Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Maio de 2024
  • 2º Grau
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Turma Criminal

Publicação

Julgamento

Relator

GISLENE PINHEIRO

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-DF__07475077220228070001_b5ab2.pdf
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Inteiro Teor

TERRITÓRIOS

Órgão 1a Turma Criminal

Processo N. APELAÇÃO CRIMINAL XXXXX-72.2022.8.07.0001

APELANTE (S) NILSON FARIAS DE CARVALHO e THIAGO NOVAIS DA ROCHA

APELADO (S) MINISTÉRIO PÚBLICO DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Relatora Desembargadora GISLENE PINHEIRO

Desembargador ASIEL HENRIQUE DE SOUSA Revisor

Acórdão Nº 1749070

EMENTA

PENAL. PROCESSO PENAL. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. DESTINAÇÃO À DIFUSÃO ILÍCITA DA DROGA. ABSOLVIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. IMPOSSIBILIDADE. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. DUAS AÇÕES NUCLEARES. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL. EXASPERAÇÃO AFASTADA. SENTENÇA REFORMADA.

1.Não vinga o pleito absolutório por falta de provas da traficância ou o pedido de desclassificação do crime de tráfico para porte de drogas de para uso pessoal, se os réus foram vistos por policiais civis em campana comercializando porções de droga, devido a denúncias anônimas, sendo indicado pelos usuários como as pessoas que lhe vendera as substâncias, e ainda abordado com dinheiro e trazendo consigo outras frações do entorpecente prontas para difusão ilícita.

2. Para se distinguir o usuário do traficante, deve-se levar em consideração todos os fatores que cercam a prática criminosa, tais como lugar e horário em que o agente foi surpreendido levando consigo ou mantendo em depósito a droga, a quantidade e variedade da substância apreendida, dentre outros.

3. O crime de tráfico é classificado entre aqueles de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, a prática de mais de uma ação descrita no tipo, desde que inseridas no mesmo contexto fático, não tem o condão de elevar a reprovabilidade do crime praticado. Exasperação da circunstância judicial da culpabilidade afastada na primeira fase.

4. Recursos parcialmente providos.

ACÓRDÃO

Acordam os Senhores Desembargadores do (a) 1a Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios, GISLENE PINHEIRO - Relatora, ASIEL HENRIQUE DE SOUSA - Revisor e SIMONE LUCINDO - 1º Vogal, sob a Presidência da Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO, em proferir a seguinte decisão: REJEITAR AS PRELIMINARES. DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME, de acordo com a ata do julgamento e notas taquigráficas.

Brasília (DF), 31 de Agosto de 2023

Desembargadora GISLENE PINHEIRO

Relatora

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos por Nilson Farias de Carvalho (ID XXXXX) e Thiago Novais da Rocha (ID XXXXX), em face da sentença ID XXXXX, na qual o Juiz da 4a Vara de Entorpecentes do Distrito Federal, nos autos do processo epigrafado, condenou os acusados, ora apelantes, pela prática do crime previsto no artigo 33, caput, da Lei nº 11.343/2006, aplicando as seguintes penas, respectivamente, 10 (dez) anos de reclusão, no regime inicial fechado, mais 1000 (mil) dias-multa, à fração mínima, mantida a prisão preventiva e 02 (dois) anos e 06 (seis) meses de reclusão, no regime inicial aberto, mais 500 (quinhentos) dias-multa, à fração mínima, com substituição da pena privativa de liberdade por duas restritivas de direitos.

Narra a exordial (id XXXXX):

"No dia 12 de dezembro de 2022, entre 19h e 20h, na Quadra 403, Conjunto 7, Praça Pública conhecida como"Praça do Pé de Manga", Recanto das Emas/DF, o denunciando Thiago, consciente e voluntariamente, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar, vendeu para o usuário Marcos Vinícius Dourado, por R$ 10,00 (dez reais), 1 (uma) porção da substância conhecida como maconha, sem

acondicionamento, perfazendo a massa líquida de 1,23g (um grama e vinte e três

centigramas). Nas mesmas circunstâncias, o denunciando Nílson, consciente e

voluntariamente, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou

regulamentar, vendeu para o usuário Arthur Iorranes Leite Magalhães, pelo valor de R$ 10,00 (dez reais), 1 (uma) porção da substância conhecida como maconha, sem

acondicionamento, perfazendo a massa líquida de 0,79g (setenta e nove centigramas). Ainda nas mesmas condições, os denunciados, agindo em comunhão de esforços e unidade de desígnios, consciente e voluntariamente, sem autorização e em desacordo com

