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5 de Maio de 2024
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    AGU, mostra a sua cara!

    Publicado por Enviadas Por Leitores
    há 12 anos

    Recentemente, no âmbito da Advocacia-Geral da União, foi pacificado o entendimento segundo o qual a inscrição na OAB e, por conseguinte, o pagamento da respectiva anuidade, tornaram-se obrigatórias para os advogados públicos federais, sob pena de falta funcional, conforme prescreveu a Orientação Normativa nº 01/2011, de 21 de junho de 2011, da Corregedoria, in verbis:

    "ORIENTAÇAO NORMATIVA Nº 01/2011: É OBRIGATÓRIA A INSCRIÇAO NA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL, POR TODOS OS ADVOGADOS DA UNIÃO, PROCURADORES DA FAZENDA NACIONAL, PROCURADORES FEDERAIS E INTEGRANTES DO QUADRO SUPLEMENTAR DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, DE QUE TRATA O ART. 46 DA MEDIDA PROVISÓRIA Nº 2.229-43, DE 6 DE SETEMBRO DE 2001, PARA O EXERCÍCIO DA ADVOCACIA PÚBLICA, NO ÂMBITO DA INSTITUIÇAO.

    OS MEMBROS DA ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO E DE SEUS ÓRGAOS VINCULADOS RESPONDEM, NA APURAÇAO DE FALTA FUNCIONAL PRATICADA NO EXERCÍCIO DE SUAS ATRIBUIÇÕES, OU QUE TENHA RELAÇAO COM AS ATRIBUIÇÕES DO CARGO EM QUE SE ENCONTREM INVESTIDOS, EXCLUSIVAMENTE PERANTE A ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO, E SOB AS NORMAS, INCLUSIVE DISCIPLINARES, DA LEI ORGÂNCIA DA INSTITUIÇAO E DOS ATOS LEGISLATIVOS QUE, NO PARTICULAR, A COMPLEMENTEM"

    Trata-se da consolidação de entendimento em que flutuou ao longo dos últimos anos dentro da Instituição. Para se ter ideia, nos editais dos concursos para ingresso na carreira de Procurador Federal dos anos de 2001 à 2006, não havia a exigência, para a posse no cargo, da inscrição do candidato na Ordem dos Advogados do Brasil.

    Em 2009, a Advocacia-Geral da União permitiu aos seus Membros o exercício da advocacia fora das suas atribuições funcionais. Editou a Portaria nº 758/2009 do Advogado-Geral da União, a Instrução Normativa Conjunta nº 1/2009 do Corregedor-Geral da União e do Procurador-Geral Federal e a Orientação Normativa nº 27/2009 do Advogado-Geral da União, que permitiram a advocacia privada em causa própria e pro bono.

    Sem perceber, o Poder Executivo, da qual a AGU é um órgão, negou aplicação, ainda que parcia, à proibição do art. 28, I da LC nº 73/93, que impede os advogados públicos federais de exercerem a advocacia fora das atribuições funcionais.

    Reconheceu-se, timidamente, que o advogado público, apesar do adjetivo, não deixa de ser advogado.

    Mas é preciso avançar mais. Se os Membros da AGU não são ligeiramente advogados para serem tratados como tais somente no que diz respeito aos deveres - como a obrigação de inscrição na OAB e pagamento das respectivas anuidades. Também devem ser vistos como advogados que diz respeito ao reconhecimento integral de seus direitos previstos em Lei e na Constituição.

    Contudo, essa nota de desalento sobre o estatuto jurídico dos advogados públicos federais não sobrevive a uma análise mais detida quando investigada a vontade da Constituição sobre o que ela pretendeu para a AGU.

    Com efeito, a CF/88 criou a Advocacia-Geral da União como instituição essencial à justiça, no seu art. 131 §§ 1º à , in litteris :

    "Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. § 1º A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada.

    § 2º O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos. § 3º Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei."

    A Constituição disciplinou que compete à AGU a representação judicial e extrajudicial da União, a consultoria e assessoramento do Poder Executivo, bem como a execução da dívida ativa de natureza tributária e remeteu à Lei Complementar apenas as questões relativas à organização e ao funcionamento da Advocacia-Geral da União.

