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8 de Maio de 2024
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    Defensor dativo pode reclamar honorários na Justiça do Trabalho

    Publicado por Expresso da Notícia
    há 16 anos

    O advogado nomeado como defensor dativo à parte necessitada tem direito a honorários advocatícios do Estado por se tratar de uma relação de trabalho, originada num poder-dever conferido ao Juiz nos casos em que a Defensoria Pública local inexiste ou é insuficiente. Esse foi o entendimento dos desembargadores que integram a 4ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (TRT-RS) ao julgarem recurso ordinário interposto pelo Estado do Rio Grande do Sul contra sentença proferida pelo juízo da Vara do Trabalho de Vacaria.

    Inconformado com a sentença em favor de advogado nomeado defensor dativo de réu beneficiário de assistência judiciária em Ação Penal que tramitou perante o Juízo Criminal de Vacaria (RS), o Estado do Rio Grande do Sul invocou o artigo 114 da Constituição Federal para sustentar incompetência material da Justiça do Trabalho para apreciar ação de cobrança de honorários advocatícios a defensor dativo. Fundamentou que tal nomeação tem natureza eminentemente civil. Sucessivamente, o Estado do Rio Grande do Sul pleiteou a redução do valor de R$

    arbitrado pelos honorários, em caso de manutenção da sentença condenatória, e a aplicação da Lei 9.494 /97 quanto aos juros, reduzindo o percentual aplicado para a correção monetária.

    Segundo o relator do processo, desembargador Ricardo Tavares Gehling, o fato de a matéria versar sobre direito comum é irrelevante, porquanto não é requisito da competência da Justiça do Trabalho que o litígio verse apenas sobre direito material do trabalho, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal.

    Além disso, observa o relator, após a promulgação da Emenda Constitucional 45 /2004 a Justiça do Trabalho passou a ter competência quanto às ações oriundas de relação de trabalho, e não só de emprego. “É certo que não há parâmetros perfeitamente definidos do que se possa considerar relação de trabalho”, ponderou o Desembargador Ricardo Gehling. Por outro lado, “o novo paradigma da competência específica da Justiça do Trabalho, como gênero do qual a relação empregatícia é apenas uma de muitas espécies, tem como pressuposto o reconhecimento de que as novas formas de utilização de mão-de-obra – levadas em conta não apenas para a não-extinção da Justiça do Trabalho, mas para o alargamento de sua competência – traduzem também certo grau de dependência econômica do trabalhador perante o tomador dos serviços”.

    No caso, concluiu o Relator que “não se configurou mera relação de consumo, na medida em que não houve a contratação do advogado pelo cliente. Existiu, porém, uma relação de trabalho, originada do poder-dever conferido ao juiz de nomear um defensor dativo ao pobre ou revel, quando não há ou é insuficiente a Defensoria Pública local. Assim, a controvérsia reside apenas na típica relação de trabalho prestada pelo autor ao Estado, como defensor dativo nomeado a atuar em processo em que a Defensoria Pública Estadual não o fez”.

    No acórdão, os Desembargadores confirmaram a sentença de origem quanto ao principal e deram provimento parcial ao recurso ao determinarem a aplicação de juros de 0,5% ao mês, nos termos do artigo da Lei 9.494 /97 .

    Da decisão, cabe recurso.

    (RO 01561 -2007-461-04-00-1)

    Leia, abaixo, a íntegra da setença:

    "Autor: JOEL MACEDO DE LEMOS

    Réu: ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL

    Vistos, etc.

