Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
30 de Abril de 2024

Crime de opinião: a escancarada Juristocracia!

Publicado por Brena Barbosa
há 3 anos

Relatório

O Deputado Federal Daniel Silveira teve sua prisão em flagrante decretada, pelo Ministro Alexandre de Moraes, em 16 de fevereiro de 2021, após publicar um vídeo de 19m9s em seu canal no youtube, sob o fundamento de ter atacado frontalmente os Ministros do Supremo Tribunal Federal, por meio de diversas ameaças e ofensas à honra, expressamente propaga a adoção de medidas antidemocráticas contra o Supremo Tribunal Federal, defendendo o AI-5; inclusive com a substituição imediata de todos os Ministros, bem como instigando a adoção de medidas violentas contra a vida e segurança dos mesmos, em clara afronta aos princípios democráticos, republicanos e da separação de poderes.

Assim sendo, consta no Inquérito 4.781 Distrito Federal, a decisão relatando que a conduta do Deputado Federal encontra-se tipificada nos artigos 17, 18, 22, incisos I e IV, 23, incisos I, II e IV e 26, Lei 7.170/83, razão pela demonstrou-se imprescindível à expedição do mandado de prisão em flagrante.

Contudo, a prisão é ilegal, segundo se entenderá pelos fundamentos constitucionais que passo a expor.

Dos Fundamentos

A priori, deve-se levar em conta que o agente em questão é parlamentar, Deputado Federal, ou seja, a fim de conseguir exercer seu mandato a Constituição Federal lhe conferiu prerrogativas e privilégios, dentre eles, as imunidades material e formal.

No âmbito da imunidade formal/processual, prerrogativa irrenunciável, dispõe o art. 53, , da CF/88, Ipsis Litteris:

Art. 53. Os Deputados e Senadores são invioláveis, civil e penalmente, por quaisquer de suas opiniões, palavras e votos.
§ 2º Desde a expedição do diploma, os membros do Congresso Nacional não poderão ser presos, salvo em flagrante de crime inafiançável. Nesse caso, os autos serão remetidos dentro de vinte e quatro horas à Casa respectiva, para que, pelo voto da maioria de seus membros, resolva sobre a prisão. (grifei)

Sendo assim, pela leitura do texto supramencionado não pairam dúvidas de que a opinião do Deputado Federal, acerca dos Ministros do Supremo Tribunal Federal, encontra-se respaldada na inviolabilidade, tendo em vista que o mesmo a proferiu enquanto Deputado.

Todavia, na decisão proferida pelo Min. Alexandre de Moraes é nítida a pretensão de querer enquadrar o parlamentar em crime inafiançável tendo por base elementos não constitucionais e processuais: caráter, biografia, o temperamento, a militância política e vida pessoal do agente, e não por condutas que lesionam as instituições democráticas existentes de forma efetiva, até porque as ofensas foram direcionadas aos membros do Superior Tribunal Federal e não à Instituição;

