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17 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJGO • XXXXX-91.2019.8.09.0006 • Anápolis - 1ª Vara de Família e Sucessões do Tribunal de Justiça de Goiás - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de Goiás
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Anápolis - 1ª Vara de Família e Sucessões

Juiz

MARIANNA AZEVEDO LIMA SILOTO - (JUIZ 1º GRAU)

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-GO__51666219120198090006_d4dfe.pdf
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______________________

Autos Virtuais nº XXXXX-91.2019.8.09.0006

S E N T E N Ç A

1. RELATÓRIO

Trata-se de Ação de Anulação de Testamento proposta por Eunice Karla do Monte Beirão, Ronald do Monte Beirão, Ricardo Anderson do Monte Beirão e Adalberto Dias Beirão Júnior em desfavor de Nair Moreira dos Santos, Stan Manoel Beirão Senna, Aline Milhomem e Alan Ricardo Milhomem, todos devidamente qualificados nos autos.

Alegam os autores, em síntese, que no ano de 2017, o genitor dos requerentes, Sr. Adalberto Dias Beirão, encontrava-se gravemente enfermo, com problemas de visão e sem o discernimento necessário para a prática dos atos de vida civil, sendo, portanto, à época, incapaz de testar dispondo de seu patrimônio ou reconhecendo pessoas como seus filhos.

Aduzem que, mesmo com tal incapacidade, foi lavrada, perante as notas do Cartório do 1º Ofício de Anápolis, no livro 0005, fls. 43f/43v, uma escritura pública de testamento dispondo de parte de seu patrimônio, a título de legado, ao seu sobrinho e legatário, Sr. Stan Manuel Beirão Senna, e, na oportunidade, reconhecendo como seus filhos legítimos a Sra. Aline Milhomem e o Sr. Alan Ricardo Milhomem.

Os autores ainda dão nota de que, à época da lavratura do documento público de testamento, o autor da herança era octogenário.

Em auxílio ao argumento de ausência de discernimento para testar e da incapacidade ensejada pela deficiência de visão do testador, afirmam que o documento público de disposição de última vontade ainda possui eivas que o tornam ilegal, por ter havido, quando de sua lavratura, a preterição de requisito essencial à validade do ato.

Argumentam que o testamento público, para ser válido, exige algumas solenidades impostas por lei, a exemplo da presença de duas testemunhas, sob pena de a sua falta ou impedimento destas acarretar a nulidade do ato.

Explanam, os autores, que a mácula que vicia o ato de disposição de última vontade, ora posto em espeque neste feito, reside no fato de que o autor da herança era cego e que as duas testemunhas presentes quando da lavratura do testamento público são, atualmente, advogados que patrocinam os interesses dos réus.

Noticiam, ainda, que uma das testemunhas, Sr. Mateus Carvalho Neto, além de advogado dos requeridos, também foi nomeado testamenteiro, dando azo ao seu impedimento para funcionar como testemunha.

Alegam, como conclusão lógica, que, em havendo somente duas testemunhas e sendo elas impedidas, restar-se-á comprometida a solenidade exigida por lei para a confecção do ato formalístico e, por conseguinte, postulam, como pedido de mérito, a decretação da nulidade do testamento.

Juntaram documentos.

Citados, os requeridos apresentaram a peça de resistência (M. 35) e, em síntese, alegaram que, embora o testador possuísse idade avançada e fosse portador de algumas enfermidades, este era absolutamente capaz de praticar todos os atos da vida civil e, portanto, também capaz de testar.

Na oportunidade, os requeridos informaram a este juízo que, pouco antes de formalizar a escritura pública de testamento (06/07/2017 e 14/08/2017), o autor da herança foi submetido a tratamento médico, deles sendo extraídos laudos que descreviam-no como "orientado, consciente, lúcido, contractuante, comunicativo, colaborativo e em atividade motora ativa, com abertura ocular espontânea e, apesar da séria doença que enfrentava e estar em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), estava na maior parte do tempo acordado".

Repisaram a informação de que o estado mental do falecido foi atestado por diversos profissionais, todos concluindo por seu perfeito estado mental, antes e depois da lavratura do testamento.

Alegaram, ainda, não ter sido demonstrado nos autos que o testador era cego, razão por que concluem não ser exigível a observância das solenidades específicas que se aplicam à espécie, para estes casos, previstas no Código Civil.