    JOEL MACEDO DE LEMOS, em 14/06/2007, ajuíza ação de cobrança de honorários em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL. Alega ter sido nomeado, pelo Juízo Criminal de Vacaria, para atuar como defensor dativo de Carlos Eduardo Rodrigues da Silva, tendo em vista que o representante da Defensoria Pública, inicialmente nomeado como defensor, declinou do múnus alegando motivo de foro íntimo; que ele demandante agiu com eqüidade e justiça, oferecendo defesa prévia, acompanhando audiências e apresentando alegações finais; que durante a instrução do feito ficou demonstrada a falta de provas da autoria, tendo sido o acusado absolvido por improcedência da demanda; que, diante da inércia da parte ou impossibilidade da Defensoria Pública, o CPP autoriza o juiz a nomear defensor dativo ao acusado, posto que é causa de nulidade o andamento do processo penal sem defensor regularmente constituído; argumenta que, assim, é inafastável seu direito aos honorários advocatícios, uma vez que é dever do Estado prestar assistência judiciária aos necessitados através da Defensoria Pública, nos termos do artigo 134 da Constituição Federal e do inciso IV do artigo da Lei Complementar nº 80 /94 . Requer a condenação do réu ao pagamento dos honorários pelos serviços prestados na condição de defensor dativo, na forma da Tabela de Honorários expedida pela Ordem dos Advogados do Brasil, Secção do Rio Grande do Sul, no valor de R$ 7.292,34, acrescido de juros de mora e correção monetária, bem como seja declarado seu crédito de natureza alimentar. Declara-se pobre e postula assistência judiciária, pagamento de honorários advocatícios calculados na forma da Lei 1.060 /50 , na base de 15% sobre a condenação, bem como a condenação do réu ao pagamento de custas processuais. Por fim, pleiteia que a expedição de precatório, na fase executória, seja em caráter alimentar. Atribui à causa o valor de R$ 15.000,00. Instrui a inicial com documentos.

    O réu contesta pelas razões das fls. 279/285. Argúi preliminar de incompetência em razão da matéria. No mérito sustenta que ele, contestante, não participou da formação do alegado crédito, porquanto não foi parte na relação processual daquele feito criminal, não podendo ser afetado pelos efeitos da sentença ou outras decisões lá proferidas; que, caso acolhida a pretensão, estar-se-á oportunizando o surgimento de irregularidades com a contratação de particular para prestação de serviços públicos, sem observância das normas que tratam das licitações públicas. Ante o princípio da eventualidade, aduz que o valor pleiteado é excessivo; que o quantum da condenação deve levar em consideração os valores percebidos pelos Defensores Públicos; que o artigo 20 do CPC é o único dispositivo legal hábil a orientar o magistrado na fixação da verba honorária; que o valor da condenação deverá ser adequado para atender ao critério constante da Tabela de Honorários dos Defensores Dativos em atuação no âmbito da Justiça Estadual, na forma da Lei 11.667 , de setembro de 2001, e do Ato nº 11 /2001 , que disciplina os respectivos procedimentos.

    Sem outras provas além dos documentos juntados pelo autor, a instrução é encerrada.

    As partes arrazoam de forma remissiva.

    Não há conciliação.

    Encerrada a audiência, os autos vêm conclusos para sentença, sendo determinada a sua publicação em Secretaria no dia vinte e um de agosto do ano de dois mil e sete, às 10h.

    É o relatório.

    DECIDO: I – PRELIMINARMENTE

    DA COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO

    O réu sustenta que a Justiça do trabalho é incompetente para processar e julgar a ação, uma vez que a atuação de defensor dativo não configura relação de trabalho nos termos do artigo 114 , I , da Constituição Federal .

    Muito se tem discutido no intuito de estabelecer até que ponto a competência da Justiça do Trabalho foi, efetivamente, ampliada pela Emenda Constitucional nº 45 /2004 , em particular no que diz respeito ao alcance da expressão “relação de trabalho”, forte na nova redação do artigo 114 , I , da Constituição .

    Não há dúvida de que a relação de trabalho é mais ampla do que a relação de emprego.

    Todavia, acirrada controvérsia tem surgido quando se trata da necessidade, ou não, de distinguir a relação de trabalho da relação de consumo que envolve prestação de serviços, para definir a competência da Justiça do Trabalho.

    Nesse aspecto, em se tratando de prestação de serviço que se enquadre no conceito de relação de consumo, entendo que não é razoável admitir a competência da Justiça do Trabalho para dirimir os respectivos conflitos.

    A competência da Justiça do Trabalho, historicamente, se identifica com os conflitos entre o capital e o trabalho, no contexto de um ramo do Direito que nasceu e se consolidou com o intuito de proteger a parte mais vulnerável de tal relação, ou seja, o trabalhador. Quando se trata de relação de consumo, o enfoque da lei também é protetivo, mas, ao contrário de proteger o “fornecedor-prestador”, tende a proteger o consumidor.

