jurídica de efeito vinculante (Lei nº 9.882/99, art 10, § 3º) e com repercussão geral reconhecida (Tema 725): "É lícita a terceirização ou qualquer outra forma de divisão do trabalho entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas, mantida a responsabilidade subsidiária da empresa contratante".

Nesse sentido, também, vem decidindo o Tribunal, conforme ementa que segue:

RECURSO ORDINÁRIO DO RECLAMANTE. RELAÇÃO DE EMPREGO. FISCAL DE JOGO. NÃO CONFIGURAÇÃO. A caracterização de relação de emprego impõe a presença dos requisitos dos arts. e da CLT, quais sejam: pessoalidade, não-eventualidade, subordinação e onerosidade. Caso em que resultou comprovado que não havia subordinação jurídica nem pessoalidade necessárias à configuração da relação empregatícia. Recurso desprovido. (Proc nº XXXXX-69.2019.5.04.0013, Rel. Desª Angela Rosi Almeida Chapper; participaram: Des. Manuel Cid Jardon; Desª Rejane Souza Pedra)

Tal situação não impede, porém, o reconhecimento do vínculo empregatício diretamente com a tomadora dos serviços, quando estiver comprovada nos autos a presença dos requisitos dos arts. e da CLT, configurando desvirtuamento da terceirização de forma a disfarçar a existência de relação de emprego com a tomadora.

Em depoimento pessoal, o reclamante relatou que quem fazia a convocação para que fosse prestar serviço nos jogos eram Flávio, Pedro ou "Tuli" (Artulino), que poderia negar-se, inclusive, a ir em algum jogo (embora tenha feito isso poucas vezes). Referiu que Flávio, Pedro ou "Tuli" também faziam o pagamento e coordenavam as atividades realizadas, passando as ordens de trabalho.

Tal como pontuado na origem, as ordens não eram emanadas de pessoas da FGF - Federação Gaúcha de Futebol, tampouco as atividades eram coordenadas por pessoas da FGF. Os pagamentos não eram feitos por pessoas da FGF. As convocações para comparecimento aos jogos não partiam de pessoas da FGF, mas de Flávio, Pedro ou "Tuli", representantes da PEFLART.

As testemunhas Ademir Nunes de Oliveira e Ivan Matuzalém Almeida Pereira, ouvidas a convite do reclamante, apenas destacaram o fato de o reclamante trabalhar com uniforme no qual constava o símbolo da Federação Gaúcha de Futebol (Id XXXXXd - Pág.1-2). No entanto, este fato, por si só, apenas confirma que o reclamante trabalhava em prol dos interesses da reclamada, devendo ser identificado como Fiscal nas partidas, mas não evidencia a existência de subordinação direta em relação a ela. Ao contrário, ficou demonstrado que as ordens emanavam dos representantes da empresa prestadora de serviços.

É necessário analisar se a empresa Peflart, intermediadora dos serviços prestados pelo reclamante, atuava em conjunto com a reclamada com a objetivo de fraudar a legislação do trabalho.

Apura-se dos autos, em que pese o reclamante trabalhasse para atingir os interesses da reclamada, em benefício desta, seu vínculo era com a empresa Peflart, a qual escalava os trabalhadores para laborar nas partidas de futebol, na modalidade de serviços autônomos. Neste ponto, importante registrar que o reclamante não ajuizou a presente demanda em face da Peflart, mas apenas em face da reclamada, dirigindo a esta o pedido de reconhecimento de vínculo de emprego.

O depoimento da testemunha Flávio na audiência do processo XXXXX-41.2018.5.04.0020, invocado pelo recorrente em suas razões, não integra o conjunto probatório destes autos.

As testemunhas da reclamada, cujos depoimentos foram prestados nos autos do processo n.º XXXXX-69.2019.5.04.0013, e os quais foram utilizados, na presente ação, como prova emprestada, esclarecem a matéria (Id XXXXXd - Pág. 2). Nesse sentido, a testemunha Regis Tatsuha Shiba, relatou:

