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25 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Supremo Tribunal Federal STF - RECLAMAÇÃO: Rcl 57598 SP - Inteiro Teor

Supremo Tribunal Federal
ano passado

Detalhes

Processo

Partes

Publicação

Julgamento

Relator

ALEXANDRE DE MORAES

Documentos anexos

Inteiro TeorSTF_RCL_57598_13651.pdf
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Inteiro Teor

RECLAMAÇÃO 57.598 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. ALEXANDRE DE MORAES

RECLTE.(S) : JAMEF TRANSPORTES LIMITADA

ADV.(A/S) : BRUNO DE MEDEIROS LOPES TOCANTINS

RECLDO.(A/S) : JUIZ DO TRABALHO DA 22a VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO

ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

BENEF.(A/S) : ADRIANO VANDERLEI DA SILVA LAUREANO

ADV.(A/S) : SEM REPRESENTAÇÃO NOS AUTOS

DECISÃO

Trata-se de Reclamação, com pedido de medida liminar, ajuizada por JAMEF TRANSPORTES EIRELI, contra decisão do Juízo da 22a Vara do Trabalho de São Paulo (Processo n. XXXXX-23.2021.5.02.0022), que teria desrespeitado o que decidido por esta CORTE na ADC 48 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/4/2020).

Na inicial, a parte reclamante apresenta as seguintes alegações de fato e de direito (eDoc. 1, fls. 1-5):

"ADRIANO VANDERLEI DA SILVA LAUREANO ajuizou Reclamação Trabalhista em face de JAMEF TRANSPORTES EIRELI, ora Reclamante, tendo tal ação sido distribuída a 22a Vara do Trabalho de São Paulo, com o número XXXXX- 23.2021.5.02.0022, cujas cópias da petição inicial, defesa e decisões seguem anexas à presente.

Na referida demanda, o Autor objetiva o reconhecimento judicial de um suposto vínculo jurídico de emprego em decorrência da prestação de serviços de transportador autônomo de cargas, com o pagamento de horas extraordinárias, de horas intervalos, e verbas contratuais e rescisórias, tendo atribuído aos referidos pleitos o valor de R$ 534.459,48.

Ao se defender no aludido processo, a Reclamante apresentou diversos documentos aptos a comprovar a existência de relação contratual comercial firmada entre as partes, na forma das Leis n.º 11.442/2007 e n.º 7.290/1984, a primeira vigente durante todo o período imprescrito, e a última vigente no início da prestação dos serviços, dentro os quais destacam-se os seguintes documentos: a) Contrato de Prestação de Serviços de Transporte de Cargas, em 28.04.2003; b) Certificado de Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas (RNTT-C) junto à ANTT, na categoria Transportador Autônomo de Cargas (TAC).

Além disso, como admite a própria petição inicial da Reclamação Trabalhista, o prestador de serviços era proprietário do veículo Mercedes 710, Placa DTB 9139, com o qual prestava serviços de transporte de mercadorias, arcando com todos os gastos com manutenção do veículo e combustível.

Importante ressaltar que a defesa apresentada pela ora Reclamante comprovou de forma inequívoca e sumária que o Contrato de Prestação de Serviços de Transporte de Cargas foi firmado com amparo nas Leis n.º 11.442/2007 e n.º 7.290/1984, e que em nenhuma hipótese gera qualquer tipo de vínculo jurídico de emprego, sendo que o julgamento de todas as ações decorrentes de tais relações compete exclusivamente à Justiça Comum (...).

A inexistência de relação de emprego decorre do fato de que o agregado/motorista presta serviços de forma autônoma com seu próprio caminhão (adquirido, arrendado, alugado etc.), devidamente inscrito na ANTT como Transportador Autônomo de Cargas (TAC), não possuindo qualquer tipo de subordinação, nem pagamento de salários, cumprimento de horários, habitualidade ou pessoalidade, o que afasta por completo e de forma sumária qualquer relação jurídica trabalhista.

