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2 de Maio de 2024

STJ Ago 22 - Despronúncia ao Júri - Nulidade da Pronúncia mesmo após julgamento pelo júri

há 2 anos

HABEAS CORPUS Nº 746422 - ES (2022/0167135-0)

DECISÃO Trata-se de habeas corpus substitutivo de recurso próprio impetrado em favor de RODRIGO MOTTA REIS, contra acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado, pela prática do delito tipificado no art. 121, § 2º, II e IV, c/c o art. 29, ambos do CP, à pena de 17 anos de reclusão, no regime inicialmente fechado. A defesa, ao argumento de que a decisão dos jurados é manifestamente contrária à prova dos autos, apresentou recurso de apelação perante o Tribunal de origem, que lhe deu provimento para anular a decisão proferida pelo Tribunal do Júri, determinando que o ora paciente seja submetido a novo julgamento, nos termos da seguinte ementa:

"EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL - JÚRI - HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - RECURSO DEFENSIVO - ALEGATIVA DE DECISÃO DO CONSELHO DE SENTENÇA CONTRÁRIA ÀS PROVAS DOS AUTOS - OCORRÊNCIA - SUBMISSÃO DO ACUSADO A NOVO JULGAMENTO - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. 1 - Para a submissão do réu a novo júri, é necessário que a decisão proferida pelo conselho de sentença se mostre totalmente contrária às provas constantes nos autos, tendo em vista que os jurados julgam pelo sistema da convicção íntima, bastando que a tese acolhida tenha respaldo no contexto probatório. 2 - Estando a decisão dos jurados em desconformidade com as provas coligidas no processado, resta evidente a necessidade de cassação do julgamento procedido, devendo esta ser anulada para submeter o réu a novo confronto perante o Tribunal do Júri. 3 - Recurso conhecido e provido." (e-STJ, fl. 92).

Neste writ, a defesa alega, em síntese, que, diante da inexitência de prova da autoria, sobretudo, pela ausência de ratificação da prova em juízo, o paciente deveria ter sido impronunciado, em razão da inobservância do art. 155 do CPP, Pondera que a pronúncia do paciente ocorreu apenas com base em depoimento prestado pelo corréu na fase inquisitorial e que está demonstrado que não teria como o paciente estar presente no momento dos fatos, pois estava oferecendo em sua casa, uma festa em comemoração de seu aniversário. Requer a concessão da ordem para que o paciente seja impronunciado, devendo os autos serem anulados desde a decisão de pronúncia. O Ministério Público Federal opina pelo não conhecimento do writ (e-STJ, fls. 109-111). Informações prestadas à fl. 113 (e-STJ). É o relatório.

Decido. Esta Corte - HC 535.063, Terceira Seção, Rel. Ministro Sebastião Reis Junior, julgado em 10/6/2020 - e o Supremo Tribunal Federal - AgRg no HC 180.365, Primeira Turma, Rel. Min. Rosa Weber, julgado em 27/3/2020; AgRg no HC 147.210, Segunda Turma, Rel. Min. Edson Fachin, julgado em 30/10/2018 -, pacificaram orientação no sentido de que não cabe habeas corpus substitutivo do recurso legalmente previsto para a hipótese, impondo-se o não conhecimento da impetração, salvo quando constatada a existência de flagrante ilegalidade no ato judicial impugnado. Assim, passo à análise das razões da impetração, de forma a verificar a ocorrência de flagrante ilegalidade a justificar a concessão do habeas corpus, de ofício.

