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30 de Abril de 2024

STJ Fev 23 - Trancamento de Ação Penal em Estupro de Vulnerável

ano passado

Decisão Monocrática

RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 174218 - RS (2022/0385102-0)

DECISÃO

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus , com pedido liminar, interposto por A. F. DE. M. e R. A. R. contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul que denegou a ordem postulada no HC n. 5207657- 45.2022.8.21.7000.

Depreende-se dos autos que os recorrentes, juntamente com outros três indivíduos, foram denunciados pela prática, em tese, do delito previsto no art. 217-A, c/c o art. 226, inciso II, 61, inciso II, alíneas f e h, do Código Penal (e-STJ fls. 5/14).

Em 26/4/2022, a denúncia foi recebida pelo Juízo da 2a Vara Criminal da Comarca de Vacaria/RS, nos autos da Ação Penal n. 5003713-50.2022.8.21.0038 (e-STJ fls. 17/18 - Apenso 1).

Irresignada, a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, impetrou habeas corpus perante a Corte local, pleiteando o trancamento da ação penal, sob a alegação de ausência de justa causa para a propositura da ação penal, visto que o Ministério Público requereu, por meio da petição de réplica, a absolvição sumária dos pacientes e corréus, uma vez que não ficou configurado o tipo penal, ante a ausência de materialidade (e-STJ fl. 51).

No entanto, em sessão virtual de julgamento realizada no dia 11/11/2022, a 5a Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, por unanimidade, denegou a ordem, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 64):

HABEAS CORPUS. CÓDIGO PENAL. CRIMES CONTRA A DIGNIDADE SEXUAL. ART. 217-A, C/C ART. 226, INC. II. ESTUPRO DE VULNERÁVEL MAJORADO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. O trancamento da ação penal mediante ‘habeas corpus’ é medida excepcional, sendo somente admissível quando da demonstração inquestionável da ausência de justa causa para a ação penal. Para o início da ação penal bastam indicativos confiáveis, em relação ao fato e autoria, enquanto as demais alegações serão analisadas posteriormente, não cabendo debate aprofundado acerca da prova em sede de ‘habeas corpus’. Denúncia que descreve fato típico, havendo elementos indicativos da existência do fato e da autoria e possibilitando tranquilamente o exercício da defesa. E por demais sabido que, nos crimes sexuais, nem sempre restam vestígios, nem sempre há um resultado visível, e a existência dos fatos poderá ser aferida por outros meios de prova. ORDEM DENEGADA. UNÂNIME.

Daí o presente recurso ordinário, no qual a Defensoria Pública do Estado do Rio Grande do Sul, renovando os argumentos contidos no writ originário, insiste no pedido de trancamento da ação penal, sob a alegação de ausência de justa causa para a ação penal por ausência de prova da materialidade delitiva.

Segundo a inicial, Após ciência das defesas, o Ministério Público exarou parecer requerendo absolvição sumária dos réus com base no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal. Referiu, em síntese: "[...] Diante dessas hipóteses, especialmente em razão dos laudos apresentados, constata-se que o fato narrado não constitui crime. Ao que se verifica, a partir dos elementos coligados, ao que parece, tudo não passou de invenções criadas pela menina, não se sabendo com que intenção, salientando-se, aqui, ser a infante acometida por doença psíquica compatível com (TDAH). Assim sendo, não há provas de que abusos tenham ocorrido, ou seja, não há suporte à pretensão condenatória, pelo contrário. Nessa toada, o fato telado evidentemente não constitui crime, devendo ser reconhecida a atipicidade da conduta delituosa, impondo-se a absolvição sumária dos agentes. [...]" (evento n. 97 - réplica1) (e-STJ fl. 77).

Assim, sustenta que, mesmo após o pedido de absolvição sumária apresentado pelo Ministério Público, titular da ação penal, que se embasou no laudo pericial apresentado nos autos, a magistrada singular, violando o sistema acusatório, entendeu que a ação penal deve ter prosseguimento.

Ao final, pugna, liminarmente, pela suspensão dos efeitos do acórdão ora impugnado, até o julgamento definitivo deste recurso ordinário. No mérito, requer seja provido o presente recurso para trancar a ação penal.

O pedido liminar foi indeferido (e-STJ fls. 99/101).