    Acompanho, no particular, o entendimento do Juiz do Trabalho Paulo Gustavo de Amarante Merçon, externado em artigo intitulado “Relação de trabalho – contramão dos serviços de consumo”, conforme excertos que transcrevo a seguir:

    Quando um trabalhador, ainda que autônomo, presta serviços a uma empresa, o proveito econômico principal segue na mesma direção do serviço prestado, beneficiando o tomador dos serviços. O trabalho é agregado à atividade produtiva do tomador.

    No fornecimento de serviços de consumo, o proveito econômico relevante segue na direção contrária, favorecendo o prestador dos serviços.

    Tome-se o exemplo da relação jurídica entre o paciente e seu médico, dentista ou terapeuta: como o cliente consome o serviço contratado, o único proveito econômico é auferido pelo prestador; o patrimônio material do consumidor dos serviços não apenas não aumenta, como diminui após o fornecimento do serviço e o pagamento respectivo. O mesmo ocorre quando uma pessoa física vai ao salão de beleza, ou contrata um advogado para representá-la numa causa individual, ou ainda quando entra num táxi e pede ao motorista que a conduza ao aeroporto.

    O inverso se verifica, por exemplo, quando aquele mesmo médico, o dentista ou o terapeuta prestam serviços a uma clínica, ainda que de forma autônoma: tal prestação beneficia economicamente o tomador dos serviços – no caso, a clínica.

    Passemos à análise legal. Quem é, juridicamente, o consumidor de um serviço? O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8078 /90) o define como toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza aquele serviço como destinatário final ( art. 2º ). E o que vem a ser o serviço objeto de consumo? Pelo § 2º do art. 3º , qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.

    A dedução é singela: nosso ordenamento jurídico distingue a relação de trabalho da relação de consumo. Para o nosso direito, a relação de consumo não é espécie do gênero relação de trabalho. E nem poderia ser diferente. Se as duas situações são essencialmente antagônicas (como se demonstrou acima), como enquadrá-las no mesmo modelo jurídico?

    [...]

    Alguém poderá objetar: mas existe trabalho na relação de consumo. Certo. Como existe consumo – ainda que parcial – da prestação de serviços na relação de emprego, e nem por isso será razoável concluir que a relação de emprego é espécie de relação de consumo. O que define uma relação jurídica são seus elementos essenciais, não os secundários.

    Voltemos o foco à relação de consumo. Comentando os arts. a do Código de Defesa do Consumidor ao lado de outros autores do anteprojeto – dentre os quais Ada Pellegrini Grinover –, José Geraldo Brito Filomeno observa que a lei adotou o conceito econômico de consumidor, ao defini-lo como o destinatário final do produto ou serviço, pressupondo-se que o consumidor adquire bens ou contrata a prestação de serviços com vistas ao atendimento de uma necessidade própria, e não para o desenvolvimento de uma outra atividade negocial. Examinando o Direito Comparado, Filomeno destaca a legislação portuguesa, que aloca o consumidor na relação produção/consumo como sendo o último desta cadeia; e a lei argentina, estabelecendo que não são consumidores aqueles que adquirem, armazenam, utilizam ou consomem bens ou serviços para integrá-los em processos de produção, transformação, comercialização ou empréstimo a terceiros. Daí o ilustre jurista adotar a teoria finalista do conceito de consumidor, que exclui a figura do consumidor profissional, realçando na distinção o elemento da vulnerabilidade econômica (retornaremos a esse tema quando abordarmos o trabalho eventual).

    Ora, tal modelo de relação jurídica, no qual por definição o fornecimento do serviço atende necessidade própria do consumidor, não se harmoniza com a idéia da relação de trabalho, cuja essência é a expropriação da mão-de-obra do prestador dos serviços, com escopo produtivo, sendo o trabalho doméstico apenas a variante que confirma a regra, como se verá adiante.

    Essa noção da relação de trabalho é quase instintiva, e precede – não apenas historicamente, mas na própria lógica do conceito – o conteúdo mais restrito da relação de emprego. Mesmo os compêndios da doutrina trabalhista, ao analisarem os antecedentes históricos do Direito do Trabalho, invariavelmente se referem às origens da expropriação do trabalho humano – desde as remotas figuras do trabalho forçado até o advento e a evolução do sistema capitalista, onde se fincaram as raízes universais da legislação de proteção ao trabalho.

    A índole, a vocação do Direito do Trabalho sempre foi a proteção do trabalho expropriado.