“(…) eu quero saber o que você vai fazer com os Generais... os homenzinhos de botão dourado, você lembra ? Eu sei que você lembra, ato institucional nº 5, de um total de 17 atos institucionais, você lembra, você era militante do PT, Partido Comunista, da Aliança Comunista do Brasil
(…)
o que acontece Fachin, é que todo mundo está cansado dessa sua cara de filha da puta que tu tem, essa cara de vagabundo... várias e várias vezes já te imaginei levando uma surra, quantas vezes eu imaginei você e todos os integrantes dessa corte … quantas vezes eu imaginei você na rua levando uma surra... Que que você vai falar ? que eu to fomentando a violência ? Não... eu só imaginei... ainda que eu premeditasse, não seria crime, você sabe que não seria crime... você é um jurista pífio, mas sabe que esse mínimo é previsível.... então qualquer cidadão que conjecturar uma surra bem dada com um gato morto até ele miar, de preferência após cada refeição, não é crime
(...)
vocês não tem caráter, nem escrúpulo, nem moral para poderem estar na Suprema Corte. Eu concordo completamente com o Abraham Waintraub quando ele falou ‘eu por mim colocava todos esses vagabundos todos na cadeia’, aponta para trás, começando pelo STF. Ele estava certo. Ele está certo. E com ele pelo menos uns 80 milhões de brasileiros corroboram com esse pensamento.
(…)
Ao STF, pelo menos constitucionalmente, cabe a ele guardar aconstituiçãoo. Mas vocês não fazem mais isto. Você e seus dez ‘abiguinhos, abiguinhos’, não guardam a Constituição, vocês defecam sobre a mesma, essa Constituição que é uma porcaria, para poder colocar canalhas sempre na hegemonia do poder e claro, pessoas da sua estirpe devem ser perpetuadas para que protejam o arcabouço dos crimes no Brasil, e se encontram aí, na Suprema Corte
(...)
Eu também vou perseguir vocês. Eu não tenho medo de vagabundo, não tenho medo de traficante, não tenho medo de assassino, vou ter medo de onze ? que não servem para porra nenhuma para esse país ? Não.. não vou ter. Só que eu sei muito bem com quem vocês andam, o que vocês fazem.
(…)
você desrespeita a tripartição dos poderes, a tripartição do Estado, você vai lá e interfere, comete uma ingerência na decisão do presidente, por exemplo, e pensa que pode ficar por isso mesmo. Aí quando um general das Forças Armadas, do Exército para ser preciso, faz um tuite, faz alguma coisa, e você fica nervosinho, é porque ele tem as razões dele. Lá em 64, na verdade em 35, quando eles perceberam a manobra comunista, de vagabundos da sua estirpe, 64 foi dado então um contragolpe militar, é que teve lá os 17 atos institucionais, o AI5 que é o mais duro de todos como vocês insistem em dizer, aquele que cassou 3 ministros da Suprema Corte, você lembra ? Cassou senadores, deputados federais, estaduais, foi uma depuração, um recadinho muito claro, se fizerem a gente volta, mas o povo, naquela época ignorante, acreditando na rede globo diz “queremos democracia” “presidencialismo”, “Estados Unidos”, e os ditadores que vocês chamam entregaram o poder ao povo.
(…)
vocês deveriam ter sido destituídos do posto de vocês e uma nova nomeação, convocada e feita de onze novos ministros, vocês nunca mereceram estar aí e vários também que já passaram não mereciam. Vocês são intragáveis, inaceitáveis, intolerável Fachin. (…) Não é nenhum tipo de pressão sobre o Judiciário não porque o Judiciário tem feito uma sucessão de merda no Brasil. Uma sucessão de merda, e quando chega em cima, na suprema corte, vocês terminam de cagar a porra toda. É isso que vocês fazem. Vocês endossam a merda. Então como já dizia lá, Rui Barbosa, a pior ditadura é a do Judiciário, pois contra ela não há a quem recorrer. E infelizmente, infelizmente é verdade. O Judiciário tem feito uma, vide MP, Ministério Público, uma sucessão de merdas. Um bando de militantes totalmente lobotomizado, fazendo um monte de merda”.

Acerca da manifestação do pensamento, cita-se o artigo 220, da CF/88;

Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

Dessa forma, por mais que as palavras proferidas pelo Deputado tenham sido chulas, baixas, carregadas de injúria, difamação e provocações aos Ministros, como também sejam protegidas pela imunidade formal, a própria Constituição aponta uma solução, qual seja, a possibilidade de se reparar o dano, mas, em momento algum, em prisão.

Art. , X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação (grifei)

Ademais, acerca dos crimes contra a honra há expressa previsão no Código Penal, todavia, passíveis de fiança, contrariando a vontade do Ministro relator.

Nesse rumo, alerta-se que, nos crimes de agressão verbal, o flagrante se exaure no momento em que a fala é proferida, segundo entende o professor Thiago Bottino, sendo este o posicionamento adotado pela doutrina majoritária.

“Os crimes são instantâneos e se esgotam no momento em que a pessoa fala. Não é porque o vídeo está no ar que há uma continuidade na prática do crime.”

Logo, cai por terra a fundamentação adotada pelo Ministro para justificar a consumação da prisão em flagrante:

Relembre-se que, considera-se em flagrante delito aquele que está cometendo a ação penal, ou ainda acabou de cometê-la. Na presente hipótese, verifica-se que o parlamentar Daniel Silveira, ao postar e permitir a divulgação do referido vídeo, que repiso, permanece disponível nas redes sociais, encontra-se em infração permanente e consequentemente em flagrante delito, o que permite a consumação de sua prisão em flagrante.