Noutro ponto, argumentam também não ter havido nenhuma mácula de forma que pudesse eivar o testamento público dando ensejo à sua nulidade. Ao contrário, alegaram que não há nenhuma disposição legal que impeça o advogado e testamenteiro de figurar como testemunha no mesmo ato, sob o argumento de que sua participação não vicia o testamento, pois as incompatibilidades só podem ser levadas a contento, caso sejam legalmente previstas.

Ao final, postularam pela improcedência da pretensão formulada na peça inaugural.

Juntaram documentos.

Instados a se manifestarem, os autores impugnaram a contestação (M. 41).

Em seguida, este juízo declarou saneado o feito e, na oportunidade, fixou a suposta ausência de consciência e discernimento do autor da herança, quando da lavratura do ato de disposição de última vontade , bem como a preterição de requisito essencial do testamento público como pontos controvertidos e relevantes para a decisão de mérito.

As partes, depois de intimadas, vieram aos autos requerendo a produção de provas testemunhal, documental e de depoimento pessoal, pedidos esses atendidos por este juízo (M. 72).

As testemunhas foram ouvidas durante a audiência de instrução e julgamento, com a presença e participação do Ministério Público, cujas mídias estão acostadas nas M. 143 e M. 144.

Os autores e os réus acostaram alegações finais em forma de memoriais coligidos, respectivamente, na M. 154 e M. 156. Na oportunidade, os autores postularam a conversão do feito em diligência para que, então, fossem colhidos os depoimentos dos réus e procedida a oitiva das testemunhas testamentárias, pedido este fustigado pelos réus, sob o argumento de que a instrução do feito já foi concluída e que a produção dessas provas deveria ter sido suscitada pelos interessados em momento oportuno.

Aberta vista dos autos ao órgão ministerial, este pugnou pela procedência do pedido inicial, no sentido de decretar a nulidade do testamento por violação dos requisitos essenciais intrínsecos do ato, sob o argumento de que, apesar de não existir previsão legal, não poderia o testamenteiro servir como testemunha e, ainda, como patrocinador dos interesses dos réus (M. 161).

Em seguida, vieram-me conclusos os autos.

É o relato.

Decido.

2. FUNDAMENTOS JURÍDICOS

Depreende-se dos autos que a pretensão dos autores se consubstancia no pedido de decretação de nulidade do testamento público deixado pelo Sr. Adalberto Dias Beirão, ao argumento, em suma, de o autor da herança ser supostamente incapaz por ausência de consciência e discernimento para a prática de atos jurídicos, por ser octogenário e em razão das enfermidades que o acometia, como câncer e perda da acuidade visual, e, ainda, porque não teriam sido observadas as formalidades legais para lavratura do ato de disposição de última vontade.

De início, noto que os autores, ao final da audiência de instrução e julgamento, postularam que fossem colhidos os depoimentos pessoais das partes, oportunidade em que tal pedido foi indeferido, vez que o momento processual para que fossem colhidos tais depoimentos seria no início da audiência, antes da oitiva das testemunhas, e ainda, ao que parece, pouco iriam contribuir para elucidar a questão referente ao ponto controvertido delineado nestes autos que se refere a respeito da saúde mental do testador, Sr. Adalberto Dias Beirão.

O pedido foi reiterado pelos autores no memorial coligido na M. 154. No entanto, como não houve nenhuma modificação circunstancial que motivasse este juízo a modificar sua convicção quanto aos fatos ora discutidos neste feito, indefiro o pedido, mantendo, para tanto, o mesmo fundamento alhures utilizado.

Mais a mais, a demanda é improcedente .

Explico.

O ônus probatório no tocante aos fatos narrados na inicial era, como sabido, dos autores, que dele se desincumbiram (art. 373, inciso I, do CPC/15), da forma como passo a abordar a seguir:

2.1 DA CAPACIDADE DO TESTADOR

Os documentos encartados nos autos e as testemunhas arroladas pelas partes dão nota de que o falecido era lúcido à época da confecção do instrumento público de testamento e, portanto, tinha plena capacidade e discernimento para entender a relevância jurídica que o ato solene de disposição de última estava orientado, consciente, lúcido, comunicativo, colaborativo e em atividade motora ativa . (M. 35, arq. 03/13, pdf 235/330).