Portanto, na defesa, a ora Reclamante arguiu a incompetência absoluta da Justiça do Trabalho para o exame daquela ação, requerendo a remessa dos autos à Justiça Comum (art. 64, caput e § 1º, CPC, c/c art. 769, CLT).

Na referida arguição, foi destacado que na Ação

Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º 48, esse Excelso Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a constitucionalidade da Lei nº 11.442/07, em especial quanto à natureza comercial da contratação de autônomos para exercício da atividade de transporte de cargas e quanto à competência da Justiça comum para analisar as controvérsias dela decorrentes.

Entretanto, o MM. Juízo da 22a Vara do Trabalho de São Paulo rejeitou a referida preliminar de incompetência absoluta, e determinou o prosseguimento do feito perante a Justiça do Trabalho, designando inclusive uma audiência de instrução para 27.03.2023. (...).

No presente caso, é certo que para analisar a existência do vínculo jurídico de emprego pleiteado pelo Autor da Reclamação Trabalhista n.º 001001- 23.2021.5.02.0022, há de se enfrentar, por primeiro, a prejudicial da relação comercial decorrente da Lei n.º 11.442/2007.

Com efeito, na Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) n.º 48, o Supremo Tribunal Federal (STF) afirmou a constitucionalidade da Lei nº 11.442/07, em especial quanto à natureza comercial da contratação de autônomos para exercício da atividade de transporte de cagas e quanto à competência da Justiça comum para analisar as controvérsias dela decorrentes.".

Requer, ao final, a concessão de medida liminar para "suspender de imediato o andamento do processo XXXXX-23.2021.5.02.0022, até ulterior decisão desse Excelso Supremo Tribunal Federal, haja visto o descumprimento da decisão de mérito proferida nos autos da ADC XXXXX/DF (art. 989, II, CPC.". No mérito,"seja esta Reclamação julgada integralmente procedente para reconhecer a Justiça Comum como competente para processar e julgar o feito originário.". (eDoc. 1, fl. 10).

É o relatório. Decido.

A respeito do cabimento da Reclamação para o SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL, dispõem os arts. 102, I, l, e 103-A, caput e § 3º, ambos da Constituição Federal:

"Art. 102. Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição, cabendo-lhe:

I - processar e julgar, originariamente:

[...]

l) a reclamação para a preservação de sua competência e garantia da autoridade de suas decisões;

Art. 103-A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei.

[...]

§ 3º Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando- a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso."

Veja-se também o art. 988, I, II e III, do Código de Processo Civil:

"Art. 988. Caberá reclamação da parte interessada ou do Ministério Público para:

I - preservar a competência do tribunal;

II - garantir a autoridade das decisões do tribunal;

III - garantir a observância de enunciado de súmula vinculante e de decisão do Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade."

Registre-se que a presente Reclamação foi protocolada nesta CORTE em 12/1/2023. Desse modo, é inaplicável, ao caso sob exame, o art. 988, § 5º, inciso I, do CPC, que assimilou pacífico entendimento desta CORTE, materializado na Súmula 734 ("Não cabe reclamação quando já houver transitado em julgado o ato judicial que se alega tenha desrespeitado decisão do Supremo Tribunal Federal"), uma vez que, segundo informações obtidas no sítio eletrônico do Tribunal Regional do Trabalho da 2a Região, o processo encontra-se em trâmite.

Quanto ao parâmetro de controle, invoca-se o que decidido por esta CORTE na ADC 48 (Rel. Min. ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 15/4/2020), cujo conteúdo encontra-se sumariado na seguinte ementa:

"Direito do Trabalho. Ação Declaratória da Constitucionalidade e Ação Direta de Inconstitucionalidade. Transporte rodoviário de cargas. Lei 11.442/2007, que previu a terceirização da atividade-fim. Vínculo meramente comercial. Não configuração de relação de emprego.

1. A Lei nº 11.442/2007 (i) regulamentou a contratação de transportadores autônomos de carga por proprietários de carga e por empresas transportadoras de carga; (ii) autorizou a terceirização da atividade-fim pelas empresas transportadoras; e (iii) afastou a configuração de vínculo de emprego nessa hipótese.