determinação legal ou regulamentar, tinham em depósito, para fins de difusão ilícita, 1 (uma) porção da mesma substância (maconha), acondicionada em sacola/segmento

plástico, com massa líquida de 17,73g (dezessete gramas e setenta e três centigramas), e 1 (uma) porção da mesma substância (maconha), fragmentada em duas partes,

acondicionadas em sacola/segmento plástico, com massa líquida de 21,79g (vinte e um gramas e setenta e nove centigramas). As porções apreendidas, quando submetidas a exame, apresentaram resultado positivo para tetrahidrocannabinol - THC, principal componente psicoativo da espécie Cannabis sativa L., substância capaz de causar dependência física ou psíquica e, portanto, proibida em todo o território nacional, nos termos da Lei 11.343/2006. Policiais civis, em razão de diversas informações anônimas recebidas por telefone, vinham investigando o tráfico de drogas promovido pelos denunciados, conhecidos da equipe, na Quadra 403, praça pública conhecida como"Praça do Pé de Manga", Recanto das Emas/DF, local em que verificaram intenso movimento típico de mercancia de entorpecentes. Na data dos fatos, os agentes de polícia retornaram para o citado endereço e passaram a monitorar o local. Em determinado momento da campana, visualizaram o momento em que o denunciando Thiago realizou uma transação com o usuário posteriormente identificado como Marcos Vinícius Dourado. Assim que se afastou do local, referido usuário foi abordado e com ele encontrada uma porção de maconha, que ele admitiu ter comprado, por R$ 10,00 (dez reais) de Thiago. Marcos também afirmou que era a segunda vez que adquiria o mesmo tipo de droga desta mesma pessoa. Em prosseguimento ao monitoramento, os policiais visualizaram o instante em que o denunciando Nílson realizou, no mesmo local, uma transação com o usuário posteriormente identificado como Arthur Iorranes Leite Magalhães, que estava acompanhado do amigo Silvanin Cruz da Costa Neto. Ato contínuo, os policiais procederam à abordagem de ambos e localizaram com Arthur uma porção de maconha, a qual ele afirmou ter adquirido, por R$ 10,00 (dez reais), na praça da Quadra 403 do Recanto das Emas. Na delegacia, Arthur reconheceu informalmente o denunciando Nílson como sendo a pessoa que lhe vendera o entorpecente. Na sequência, os agentes procederam à abordagem da dupla e localizaram com o denunciando Nílson a quantia de R$ 40,00 (quarenta reais). Sob o banco da praça, local próximo de onde os denunciados estavam, foram localizadas pelos policiais duas porções de maconha. Durante o monitoramento, verificou-se que os denunciados iam até a grama, pegavam a droga debaixo do banco e realizavam, em seguida, sua entrega aos usuários."

Nas razões recursais do réu Thiago (ID XXXXX), em sede preliminar, a Defesa sustenta nulidade quanto ao reconhecimento pessoal e em razão de erro material da data do fato descrita na denúncia. No mérito, alega fragilidade probatória e requer a absolvição do apelante, nos termos do artigo 386, incisos II, V, e VII, do Código de Processo Penal.

Nas razões recusais do réu Nilson (ID XXXXX), a Defesa pede a desclassificação da conduta para a prevista no art. 28 da Lei nº 11.343/06. Subsidiariamente, no tocante à pena-base, requer o afastamento da análise negativa das circunstâncias judiciais da culpabilidade e da conduta social, bem como a adoção do critério de 1/6 para exasperação da pena-base. Por fim, pleiteia a imposição de regime inicial mais brando.

A Promotoria de Justiça apresentou contrarrazões, oficiando pelo conhecimento e desprovimento dos recursos (ID XXXXX).

A douta Procuradoria de Justiça opina pelo conhecimento e desprovimento do apelo (id XXXXX).

É o relatório.

VOTOS

A Senhora Desembargadora GISLENE PINHEIRO - Relatora

Conheço dos recursos, uma vez que os requisitos de admissibilidade foram atendidos. Analisarei os apelos em conjunto, dada a similitude da fundamentação.

DAS PRELIMINARES

A Defesa do acusado Thiago suscita preliminar de nulidade no reconhecimento produzido na fase extrajudicial pelo usuário Marcos Vinícius, ao argumento de que não foram observadas as

formalidades legais previstas no art. 226 do CPP. Ademais, Thiago possui semelhança física com o outro acusado, podendo ter ocorrido, segundo alega a Defesa, erro no reconhecimento feito pelo usuário Marcos Vinícius.