As informações foram prestadas pelo Juízo da 2a Vara Criminal da Comarca de Vacaria/RS (e-STJ fls. 105/135 e 136/138).

O Ministério Público Federal opinou pelo provimento deste recurso ordinário, em parecer assim ementado (e-STJ fl. 143):

PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. ESTUPRO DE VULNERÁVEL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA

PARECER PELO PROVIMENTO DO RECURSO.

É o relatório. Decido.

Busca-se, no presente recurso ordinário, o trancamento da Ação Penal n. 5003713-50.2022.8.21.0038 ante a ausência de justa causa para o prosseguimento do feito por ausência de prova da materialidade delitiva, especialmente diante do laudo pericial no sentido de que não foram identificados indícios de a vítima ter sido abusada sexualmente, nem fisicamente, o que culminou no pedido do Ministério Público Estadual de absolvição sumária dos réus.

Como é de conhecimento, segundo a pacífica jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, somente é cabível o trancamento da persecução penal por meio do habeas corpus quando houver comprovação, de plano, da ausência de justa causa, seja em razão da atipicidade da conduta praticada pelo acusado, seja pela ausência de indícios de autoria e materialidade delitiva, ou, ainda, pela incidência de causa de extinção da punibilidade.

Rememorando o caso dos autos, verifica-se que os recorrentes foram denunciados, juntamente com outros três indivíduos, pela suposta prática do crime de estupro de vulnerável.

Ocorre que o Parquet , após a juntada das avaliações psíquicas da vítima, requereu a absolvição sumária dos réus por entender que os laudos periciais juntados aos autos não confirmam a ocorrência dos crimes imputados aos réus.

Confira-se (e-STJ fls. 200/204 - Apenso 1):

Analisando o presente feito, verifica-se ser o caso de absolvição sumáriados réus, vez que não há materialidade do delito imputado aos réus.

Preambularmente, quando os autos do Inquérito Policial n.316/2021/152706- A, oriundo da DPCA - Delegacia de Polícia da Criança e Adolescente de Vacaria/RS, distribuído sob nº 5003556-77.2022.8.21.0038º 235/2017/151601/A, foram remetidos à Promotoria de Justiça de Vacaria, tinha-se um panorama de elementos de convicção que reclamavam a propositura da ação penal, tendo em conta que os depoimentos das testemunhas e outros elementos evidenciavam todas as circunstâncias do delito e conferia indicativos da autoria da infração penal.

Nesse contexto, e impelido pelo dever/poder constitucional que confere a exclusividade para a promoção da ação penal pública, outra não era a atitude esperada senão o oferecimento da denúncia, até porque suficientemente caracterizada a justa causa para tanto.

Ocorre que, após uma analise detida dos documentos juntados pelo próprio Parquet, em diligência realizada por este órgão de execução, notadamente Laudo IGP e outros, constatou-se ausência da indispensável segurança para dar suporte à pretensão condenatória, isto é, fragilidade acerca da materialidade descrita na denúncia.

Ora, consoante análise do Laudo Pericial n. 146550/2022, juntado no EVENTO 79, o qual foi realizado a fim de atestar a existência ou não de sequelas compatíveis com as normalmente resultadas de delitos contra a dignidade sexual, este foi peremptório ao concluir que "não foram identificados indícios de ter sido abusada sexualmente, nem fisicamente". Melhor explicando, atentando-se ao Laudo Psicológico, constata-se oque segue.

[...]

5. Conclusão. A partir da entrevista e da avaliação psíquica realizadas, informa-se que não foram identificados indícios de ter sido abusada sexualmente, nem fisicamente.

[...]

Por sua vez, no Atestado emitido em 23 de março de 2022, consta que

[...]

Por fim, no Relatório Pedagógico, apresentado pela Professora XXXXXXXX consta:

[...]

Nesse contexto, conforme narra o Código de Processo Penal, para que o réu seja absolvido sumariamente, é necessário haver nos autos alguma das hipóteses ali elencadas. Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:

[...]

Diante dessas hipóteses, especialmente em razão dos laudos apresentados, constata-se que o fato narrado não constitui crime. Ao que se verifica, a partir dos elementos coligidos, ao que parece, tudo não passou de invenções criadas pela menina, não se sabendo com que intenção, salientando-se, aqui, ser a infante acometida por doença psíquica compatível com (TDAH). Assim sendo, não há provas de que abusos tenham ocorrido, ou seja, não há suporte à pretensão condenatória, pelo contrário. Nessa toada, o fato telado evidentemente não constitui crime, devendo ser reconhecida a atipicidade da conduta delituosa, impondo-se a absolvição sumária dos agentes. - negritei.