"o regulamento geral das competições exige que uma empresa faça a fiscalização das catracas, de modo que o SCI contratava a Peflart, empresa que fazia a contagem do público existente dentro do estádio beira rio; havia reuniões com os diretores da Peflart e estipulavam o valor a cada jogo ou competição; o pagamento era feito ao final de cada partida; nessa negociação, havia a estipulação do número de fiscais; um jogo de grande porte, quando se abria todos os portões, iam trinta fiscais; um jogo de menor porte, em que nem todos os portões eram abertos, o número de fiscais era menor; o pagamento de um jogo de grande porte alcançava R$ 15.000,00 e um de menor porte, de 10 a 12 mil reais; (...) os fiscais usavam um contador de números, mas alguns faziam na própria planilha" manualmente "; sabe que os donos da Peflart eram Pedro Filho, Artulino Novelleto e Flávio, não recordando o sobrenome d oúltimo; nunca viu os pagamentos, mas pelo que escutava, o valor por jogo que um fiscal recebia era de oitenta reais; o pagamento feito pelo SCI era em dinheiro, porque ossócios da empresa iam até o financeiro do clube e resgatavam o valor jogo a jogo; o controle dos fiscais era feito pelo clube e os sócios mencionados da Peflart; conheceYentel, mas já a viu, não recordando se ela fazia controle de trabalho dos fiscais, embora ficasse nos portões; (...) não recorda se a Peflart fornecia uniformes; lembra que há uma logo no uniforme de empresa de som - Multisom; em 2011 já era Peflart prestando esse serviço; não há fiscalização semelhante, pelo menos até janeiro, quando ainda trabalhava no clube; está no regulamento geral de competições a fiscalização; não sabe dizer se Francisco Novelletto tem ou tinha ingerência sobre a Peflart; (...) nada sabe sobre a atuação do MPT a respeito da atividade dos fiscais; o depoente nunca foi na sede da Peflart, desconhecendo seu paradeiro; acredita que havia um número grande de fiscais cadastrados na Peflart, talvez trezentos, porque nem todos poderiam trabalhar; o clube tem em torno de 4 mil prestadores de serviços cadastrados;"

A segunda testemunha, Marcelo Pereira Jorge, declarou:

"o depoente tratava com a empresa Plefart para fazer o trabalho de fiscalização de acesso de público nos portões do estádio; se fazia a negociação para toda a temporada, incluindo todos os campeonatos, os valores variando de 10 a 15 mil por partida, a depender da quantidade de fiscais disponibilizada; a federação não participava dessa negociação com a empresa; a federação também não exigia a fixação de valor mínimo a ser pago à Peflarte nem indicava fiscais determinados para trabalhar por meio desta empresa; os representantes da Peflart eram Pedro Filho, Flávio Souza e Tuli Novelletto; o depoente conhece Yentel, secretária da federação, que nunca participou da negociação em questão; os três representantes mencionados controlavam o trabalho dos fiscais;desconhece se Yentel fazia essa atividade, e não recorda de vê-la em nenhuma partida na Arena; as credenciais de acesso dos fiscais da Peflart eram fornecidas pela Arena Porto Alegrense - pulseiras coloridas; (...) na atividade de fiscalização somente a Peflart prestou serviços no tempo em que o depoente trabalhou na Arena; desconhece sobre atuação do MPT sobre o caso; atualmente, não sabe quem faz a atividade, mas até 2017 era a Peflart; os fiscais usavam uniformes, já chegavam uniformizados"

Não há prova efetiva de que qualquer dos sócios da PEFLART, Pedro, Flávio e Tuli, fosse de fato vinculado à FGF - Federação Gaúcha de Futebol. Tampouco o fato de "Tuli" ser sobrinho de Francisco Novelletto Neto, presidente da FGF, é fato a demonstrar a efetiva relação conjugada entre ambas as empresas, para além do vínculo de prestação de serviços e com a finalidade de fraudar a relação de emprego com os trabalhadores. Da mesma forma, como bem acentuado na origem, não se verifica o nome dos sócios no rol de integrantes da diretora e do conselho fiscal da Federação no site desta na internet.

No caso, os elementos de prova indicam que a empresa PEFLART existia regularmente, prestava os serviços para os quais foi contratada e essa prestação de serviços era efetivamente coordenada pelos seus sócios administradores, os quais estavam sempre presentes quando da fiscalização nos estádios. Ademais, em que pese não tenha sido anexado aos autos o contrato de prestação de serviços mantido entre a reclamada e a empresa Peflart, ficou caracterizada a prestação de serviços existente entre ambas, inexistente prova robusta de que tenha havido fraude para obstar o reconhecimento de relação de emprego.

Portanto, nas decisões exaradas no processo nº 0020230- 91.2014.5.04.0016 (juntadas nestes autos), observa-se que a análise da matéria ocorreu sob a ótica da prestação de serviços em atividade fim da reclamada, o que, conforme examinado, é situação regular, de acordo com entendimento do Supremo Tribunal Federal. Além disso, referida ação aguarda julgamento de recurso no âmbito do Tribunal Superior do Trabalho.

Nega-se provimento ao recurso do reclamante.

Assinatura

MANUEL CID JARDON

Relator

VOTOS

PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:

DESEMBARGADOR MANUEL CID JARDON (RELATOR)

DESEMBARGADORA REJANE SOUZA PEDRA

DESEMBARGADORA ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER

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