Outro fato importante a ser considerado é que, no ano seguinte à lavratura do testamento público, ou seja, em 2018, o autor da herança renovou sua habilitação para dirigir veículos (M. 138, arq. 02, pdf 498/499).

Ora, é indiscutível que, no ato da renovação da habilitação para se conduzir veículos automotores, o cidadão precisa estar em pleno gozo de suas faculdades mentais.

No que tange às pessoas ouvidas por este juízo, arroladas pelas partes a título de testemunha ou informante, destaca-se a Sra. Marilda Cordeiro, arrolada pelos próprios autores, a qual afirmou "que conhecia o Sr. Adalberto e que frequentava sua casa. Que ele tinha muitos problemas e sua debilidade era somente física, mas que era forte e bem lúcido e que teve contato com ele próximo ao seu falecimento e ele permanecia lúcido."

A testemunha, Sr. Manoel Luis, arrolada pelos requeridos, informou "que alugou uma propriedade do Sr. Adalberto, e que este, juntamente com sua esposa, ia buscar o valor do aluguel; que o Sr. Adalberto era uma pessoa normal e que não tinha problema de cabeça ."

A testemunha, Sra. Analice Gomes da Silva, também arrolada pelos requeridos, afirmou "que conhecia muito o Sr. Adalberto, que ele andava frequentemente na casa da mãe da depoente e sempre mencionava que jamais deixaria a Sra. Nair, sua esposa, desamparada. Afirmou, ainda, que o Sr. Adalberto nunca perdeu o discernimento, que sempre foi lúcido, dirigia e geria seus negócios, mesmo após o fechamento do bar que era proprietário, administrava as cobranças dos aluguéis dos imóveis que alugava ."

Logo, da valoração da prova testemunhal e dos documentos que instruem este feito, extraio que o testador era, portanto, lúcido e senhor de suas próprias razões à época da disposição de sua última vontade.

Ademais, a tese arguida pelos autores, quanto a senilidade do autor, vez que este era octogenário, também não deve ser levada a contento como motivo de sua incapacidade, mormente porque não há uma ligação necessária entre o avanço da idade e a perda da capacidade cognitiva.

É, inclusive, o que entende o egrégio Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, in fine :

"(...) III. A senilidade não é causa de restrição da capacidade, ressalvada a hipótese de a senectude gerar um estado patológico, o que não foi evidenciado na hipótese. IV. Os princípios da força obrigatória e da estabilidade dos contratos, desdobramentos do ato jurídico perfeito e da segurança jurídica dos negócios jurídicos são preceitos essenciais e basilares do direito contratual brasileiro, os quais podem ser flexibilizados apenas, e tão somente, quando demonstrada a incapacidade absoluta da parte, não sendo suficiente a existência de mera discordância dos herdeiros com a avença firmada por seu genitor. RECURSO DE APELAÇÃO CONHECIDO E IMPROVIDO. (TJGO, Apelação (CPC) XXXXX-46.2016.8.09.0006, Rel. ROBERTO HORÁCIO DE REZENDE, 1a Câmara Cível, julgado em 28/09/2018, DJe de 28/09/2018) (grifei)

" (...) A velhice ou senilidade, por si só, não é causa de restrição da capacidade de fato, podendo ocorrer interdição em hipótese que a senectude originar um estado patológico. Assim, a incapacidade por deficiência mental não se presume, devendo ser cabalmente demonstrada por quem a alega. Não sendo a requerida portadora de qualquer patologia e diante da sua capacidade de discernimento apresentada na audiência de instrução e julgamento, não há que se falar em interdição da recorrida. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJGO, APELAÇÃO XXXXX- 53.2015.8.09.0039, Rel. AMARAL WILSON DE OLIVEIRA, 2a Câmara Cível, julgado em 11/10/2017, DJe de 11/10/2017) ( negritei )

(...) A velhice ou senilidade, por si só, não é causa de restrição da capacidade de fato, podendo ocorrer interdição em hipótese que a senectude originar um estado patológico. Assim, a incapacidade por deficiência mental não se presume, devendo ser cabalmente demonstrada por quem a alega. 2. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. AUSÊNCIA DE INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. Tratando-se de relação jurídica contratual em que se discute vício extrínseco do contrato, ao autor impõe-se o ônus da prova do alegado direito, inteligência do artigo 333, I, do CPC 3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. MANUTENÇÃO. Não merece reforma os honorários advocatícios fixados em observância aos parâmetros traçados pelo artigo 20, § 4º, do Código de Processo Civil. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, APELAÇÃO CÍVEL 23359- 14.2011.8.09.0051, Rel. DR (A). MARCUS DA COSTA FERREIRA, 6a CÂMARA CÍVEL, julgado em 23/07/2013, DJe 1354 de 31/07/2013) ( negritei )

Mais a mais, não há nos autos provas suficientes que o autor da herança era, à época da lavratura do documento público de última vontade, incapaz de manifestar sua capacidade volitiva, entendo que o pedido inicial não poderá prosperar em efeitos.