    Ao contrário do que fez com os Membros do Ministério Público e com os Membros da Defensoria Pública, ex vi do art. 128, II, b e art. 134, § 1º da CF/88, a Constituição Federal não vedou, em seu Texto,o exercício da advocacia pelos Membros da AGU. Trata-se de silêncio eloquente[1]. Dessa forma, o regramento constitucional da atividade dos advogados públicos circunscreve-se tão-somente aos limites impostos pelo direito fundamental do art. , XIII da Constituição, in verbis:

    "Art. 5º XIII - e livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;"

    De acordo com a regra constitucional, o exercício da advocacia deve ser livre, obedecidas apenas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Trata-se de uma reserva legal qualificada ao direito fundamental, que tolhe do legislador ordinário a discricionariedade para restringir o direito de forma diferente do que dispõe a fórmula atendida as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Segundo Gilmar Ferreira Mendes[2], "[t]em-se uma reserva legal ou restrição legal qualificada quando a Constituição não se limita a exigir que eventual restrição ao âmbito de proteção de determinado direito seja prevista em lei, estabelecendo também, as condições especiais, os fins a serem perseguidos ou os meios a serem utilizados."

    Portanto, qualquer restrição que destoe das qualificações que a lei estabelecer receberá a pecha da inconstitucionalidade.

    As qualificações profissionais para exercício da advocacia de que trata o art. , XIII da CF, encontram-se na Lei 8.906/93, que disciplina o Estatuto da OAB. Para ser advogado, o art. 8º do Estatuto prescreve:

    "Art. 8º Para inscrição como advogado é necessário:I - capacidade civil;II - diploma ou certidão de graduação em direito, obtido em instituição de ensino oficialmente autorizada e credenciada;III - título de eleitor e quitação do serviço militar, se brasileiro;IV - aprovação em Exame de Ordem;V - não exercer atividade incompatível com a advocacia;VI - idoneidade moral;VII - prestar compromisso perante o conselho.

    O mesmo Estatuto da OAB reza, expressamente, em seu art. 3º, § 1º, que os integrantes da Advocacia-Geral da União e xercem atividade de advocacia , sem trazer nenhuma proibição ao seu exercício, in verbis:

    "§ 1º Exercem atividade de advocacia, sujeitando-se ao regime desta lei, além do regime próprio a que se subordinem, os integrantes da Advocacia-Geral da União, da Procuradoria da Fazenda Nacional, da Defensoria Pública e das Procuradorias e Consultorias Jurídicas dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e das respectivas entidades de administração indireta e fundacional."

    O Estatuto da Ordem ainda determina que a percepção de honorários, conforme prescreve o seu art. 23, in verbis:

    "Art. 23. Os honorários incluídos na condenação, por arbitramento ou sucumbência, pertencem ao advogado, tendo este direito autônomo para executar a sentença nesta parte, podendo requerer que o precatório, quando necessário, seja expedido em seu favor."

    A LC nº 73/93, em nenhum momento, proibiu a percepção de honorários pelos advogados públicos. Por outro lado, o art. 23 da Lei nº 8903/96 os atribuiu, expressamente, aos advogados. Portanto, se os advogados federais não recebem honorários de sucumbência, é mais do que evidente que a União desrespeita a lei, a qual ela deveria estar estritamente vinculada pelo princípio da legalidade.

    Sob a ótica do direito financeiro, os honorários de advogado não decorrem da exploração do patrimônio público, nem da tributação da riqueza de particulares. Por isso, não se enquadram nos conceitos orçamentários de receita originária ou derivada.

    Se não são receitas, os honorários só podem adentrar aos cofres públicos como ingressos, que, segundo Ricardo Lobo Torres[3], correspondem à entrada de dinheiro que ulteriormente será restituído, como ocorre no empréstimo e nos depósitos.

    Por serem ingressos, o reconhecimento do direito de que os honorários referentes às causas em que a Administração Federal se sagra vitoriosa pertencem aos advogados públicos não implicará aumento de despesa, muito menos renúncia de receita.

