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7 de Junho de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Procedimento do Juizado Especial Cível • DIREITO CIVIL • XXXXX-83.2021.8.26.0114 • 1ª Vara do Juizado Especial Cível do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 3 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Vara do Juizado Especial Cível

Assuntos

DIREITO CIVIL

Juiz

Thais Migliorança Munhoz Poeta

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor84028493%20-%20Julgada%20Procedente%20em%20Parte%20a%20A%C3%A7%C3%A3o.pdf
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SENTENÇA

Processo Digital nº: XXXXX-83.2021.8.26.0114

Classe - Assunto: Procedimento do Juizado Especial Cível - DIREITO CIVIL

Requerente: João Rodrigues Forgiarini

Requerido: Uber do Brasil Tecnologia Ltda

Juiz (a) de Direito: Dr (a). Thais Migliorança Munhoz Poeta

Vistos.

Dispensado o relatório, nos termos do artigo 38, caput , da Lei 9.099/95.

FUNDAMENTO e DECIDO.

Trata-se de ação que JOÃO RODRIGUES FORGIARINI move em face de UBER DO BRASIL TECNOLOGIA LTDA , aduzindo, em síntese, que era cadastrado na plataforma da ré, desde 2015, como PASSAGEIRO, deslocando-se para o trabalho, lazer e todos os seus serviços cotidianos. Narrou, contudo, que, aos 01/01/2021, foi desligado unilateralmente do aplicativo, sendo bloqueado pela ré sob alegação de descumprimento dos Termos e Condições de Uso da plataforma. Sustentou que possuía alto índice de avaliação entre os passageiros e que jamais fez mau uso do aplicativo. Alegou que a ré não justificou o bloqueio, deixando de especificar qual infração teria cometido o autor, impossibilitando seu exercício de defesa, o que considera abusivo. Ao final, requereu a procedência da ação, condenando-se a requerida na obrigação de fazer consistente na readmissão do autor no aplicativo de transporte, bem como condenando-a ao pagamento de R$ 10.000,00, a título de danos morais.

A lide comporta o julgamento antecipado do feito, nos moldes preconizados pelo artigo 355, inciso I, do Código de Processo Civil, uma vez não ser necessária a produção de provas em audiência de instrução e julgamento, dado que o feito se encontra suficientemente instruído.

No mérito, a ação é IMPROCEDENTE.

De proêmio, cumpre esclarecer que a ré disponibiliza sua plataforma digital com fim de fornecer transporte de passageiros, por meio parceria com motoristas "independentes".

Assim, porquanto o autor utiliza a plataforma apenas como passageiro, caracterizando-se como destinatário final do produto, de rigor a incidência das disposições preconizadas pelo Código de Defesa do Consumidor, aplicável diante do caso concreto.

Assim, entre outros institutos jurídicos previstos naquele diploma, é aplicável ao caso a inversão do ônus da prova, restrita, entretanto, às questões fáticas, ligadas diretamente ao contrato firmado, em que o consumidor se mostre como parte hipossuficiente, ou seja, em que esteja inviabilizado de produzir prova do alegado.

O Código Civil, em seu artigo 186, estabelece que o ato ilícito a ensejar responsabilidade civil subjetiva deve ser composto por quatro requisitos: conduta (comissiva ou omissiva), dano, nexo causal e culpa lato sensu (dolo ou culpa strictu sensu ).

Insta considerar, portanto, que para que haja a configuração de um dano indenizável, mister o preenchimento de quatro requisitos: a existência de uma ação ou omissão por parte do agente causador; um dano, ou seja, um prejuízo resultante da ação ou omissão; o nexo de causalidade entre a ação ou omissão e o dano sofrido; e a existência de culpa lato sensu , a depender de quem seja o agente causador.

Em sendo pessoa jurídica de direito privado, fornecedora de serviços, incidem as disposições do Código de Defesa do Consumidor, que preconiza, nos termos do artigo 14, a existência de responsabilidade objetiva, sendo prescindível a comprovação da culpa lato sensu do agente causador.