Ao contrário, pelo acervo documental acostado aos autos, entendo que há provas o suficiente para este juízo inclinar o seu entendimento no sentido de que o autor herança, à época da elaboração das disposições de sua última vontade, era capaz de testar , ao contrário daquilo afirmado pelos autores, na peça de ingresso.

Ressalta-se que, mesmo se não houvesse nos autos provas que atestam a lucidez do autor da herança, ainda assim, ante a inexistência de provas que despontam em sentido contrário, não poderia este juízo presumir sua incapacidade, em detrimento ao princípio da soberania da vontade do testador, isso porque, a capacidade é presumida enquanto a incapacidade deve ser devidamente demonstrada.

É, inclusive, o que entende o Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, in fine :

AGRAVO INTERNO EM APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO DE CONSENTIMENTO. INCAPACIDADE E NULIDADE NÃO COMPROVADOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. A capacidade de testar é aquela delineada pelo art. 1857 do CC: Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou parte deles, para depois de sua morte. 2. Os autores não fizeram prova alguma de que realmente a falecida foi levado a algum tipo de vício de consentimento na realização do testamento, tampouco, de que ela estava incapaz, portanto, não se desincumbiram de seus ônus probatório (art. 333, I, CPC), ressaltando que, a capacidade é presumida enquanto a incapacidade deve ser devidamente demonstrada. 3. Comprovado que o testamento público observou as disposições de última vontade do testador, não há se falar em sua anulação. Sentença mantida. Agravo interno em apelação conhecido e desprovido. (TJGO, Apelação ( CPC) 0195734- 95.2015.8.09.0175, Rel. Des (a). GILBERTO MARQUES FILHO, 3a Câmara Cível, julgado em 02/03/2020, DJe de 02/03/2020) ( negritei e grifei )

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE NULIDADE DE TESTAMENTO PÚBLICO. ALEGAÇÃO DE VÍCIO NO CONSENTIMENTO POR COMPROMETIMENTO DA LIVRE DECLARAÇÃO DE ÚLTIMA VONTADE DA TESTADORA. ANULAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Comprovado que o testamento público observou as disposições de última vontade do testador, não há se falar em sua anulação. 2. Inexistindo prova de qualquer dos vícios de consentimento, ônus que cabia à parte autora, reafirma-se a validade do testamento público, lavrado por tabelião, na presença de testemunhas, nos termos do art. 1.864 do Código Civil. Recurso conhecido e desprovido. Sentença Mantida. (TJGO, APELACAO XXXXX-39.2015.8.09.0018, Rel. EUDÉLCIO MACHADO FAGUNDES, 3a Câmara Cível, julgado em 29/03/2019, DJe de 29/03/2019) ( negritei )

Assim, segundo o viés interpretativo do e. Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, do qual comungo, tenho que as disposições de última vontade foram eternizadas sob o manto do discernimento e lucidez do testador.

2.2 DA INEXISTÊNCIA VÍCIOS SOBRE A LEGALIDADE FORMAL DO ATO

Quanto aos possíveis defeitos sobre a forma exigida para a elaboração do testamento público coligido na M. 01, arq. 13, pdf 50/51, algumas ponderações devem ser tecidas por este juízo. Vejamos.

2.2.1 DA PRESENÇA DE ACUIDADE VISUAL DO TESTADOR

Os artigos 1.864 a 1.867, todos do Código Civil, estabelecem as normas para elaboração de

testamento público, como, por exemplo, a necessidade de ser escrito por tabelião ou seu substituto de acordo com a vontade do testador e, ainda, lido em voz alta pelo titular da serventia extrajudicial ao testador e às duas testemunhas a um só tempo para, depois, ser o respectivo instrumento assinado por todos os presentes (tabelião, testemunhas e testador).