Razão assiste à defesa, na medida em que há violação ao art. 155 do CPP. Extrai-se dos autos que o paciente foi assim pronunciado: "No que tange aos indícios de autoria, apesar das negativas apresentadas em juízo, o conjunto probatório foi capaz de sustentar um fundado juízo de suspeita quanto à autoria, apto a alicerçar a tese acusatória. O próprio acusado HENRIQUE confessa participação no crime na fase policial, atribuindo a autoria ao outro acusado. Vejamos seu depoimento prestado às fls. 49/50: '... Que" DIGUINHO "pediu ao interrogado para estacionar a motocicleta atrás da pracinha e esperá-lo com ela ligada e sem descer, pois iria ali e já voltava; QUE o interrogado permaneceu conforme orientação e em seguida ouviu os disparos que não sabe quantos foram; QUE logo" DIGUINHO "voltou correndo com a arma na mão e após guardá-la no bolso da jaqueta branca que usava subiu na motocicleta pedindo ao interrogado para ir logo; QUE sobre o crime" DIGUINHO "falou apenas que" tinha matado PATI porque estava atravessando o movimento (...) QUE este foi o único homicídio em que o interrogado teve participação... "E o adolescente" Keninha ", ouvido em sede policial, às fls. 30/31:"... QUANTO ao crime o declarante esclarece que estava no local dos fatos e viu quando HENRIQUE (ANTONIO REIS) apareceu de bicicleta e ao passar em frente a quadra de futebol, "ponto" onde "PATI" costumava ficar vendendo drogas, efetuou disparos em sua direção...' Cabe destacar também depoimento em juízo do investigador Magno Barreto Mendonça, às fls. 182: '... Que conseguiu localizar o menor e ele admitiu ter visto o crime, negou envolvimento e apontou Henrique como o responsável (...) Que Henrique também disse que o autor do crime foi Rodrigo...'"(e-STJ, fls. 58-61).

O Tribunal de Justiça, ao julgar o recurso de apelação, determinou que o paciente fosse submetido a novo júri em razão de a decisão dos jurados ser manifestamente contrária à prova dos autos, nos seguintes termos:"Apreciando detidamente as provas produzidas no caderno processual, tenho que a irresignação defensiva merece prosperar, eis que a decisão do Conselho de Sentença contrariou as provas dos autos. (...). Não há, portanto, exigibilidade de que a decisão dos juízes leigos se ampare na prova judicializada, bastando que esteja fundada em elementos de convicção existentes nos autos, seja na fase inquisitorial ou judicial. Contudo, no caso em tela, as provas contidas no caderno processual não são convergentes em demonstrar que o acusado RODRIGO MOTTA REIS teria participado do evento que ceifou a vida da vítima João Batista Brito da Silva. Importante destacar, que este entendimento decorre da análise das declarações prestadas pelo acusado Henrique Antônio Reis, perante o plenário de julgamento. Por oportuno, ressalto que diante dos jurados, ele confessou que, juntamente com o menor Kennedy Ribeiro, efetuou os disparos que vitimaram João Batista Brito da Silva, em razão de uma desavença ocorrida anteriormente, conforme consta de suas declarações, "in verbis": (...): que confirma em parte os fatos narrados na denúncia, esclarecendo que, em companhia de Kennedy, matou a vitima João Batista; que no dia 14 de março de 2009 estava abraçado à sua namorada Ana Paula, sentado num banco, em frente à casa de sua amiga Saionara, juntamente com Cristiana, quando "Paty" chegou perto do depoente e de Ana Paula e o chamou para conversar; que nesse momento a vitima disse ao depoente para que este se afastasse de Ana Paula, pois o mesmo entendia que ainda estava namorando com ela; que em seguida, foi ameaçado por João Batista, que a vitima era dona do tráfico na região; que disse que iria matá-lo; que o depoente disse que não acreditava; que, nesse momento, a vitima colocou a mão na cintura, pegou o revólver e efetuou disparos, mas que não atingiu nem o depoente nem Ana Paula, pois esta entrou na frente; em seguida o depoente fugiu de bicicleta; que na praça encontrou "Keninha", na época menor, que também tinha envolvimento com o tráfico; que "Keninha" disse ao interrogado para ficar perto dele, que lá não teria problema; que a vitima apareceu e colocou a mão na cintura; que, antes disso, "Keninha" havia lhe dado uma arma de fogo; que, no momento em que a vitima chegou na pracinha, colocou a mão na cintura, retirou o revólver, "Keninha" efetuou disparos em direção à vitima e o interrogado também efetuou disparos; que o interrogado efetuou três disparos; que acha que Kennedy efetuou dois disparos contra a vitima; que Rodrigo não esteve presente a nenhum momento da confusão entre o interrrogado e a vitima; (...); que não sabe informar se Kennedy tinha briga com João Batista; que o depoimento que deu na DHPP foi falso; que não estava de moto no dia do crime; que Rodrigo não teve qualquer envolvimento com o crime; que foram apenas o interrogado e Kennedy que mataram a vitima; que apanhou na DHPP para confessar, que não quis confessar espontaneamente na DHPP pois ficou com medo de ficar preso por muito tempo; que, em Juízo, em seu interrogatório, mentiu; (...); que não confirma o teor do interrogatório de fls. 177/178; (...). As perguntas dos Jurados assim respondeu: que nesta data está dizendo a verdade, nada omitindo acerca dos fatos. (...). (fls. 299/300) Corroborando suas declarações, transcrevo parte do depoimento de Cristiana Cândido da Cruz, onde confirma a desavença relatada, ao afirmar o seguinte: ...): que no dia dos fatos estava sentada em frente à casa de sua amiga Saionara, como de costume, momento em que Henrique chegou com sua namorada de bicicleta; que nesse momento chegou "Paty", a vitima; que Henrique estava com o braço no ombro de sua namorada, de nome Ana Pauta; que a vitima não gostou, que chamou Henrique para conversar; que começaram a conversar, a vitima se alterou e colocou a mão na cintura, que a colega da depoente e ela ficaram assustadas; que a vitima efetuou disparos de arma de fogo em direção a Henrique; que, apesar de a vitima ter efetuado disparos, nem Henrique nem Ana Paula foram atingidos; que logo depois, no sábado, por volta de cinco ou seis horas a vitima tinha morrido; que depois Henrique chegou na casa de Saionara assustado, pedindo uma blusa emprestada; que a respeito de Rodrigo a vitima soube que Rodrigo estava em sua casa comemorando o seu aniversário; que "Keninha" é amigo de Henrique; que os acusados são primos; que não viu Rodrigo em companhia de "Keninha"; (...). (fls. 296) Deste modo, pela análise das provas aqui demonstradas e contidas nos autos, há indicativos pela prova testemunhal de que o recorrente RODRIGO MOTTA REIS não teria participado do evento que ceifou a vida da vítima João Batista Brito da Silva, razão pela qual, em razão da dúvida existente, penso ser necessária a sua submissão a novo julgamento perante o Tribunal Popular do Júri de Vila Velha, para que um segundo Conselho de Sentença possa dirimir tal situação"(e-STJ, fls. 92-101). Com efeito, é cediço que, nos termos do art. 593, III, d, do CPP, o Tribunal de Justiça, quando verificar a existência de decisão manifestamente contrária à prova dos autos, pode cassar a decisão proferida e determinar que o acusado seja novamente submetido a julgamento, sem ofensa à garantia constitucional da soberania dos vereditos. Com acerto, o acórdão entendeu que a decisão do Júri encontra-se contrária à prova dos autos, determinando o novo julgamento do ora paciente. Porém, no presente caso, é preciso ir além, na medida em que a questão envolve admissibilidade da prova e não apenas sua conformidade aos fatos."Não se trata de asserir que a decisão é manifestamente contrária à prova dos autos, mas sim que a decisão não poderia ser proferida, por apoiar-se em indícios colhidos na fase inquisitorial, não confirmados ou corroborados em juízo"( REsp n. 1.932.774/AM, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021).