Ademais, cumpre esclarecer que a situação fática narrada na peça exordial foi expressamente confessada pela requerida em sede de contestação, motivo pelo qual reputo incontroversos os fatos articulados, nos moldes do artigo 374, inciso II, do Código de Processo Civil.

A controvérsia, portanto, cinge-se na regularidade, ou não, da conduta da requerida em proceder à suspensão definitiva do autor de seu quadro de passageiros, bem como eventual configuração de danos morais decorrentes deste fato.

Cumpre esclarecer que, no Direito Contratual brasileiro, vige o princípio da

autonomia de vontade ou da liberdade contratual, que preza pela autorregulamentação dos interesses das partes, permitindo que disciplinem suas relações mediante livre acordo de suas vontades.

Desse modo, concede-se aos indivíduos o poder de suscitar, mediante declaração de vontade, efeitos reconhecidos e tutelados pela ordem jurídica, desde que em razão e nos limites da função social do contrato, da supremacia da ordem pública, da boa-fé objetiva e dos bons costumes.

Permite-se aos pactuantes, com isso, a faculdade de contratar livremente, que consiste na escolha de quando, como e com quem contratar. Nesta última hipótese, tem-se que se encontra mitigada nos contratos de massa, como se verifica in casu , de modo que a recusa de contratação em casos de ofertas públicas deve ser devidamente justificada.

De outro giro, a Constituição da Republica Federativa do Brasil dispõe, em seu artigo , inciso LV, que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.

O artigo , incisos I e II, da Carta Magna, prescrevem, ainda, que constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil construir uma sociedade livre, justa e solidária e garantir o desenvolvimento nacional.

Em sede de defesa, sustentou a empresa ré que o autor foi excluído da plataforma em virtude de excesso de contestações junto à sua instituição financeira ( "chargeback" ) , fazendo com que o não pagamento das viagens contestadas se tornassem pendencias financeiras na plataforma Uber.

Pois bem. Reputo desnecessária maiores elucubrações a respeito de identificação, classificações e dimensões dos direitos fundamentais existentes em nosso ordenamento jurídico, mostrando-se importante, contudo, aclarar, brevemente, a teoria da eficácia horizontal dos direitos fundamentais.

Referida teoria decorre do reconhecimento de que as relações de assimetria não se verificam apenas entre indivíduo e Estado, mas também nas relações entre os próprios particulares. Nesse contexto, encontram-se as relações privadas sob a égide dos direitos fundamentais, devendo ser obrigatoriamente observados pelos entes privados quando estabelecem relações jurídicas entre si.

Todavia, para aplicação desta teoria, necessária verificação de dois pressupostos: a existência de um direito fundamental oponível a um particular e uma situação de assimetria entre as partes.

Assim é o presente caso.

As partes opõem direitos fundamentais umas às outras e, em sendo a ré pessoa jurídica de direito privado, fornecedora de serviços, incidem as disposições do Código de Defesa do Consumidor, que possui como núcleo essencial o princípio da hipossuficiência ou da vulnerabilidade do consumidor, evidenciando, desse modo, a existência de relação de assimetria entre elas.

Nesse sentido o julgado do Supremo Tribunal Federal:

"SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCRATIVOS. UNIÃO BRASILEIRA DE COMPOSITORES. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DA AMPLA DEFESA E DO CONTRADITÓRIO. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. RECURSO DESPROVIDO. I. EFICÁCIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES PRIVADAS. As violações a direitos fundamentais não ocorrem somente no âmbito das relações entre o cidadão e o Estado, mas igualmente nas relações travadas entre pessoas físicas e jurídicas de direito privado. Assim, os direitos fundamentais assegurados pela Constituição vinculam diretamente não apenas os poderes públicos, estando direcionados também à proteção dos particulares em face dos poderes privados. II. OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COMO LIMITES À AUTONOMIA PRIVADA DAS ASSOCIAÇÕES. A ordem jurídico-constitucional brasileira não conferiu a qualquer associação civil a possibilidade de agir à revelia dos princípios inscritos nas leis e, em especial, dos postulados que têm por fundamento direto o próprio texto da Constituição da Republica, notadamente em tema de proteção às liberdades e garantias fundamentais. O espaço de autonomia privada garantido pela Constituição às associações não está imune à incidência dos princípios constitucionais que asseguram o respeito aos direitos fundamentais de seus associados. A autonomia privada, que encontra claras limitações de ordem jurídica, não pode ser exercida em detrimento ou com desrespeito aos direitos e garantias de terceiros, especialmente aqueles positivados em sede constitucional, pois a autonomia da vontade não confere aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela própria Constituição, cuja eficácia e força normativa também se impõem, aos particulares, no âmbito de suas relações privadas, em tema de liberdades fundamentais.