Por sua vez, o art. 1.867, do Código Civil, menciona que se o testador for cego, a lavratura do testamento público só será permitida se lido duas vezes a este, uma pelo tabelião e outra por uma das testemunhas, designadas pelo testador, fazendo-se de tudo circunstanciada menção no testamento.

Pois bem, os requerentes alegaram na inicial "ser inegável que no ato da facção testamentária, o testador não tinha consciência e discernimento para transmitir vontade", pois, "sequer visão tinha, o que a nosso ver, deveria ter sido aplicado o disposto no art. 1.867, do Código Civil, sob pena de nulidade, o que não ocorreu."

No entanto, encontra-se coligido na M. 86, arq. 01, pdf 417/420, um relatório oftalmológico relatando que, no ano de 2017, o testador não era cego completamente, mormente porque sua perda visual se deu tão-somente para com o seu olho esquerdo, ao passo que o olho direito funcionava com capacidade de 100% .

Aliás, não é demais revisitar a informação de que, no ano de 2018, o autor da herança renovou sua Carteira Nacional de Habilitação, de modo a se entender que o falecido enxergava razoavelmente bem a ponto de ser autorizado, pelo próprio Estado, a conduzir veículos automotores .

Neste passo, entendo como descabido o argumento de que a formalidade do ato deveria se coadunar com aquela prevista no já citado artigo 1.867, do Código Civil.

2.2.2 DA AUSÊNCIA DE IMPEDIMENTO DAS TESTEMUNHAS

Noutro ponto, os autores também aduzem que as duas testemunhas presentes quando da lavratura do testamento público são, atualmente, advogados que patrocinam os interesses dos réus.

Noticiam, ainda, que uma das testemunhas, Sr. Mateus Carvalho Neto, além de advogado dos requeridos, também foi nomeado testamenteiro, dando azo ao seu impedimento para funcionar como testemunha.

Alegam que, por existir somente duas testemunhas e sendo elas impedidas, restar-se-á comprometida a solenidade exigida por lei para a confecção do ato formalístico de sorte que o testamento deverá ser anulado.

O Ministério Público, por sua vez, comunga do mesmo entendimento e embasa as razões do seu pronunciamento em entendimentos doutrinários que desaguam no mesmo raciocínio (M. 161).

Na oportunidade de sua manifestação, o presentante ministerial disserta que, apesar de não existir impedimento legal que proíba o testamenteiro de patrocinar causas em nome de herdeiros, tal circunstância "fere à ética e ao bom senso mínimo do Direito", ao se constatar "que testemunhas e por vezes até o próprio testamenteiro se posicionem na defesa processual da causa de algum dos legatários, de quem já eram mandatárias e a quem seguem representando judicial e extrajudicialmente, os interesses pessoais e econômicos."

Pois bem, sabe-se que a invalidade de um ato jurídico decorre da falta ou imperfeição de um ou de alguns de seus elementos ou requisitos, sendo, por isso, necessário primeiro ater-se à estrutura regular, para depois identificar e classificar as anormalidades, que lhe conferem um aspecto irregular.

Sabe-se, ainda, que o testamento reclama especial meditação de conteúdo e de forma externa, pelo fato de a lei civil ter regulado solenidades conservando exigências formais para a confecção deste ato.

Nesse sentido, superada a tese de ausência de capacidade do testador, entendo que o cerne da questão, em verdade, cinge-se ao suposto impedimento das testemunhas.

O órgão ministerial, em sua manifestação, atendo-se a expor as razões de impedimento das testemunhas, disserta que, doutrinariamente, os mesmos impedimentos previstos no art. 1.801, do Código Civil, que se aplicam a algumas pessoas, vedando-as de suceder, também se aplicaria às testemunhas.

No entanto, em análise ao caso, noto que as testemunhas presentes no ato da lavratura do testamento público não são beneficiárias das disposições de última vontade contidas no combatido ato solene e, portanto, não se subsumem ao status de herdeiros ou legatários, de sorte que tal regra não deve ser aplicada, mesmo que de modo analógico e integrativo para o caso em tela.

Ademais, não se deve olvidar que há, na lei substantiva civil, norma própria que dispõe sobre os impedimentos das testemunhas, encartada no artigo 228, do Código Civil, que assim reza:

"Art. 228. Não podem ser admitidos como testemunhas:

[...]