2. É legítima a terceirização das atividades-fim de uma empresa. Como já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal, a Constituição não impõe uma única forma de estruturar a produção. Ao contrário, o princípio constitucional da livre iniciativa garante aos agentes econômicos liberdade para eleger suas estratégias empresariais dentro do marco vigente ( CF/1988, art. 170). A proteção constitucional ao trabalho não impõe que toda e qualquer prestação remunerada de serviços configure relação de emprego ( CF/1988, art. ). Precedente: ADPF 524, Rel. Min. Luís Roberto Barroso.

3. Não há inconstitucionalidade no prazo prescricional de

1 (um) ano, a contar da ciência do dano, para a propositura de ação de reparação de danos, prevista no art. 18 da Lei 11.442/2007, à luz do art. , XXIX, CF, uma vez que não se trata de relação de trabalho, mas de relação comercial.

4. Procedência da ação declaratória da constitucionalidade e improcedência da ação direta de inconstitucionalidade. Tese: ‘ 1 A Lei 11.442/2007 é constitucional, uma vez que a Constituição não veda a terceirização, de atividade-meio ou fim. 2 O prazo prescricional estabelecido no art. 18 da Lei 11.442/2007 é válido porque não se trata de créditos resultantes de relação de trabalho, mas de relação comercial, não incidindo na hipótese o art. , XXIX, CF. 3 Uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista" .

Naquela oportunidade, o Ministro Relator, em seu voto, pontuou que a Lei 11.442/2007 "disciplina, entre outras questões, a relação comercial, de natureza civil, existente entre os agentes do setor, permitindo a contratação de autônomos para a realização do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) sem a configuração de vínculo de emprego". Portanto, as controvérsias sobre as relações jurídicas envolvendo tal diploma legal devem ser analisadas pela Justiça Comum, e não pela Justiça Trabalhista, diante da natureza jurídica comercial que as circundam, reitere-se.

Apesar disso, no presente caso, o Juízo reclamado firmou a competência material da Justiça Laboral para julgar a demanda, sob as seguintes alegações (eDoc. 4, fls. 2-3):

"Vistos.

Trata-se de exceção de incompetência em razão da matéria interposta pela ré, que alega que a Justiça do trabalho seria incompetente para deliberar sobre contrato firmado para transportes de carga conforme ADC 48 do STF e Lei 11.442/2007.

Em resposta, afirma o autor que pleiteia o reconhecimento de vínculo de emprego no período anterior à edição da referida lei.

Decido:

Afasto a incompetência em razão da matéria, haja vista que conforme acertadamente ponderado pelo autor em sua manifestação, o pedido se refere ao período anterior à lei, bem como o pedido de reconhecimento do vínculo de emprego somente poderia ser analisado no âmbito dessa justiça especializada, tratando-se, em verdade, de questão de mérito.

ISTO POSTO, AFASTO A ALEGADA INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA.

Designo audiência de instrução telepresencial para 27/03/2023, as 10h, que será realizada pelo aplicativo zoom.".

O ato reclamado, ao afirmar pela prevalência do princípio da primazia da realidade , tomou para si a competência de analisar a existência, a validade e a eficácia do contrato empresarial firmado entre as partes com base na Lei 11.442/2007, conduta essa suficiente para esvaziar o decidido por esta CORTE na ADC 48, na qual se reputou o seguinte: uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista .

É oportuno lembrar que o deslocamento da competência para a Justiça Comum, a fim de dizer se a demanda é ou não trabalhista, vem a dar ênfase aos dispositivos da Lei 11.442/2007, o qual tem como pressuposto a relação comercial e civil. É o que assinalou o Ministro Roberto Barroso, relator da ADC 48, no trecho a seguir:

"Por fim, é de se notar que nem mesmo pelos critérios da Consolidação das Leis do Trabalho seria possível configurar a contratação do transporte autônomo de carga como relação de emprego, diante da ausência dos requisitos da pessoalidade, da subordinação e/ou da não-eventualidade. Por todo exposto, entendo que, uma vez preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, estará configurada a relação comercial de natureza civil e afastada a configuração de vínculo trabalhista.