    Trata-se de um direito subjetivo dos advogados públicos. Diante a literalidade da previsão do art. 23 da Lei 8.906/93, não se adentra sequer na discussão da exigilidade de prestações a partir de normas programáticas de eficácia limitada. Há uma regra legal expressa. Já houve a interposição do legislador, que supera inclusive a dificuldade contramajoritária do Judiciário. Os honorários, segundo a lei, são dos advogados. Por que os Membros da AGU não os recebem?

    Ao meu ver, está-se diante de um caso de omissão governamental abusiva (ADPF nº 45), cuja negativa da União implica a nulificação de um direito previsto em lei.

    Sob o ponto de vista da organização da Administração Pública,há ainda uma uma inegável vantagem na atribuição de honorários aos Membros da AGU: o estímulo à meritocracia e à produtividade no serviço público. Quanto mais forem as vitórias do Poder Público em juízo, maiores serão os ganhos do advogado público, que será estimulado mais e mais.

    É assim que funcionam a maioria das Procuradorias dos Estados e dos Municípios. O modelo federal, infelizmente, destoa da Constituição.

    Além de receber honorários, talvez seja o direitos mais elementar de qualquer advogado: advogar

    Se a atividade do Membro da Advocacia-Geral da União é considerada advocacia (art. 3º, § 1º da Lei nº 8.906/93) e se houve o preenchimento das qualificações profissionais estipuladas em lei (art. , XIII da CF/88 c/c art. 8º do Estatuto da OAB), o advogado público não deveria sofrer restrições para exercício de seu direito fundamental de advogar, respeitando-se apenas o impedimento e incompatibilidades de advogar (art. 28, III e vII c/c art. 30, I do Estatuto da OAB), como já acontece com a maioria das Procuradorias de Estados, de Municípios e do Distrito Federal.

    Evidenciando que o tema a liberdade do exercício da atividade de advogado não é assunto sob a reserva material da LC apontada pelo art. 131 da Constituição Federal, a própria AGU passou a flexibilizar a proibição de advogar fora das atribuições institucionais. Atualmente, seus Membros estão autorizados a exercer a advocacia pro bono e também a advocacia em causa própria, conforme (i) Portaria nº 758/2009 do Advogado-Geral da União, (ii) Instrução Normativa Conjunta nº 1/2009 do Corregedor-Geral da União e do Procurador-Geral Federal e (iii) Orientação Normativa nº 27/2009 do Advogado-Geral da União, em anexo.

    O próprio STF já delineou, expressamente, que matérias atinentes ao estatuto pessoal do Membro da AGU não estão sob a alçada de Lei Complementar, podendo ser disciplinado por lei ordinária. Foi assim no julgamento do RE nº 539370/RJ, na qual ficou assentado que temas como férias não estão compreendidos no conceito de organização e funcionamento. Numa interpretação lógica, o mesmo raciocínio dirá respeito à proibição da advocacia.

    Mesmo não sendo matéria de Lei Complementar, os Regulamentos infralegais acima trouxeram hipóteses de advocacia fora das atribuições funcionais, o que seria proscrito pelo art. 28, I da LC nº 73/93. Ao reduzir o campo de incidência da proibição, a Administração negou aplicação à Lei Complementar naquelas hipóteses especíufica, o que equivale ao reconhecimento de sua inconstitucionalidade pelo próprio Poder Executivo, conforme jurisprudência do STF.

    O Ministro Moreira Alves, ao julgar a Representação de Inconstitucionalidade nº 980, que se referia à constitucionalidade do Decreto 7864/64 do Estado de São Paulo, defendeu que o Poder Executivo pode deixar de cumprir leis inconstitucionais, sendo constitucional decreto do Chefe do Poder Executivo determinando aos órgãos a ele subordinados que se abstenham de dar execução a dispositivos vetados.

    Nos termos dos motivos determinantes daquela decisão:

    "2. Trata-se, como se vê, de decreto que apenas contém normas internas, dirigidas a órgãos da Administração ... sobre a conduta a ser tomada frente à promulgação de leis e dispositivos eivados de inconstitucionalidade por vício de iniciativa ... e já por isto objeto de veto.