IV - O interessado no litígio, o amigo ou inimigo capital das partes;"

Todavia, à míngua do que restou comprovado nos autos, não se percebe nenhum interesse das testemunhas quanto ao conteúdo das disposições materializadas do âmago do testamento público, pelo testador.

Isso porque, não há nos autos provas robustas o suficiente que corroboram a tese de que as testemunhas já patrocinavam os interesses dos herdeiros à época da confecção do ato solene (2017).

Há, contudo, informações de que a testemunha, Sr. Thiago dos Santos Moreira, recebeu valores do espólio, porém somente no ano de 2018, ou seja, período posterior à época da facção do instrumento público de testamento, mas sem indicações quanto ao viés e natureza do serviço prestado.

Ora, o fato de as testemunhas patrocinarem atualmente os interesses dos herdeiros, seja na ação de inventário ou em suas defesas neste feito, ambas propostas a posteriori a lavratura do testamento, não pode ter o condão de macular um ato solene, perfeito e acabado praticado preteritamente, em momento anterior a este patrocínio, a ponto de desconstituí-lo ou anulá-lo.

Isso porque, se assim esta magistrada procedesse, tal decisão acabaria por desafiar gravemente os princípios que norteiam as relações civis, a exemplo da confiança, da segurança jurídica e o da vontade soberana do testador.

Mais a mais, as testemunhas eleitas pelo testador para presenciarem o ato, devem ser pessoas de sua mais íntima confiança e credibilidade, visto que serão elas que de futuro e na sua ausência, testificarão, quando necessário, a livre vontade do testador expressada perante o tabelião, por ocasião da lavratura do instrumento de escritura de testamento público, que elas presenciaram.

Esse, inclusive, foi o entendimento lavrado sob a pena do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, in verbis :

APELAÇÃO CÍVEL. TESTAMENTO PÚBLICO. INOBSERVÂNCIA DAS FORMALIDADES LEGAIS. IMPEDIMENTO DAS TESTEMUNHAS TESTAMENTÁRIAS. INOCORRÊNCIA. CAPACIDADE MENTAL DA TESTADORA. 1. A existência de meros vícios formais, perfeitamente compreensíveis e justificados, não induzem a nulidade do testamento, porquanto, nos termos do art. 215 do CC, a escritura pública é documento dotado de fé pública, gozando de presunção juris tantum de veracidade. 2. As testemunhas eleitas pelo testador para presenciarem o ato, devem ser pessoas de sua mais íntima confiança e credibilidade, visto que serão elas que de futuro e na sua ausência, testificarão, quando necessário, a livre vontade do testador expressada perante o tabelião, por ocasião da lavratura do instrumento de escritura de testamento público, que elas presenciaram. 3. Na hipótese, se as testemunhas testamentárias não são incapacitadas, impedidas ou suspeitas, à luz do disposto nos incisos I a V, do art. 228 do Código Civil, nada impede que a esposa e o sócio do testamenteiro, por serem de confiança deste e da testadora, sirvam como testemunhas no testamento público. 4. Não restando infirmada a capacidade mental da testadora, cuja idoneidade restou comprovada por provas documental e testemunhal, prevalece a manifestação de sua vontade externada em escritura pública de testamento, porquanto, "Em matéria testamentária, a interpretação deve ter por fim o intuito de fazer prevalecer a vontade do testador, a qual deverá orientar, inclusive, o magistrado quanto à aplicação do sistema de nulidades, que apenas não poderá ser mitigado diante da existência de fato concreto, passível de colocar em dúvida a própria faculdade que tem o testador de livremente dispor de seus bens, o que não se faz presente nos autos." (Precedente do STJ). 5. APELO CONHECIDO E DESPROVIDO. SENTENÇA MANTIDA. (TJGO, APELACAO CIVEL XXXXX-24.2009.8.09.0021, Rel. DR (A). FERNANDO DE CASTRO MESQUITA, 4A CÂMARA CIVEL, julgado em 20/09/2012, DJe 1163 de 10/10/2012) ( negritei )

Assim, considerando que as testemunhas não são incapacitadas, impedidas ou suspeitas, à luz do art. 228, do Código Civil, não há razões para se reconhecer nenhum impedimento que acometa a elas a ponto de comprometer a validade do ato público ora combalido.