    Como ensina Maurício Godinho Delgado, a relação empregatícia foi a categoria socioeconômica e jurídica que se estruturou no processo da Revolução Industrial, construindo entre os séculos XVII e XVIII uma hegemonia como modelo de vinculação do trabalhador ao sistema produtivo que iria se consolidar ao longo do século XIX, com a generalização do sistema industrial europeu e americano, alcançando a sociedade industrial contemporânea.

    Apenas como conseqüência dessa hegemonia da relação empregatícia – e aqui a conclusão é nossa – é que o Direito do Trabalho erigiu-se como espelho da relação de emprego, e não de seu gênero relação de trabalho. Ambas as figuras, contudo, integrando a mesma taxonomia jurídica, têm em comum a raiz e a essência: a expropriação da mão-de-obra alheia; e nisso não apenas se distinguem da relação de consumo, como antagonizam a mesma.

    A percepção da relação de trabalho na contramão econômica da relação de consumo pode ser assim sintetizada:

    Na relação de trabalho, o tomador dos serviços explora a mão-de-obra do prestador; na relação de consumo, o prestador dos serviços explora uma necessidade do tomador.

    Essa distinção fundamental deságua na questão da hipossuficiência.

    Na relação de trabalho, ao alienar seu trabalho a uma organização produtiva, o prestador dos serviços, ainda que não subordinado juridicamente ao tomador, é absorvido por uma situação de hipossuficiência econômica relativa; dizemos relativa porque – do mesmo modo que ocorre na relação de emprego – tal condição é aferida de forma intrínseca à relação de trabalho; é irrelevante que, no lado externo da relação de trabalho, o trabalhador detenha mais recursos econômicos que o tomador dos serviços; no âmago daquela relação jurídica o prestador dos serviços é a parte mais vulnerável porquanto, ao invés de explorar sua mão-de-obra em proveito econômico próprio, aliena-a a um corpo produtivo que não lhe pertence, e do qual de alguma forma passa a depender economicamente. Alguns juristas denominam a esse fenômeno subordinação econômica.

    Precisamente intentando corrigir tal desigualdade é que o tecido, a lã das normas trabalhistas sempre agasalhou mais o prestador dos serviços que o seu tomador. Na lição de Américo Plá Rodriguez, “o legislador não pôde mais manter a ficção de igualdade existente entre as partes do contrato de trabalho e inclinou-se para uma compensação dessa desigualdade econômica desfavorável ao trabalhador com uma proteção jurídica a ele favorável.”

    Como se sabe, as normas que regulam a relação de consumo trilham a direção inversa: ao invés de protegerem o prestador dos serviços, amparam o consumidor. José Geraldo Brito Filomeno observa que “a relação de consumo destina-se à satisfação de uma necessidade privada do consumidor, e este, não dispondo, por si só, de controle sobre a produção de bens de consumo ou prestação de serviços que lhe são destinados, arrisca-se a submeter-se ao poder e condições dos produtores daqueles mesmos bens e serviços”; daí a perspectiva do consumidor como parte vulnerável na relação de consumo. Corroborando sua explanação, Filomeno cita Fábio Konder Comparato e José Reinaldo de Lima Lopes. No mesmo sentido, Ada Pellegrini Grinover sublinha que o fornecedor inegavelmente assume a posição de força na relação de consumo, e por isso “dita as regras”, sobrevindo a legislação de proteção ao consumidor para reequilibrar aquela relação. Filomeno acentua com pertinência a demarcação do papel do Estado na defesa do consumidor, erigido à estatura de preceito constitucional ( art. 5º, inciso XXXII e art. 170 , inciso V da Constituição Federal ).

    O que faz o ordenamento jurídico é apenas fotografar a realidade econômica que apontamos acima: a relação de trabalho na contramão da relação de consumo; fenômeno que, a nosso ver, inviabiliza a fusão daquelas duas categorias em um mesmo modelo jurídico sem que se crie um paradoxo, verdadeiro absurdo jurídico a desafiar o ânimo casuístico do magistrado trabalhista, ora a lei protegendo o prestador dos serviços, ora o seu tomador; aqui se aplicando a inversão do ônus da prova para beneficiar o consumidor ( art. 6º , VIII do CDC ), ali se considerando a maior aptidão do tomador para a prova; em cada caso concreto o juiz do trabalho arriscaria um palpite sobre o hipossuficiente da relação – tudo em evidente prejuízo à identidade da jurisdição trabalhista.