    Em sendo simplesmente diretivo, apresenta-se como emanação do princípio hierárquico que é característico do Poder Executivo, e, embora editado em tese, em abstrato, é evidente que a abstenção da prática de atos que importem na execução da lei inconstitucional ... só surgirá, hic et nunc, quando se cuidar do cumprimento de uma determinada lei, vale dizer, só poderá ter lugar frente a casos concretos, de sorte que a questão que põe diante do intérprete é uma só e consiste em saber se se reconhece ou não, no Poder Executivo, a faculdade de recusar-se a cumprir leis inconstitucionais.

    A só compatibilidade do decreto em questão com tal faculdade afastará, como é curial, qualquer pretensa inconstitucionalidade da ordem que nele se contém, até porque, sendo lícito ao Executivo recusar-se a cumprir leis inconstitucionais, é claro que não importará a forma como isso seja determinado no âmbito da Administração. Se pode o Governador, verbalmente ou mediante simples despacho, ordenar a seus Secretários e demais subordinados que não cumpram determinada lei eivada de vício de inconstitucionalidade, por qual razão não poderia fazê-lo mediante um decreto simplesmente diretivo, como o de que ora se cuida? Só quando se pudesse ter por inexistente uma tal faculdade é que se estaria diante de ato inconstitucional, posto que não haveria para o Executivo outro caminho que não fosse o do cumprimento da lei inconstitucional.

    (...)

    Assim, em face dos princípios que norteiam a atividade administrativa, que exige plena e total conformidade com a ordem jurídica que assenta, fundamentalmente, nos países de Constituição rígida, como é o nosso, no texto da Constituição a única conclusão possível é, repetimos, a de que não somente pode o Executivo recusar cumprimento a disposições emanadas do Legislativo, mas evidentemente inconstitucionais, como é de seu dever zelar para que não tenham eficácia na órbita administrativa."

    Não há outra interpretação a fazer sobre os Regulamentos da AGU que autorizaram, em hipóteses específicas, a advocacia privada: negou-se vigência a dispositivo de lei complementar que, por conseguide, deve ser reputado, naquelas hipóteses, inconstitucional.

    De mais a mais, se não há vedação ao exercício da advocacia pelos Membros da AGU no corpo da Constituição e se tal vedação não se insere nas qualificações profissionais que a lei estabelecer, não há fundamento constitucional em proibir a advocacia privada e, ao mesmo tempo, exigir a inscrição do advogado público, às suas expensas, na OAB. A propósito do livre exercício profissional, o STF já decidiu, em controle abstrato de constitucionalidade, que (...) no tocante a essas condições de capacidade, não as pode estabelecer o legislador ordinário, em seu poder de polícia das profissões, sem atentar ao critério da razoabilidade, cabendo ao Poder Judiciário apreciar se as restrições são adequadas e justificadas pelo interesse público, para julgá-las legítimas ou não (Representação de Inconstitucionalidade nº 930, Rel. Min. Rodrigues Alckmin, DJ 02/09/1977, RJT, 110/937).

    Seria muita inocência e pecaria por um enorme déficit de fundamentação sustentar que a proibição da advocacia é mais consentânea com o interesse público. Primeiro, porque desrespeitaria a Federação. O interesse perseguido pela União é apenas diferente daquele perseguido pelos Estados e pelos Municípios, quando não comuns ou concorrentes. Essa é o traço distintivo do federalismo cooperativo.

    Segundo, pecaria porque o contato do advogado público com o mundo privado é salutar e enriquecedor para a própria defesa da União. As fronteiras do público e do privado não são as mesmas que separam, na bela metáfora de Nelson Saldanha, a praça do jardim[4]. A Administração Pública frequentemente se imiscui em temas privados, como nas parcerias público-privadas, nos contratos de financiamento internacionais, nas concessões de serviços públicos ou mesmo na atuação de empresas estatais, que são os instrumentos que o Governo se vale para consecução de seus interesses. Privatiza-se o direito público, ao se reconhecer a figura da Administração Pública consensual, da soft law, da fuga para o direito privado ou do Estado Subsidiário, que abre espaço aos atores do terceiro setor[5]. Enquanto muda o Mundo, o advogado público federal está encastelado da burocracia estatal, distante e pouco familiarizado com a sofisticação do direito privado ao seu derredor.