Todavia, o Juízo de primeiro grau decidiu pelo prosseguimento do feito, destacando que a análise do fato será aquilatada no decurso da instrução criminal (e-STJ fls. 207/208 - Apenso 1).

Por sua vez, o Tribunal de origem ratificou a fundamentação do Juízo singular e denegou a ordem lá impetrada, sob os seguintes fundamentos (e-STJ fls. 51/62):

Essa a decisão que recebeu a denúncia (ausentes abreviaturas no original):

Vistos.

RECEBO A DENÚNCIA, uma vez que há prova da materialidade e indícios da autoria, além de preenchidos os requisitos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Citem-se os acusados para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos do art. 396, caput, do Código de Processo Penal.

Outrossim, quando do cumprimento do mandado de citação, considerando o quadro atual da pandemia pela COVID-19, e as dificuldades enfrentadas para o cumprimento presencial dos atos, deverá o Oficial de Justiça, caso proceda a citação por meio eletrônico (whatsapp), atentar para os requisitos mínimos estabelecidos na recente decisão proferida pela 5a Turma do Superior Tribunal de Justiça, nos autos do HC nº 641877/DF para efetivação do ato, visando evitar futura arguição de nulidade.

Não apresentadas as defesas no prazo legal, desde logo nomeio aos réus a representante da Defensoria Pública local para atuar no feito, a qual deverá ser intimada para apresentar a resposta à acusação.

Ainda, acolho a promoção ministerial e imprimo ao presente o trâmite prioritário, bem como decreto o SIGILO do presente feito, o qual deverá tramitar com sigilo nº 2.

Oportunamente, quando da instrução processual, serão observados os demais requerimentos efetuados nos itens a, b e d.

Outrossim, acolho a representação ministerial e, a fim de proteger a ofendida e resguardar-lhe a integridade física, psíquica e moral, concedo as medidas protetivas requeridas: de restrição de qualquer tipo de contato ou comunicação do acusado XXXXXXXXXXXXX., com a ofendida, menor de idade, XXXXXXXXX. e sua genitora XXXXXXXXXXXX., seja pessoal ou por telefone, inclusive mensagens, guardando distância mínima de 300m, bem como proibição do acusado ausentar-se da Comarca onde reside durante o trâmite processual, sem autorização judicial e prévia comunicação ao juízo, tudo sob pena de ser decretada a prisão preventiva. Comuniquem-se as autoridades policiais, solicitando-se aos Conselhos Tutelares de Esmeralda/RS e Muitos Capões/RS a fiscalização das medidas cautelares retro deferidas, servindo cópia deste como ofício, se necessário. Intimem-se, as partes, pelo OJ plantonista.

D. L. E a decisão atacada (ausentes abreviaturas no original):

Vistos.

Os réus XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX, citados, apresentaram resposta à acusação.

O Ministério Público opinou pela absolvição sumária dos réus.

Analisando os autos, não vislumbro nenhuma das hipóteses elencadas no art. 397 do Código de Processo Penal, não se apresentando a possibilidade de ser sumariamente absolvidos os acusados.

Para o recebimento da denúncia e prosseguimento do feito, bastam indícios de autoria e prova da materialidade, o que se verifica no presente feito, seja pelo contido no Boletim de Ocorrência, sejam pelos depoimentos colhidos perante a autoridade policial.

Desta forma, resta afastada, inclusive, a preliminar de ausência de justa causa, a qual foi devidamente sopesada pelo juízo quando do recebimento da peça acusatória.

Ainda, em que pese a promoção ministerial (E97), considerando os indícios iniciais, tanto que recebida a denúncia pelo Juízo, não obstante o laudo pericial apresentado nos autos, há que ser instruído o feito.

Cabe acrescentar, ainda, que a análise do fato efetivamente ocorrido e sua veracidade será aquilatada no decurso da instrução, após oportunizada à defesa e à acusação a apresentação de todas as provas em direito permitidas, a fim de formar a convicção do Juízo, o que demanda maior dilação probatória e o aprazamento de audiência instrutória.