    O dualismo entre a relação de trabalho e a relação de consumo nos parece cristalino.

    Um exemplo prático, tangenciando as duas relações jurídicas antagônicas, pode ilustrar essa concepção. Imaginemos que uma pessoa física (A) ingresse na economia informal preparando salgadinhos congelados para festas, tendo como um de seus clientes outra pessoa física (B) nas festas de aniversário de sua família. É fácil presumir que o preço dos salgadinhos será definido por A, tendo B que se sujeitar a essa estipulação ou procurar outro vendedor de salgadinhos ou – se todos lhe estiverem cobrando “os olhos da cara” – preparar seus próprios salgadinhos para as festas de família. Suponhamos que B, depois de organizar tantas festas, comece a auxiliar os amigos nas suas comemorações e, finalmente, resolva empregar o know-how adquirido, montando um bufê. É mais lógico ainda supor que, nesse novo contexto, B renegociará com A o preço dos salgadinhos, e também estabelecerá novas condições à prestação daqueles serviços (ainda que não exista subordinação jurídica), mesmo porque a partir de então B deterá uma organização produtiva, um empreendimento econômico, no qual os serviços de A estarão inseridos. Na situação original, havia mero consumo dos serviços prestados por A; quem ditava o preço dos salgadinhos era A; o vulnerável na relação era B. A partir do momento em que B monta seu próprio negócio, e passa a produzir, a mão-de-obra de A passa a ser expropriada, e por isso ele assume a condição de hipossuficiente relativo (mesmo trabalhando de forma autônoma), sendo o preço e as condições de trabalho ditados por B: a relação passa a ser trabalhista.

    E assim formulamos a premissa fundamental de nossa tese, sobre a qual se alicerça o conceito da relação de trabalho que iremos propor no item 4:

    A essência da relação de trabalho é a expropriação do trabalho alheio, com finalidade produtiva.

    O trabalho como fator de produção, e não de mero consumo – eis a substância da relação de trabalho. Quem apenas consome o trabalho, não o expropria (o termo expropriar nos parece mais preciso que o explorar, se considerarmos a finalidade não lucrativa do trabalho doméstico).

    Como procuraremos demonstrar no item 7, se na relação trabalhista doméstica inexiste produção direcionada ao mercado econômico, ocorre ali verdadeira substituição da atividade produtiva daquele mercado; por isso afirmamos que o trabalho doméstico é a variante que confirma a regra do escopo produtivo da relação de trabalho.

    [...]

    A questão que vem intrigando o meio jurídico trabalhista é outra: poderão os profissionais liberais figurar como prestadores de serviços na relação de trabalho? Ou, mais especificamente: entre o advogado e seu cliente forma-se relação de trabalho ou consumo?

    Na perspectiva de nossa tese, a solução é simples: se os serviços forem prestados pela pessoa física do advogado em favor de pessoa jurídica, de outro profissional liberal (no âmbito de sua atividade produtiva, reiteramos), ou de qualquer ente que produza bens ou serviços para o mercado, a relação será trabalhista; nas demais hipóteses, haverá mero consumo do serviço.

    Conforme apontamos no item 6, os serviços prestados por pessoa física a organização produtiva – ainda que atendendo necessidade acidental ou fortuita –, terão sempre finalidade produtiva, mesmo que indireta ou mediata. Acresce a isso, no caso dos serviços prestados pelo advogado, o inegável conteúdo econômico das demandas judiciais e seus reflexos na dinâmica do empreendimento do tomador – ainda mais visíveis nas atividades de consultoria jurídica.

    (destaquei com negrito ao transcrever)

    No caso dos autos, a prestação de serviço do autor não se caracteriza como relação de consumo, pois não houve sua contratação pelo réu da ação penal. Foi ele nomeado pelo Juiz da Vara Criminal para atuar como advogado dativo em favor do réu que não tinha condições de contratar e pagar advogado. A nomeação ocorreu depois de declínio da própria Defensoria Pública em prestar a assistência. A prestação de serviços do autor esteve, assim, plenamente inserida no contexto da função institucional e constitucional do Estado e teve por finalidade justamente suprir e cumprir um dever do próprio Estado.

    O trabalho do autor foi, usando a expressão referida no artigo acima transcrito, expropriado pelo Estado para que o próprio Estado se desincumbisse de seu dever de prestar assistência jurídica gratuita a pessoa que se declarou necessitada.