Todavia, razão não lhe assiste.

Art. 226 do CPP.

(...)

II - A pessoa, cujo reconhecimento se pretender, será colocada, se possível, ao lado de outras que com ela tiverem qualquer semelhança, convidando-se quem tiver de fazer o reconhecimento a apontá-la.

(...)

IV-do ato de reconhecimento lavrar-se-á auto pormenorizado, subscrito pela

autoridade, pela pessoa chamada para proceder ao reconhecimento e por duas

testemunhas presenciais.

Pela simples interpretação da lei, vislumbra-se que a formalidade prevista no citado inciso II deverá ser observada quando for possível, não é uma exigência legal ser colocado ao lado de outras que com ela tenha semelhança. Trata-se de uma recomendação, que deve ser atendida quando possível.

No presente caso, observa-se que o reconhecimento não observou as formalidades legais, mas pode ser utilizado para embasar a condenação. Isso porque existem outras provas independentes, em especial o relato das testemunhas policiais, que indicam a autoria do crime por parte do apelante Thiago.

Na fase investigativa, os policiais que conduziram o flagrante informaram que estavam em campana quando "conseguiram visualizar precisamente que THIAGO, realizou uma transação (compra e venda) com uma pessoa, posteriormente identificado como sendo MARCOS, o qual estava

acompanhado pelo amigo ARTHUR, sendo que MARCOS foi abordado quando deixou o local e com ele foi encontrada uma porção da droga conhecida como maconha. Que MARCOS admitiu que havia acabado de comprar a droga em questão pela quantia de R$10,00 (dez reais) sendo ainda que essa era a segunda vez que comprava o mesmo tipo de droga dessa mesma pessoa" (ID XXXXX, p. 1).

Portanto, tem-se que Thiago foi visualizado quando fazia uma transação com Marcos, o qual informou que era a segunda vez que comprava droga de Thiago. Portanto, Thiago e Marcos já se conheciam anteriormente, sendo pouco provável que o usuário tivesse confundido Thiago com Nilson, como sugerido pela Defesa.

No mesmo sentido, em juízo, os policiais confirmaram que os acusados foram reconhecidos pelos usuários de drogas como os responsáveis pelo fornecimento dos entorpecentes.

Nesse sentido é a jurisprudência deste Tribunal:

PENAL E PROCESSUAL PENAL - TRÁFICO DE ENTORPECENTES - PRELIMINAR DE INÉPCIA DA DENÚNCIA - OBSERVÂNCIA DO ART. 41 DO CPP - DIVERGÊNCIA DOS LAUDOS PRELIMINAR E DEFINITIVO - IRRELEVÂNCIA - PROVA DA

AUTORIA EXTRAÍDA DO CONJUNTO PROBATÓRIO - RECONHECIMENTO -

REQUISITOS DO ART. 226 DO CPP - PENA - FIXAÇÃO.

Oferecida a denúncia no décuplo legal (art. 37, da Lei 10.409/2002), de acordo com o art. 41 do CPP, não há que se falar em inépcia da inicial.

A divergência havida entre os laudos preliminar e definitivo, com relação à quantidade de droga apreendida, não afasta a materialidade do delito, pois consignado em ambos os laudos que as substâncias examinadas apresentaram resultado positivo para o alcalóide cocaína.

Depoimentos dos policiais que efetuaram a prisão, quando em harmonia com os demais elementos probatórios, têm força para comprovar a autoria do delito imputado aos réus. A validade do reconhecimento extrajudicial do acusado não está condicionada a

formalidades. A colocação de outras pessoas que com ele possam ter semelhança não é exigência legal, mas simples recomendação, devendo ser atendida quando possível. Correta a aplicação da reprimenda quando observados os critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal.(Acórdão n. XXXXX, 20040110260985APR, Relator SÉRGIO

BITTENCOURT, 1a Turma Criminal, julgado em 18/08/2005, DJ 14/10/2005 p. 155) (grifo nosso).

APELAÇÃO CRIMINAL. DISPARO DE ARMA DE FOGO. DANO QUALIFICADO. RECONHECIMENTO. FORMALIDADES (ART. 226, CPP). PROVAS

INDEPENDENTES. RELAÇÃO COM O RECONHECIMENTO VICIADO.