Assim, aguarde-se, em Cartório, a disponibilidade de pauta deste juízo para o prosseguimento do feito.

Por fim, diante do laudo pericial juntado aos autos, resta prejudicado o requerimento efetuado pela defesa dos réus XXXXXXXXXXXXXXX, quanto à realização de exame médico pericial na vítima (E60, E61 e E62).

Ainda, quanto ao requerimento de escuta especializada da vítima, será oportunamente realizado pelo Juízo, quando da instrução do feito.

Intimem-se.

D. L. [...] Aos pacientes é imputada a prática do delito de estupro de vulnerável. Assim

narra a denúncia:

1º Fato

Em data e horário não perfeitamente apurados no expediente policial, porém no período compreendido entre meados de 2020 e o início do mês de setembro de 2021, na residência onde habitava a família da ofendida, em Muitos Capões/RS, o denunciado XXXXXXXXXXXXX. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com XXXXXXXXXX , então com a idade entre 08 (oito) e 09 (nove) anos No interregno acima informado, em pelo menos duas oportunidades, valendo-se das ocasiões em que ficava a sós com a vítima, o denunciado colocou a mão sob as vestes da ofendida e introduziu o dedo no introito e no canal vaginal da vítima, estimulando-a eroticamente. O denunciado também falava obscenidades à vítima, dizendo que quando ela fosse adulta manteria com ela relações sexuais. O denunciado é padrinho da vítima e tinha autoridade sobre ela, sendo, ainda, seu preceptor. O denunciado é "tio afetivo" da vítima3 . O delito foi cometido contra criança e prevalecendo-se o autor das relações domésticas e de hospitalidade. 2º Fato

Em data e horário não perfeitamente apurados no expediente policial, porém no período compreendido entre meados de 2020 e o início do mês de setembro de 2021,em residência limítrofe no local onde habitava a família da ofendida, em Muitos Capões/RS, o denunciado XXXXXX. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com XXXXXXXXXX, então com a idade entre 08 (oito) e 09 (nove) anos. No interregno acima informado, em pelo menos duas oportunidades, o denunciado, valendo-se de ocasião em que a vítima esteve em sua residência, levou-a para o quarto, a despiu e passou a tocá-la com o pênis nos introitos vaginal e anal, fazendo gesto característico de relação sexual, porém sem penetrar a vítima. Em uma segunda oportunidade, o denunciado levou a vítima para a garagem, local onde a despiu e fez a vítima deitar de bruços no piso e novamente a tocou lascivamente como pênis na região anal, fazendo movimentos característicos de relação sexual, porém sem penetrar a ofendida. O denunciado também ejaculou à vista da vítima. O denunciado é irmão do padrasto da vítima4 e tinha autoridade sobre ela, sendo, ainda, seu preceptor. O delito foi cometido contra criança e prevalecendo-se o autor das relações domésticas e de hospitalidade.

3º Fato

No dia 25 de dezembro de 2020, XXXXXXXXXX, o denunciado XXXXXXXXXX. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com XXXXXXXXX., então com a idade de 08 (oito) anos. No interregno acima informado, em pelo menos uma oportunidade, o denunciado levou a vítima para supostamente verem as ovelhas que são criadas nas proximidades, ocasião em que pôs a ofendida deitada de bruços e introduziu o pênis no introito anal, passando a realizar movimentos característicos de relação sexual. O denunciado também ejaculou no corpo da vítima, porém fora do introito anal. O denunciado é tio afetivo da vítima5 e tinha autoridade sobre ela, sendo, ainda, seu preceptor. O delito foi cometido contra criança e prevalecendo-se o autor das relações domésticas e de hospitalidade.

4º Fato

Em data e horário não perfeitamente apurados no expediente policial, porém no período compreendido entre meados de 2020 e o início do mês de setembro de 2021, em residência limítrofe no local onde habitava a família da ofendida, na localidade denominada Extrema, em Esmeralda/RS, o denunciado XXXXXXXXXX praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal comXXXXXXXXXXXXXX, então com a idade entre 08 (oito) e 09 (nove) anos. No interregno acima informado, em pelo menos uma oportunidade, o denunciado, valendo-se que a vítima esteve em sua residência para pedir um copo de água, levou-a para o quarto, a despiu e passou a tocá-la com o pênis no introito vaginal, fazendo gesto característico de relação sexual, porém sem penetrar a vítima. O denunciado também beijou a vítima lascivamente na boca. O delito foi cometido contra criança e prevalecendo-se o autor das relações domésticas e de hospitalidade, eis que o padrasto da vítima, referido como "Carlinhos", estava construindo uma cerca nas imediações.