    Em terceiro e último lugar, basta citar, como exemplo, que a Procuradoria do Estado do Rio de Janeiro, cujos advogados são livres para exercer suas atividades, reúne nos seus quadros alguns dos maiores juristas do País, o que engrandece, sobretudo em qualidade, a defesa do ente público. Agora, mais de duas décadas após a Constituição, a União tem a chance de perfilhar o mesmo caminho, caso resolva obedecê-la.

    A liberação da advocacia fora das atribuições funcionais será um fator de atração de profissionais qualificados para os quadros da AGU, além de permitir o crescimento profissional dos atuais Membros, por permitir-lhe o contato com outras realidades do Direito. Na verdade, no caso em apreço, pode-se até mesmo estar diante de uma discussão inexistente se viola ou não viola o interesse público em razão da incorreta identificação do interesse público, como no exemplo de uma passeada e da interrupção do trânsito de uma via pública, em que haveria, na verdade, a convergência entre o interesse público e o privado[6].

    Nesta toada, calha destacar que a Constituição Federal erigiu como um dos fundamentos da ordem econômica brasileira a livre iniciativa e assim dispôs:

    " Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princ ípios:

    (...)

    Parágrafo único. É assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei."

    A advocacia, quando enfocada como atividade econômica (art. 966, parágrafo único, do Código Civil), é de livre exercício por todos aqueles que forem habilitados pela OAB a exercerem-na, conforme previsões legais.

    A Constituição foi clara: foi permitido à lei excepcionar essa liberdade de exercício para tão-somente condicionar-lhe a algum ato de autorização dos órgãos públicos, o que, no caso da advocacia, é realizado pela OAB, que é uma entidade sui generis que ocupa papel singular na ordem jurídica brasileira. O parágrafo único do art. 170 da CF, portanto, não dá uma autorização ao legislador ordinário, em tema de livre iniciativa, para dispor diferentemente do mandamento constitucional.

    Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello[7], se qualquer atividade econômica é exercitável por todos, segue-se, induvidosamente, que o Estado não pode restringir apenas a uns ou alguns (noção antitética a todos) o exercício de tal ou qual atividade econômica (noção antitética a qualquer), pois, seja qual for a atividade, é insuscetível de ser excluída do âmbito de ação dos particulares.

    O exercício pleno da atividade de advogado por quem preenche os requisitos da Lei8.9066/93 está contido no âmbito temático do direito do art. 5ºº, XIII e do art. 1700, par. único, daCFF, independente da consideração de outras variáveis. A definição é aberta, por se tratar de uma norma-princípio, dentro das possibilidades fáticas e jurídicas existentes. Por isso, se diz que a liberdade do exercício profissional é direito prima facie, que se concretiza em graus, sempre na maior medida possível, variando de extensão, conforme se verifiquem, no caso concreto, impedimentos e incompatibilidades . Quando essa extensão é limitada, de forma razoável e devidamente justificada, há uma mera restrição ao direito fundamental. Quando a extensão é limitada, sem qualquer critério de razoabilidade, configura-se uma violação ao direito fundamental, que gera a consequência típica de um direito de liberdade que é a declaração da contrariedade da lei ou ato normativo com o Texto Constitucional.

    Quando o Código Penal prescreve, em seu art. 155, que subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel implica uma pena de reclusão, de um a quatro anos, e multa dele se extrai a norma jurídica segundo a qual é proibido furtar coisa alheia móvel, sob pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa. No entanto, quando a Constituição diz que é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profi ssão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer, o juízo de proibição ou permissão não se formula intuitivamente. O suporte fático ou hipótese de incidência que é o antecedente que, quando preenchido, propicia a realização da consequência jurídica prevista no seu preceito,[8]não está tão claro assim quanto na norma penal.