INEXISTÊNCIA. MATERIALIDADE E AUTORIA COMPROVADAS. TESTEMUNHO DE POLICIAIS MILITARES. VALIDADE. (...) .4. Ainda que eventualmente inobservado o procedimento de reconhecimento do acusado, previsto no art. 226 do Código de

Processo Penal, mantém-se a condenação fundamentada nos demais elementos de prova, suficientes para demostrar a materialidade e a autoria dos delitos e que não guardam relação direta o ato de reconhecimento apontado como viciado. (...) (Acórdão

1631859, XXXXX20218070007, Relator: CESAR LOYOLA, 1a Turma Criminal, data

de julgamento: 27/10/2022, publicado no PJe: 3/11/2022. Pág.: Sem Página Cadastrada.

Grifos acrescidos.)

Não há nos autos, portanto, nada que desabone o reconhecimento do acusado realizado na delegacia. O que de fato importa, nesse ato, é que seja o mesmo seguro e que esteja em consonância com as demais provas dos autos.

Na hipótese, verifica-se que os depoimentos são uníssonos quanto à participação do apelante nos fatos descritos na denúncia, bem como sobre o reconhecimento formalizado na delegacia.

Assim, no tocante aos autos de reconhecimento do apelante, realizado na fase inquisitorial, nenhuma nulidade há, razão pela qual rejeito essa preliminar.

A defesa do apelante Thiago alega, ainda, a nulidade em razão de erro material. Afirma que a data do fato descrita na denúncia, qual seja, 12/12/2022. Enquanto o evento ocorreu em 13/12/2022, dia em que o acusado estava trabalhando e, assim, pode ter sido confundido com outra pessoa.

Sem razão, contudo.

De fato, observa-se que, apesar de as informações trazidas tanto no auto de prisão em flagrante quanto na ocorrência policial demonstrarem que o fato criminoso imputado ocorreu no dia 13 de dezembro de 2022, a denúncia oferecida, equivocadamente, descreveu que ele teria ocorrido no dia anterior, dia 12 de dezembro de 2022.

No entanto, o alegado erro material não trouxe prejuízo algum aos apelantes, especialmente em

relação ao apelante Thiago. Dessa forma. ainda que exista o alegado erro material, ele não foi

suficiente para demonstrar eventual prejuízo suportado pelo apelante, de modo que, em tais situações, aplica-se o princípio, reconhecido pela jurisprudência, do pas de nullité sans grief.

Mesmo levando-se em conta o documento apresentado pela defesa do apelante Thiago, a demonstrar que, no dia 13 de dezembro de 2022, ele estava trabalhando, a referida informação em nada confirma a teoria de que o apelante poderia ter sido confundido com outra pessoa.

Ademais, tanto na fase inquisitorial, como em juízo, Thiago admitiu que estava no local dos fatos, o que contraria a tese da Defesa no sentido de que ele estava trabalhando.

Dessa feita, rejeito também essa preliminar de nulidade em decorrência de erro material.

DA MATERIALIDADE E AUTORIA.

A materialidade e autoria delitiva restaram sobejamente comprovadas pelo Auto de prisão em

flagrante; Auto de Apresentação e Apreensão nº 1128/2022; laudo preliminar (ID XXXXX);

Ocorrência policial nº 11.086/2022 - 27a Delegacia de Polícia do Distrito Federal; Relatório final da autoridade policial; Laudo de Exame Químico (ID XXXXX), além da prova oral colhida.

Registra-se, ainda, que o laudo de exame químico (ID XXXXX) concluiu que o material apreendido consistia em: 1 (uma) porção vegetal pardo-esverdeado, perfazendo uma massa líquida de 21,79g (vinte e um gramas e setenta e nove centigramas), a qual testou positivo para

TETRAIDROCANABINOL ; 1 (uma) porção vegetal pardo-esverdeado, perfazendo uma massa líquida de 17,73g (dezessete gramas e setenta e três centigramas), a qual testou também positivo para TETRAIDROCANABINOL ; 1 (uma) porção vegetal pardo-esverdeado, perfazendo uma massa líquida de 1,23g (um gramas e vinte e três centigramas), a qual testou também positivo para

TETRAIDROCANABINOL e, por fim, 1 (uma) porção vegetal pardo-esverdeado, perfazendo uma massa líquida de 0,79g (setenta e nove centigramas), a qual testou também positivo para

TETRAIDROCANABINOL.