5º Fato

Em data e horário não perfeitamente apurados no expediente policial, porém no período compreendido entre meados de 2020 e o início do mês de setembro de 2021,em residência limítrofe no local onde habitava a família da ofendida, em Muitos Capões/RS, o denunciado XXXXXXXXXX. praticou ato libidinoso diverso da conjunção carnal com XXXXXXXXXXXX, então com a idade entre 08 (oito) e 09 (nove) anos. No interregno acima informado, em pelo menos duas oportunidades, o denunciado, valendo-se de ocasião em que ficou a sós com a vítima, levou-a para o quarto, a despiu e passou a tocá-la com o pênis no introito anal, fazendo gesto característico de relação sexual, porém sem penetrar a vítima. O denunciado também praticou o mesmo fato, tocando lascivamente com o pênis na região anal da vítima, porém na garagem da residência. O denunciado é tio afetivo da vítima6 e tinha autoridade sobre ela, sendo, ainda, seu preceptor. O delito foi cometido contra criança e prevalecendo-se o autor das relações domésticas e de hospitalidade.

Com efeito, o trancamento da ação penal mediante habeas corpus é medida excepcional, sendo somente admissível quando demonstrada de forma inquestionável a ausência de justa causa para a ação penal.

O relatório final da Autoridade Policial expõe detidamente a investigação da prática dos delitos de estupro de vulnerável que gerou a referida denúncia (IP

n. 5003556-77.2022.8.21.0038, Evento 2, REL_FINAL_IPL1, fl. 1). A motivação, baseada no fato de haver indícios da existência do fato e da

autoria, é o bastante para que a ação penal seja iniciada.

Nesse sentido:

[...]

Veja-se que, já em um primeiro momento, o Juiz poderá deixar de receber a denúncia (embora o Código tenha utilizado a expressão rejeitar), quando entender que ela é inepta.

Desde 2008 dispõe o Código de Processo Penal:

"Art. 395. A denúncia ou queixa será rejeitada quando:

I - for manifestamente inepta;

II - faltar pressuposto processual ou condição para o exercício da ação penal; ou

III - faltar justa causa para o exercício da ação penal." - grifei De dizer, apenas de passagem, que o reconhecimento de inépcia da inicial

não impede o oferecimento de nova denúncia.

E ainda, o próprio Juiz, mesmo sem resistência - ainda - da parte interessada, poderá fulminar a ação penal.

Mas, uma vez superado este primeiro momento, será determinada a citação e, na sequência, vem a oportunidade para a defesa preliminar.

Também está no Código, desde 2008:

"Art. 396. Nos procedimentos ordinário e sumário, oferecida a denúncia ou queixa, o juiz, se não a rejeitar liminarmente, recebê-la-á e ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias.

Parágrafo único. No caso de citação por edital, o prazo para a defesa começará afluir a partir do comparecimento pessoal do acusado ou do defensor constituído.

Art. 396-A. Na resposta, o acusado poderá argüir preliminares e alegar tudo o que interesse à sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, qualificando- as e requerendo sua intimação, quando necessário.

§ 1º A exceção será processada em apartado, nos termos dos arts. 95 a 112 deste Código.

§ 2º Não apresentada a resposta no prazo legal, ou se o acusado, citado, não constituir defensor, o juiz nomeará defensor para oferecê- la, concedendo-lhe vista dos autos por 10 (dez) dias." - grifei

E no presente caso por meio de réplica o Ministério Público requereu a absolvição sumária dos pacientes, com fundamento no art. 397, inciso III, do Código de Processo Penal, uma vez juntadas as avaliações psíquicas da vítima não dão suporte à pretensão condenatória, ou seja, o tipo penal previsto no art. 217-A do Código Penal não ficou configurado.

No entanto, como bem destacado pelo Douto Procurador de Justiça a decisão do Juízo de origem pelo prosseguimento da ação penal está amparada em expressa disposição legal:

Art. 385. Nos crimes de ação pública, o juiz poderá proferir sentença condenatória, ainda que o Ministério Público tenha opinado pela absolvição, bem como reconhecer agravantes, embora nenhuma tenha sido alegada.