Ora, consoante se verifica dos autos, o paciente foi pronunciado com base no depoimento policial do corréu e no depoimento de um investigador de polícia, que, mesmo tendo se dado na fase judicial, trata-se de testemunho de ouvir dizer. Este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que a decisão de pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP e nem em testemunho indireto ou por"ouvir dizer"(hearsay testimony).

Nesse sentido: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM INDÍCIOS DO INQUÉRITO POLICIAL E TESTEMUNHO INDIRETO (HEARSAY TESTIMONY). INADMISSIBILIDADE. RECENTE ALTERAÇÃO NA JURISPRUDÊNCIA DESTE STJ. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. Conforme a orientação mais atual das duas Turmas integrantes da Terceira Seção deste STJ, a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP. 2. O testemunho indireto ou por" ouvir dizer "(hearsay testimony) não é apto a embasar a pronúncia. Precedentes. 3. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no HC n. 703.960/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 14/12/2021, DJe de 17/12/2021.) PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO. PRONÚNCIA FUNDADA EXCLUSIVAMENTE EM ELEMENTOS COLHIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL. DEPOIMENTOS INQUISITORIAIS E TESTEMUNHO INDIRETO (HEARSAY TESTIMONY). INADMISSIBILIDADE. ART. 155 DO CPP. ORIENTAÇÃO ATUAL. AGRAVO DESPROVIDO. 1. Não se desconhece que há o entendimento consolidado de que, na fase processual do judicium accusationis, eventual dúvida acerca da robustez dos elementos de prova resolve-se em favor da sociedade, consoante o princípio do in dubio pro societate. Ocorre, porém, que essa cognição vem sendo criticada por alguns doutrinadores, refletindo-se na jurisprudência, que ensina que, havendo dúvida quanto à materialidade delitiva ou em relação à existência de indícios suficientes de autoria ou de participação, deve prevalecer a presunção constitucional de inocência. 2. No caso, o Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso em Sentido Estrito, invocando o princípio do in dubio pro societate, entendeu que a pronúncia do paciente deveria ser mantida, muito embora tenha se calcado em depoimentos de testemunhas não ouvidas em juízo. 3. Demais disso, o testemunho indireto não autoriza a pronúncia, porque é mero depoimento de"ouvir dizer"- ou hearsay testimony, na expressão de língua inglesa -, que não tem a força necessária para submeter um indivíduo ao julgamento popular. 4. Dessa forma, conforme a orientação mais atual das duas Turmas integrantes da Terceira Seção deste STJ, a pronúncia não pode se fundamentar exclusivamente em elementos colhidos durante o inquérito policial, nos termos do art. 155 do CPP. 5. Agravo regimental desprovido. (AgRg no HC n. 729.002/RS, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 21/6/2022, DJe de 29/6/2022.)