III. SOCIEDADE CIVIL SEM FINS LUCR ATIVOS. ENTIDADE QUE INTEGRA ESPAÇO PÚBLICO, AINDA QUE NÃO-ESTATAL. ATIVIDADE DE CARÁTER PÚBLICO. EXCLUSÃO DE SÓCIO SEM GARANTIA DO DEVIDO PROCESSO LEGAL. APLICAÇÃO DIRETA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS À AMPLA DEFESA E AO CONTRADITÓRIO. As associações privadas que exercem função predominante em determinado âmbito econômico e/ou social, mantendo seus associados em relações de dependência econômica e/ou social, integram o que se pode denominar de espaço público, ainda que não- estatal. A União Brasileira de Compositores UBC, sociedade civil sem fins lucrativos, integra a estrutura do ECAD e, portanto, assume posição privilegiada para determinar a extensão do gozo e fruição dos direitos autorais de seus associados. A exclusão de sócio do quadro social da UBC, sem qualquer garantia de ampla defesa, do contraditório, ou do devido processo constitucional, onera consideravelmente o recorrido, o qual fica impossibilitado de perceber os direitos autorais relativos à execução de suas obras. A vedação das garantias constitucionais do devido processo legal acaba por restringir a própria liberdade de exercício profissional do sócio. O caráter público da atividade exercida pela sociedade e a dependência do vínculo associativo para o exercício profissional de seus sócios legitimam, no caso concreto, a aplicação direta dos direitos fundamentais concernentes ao devido processo legal, ao contraditório e à ampla defesa (art. , LIV e LV, CF/88). IV. RECURSO EXTRAORDINÁRIO DESPROVIDO"

Encontrando-me diante de caso de colisão de direitos fundamentais, levando em conta que inexistem direitos absolutos (salvo princípio de vedação à tortura) e considerando que a CRFB/88 garante a proteção desses direitos contra atos arbitrários contrários à própria condição humana, recorro-me à técnica da ponderação, proposta pelos estudos de Robert Alexy, a fim de fundamentar a proporcionalidade da decisão por mim tomada.

Nas palavras do Min. Gilmar Mendes ao proferir seu voto no HC XXXXX/RS:

"São três as máximas parciais do princípio da proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. (...) há de perquirir-se, na aplicação do princípio da proporcionalidade, se em face do conflito entre dois bens constitucionais contrapostos, o ato impugnado afigura-se adequado (isto é, apto para produzir o resultado desejado), necessário (isto é, insubstituível por outro meio menos gravoso e igualmente eficaz) e proporcional em sentido estrito (ou seja, se estabelece uma relação ponderada entre o grau de restrição de um princípio e o grau de realização do princípio contraposto)."

Pois bem. A reprovação do ato de desligamento do autor da plataforma requerida, ainda que motivadamente, SEM que lhe fosse oportunizado direito ao contraditório e à ampla defesa, mostra-se adequada para se alcançar o fim almejado, qual seja a salvaguarda de uma sociedade livre, justa e igualitária. Assegura-se a posição do Estado, no sentido de defender os fundamentos da dignidade da pessoa humana (art. , III, CF), do contraditório e da ampla defesa (art. , LV, CF) e o princípio da presunção de inocência (art. , LVII, CF).