O que afasta o apontado constrangimento ilegal, e, portanto, bastam indicativos confiáveis, em relação ao fato e autoria, e as demais alegações serão analisadas posteriormente, não cabendo debate aprofundado acerca da prova em sede de habeas corpus, evitando análise antecipada do mérito da causa e, consequentemente, supressão de instância.

Por isso, a pretensão de trancamento da ação penal mostra-se precipitada, uma vez quetanto se admite apenas quando evidente o excesso de acusação, e este não é o caso dos autos.

Possível perceber que a denúncia, seguida pelo aditamento, descreve fato típico, havendo elementos indicativos da existência do fato e da autoria, possibilitando tranquilamente o exercício da defesa.

Válido acrescentar, ainda, que o tipo penal do art. 217-A, da mesma forma que o art. 213 e seu § 1º, com a nova redação, reuniu os elementos constitutivos dos antigos crimes dos artigos 213 e 214, e tanto as antigas como as novas figura penais dispensam resultado material, pois nem sempre deixam vestigios, e a existência dos fatos, suas características e eventual resultado, visível ou não, poderão ser aferidos pela prova oral.

Assim, a inicial acusatória está ancorada no mínimo necessário para o desenvolvimento da ação penal e a devida instrução do feito.

- CONCLUSÃO.

Voto por denegar a ordem. - negritei.

Pois bem.

Como é de conhecimento, por expressa disposição constitucional (art. 129, I, da CF/88), o ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema penal acusatório, marcado pela clara separação entre as funções de acusar (Ministério Público) e julgar (magistrado), a fim de manter a garantia da imparcialidade do julgador que deve se abster de praticar funções típicas da acusação.

Inclusive, tal entendimento foi reforçado pela redação do art. 3º-A do CPP (incluído pela Lei n. 13.964/2019), segundo a qual: O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.

Não se desconhece que tal dispositivo está com a sua eficácia suspensa em razão da decisão proferida pelo e. Ministro Luiz Fux, nos autos das ADIs 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305, no entanto, isso não resulta no afastamento do sistema penal acusatório, o qual, como dito, já estava previsto por força constitucional.

Noutras palavras, a referida decisão não buscou afastar esse reforço ao sistema acusatório, mas suspender a implantação do juiz das garantias e seus consectários, eis que tal figura, na visão do e. Ministro, geraria mudanças estruturais no Poder Judiciário, cujos impactos demandariam maior reflexão.

A propósito, confira-se o recente julgado da Quinta Turma desta Corte Superior, que decidiu pela impossibilidade de o juiz condenar o réu diante de pedido de absolvição do Ministério Público na origem, sob pena de violação do sistema acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PENAL. PROCESSUAL PENAL. INTIMAÇÃO DO ADVOGADO CONSTITUÍDO. REGULARIDADE DO ATO PROCESSUAL. ART. 337-A, III, DO CÓDIGO PENAL. DELITO DE NATUREZA MATERIAL. MERA INADIMPLÊNCIA TRIBUTÁRIA. NÃO CONFIGURAÇÃO DO CRIME DE SONEGAÇÃO. DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO TRIBUTÁRIA ACESSÓRIA. NÃO CARACTERIZAÇÃO DO CRIME DO ART. 337-A DO CP. MONOPÓLIO DA AÇÃO PENAL PÚBLICA. TITULARIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. PEDIDO MINISTERIAL DE ABSOLVIÇÃO. NECESSÁRIO ACOLHIMENTO. ART. 3º-A do CPP. OFENSA AO PRINCÍPIO

ACUSATÓRIO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. Reputa-se válida a publicação dirigida a um dos advogados constituídos, quando ausente requerimento de intimação exclusiva.

2. O delito de sonegação de contribuições previdenciárias, previsto no art. 337-A do CP é de natureza material, consiste na efetiva supressão ou omissão de valor de contribuição social previdenciária, não sendo criminalizada a mera inadimplência tributária.