Tal entendimento já foi inclusive extendido aos vereditos condenatórios do Tribunal do Júri. Confiram-se: PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. TRIBUNAL DO JÚRI. APLICABILIDADE DO ART. 155 DO CPP. DEPOIMENTO INDIRETO QUE NÃO É SUFICIENTE PARA SUSTENTAR A CONDENAÇÃO. ENTENDIMENTO RECENTEMENTE FIRMADO POR ESTA QUINTA TURMA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. O art. 155 do CPP, ao impedir que as condenações se baseiem somente em elementos colhidos durante o inquérito judicial, aplica-se também aos vereditos do tribunal do júri. Além disso, o testemunho indireto - ainda que produzido em juízo - não é suficiente para sustentar a condenação. Conclusões recentemente firmadas por esta Quinta Turma no julgamento do REsp 1.916.733/MG, de minha relatoria, julgado em 23/11/2021, DJe 29/11/2021. 2. Agravo regimental desprovido. ( AgRg no AREsp 1.923.674/RS, de minha relatoria Quinta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 21/2/2022.)

PENAL E PROCESSUAL PENAL. RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. QUALIFICADORAS FUNDADAS EXCLUSIVAMENTE EM DEPOIMENTO INDIRETO (HEARSAY) COLHIDO NA ESFERA POLICIAL. APLICABILIDADE DO ART. 155 DO CPP AOS VEREDITOS CONDENATÓRIOS DO TRIBUNAL DO JÚRI. PROPOSTA DE MUDANÇA DO ENTENDIMENTO DESTE STJ. RECURSO ESPECIAL PROVIDO, PARA SUBMETER O RÉU A NOVO JÚRI. 1. Consoante o entendimento atual da Quinta e Sexta Turmas deste STJ, o art. 155 do CPP não se aplica aos vereditos do tribunal do júri. Isso porque, tendo em vista o sistema de convicção íntima que rege seus julgamentos, seria inviável aferir quais provas motivaram a condenação. Tal compreensão, todavia, encontra-se em contradição com novas orientações jurisprudenciais consolidadas neste colegiado no ano de 2021. 2. No HC 560.552/RS, a Quinta Turma decidiu que o art. 155 do CPP incide também sobre a pronúncia. Dessarte, recusar a incidência do referido dispositivo aos vereditos condenatórios equivaleria, na prática, a exigir um standard probatório mais rígido para a admissão da acusação do que aquele aplicável a uma condenação definitiva. 3. Não há produção de prova, mas somente coleta de elementos informativos, durante o inquérito policial. Prova é aquela produzida no processo judicial, sob o crivo do contraditório, e assim capaz de oferecer maior segurança na reconstrução histórica dos fatos. 4. Consoante o entendimento firmado no julgamento do AREsp 1.803.562/CE, embora os jurados não precisem motivar suas decisões, os Tribunais locais - quando confrontados com apelações defensivas - precisam fazê-lo, indicando se existem provas capazes de demonstrar cada elemento essencial do crime. 5. Se o Tribunal não identificar nenhuma prova judicializada sobre determinado elemento essencial do crime, mas somente indícios oriundos do inquérito policial, há duas situações possíveis: ou o aresto é omisso, por deixar de analisar uma prova relevante, ou tal prova realmente não existe, o que viola o art. 155 do CPP. 6. No presente caso, conforme o levantamento do TJ/MG, as qualificadoras do art. 121, § 2º, I e IV, do CP se fundamentam apenas em um testemunho indireto (hearsay testimony), colhido no inquérito policial. Contrariedade ao art. 155 do CPP configurada. 7. Recurso especial provido, para cassar a sentença e submeter o recorrente a novo júri. ( REsp 1.916.733/MG, de minha relatoria, Quinta Turma, julgado em 23/11/2021, DJe de 29/11/2021.)