Assevere-se, ainda, que a autonomia da vontade não pode conferir aos particulares, no domínio de sua incidência e atuação, o poder de transgredir ou de ignorar as restrições postas e definidas pela Constituição Federal.

Referida decisão mostra-se necessária, sob o pressuposto de ausência de outro meio menos gravoso e igualmente eficaz.

A decisão atende, por fim, ao requisito da proporcionalidade em sentido estrito. Nesse plano, é necessário aferir a existência de proporção entre o objetivo perseguido, qual seja a preservação dos valores inerentes a uma sociedade livre, justa e igualitária, e o ônus imposto à autonomia de vontade ou da liberdade contratual do requerido. Não se contesta, por certo, a proteção conferida pelo constituinte à liberdade do réu. Não se pode negar, outrossim, o seu significado inexcedível para o sistema democrático. Todavia, é inegável que essa liberdade não pode aniquilar o direito de defesa do autor. Há inúmeros outros bens jurídicos de base constitucional que estariam sacrificados na hipótese de se dar uma amplitude absoluta, intangível, à liberdade contratual na espécie.

Resta, por fim, fundamentada decisão de considerar ilícita conduta da empresa requerida em se excluir o requerente de sua plataforma, sem oferecê-lo direito de resposta.

O intento de danos morais, portanto, merece respaldo.

Validamente, presentes todos os elementos ensejadores da responsabilidade civil: ação ou omissão do agente (exclusão do entregador da plataforma de entregas); dano (ofensa ao direito de contraditório e ampla defesa do autor, que perdeu importante fonte de renda); nexo de causalidade e culpa, os danos propugnados são medida de rigor.

O dano moral existe, portanto, derivando inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, automaticamente está demonstrado à guisa de uma presunção material.

Resta a fixação dos danos morais.

O valor da indenização deve levar em consideração as circunstâncias da causa, o grau de culpa, bem como a condição socioeconômica do ofendido, não podendo ser ínfima, para não representar ausência de sanção efetiva ao ofensor, nem excessiva, para não constituir enriquecimento sem causa do ofendido.

Feitas tais ponderações e consideradas as circunstâncias em que os fatos se deram, a gravidade do dano e, especialmente, o escopo de obstar a reiteração de casos futuros (caráter pedagógico da condenação, com o intuito de evitar novas lesões), tenho como razoável, a título de indenização por danos morais, a importância equivalente a R$ 1.000,00.

Inviável, contudo, acolhimento do pedido autoral de readmissão na plataforma, porquanto não cabe ao judiciário compelir a requerida a manter relação jurídico-contratual com quem quer que seja, mas tão somente regular eventuais abusos e ilegalidades cometidos no exercício dessas relações.

Ante o exposto, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido, com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do Código de Processo Civil, com o fito de CONDENAR a requerida a pagar à parte autora, a título de danos morais, o importe de R$ 1.000,00, devidamente acrescido de correção monetária pela Tabela Prática do TJSP a partir desta sentença e de juros de mora de 1% ao mês a partir da citação.

Sem custas ou honorários advocatícios, na forma do artigo 55 da Lei 9.099/95.

Transitada esta em julgado, nada mais sendo requerido, remetam-se os autos ao arquivo, depois de feitas às devidas anotações e comunicações.

Os valores do preparo e custas devem ser calculados na forma da Lei Estadual nº 11.608/03, alterada pela Lei 15.855/15, incidindo 1% sobre o valor atualizado da causa, observado o valor mínimo de 5 UFESP, somado a 4% sobre o valor atualizado da condenação, também respeitando o recolhimento mínimo de 5 UFESP, ressaltando-se a INEXISTÊNCIA de intimação ou prazo para complementação do valor do preparo, nos termos do art. 41, § 1º da Lei 9099/95. Ademais, deverá ser computado o valor de cada UFESP vigente no ano do recolhimento, sendo para o exercício de 2021, o valor da UFESP de R$ 29,09.

P.I.C.

Campinas, 28 de abril de 2021.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,

CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

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