3. O descumprimento de obrigação tributária acessória, prevista no inciso III do art. 337-A do CP, por omissão ao dever de prestar informações, sem demonstração da efetiva supressão ou omissão do tributo, não configura o crime previsto no caput do art. 337-A do CP. 4. Nos termos do art. 129, I, da Constituição Federal, incumbe ao Ministério Público o monopólio da titularidade da ação penal pública. 5. Tendo o Ministério Público, titular da ação penal pública, pedido a absolvição do réu, não cabe ao juízo a quo julgar procedente a acusação, sob pena de violação do princípio acusatório, previsto no art. 3º-A do CPP, que impõe estrita separação entre as funções de acusar e julgar.

6. Agravo regimental desprovido. Ordem concedida de ofício para anular o processo após as alegações finais apresentadas pelas partes.

( AgRg no AREsp n. 1.940.726/RO, relator Ministro Jesuíno Rissato (Desembargador Convocado do TJDFT), relator para acórdão Ministro João Otávio de Noronha, Quinta Turma, julgado em 6/9/2022, DJe de 4/10/2022.) - negritei.

No caso em exame, conforme foi dito, o Ministério Público, órgão titular da opinio delicti , requereu, com base em prova técnica, a absolvição sumária dos recorrentes e dos demais corréus, diante da ausência de materialidade delitiva.

Nesse diapasão, observa-se que o titular da ação penal está, de forma indireta, retirando a acusação, sem a qual o juiz não pode promover decreto condenatório, sob pena de acusar e julgar simultaneamente.

Assim, a despeito do oferecimento da denúncia (e seu recebimento), constatado que o representante do Parquet manifestou-se pela absolvição sumária dos réus, esclarecendo que a denúncia não tem mais razão de ser, não se tem a figura da acusação no processo, a qual foi indevidamente assumida pelo Juízo de primeiro grau ao determinar o prosseguimento do feito na origem, o que, conforme o alegado pela combativa Defensoria Pública, caracteriza a subversão do sistema acusatório.

Nesse sentido, confira-se a manifestação do representante do Ministério Público Federal, que opinou pelo provimento deste recurso em habeas corpus , a qual agrego ao presente, como razões de decidir (e-STJ fls. 143/144):

[...]

Assiste razão aos recorrentes.

Conforme colocado pelo Ministério Público Estadual em sua manifestação estamos diante de um caso de "absolvição sumária dos réus, vez que não há materialidade do delito imputado aos réus" (e-STJ Fl. 200).

Importante destacar que do próprio Laudo Pericial, que "A partir da entrevista e da avaliação psíquica realizadas, informa-se que não foram identificados indícios de ter sido abusada sexualmente, nem fisicamente." (e- STJ Fl. 112)

Ademais, no intuito de se evitar inconveniente tautologia, reporto-me ao seguinte trecho da manifestação ministerial, o qual adoto em sua integralidade, verbis:

"Assim sendo, não há provas de que abusos tenham ocorrido, ou seja, não há suporte à pretensão condenatória, pelo contrário.

Nessa toada, o fato telado evidentemente não constitui crime, devendo ser reconhecida a atipicidade da conduta delituosa, impondo-se a absolvição sumária dos agentes. Dessa forma, o tipo penal previsto no art. 217-A do Código Penal não restou configurado, por ausência da efetiva materialidade, sendo, então, a absolvição sumária dos acusados a medida cabível, conforme estabelece o art. 397, III, do CPP"(e-STJ Fl. 204).

Ante o exposto, manifesta-se o Ministério Público Federal pelo provimento do recurso em habeas corpus.

Por conseguinte, visualizo a existência do constrangimento ilegal a que estão submetidos os recorrentes, bem como os demais corréus, em razão da ausência de justa causa pela falta de prova da materialidade delitiva, bem como pelo desinteresse do órgão ministerial em dar prosseguimento ao feito, motivo pelo qual impõe-se o provimento deste recurso ordinário a fim de trancar a ação penal em tela.

Ante o exposto, dou provimento ao presente recurso ordinário para determinar o trancamento da Ação Penal n. 5003713-50.2022.8.21.0038/RS, em curso perante o Juízo da 2a Vara Criminal da Comarca de Vacaria/RS.

Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de origem e ao Juízo de primeiro grau, encaminhando-lhes o inteiro teor desta decisão.

Cientifique-se o Ministério Público Federal.

Intimem-se.

Brasília, 25 de janeiro de 2023.

Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA

Relator

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(STJ - RHC: 174218 RS 2022/0385102-0, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 27/01/2023)

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