Assim, no presente caso, além de não haver prova idônea para fundamentar a decisão dos jurados, até porque todos os depoimentos na sessão plenária foi no sentido de que o paciente não teria participado do homícídio em questão, também não havia indícios suficientes de autoria a fundamentar a decisão de pronúncia, na medida em que baseada exclusivamente em elementos inquisitoriais e em um único depoimento judicial de ouvir dizer.

Dessarte, diante de tais premissas, entende-se que a solução mais correta para o presente caso não seria somente desconstituir o julgamento do Conselho de sentença, mas anular o processo desde a decisão de pronúncia, tendo em vista a ofensa ao art. 155 do CPP. Confira-se o seguinte julgado:

RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO. SÚMULA N. 284 DO STF. DISPOSITIVO APONTADO COMO VIOLADO DISSOCIADO DAS RAZÕES RECURSAIS. TRIBUNAL DO JÚRI. ART. 593, III, D, e § 3º, DO CPP. AUSÊNCIA DE PROVAS JUDICIALIZADAS PARA SUSTENTAR A AUTORIA. ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO EXCLUSIVAMENTE PRODUZIDOS NO INQUÉRITO POLICIAL. ART. 155 DO CPP VIOLADO. PRONÚNCIA INCABÍVEL. RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E PROVIDO. 1. Não há como conhecer do especial em que a parte aponta como violado dispositivo legal com conteúdo normativo dissociado da tese formulada nas razões recursais, por desdobramento da Súmula n. 284 do STF. Na espécie, a defesa indicou a infringência do art. 3º-A do CPP - o qual reforça o princípio acusatório no processo penal -, mas sustentou que a decisão dos jurados não encontra respaldo nos autos, ante a ausência de prova judicializada que comprove a versão do Ministério Público, matéria que não se relaciona à afronta do referido preceito legal. Assim, não há como conhecer integralmente do recurso. 2. O recente entendimento adotado pela Sexta Turma do STJ, firmado com observância da atual orientação do Supremo Tribunal Federal, é de que não se pode admitir a pronúncia do réu, dada a sua carga decisória, sem qualquer lastro probatório produzido em juízo, fundamentada exclusivamente em elementos informativos colhidos na fase inquisitorial. 3. Na hipótese, o ora recorrente foi pronunciado e condenado por homicídio, mas o único elemento dos autos que corrobora a tese acusatória acerca da autoria é um depoimento colhido na fase de inquérito. Em juízo, tanto na primeira quanto na segunda fase do procedimento do Tribunal do Júri, essa testemunha não foi ouvida e nenhum outro depoimento se produziu. Além disso, o acusado, em seu interrogatório, negou as imputações feitas a ele. 4. A constatação de evidente vulneração ao devido processo legal, a incidir na inobservância dos direitos e das garantias fundamentais, habilita o reconhecimento judicial da patente ilegalidade, sobretudo quando ela enseja reflexos no próprio título condenatório. A decisão de pronúncia foi manifestamente despida de legitimidade, sobretudo porque, na espécie, o réu foi submetido a julgamento perante o Tribunal do Júri com base exclusivamente em elementos informativos produzidos no inquérito e não confirmados em juízo. 5. A solução mais acertada para o presente caso é não apenas desconstituir o julgamento pelo Conselho de Sentença, como também anular o processo desde a decisão de pronúncia - pois não havia como submeter o recorrente ao Tribunal do Júri com base em uma declaração colhida no inquérito policial e não corroborada em juízo - e impronunciar o acusado. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e provido, a fim de anular o processo desde a decisão de pronúncia e impronunciar o recorrente. ( REsp n. 1.932.774/AM, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 24/8/2021, DJe de 30/8/2021.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Contudo, concedo a ordem de ofício para anular o processo desde a decisão de pronúncia e impronunciar Rodrigo Motta Reis. Publique-se. Intime-se Brasília, 27 de julho de 2022. Ministro Ribeiro Dantas Relator

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(STJ - HC: 746422 ES 2022/0167135-0, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 02/08/2022)

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