Entendimento contrário é justamente o que tem permitido que, na prática, se negue sistematicamente aplicação à norma em exame, esvaziando-lhe o preceito. Portanto, o regime jurídico que se presta como paradigma para o exame da natureza do vínculo é aquele previsto na Lei nº 11.442/2007."

Nessa linha de consideração, mutatis mutandis , deve-se aplicar, à presente demanda, a mesma sistemática que esta CORTE vem adotando nos casos em que surgem dúvidas quanto à validade de vínculo jurídico- administrativo, isto é, "o eventual desvirtuamento da designação temporária para o exercício de função pública, ou seja, da relação jurídico-administrativa estabelecida entre as partes, não pode ser apreciado pela Justiça do Trabalho" ( Rcl 4.464, Rel. Min. CARLOS BRITTO, Red. p/ Acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 20/5/2009), pois "compete à Justiça comum pronunciar-se sobre a existência, a validade e a eficácia das relações entre servidores e o poder público, fundadas em vínculo estatutário" ( Rcl 4.803, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Tribunal Pleno, julgado em 2/6/2010). É que "antes de se tratar de um problema de direito trabalhista a questão deve ser resolvida no âmbito do direito administrativo [no presente caso, no âmbito do direito empresarial] , pois para o reconhecimento da relação trabalhista terá o juiz que decidir se teria havido vício na relação administrativa a descaracterizá-la" ( Rcl 8.110, Rel. Min. MARCO AURÉLIO, Red. p/ acórdão Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, DJe de 12/2/10).

Portanto, "a discussão sobre a presença dos pressupostos e requisitos legais deve ser apreciada pela Justiça Comum. Somente nos casos em que a Justiça Comum constate que não foram preenchidos os requisitos dispostos na Lei nº 11.442/2007, a competência passaria a ser da Justiça do Trabalho ( Rcl. 43.982, Rel. Min. ROBERTO BARROSO, DJe de 2/3/2021, decisão monocrática).

No mesmo sentido:

"CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. VIOLAÇÃO AO QUE DECIDIDO NA ADC 48. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA COMUM PARA JULGAR CAUSA ENVOLVENDO RELAÇÃO JURÍDICA COMERCIAL. AGRAVO INTERNO PROVIDO.

1. No julgamento da ADC 48, o Ministro Relator Roberto Barroso consignou em seu voto que a Lei 11.442/2007, ‘disciplina, entre outras questões, a relação comercial, de natureza civil, existente entre os agentes do setor, permitindo a contratação de autônomos para a realização do Transporte Rodoviário de Cargas (TRC) sem a configuração de vínculo de emprego’.

2. As relações envolvendo a incidência da Lei 11.442/2007 possuem natureza jurídica comercial, motivo pelo qual devem ser analisadas pela justiça comum, e não pela justiça do trabalho, ainda que em discussão alegação de fraude à legislação trabalhista, consubstanciada no teor dos arts. e da CLT.

3. Agravo Interno provido". ( Rcl 43.544 AgR, Rel. Min. ROSA WEBER, Redator p/ o acórdão Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, DJe de 3/3/2021).

Destaque-se não haver preclusão sobre a discussão: apesar de não ter existido impugnação em momento oportuno quanto à decisão que reafirmou o vínculo trabalhista e devolveu o processo à Primeira Instância, discute-se, no presente caso, competência em razão da matéria, cuja natureza é absoluta, podendo ser revista a qualquer tempo.

Diante do exposto, com base no art. 161, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, JULGO PROCEDENTE o pedido de forma sejam cassados os atos proferidos pela Justiça do Trabalho (Processo n. XXXXX-23.2021.5.02.0022) e DETERMINO a remessa dos autos à Justiça Comum.

Nos termos do art. 52, parágrafo único, do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, dispenso a remessa dos autos à Procuradoria- Geral da República.

Publique-se.

Brasília, 13 de janeiro de 2023.

Ministro ALEXANDRE DE MORAES

Relator

Documento assinado digitalmente

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/stf/1745043162/inteiro-teor-1745043166