    Nessas circunstâncias, reconheço a competência material da Justiça do Trabalho e rejeito a preliminar.

    II - MÉRITO

    DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS

    É incontroverso que o autor foi nomeado advogado dativo para proceder à defesa do réu Carlos Eduardo Rodrigues da Silva. De outra parte, a inicial é instruída com farta prova documental a evidenciar que o autor se desincumbiu satisfatoriamente do encargo para o qual fora nomeado pelo Juiz da Vara Criminal de Vacaria.

    Como já referido em exame à preliminar de incompetência material, a nomeação do autor ocorreu depois de o Defensor Público ter informado ao Juiz da causa que não poderia defender o acusado, alegando para tanto razão de foro íntimo, conforme petição da fl. 110. E a prestação de serviços do autor foi usada pelo Estado no intuito de que este se desincumbisse de seu dever de prestar assistência jurídica gratuita a pessoa necessitada.

    Com efeito, o artigo , LXXIV , da Constituição Federal , dispõe que cabe ao Estado prestar assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.

    Na mesma linha, o artigo 134 da Constituição , invocado na inicial, preconiza ser incumbência da Defensoria Pública a orientação jurídica e a defesa dos necessitados.

    Logo, considerando que a ação penal era de competência da Justiça Estadual e nela tramitou, era do Estado do Rio Grande do Sul a responsabilidade pela prestação da assistência judiciária gratuita no âmbito do respectivo processo, sendo o aludido ente público, em decorrência, também responsável por remunerar o trabalho prestado pelo autor.

    De notar que a jurisprudência colacionada na defesa diz respeito ao arbitramento e cobrança dos honorários nos próprios autos em que houve a nomeação de advogado dativo, o que não é o caso dos autos, não havendo falar, portanto, em violação ao princípio do contraditório.

    Não prosperam, ainda, os argumentos defensivos dizentes com a alegada prestação de serviço público por particular, sem licitação, uma vez que a atuação do autor foi evidente resultado da carência de defensores públicos que pudessem atuar no feito em lugar daquele que se declarou impedido.

    A acolher a tese defensiva, aliás, o próprio Estado beneficiar-se-ia de sua omissão em atender ao dever que a ordem constitucional lhe impõe, fazendo uso de serviços profissionais sem efetuar o correspondente pagamento, ou seja, imporia aos profissionais que, de boa-fé, aceitam a incumbência de atuar como advogados dativos o constrangimento de trabalhar de graça, em flagrante desconsideração do valor social do trabalho, erigido como um dos fundamentos da República ( Constituição Federal , artigo 1º , IV ).

    O autor deve, portanto, ser remunerado pelo serviço que prestou.

    Para o arbitramento do valor, no entanto, não se viabiliza a pretensão de que seja simplesmente aplicada a tabela da OAB, não obstante o previsto no § 1º do artigo 22 da Lei 8.906 /94 , uma vez que dita tabela é elaborada de forma unilateral.

    Da mesma forma, não se viabiliza a pretensão defensiva de que seja simplesmente adotada a tabela elaborada e utilizada pelo Tribunal de Justiça para remunerar os advogados dativos. Dita tabela também é unilateral e, além disso, os rígidos e modestos limites nela referidos não se revelam adequados para fixar a remuneração do advogado dativo no caso dos autos. Tanto é assim que para o trabalho prestado pelo autor, de acordo com a tabela Anexa ao Ato 19 /2005-P, conforme consulta ao site do Tribunal de Justiça na Internet, realizada em 16/08/2007, o valor máximo previsto é de R$ 260,00, o qual, com a devida vênia, não pode ser considerado como contraprestação que valorize minimamente o trabalho do advogado, indispensável à administração da Justiça nas palavras da própria Constituição Federal (artigo 133).

    Julgo razoável, pois, diante da natureza do serviço prestado, e inclusive do tempo que o autor teve de despender para dele se desincumbir, a importância de R$ 1.140,00, que equivale, nesta data, a três salários mínimos.

    DOS JUROS E ATUALIZAÇÃO MONETÁRIA

    Os valores deferidos serão acrescidos de juros e correção monetária pelos índices aplicáveis aos débitos trabalhistas em geral, nos termos do artigo 39 , § 1º , da Lei 8.177 /91 , ressalvando-se, contudo, que diante do caráter eminentemente constitutivo desta decisão, e do arbitramento em valores atuais, os juros e correção monetária devem ser contados, excepcionalmente, a partir da data de publicação da sentença.