    Então, como saber se o art. , XIII da CF foi violado?

    Em se tratando de direito fundamental, a investigação a respeito dos elementos que compõem seu suporte fático conforme as lições de Virgílio Afonso da Silva verifica-se quando se responde a três das quatro perguntas: (1) o que é protegido? (2) contra o quê? (3) qual a conseqüência jurídica que poderá ocorrer? (4) o que é necessário ocorrer para que a conseqüência jurídica também possa ocorrer?[9]

    De acordo com o mesmo autor, [a]o contrário do que se poderia imaginar, a resposta que define o suporte fático não é apenas a resposta à primeira pergunta. Quando se fala, portanto, que 'todos são iguais perante a lei', não é a definição do que é protegido a igualdade suficiente para se definir o suporte fático. Aquilo que é protegido é apenas uma parte com certeza a mais importante do suporte fático. Essa parte costuma ser chamada de âmbito de proteção do direito fundamental. Mas, para a configuração do suporte fático, é necessário um segundo elemento e aqui entra a parte contra-intuitiva: a intervenção estatal. Tanto aquilo que é protegido ( âmbito de proteção ), como aquilo contra o qual é protegido ( intervenção, em geral estatal). Fazem parte do suporte fático dos direitos fundamentais. Isso porque a consequência jurídica em geral, a exigência de cessação de uma intervenção somente pode ocorrer se houver uma intervenção nesse âmbito . ()[P]arece-me mais correto definir o suporte fático não apenas como a soma do âmbito de proteção e da intervenção estatal, mas incluir nesse conceito a ausência de fundamentação constitucional [10] .

    A relação entre o direito em si e sua restrição parte de uma perspectiva externa, que chega ao sopesamento, com o auxílio da regra da proporcionalidade, como fonte de fundamentação da constrição e da determinação do núcleo essencial do direito[11]. É um limite aos limites que os direitos fundamentais representam à atuação do Estado[12].

    Não há a menor razoabilidade proibir o advogado público de exercer livremente sua profissão, como lhe permite o art. , XIII da CF/88. A proibição não encontra uma justificativa constitucional adequada.

    Também fica sem resposta a indagação: por que um médico, um dentista ou um professor, que tem vínculo estatutário com a União, pode exercer livremente sua profissão, fora do horário de trabalho, mas os advogados públicos federais são os únicos que não podem? A proibição do art. 28, I da LC nº 73/93 também não sobrevive sob o cotejo do princípio da igualdade.

    Apesar da suposta dedicação exclusiva, os advogados públicos estão autorizados a exercer outras atividades privadas estranhas a suas atirbuições funcionais, como o magistério ou até mesmo participar de conselhos fiscais e de administração de empresas estatais. Então, por que proibi-los do seu direito mais fundamental que é advogar?

    Os advogados públicos federais, por enquanto, são advogados para fins de inscrição na Ordem e pagamento da OAB, mas não o são para recebimento de honorários ou livre exercício de suas atividades; integram uma carreira típica de Estado que exerce uma função essencial à Justiça, mas não lhes assiste nenhuma garantia que se estão presentes no estatuto jurídico do Ministério Público e da Magistratura, tão essenciais à Justiça quanto a Advocacia-Geral da União.

    Há até mesmo falhas na estruturação da carreira dos advogados públicos federais. Desde que o Chefe da Instituição, o Advogado-Geral da União, foi alçado ao teto remuneratório do funcionalismo pelo Decreto-legislativo nº 805/2010, criou-se um fosso entre ele o último degrau da carreira e as demais categorias, que não tiveram seu subsídio reajustado para fazer jus ao mandamento constitucional do art. 39 § 1º da CF.

    A organização dos servidores em carreira - que é pressuposto para receber subsídios (ADI 3923 MC / MA, Rel. Min. Eros Grau) - implica o escalonamento dos ocupantes dos cargos em níveis hierárquivos diferentes, com acréscimos remuneratórios a cada degrau, de acordo com a natureza, grau de responsabilidade e complexidade do cargo. O STF, a respeito do tema, já decidiu, no RE 225763/SC, que é"2. Legítima a organização de carreira pública com escalonamento vertical de vencimentos, uma vez que se trata de sistematização da hierarquia salarial entre as classes de mesma carreira e não de vinculação ou equiparação salarial entre diferentes categorias de servidores públicos.