2.2.3 DA INEXISTÊNCIA DE IMPEDIMENTO DO TESTAMENTEIRO

Noutro ponto, os requerentes também alegam que o interesse da outra testemunha reside no fato de este ter sido, na oportunidade, nomeado testamenteiro. Assim, entendem que o testamenteiro possui interesse na solução da lide, por lhe competir a defesa da validade do testamento e, portanto, não poderia ele ter servido como testemunha.

Contudo, devo salientar que o testador possui amplo direito de nomear seu testamenteiro dentre seus próprios herdeiros, legatários e até mesmo pessoas estranhas à sucessão, desde que sejam pessoas naturais e não jurídicas, e tenham capacidade civil para contrair obrigações.

Cumpre ainda registrar que a legislação não impede que parentes daquele que foi beneficiado pela disposição de última vontade figurem como testemunhas no testamento, assim como não há óbice legal a que alguma testemunha acumule o encargo de testamenteiro. Tais fundamentos, por si sós, não invalidariam o documento.

Logo, não vislumbro nenhum óbice legal que induza ao impedimento do testamenteiro em ser, ao mesmo tempo, também testemunha durante a lavratura do ato público de disposição da vontade.

Cumpra-se ressaltar, ademais, que nenhuma formalidade poderá se sobrepor ao prestígio que deve ser dado à manifestação de vontade expressada no testamento . Deve-se prestigiar, acima de tudo, a vontade do testador, segundo o princípio da vontade soberana do testador, de modo que supostas irregularidades formais na lavratura do testamento que não coloquem a suspeição ou a fidedignidade da manifestação de última vontade, não devem acarretar a invalidade do testamento, por força do princípio da vontade soberana do testador.

Nesse passo, entendo que o magistrado ou magistrada, ao avaliar a vontade do testador, deve buscar censurá-la apenas e tão somente em caso de violação de regra (textual) de ordem pública, a exemplo da obrigatoriedade de respeito e observância à legítima, ou em situações de gritante vulneração a princípios (como o da função social).

Sob tal raciocínio, entende o Superior Tribunal de Justiça. Vejamos:

CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO. FORMALIDADES LEGAIS NÃO OBSERVADAS. NULIDADE. 1. Atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária - i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade - a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador, pois as regulações atinentes ao testamento têm por escopo único, a preservação da vontade do testador. 2. Evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus, não cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas - assegurar a higidez da manifestação do de cujus -, foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados. 3. Recurso não provido. (STJ - REsp: XXXXX MG 2017/XXXXX-0, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/08/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 22/08/2017) ( negritei e grifei )

Assim, a despeito da insurgência dos requerentes, entendo que restou devidamente comprovada, à época, a observância de todos os requisitos formais para lavratura do testamento ora impugnado, não se constatando, ainda, nenhuma incapacidade do testador que trouxesse eivas a sua manifestação volitiva, o que, per se , conduz à improcedência do pedido meritório formulado na peça de ingresso.

3. DISPOSITIVO

Ao teor do exposto, JULGO IMPROCEDENTE o pedido inicial e, consequentemente, decreto a extinção do processo, com resolução de mérito, consoante as disposições do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil.

Condeno os autores ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios fixados à base de 20% (vinte por cento) sobre o valor da causa, ficando, contudo, suspensa sua exigibilidade, vez que os autores são beneficiários da gratuidade da justiça (art. 85, § 2º, c/c 98, § 3º, ambos do CPC/15).

Por outro lado, as obrigações decorrentes da sucumbência poderão ser executadas se, nos 5 (cinco) anos subsequentes ao trânsito em julgado da decisão que as certificou, o credor demonstrar que deixou de existir a situação de insuficiência de recursos que justificou a concessão de gratuidade, extinguindo-se, passado esse prazo, tais obrigações do beneficiário. (art. 98, § 3º, do CPC).

Fixo os honorários dativos à procuradora dos autores em 03 UHD’s, com base na Portaria da OAB coligida na M. 22, arq. 02, pdf 160/161, a serem pagos pelo Estado de Goiás, nos termos do artigo 1º, da Lei nº 9.785/85, devendo ser extraída a respectiva certidão.

Após o trânsito em julgado, arquivem-se os autos com as devidas cautelas.

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Anápolis, 24 de maio de 2022.

MARIANNA AZEVEDO LIMA SILOTO

Juíza de Direito

Assinado Digitalmente

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