    DA ASSISTÊNCIA JUDICIÁRIA

    A declaração de pobreza na acepção legal do termo, prestada pelo autor, na inicial, tem seu conteúdo presumido como verdadeiro.

    Logo, defiro o benefício, ficando o autor isento do eventual pagamento de custas processuais e honorários advocatícios.

    DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS DE SUCUMBÊNCIA

    Conforme o artigo 5º da Instrução Normativa nº 27 /2005 do TST , “Exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários advocatícios são devidos pela mera sucumbência.”

    Mas tanto a condenação em custas como o deferimento de honorários advocatícios de sucumbência estão sujeitos a adaptações no processo do trabalho.

    Com efeito, a sucumbência parcial do trabalhador não lhe impõe o pagamento de custas parciais, pois o § 1º do artigo 789 da CLT dispõe que as custas serão pagas pelo vencido. Pelo mesmo fundamento, o trabalhador só estará sujeito ao pagamento de honorários de advogado da parte adversa se restar integralmente sucumbente em relação a um ou mais dos pedidos deduzidos na ação (visto que a cada pedido corresponde, na realidade, uma ação, e via de regra se presencia, nas lides trabalhistas, a hipótese de acumulação objetiva de ações em um único processo).

    Por isso, no caso dos autos, embora não tenha sido acolhido o valor sugerido na inicial, o autor não está sujeito ao pagamento de honorários de advogado do réu, como também não está sujeito ao pagamento de custas processuais sobre a diferença entre o valor pretendido e o deferido.

    Condeno o réu, portanto, ao pagamento de honorários da advogada do autor, estabelecidos no pleiteado percentual de 15% sobre o valor da condenação principal, incluídos os juros e a correção monetária na base de cálculo.

    DOS DESCONTOS PREVIDENCIÁRIOS E FISCAIS

    Sobre as parcelas deferidas, o réu poderá reter, oportunamente, os valores referentes às contribuições previdenciárias e imposto de renda eventualmente incidentes conforme a lei que estiver em vigência no momento do efetivo pagamento.

    DOS CRITÉRIOS DE EXECUÇÃO

    A forma de pagamento ao autor será definida na fase própria, sendo inoportuno discutir, nesta fase de conhecimento, sobre eventual expedição de precatório com reconhecimento de “crédito de natureza alimentar”, até porque os limites da condenação viabilizam, em princípio, a expedição de requisição de pequeno valor. Prejudicado, portanto, o requerimento da inicial pertinente à matéria.

    Ante o exposto, rejeito a preliminar de incompetência em razão da matéria e, no mérito, acolho EM PARTE o pedido deduzido por JOEL MACEDO DE LEMOS nos autos da ação por ele proposta em face do ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL para condenar o réu a pagar ao autor, segundo se apurar em liquidação de sentença, com juros e correção monetária, observados os critérios definidos na fundamentação, o que segue:

    a) remuneração de R$ 1.140,00 (mil, cento e quarenta reais), pelo serviço prestado como advogado dativo, em ação penal, ao réu Carlos Eduardo Rodrigues da Silva, beneficiário de assistência judiciária.

    Custas de R$ 26,00, calculadas sobre o valor arbitrado à condenação, de R$ 1.300,00, são atribuídas ao réu, que fica dispensado do pagamento nos termos do artigo 790-A , I , da CLT . O réu pagará honorários da advogada do autor, na forma da fundamentação. Autorizados os descontos previdenciários e fiscais eventualmente incidentes sobre o crédito do autor, conforme a fundamentação, cujos recolhimentos, se for o caso, deverão ser comprovados oportunamente nos autos. A teor do § 2º do artigo 475 do CPC , acrescentado pela Lei nº 10.352 , de 26/12/2001 , e conforme Súmula nº 303 do TST , esta decisão não está sujeita a reexame necessário, uma vez que o valor da condenação não supera o limite de sessenta salários mínimos. Publique-se. Intimem-se. CUMPRA-SE após o trânsito em julgado. Nada mais.

    FERNANDO FORMOLO

    Juiz do Trabalho Substituto

    Nelton Joarez Fernandes Nery

    Diretor de Secretaria"

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