No mais, não se pode deixar de mencionar que não existe a figura do mandado de prisão em flagrante, sendo esta mais uma inovação do Ministro.

Não sendo suficientes os absurdos acima mencionados, crucial apontar que não pode o Magistrado decretar prisão preventiva de ofício, seja durante o curso da investigação, seja durante o curso da ação penal, exigindo prévio requerimento do Ministério Público ou representação da autoridade policial, como preconiza o artigo 311 do CPP, quando dispõe que;

“em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público, do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial”.

Dessa maneira, acumula o Ministro Relator as funções de investigar e julgar indo de encontro com o preconizado no sistema acusatório vigente em nosso Ordenamento Jurídico, qual seja, que o exercício do Jus Puniendi pelo Estado só ocorrerá após as partes produzirem as provas e juntarem nos autos, estando o magistrado vinculado a elas.

Desse modo, percebem-se as ilegalidades constantes no Inquérito que ensejou a prisão, como também, dos demais atos realizados ao longo das investigações que cominaram na restrição da liberdade do parlamentar.

No mais, não se pode olvidar que o Deputado exagerou em suas palavras tendo por agravantes ser representante do povo e de grande influência, de modo que sua conduta poderia ser devidamente analisada pelo Conselho de Ética e Decoro presente na Câmara dos Deputados, sendo-lhe aplicada a devida pena, que pode ser desde a advertência até a perda demandado, conforme previsto no Estatuto do Congressista.

Conclusão

À face do exposto, é possível concluir que a prisão do parlamentar se deu mediante grave violação ao ordenamento jurídico, sendo perfeitamente possível se falar que estamos diante de uma concretização da Juristocracia.

Juristocracia esta que constantemente vêm trazendo à luz decisões políticas, morais, ativistas e afastadas do teor/núcleo de um Estado Democrático de Direito (Art. , Caput, CF/88).

Nessa esteira, foram apresentados vários pontos que corroboram com ilegalidade na prisão do parlamentar, principalmente no que concerne a imunidade formal que o reveste.

Ademais, deve se levar em consideração que a própria instauração do Inquérito de nº 4.781/DF é ilegal, uma vez que o objeto de investigação é indefinido; a indicação do ministro responsável viola a exigência de livre distribuição do STF; a própria instituição, STF, não ter atribuição para o caso; violação ao sistema acusatório adotado pela Constituição Federal de 1988 e a violação a liberdade de expressão.





Referência Bibliográfica

ALMEIDA, Mayara. Estatuto jurídico-constitucional dos congressistas brasileiros. Jus.com.br, 2017. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/61705/estatuto-jurídico-constitucional-dos-congressistas-brasileiros. Acesso em 31.03.2021.

BARRETO, Leonardo Moreira Alves. O juiz pode decretar prisão preventiva de ofício? Consultor Jurídico, 2020. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2020-abr-02/opiniao-juiz-decretar-prisão-preventiva-oficio. Acesso em 31.03.2021.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez.

BRASIL. Decreto-Lei 3.689, de 03 de outubro de 1941. Código de Processo Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 3 out.

GOMES, Ademar. Aplicação da Lei de Segurança Nacional é válida. Consultor Jurídico, 2013. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2013-out-10/ademar-gomes-aplicacao-lei-segurança-nacional-valida. Acesso em 31.03.2021.

  • Sobre o autorBacharel em Direito
  • Publicações16
  • Seguidores24
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações164
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/crime-de-opiniao-a-escancarada-juristocracia/1188935693

Informações relacionadas

Evinis Talon, Advogado
Artigoshá 6 anos

O que são crimes políticos?

Luiz Flávio Gomes, Político
Artigoshá 13 anos

O que distingue os crimes tentado, consumado, instantâneo, permanente e instantâneo de efeitos permanentes?

Dr. Bruno Leonardo Castro, Advogado
Artigoshá 9 anos

Os Projetos de Lei da 'Mordaça Digital'

Notíciashá 17 anos

STF considera cláusula de barreira inconstitucional

Marcelo Azevedo, Advogado
Artigoshá 3 anos

Quando a viúva é herdeira?

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)