    Em precedente mais recente, o mesmo STF assentou que"a fixação de um limite percentual na diferença entre os valores de remuneração recebidos pelos ocupantes dos quatro níveis que compõem a carreira de Procurador de Estado não afronta a vedação contida no art. 37, XIII da CF, por se tratar de uma sistematização da hierarquia salarial entre as classes de uma mesma carreira, e não uma vinculação salarial entre diferentes categorias de servidores públicos"(ADI 2840 QO / ES - ESPÍRITO SANTO, Rel. Min Ellen Gracie, 6/11/2003).

    Esse vácuo legislativo na necessária reestruturação da AGU a partir de 2011 foi abordado pelo Mandado de Injunção nº 4312, em tramitação no STF.

    Por tudo isso, é preciso redefinir o estatuto jurídico dos advogados públicos federais à luz da Constituição, para enquadrá-los como advogados, que têm direitos e deveres assegurados no Estatuto da OAB, mas que também exercem uma função essencial à Justiça, a exemplo do Ministério Público, de essencial importância para o Estado e para toda a sociedade.

    A AGU está em busca de uma identidade.



    Notas e Referências:

    1. O STF assim definiu o silêncio eloquente: Litígio entre sindicato de empregados e empregadores sobre o recolhimento de contribuição estipulada em convenção ou acordo coletivo de trabalho. Interpretação do art. 114 da CF. Distinção entre lacuna da lei e 'silêncio eloquente' desta. Ao não se referir o art. 114 da Constituição, em sua parte final, aos litígios que tenham origem em convenções ou acordos coletivos, utilizou-se ele do 'silêncio eloquente', pois essa hipótese já estava alcançada pela previsão anterior do mesmo artigo, ao facultar a lei ordinária estender, ou não, a competência da Justiça do Trabalho a outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, ainda que indiretamente . Em consequência, e não havendo lei que atribua competência a Justiça Trabalhista para julgar relações jurídicas como a sob exame, é competente para julgá-la a Justiça comum. ( RE 135.637 , Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 25-6-1991, Primeira Turma, DJ de 16-8-1991.)


    2. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 309.

    3. TORRES, Ricardo Lobo. Curso de direito financeiro e tributário. 18ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2012, p. 185

    4. SALDANHA, Nelson. O jardim e a praça: ensaio sobre o lado privado e o lado público da vida social e histórica. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1986.

    5. MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Mutações do direito administrativo. 3ª ed., Rio de Janeiro: Renovar, 2007, p. 48.

    6. SARMENTO, Daniel. Interesses públicos vs. Interesses privados na perspectiva da Teoria e da Filosofia Constitucional. In: Daniel Sarmento (Org.). Interesses públicos versus interessesprivados: desconstruindo o princípio da supremacia do interesse público. Rio de Janeiro: Ed. Lumen Jures, 2007, p. 82.

    7. BANDEIRA DE MELLO, Celso Antônio. Curso de direito administrativo. 21ª ed., São Paulo: Malheiros, 2006, p. 760

    8. MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico: plano da existência. 10ª ed., São Paulo: Saraiva, 2000, p. 70.

    9. SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais . Revista de Direito do Estado 4 (2006),p. 29.

    10. SILVA, Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais e a eficácia das normas constitucionais . Revista de Direito do Estado 4 (2006),p. 30-32.

    11. Virgílio Afonso da Silva, Os direitos fundamentais e a lei: a constituição brasileira tem um sistema de reserva legal? In SOUZA NETO, Cláudio Pereira de / SARMENTO, Daniel / BINENBOJM, Gustavo (orgs.), Vinte anos da Constituição Federal de 1988 . Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2009, p. 617

    12. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de direito constitucional. 3ª ed., São Paulo: Saraiva, 2008, p. 314.
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