Na fase investigativa, o acusado Nilson Farias de Carvalho, exerceu seu direito constitucional ao

silêncio. No entanto, o acusado Thiago Novais da Rocha disse que gostaria de contribuir com esta fase da persecução penal. Mencionou que não estava realizando a venda de drogas, pois na realidade

estava no local apenas como usuários de drogas, não realizando a venda destes produtos. (id XXXXX - pag. 3)

Em juízo, ambos os acusados, em seus interrogatórios, negaram os fatos narrados na inicial acusatória. Afirmaram, de forma unânime, que, no dia dos fatos, estavam na praça consumindo entorpecentes e não vendendo.

O acusado Nilson, em seu interrogatório, negou o tráfico de drogas. Informou que sofre perseguição policial porque ele e seus irmãos já haviam sido presos anteriormente pelo tráfico de drogas sendo que na data dos fatos os R$ 40,00 (quarenta reais) que foram apreendidos era proveniente de uma diária de serviço. Disse que é somente usuário de drogas e não tem qualquer relação com as drogas encontradas embaixo do banco. Informou que Thiago era seu amigo, estando no local, juntamente de outras 3 pessoas, somente utilizando a droga maconha. Disse que não conhece nem Marcus, nem Arthur.

Informou que os policiais devem ter pegado os usuários com drogas e então imputaram o tráfico a ele e a Thiago. (id XXXXX)

O acusado Thiago, em seu interrogatório, negou o tráfico de drogas. Disse que tinha acabado de

chegar do trabalho e foi a praça a fim de utilizar a droga maconha sozinho. Informou que não é amigo de Nilson nem dos demais indivíduos, sendo que somente o cumprimentou, mencionando que devem ter confundido ele com outro indivíduo. Disse que não conhece Marcos nem Arthur, não sabendo informar por que eles teriam imputado o tráfico a ele. (id XXXXX).

Por sua vez, os agentes estatais, Maxwell e José Correia, que atuaram na prisão em flagrante

informaram que denúncias anônimas indicavam que os acusados exerciam a traficância no local. Em diligências ao local, procederam uma campana e verificaram que dois rapazes se aproximaram do réu Thiago e com ele trocaram objetos. Relataram, ainda, que abordaram os usuários com os quais

encontraram uma porção de maconha, bem como apontaram o acusado Thiago como o responsável por lhes vender a substância ilícita. Ambos os policiais esclareceram que continuaram na campana e, mais uma vez, observaram que dois rapazes se aproximaram do acusado Nilson e, depois de uma troca de objetos, se afastaram, momento em que foram abordados pelos policiais e com eles foi encontrada uma porção de maconha, bem como descreveram o responsável por lhes vender o entorpecente,

características que coincidiam com as do acusado Nilson. Por fim, os policiais destacaram que os usuários reconheceram os réus como os responsáveis por lhes fornecer o entorpecente. (id XXXXX, 47235517 e XXXXX).

Vale destacar que, em harmonia com os relatos dos policiais, na fase extrajudicial, o usuário Arthur confirmou que comprou uma porção de maconha na praça, por R$ 10,00, pagamento efetuado via pix, e reconheceu informalmente o réu Nilson como a pessoa que lhe vendeu a droga (ID XXXXX, p. 6). O usuário Marcos Vinícius também relatou que comprou uma porção de maconha, na praça, de um indivíduo que estava ao lado da quadra de esporte, pagou a quantia de R$10,00, e reconheceu

informalmente o réu Thiago como pessoa que lhe forneceu a droga (ID XXXXX, p. 7).

Ocorre que, ao contrário do alegado pelos réus, há nos autos um conjunto de provas suficientes para apontar pela procedência da pretensão punitiva em desfavor destes.

Os policiais, no desempenho da relevante função estatal a eles atribuída, gozam de presunção de idoneidade, e seus depoimentos tomados na condição de testemunha servem como prova apta a

respaldar decreto condenatório, máxime quando se mostra em harmonia com os demais elementos de prova e não há qualquer razão para se duvidar de sua veracidade. Nesse cenário, a equipe policial observou e ficou em campana após denúncias anônimas para observar a dinâmica delitiva, onde

avistaram o armazenamento da droga próximo a um banco da "praça pé de manga" e com os próprios réus, as tarefas por eles desempenhadas e a troca de objetos com compradores.

No mais, é possível distinguir os usuários dos traficantes levando-se em consideração os fatores em que incidiram o delito, tais como lugar e o horário em que os agentes foram surpreendidos, levando consigo ou mantendo em depósito a droga, a quantidade e variedade das substâncias ilícitas

apreendidas, bem como as atitudes dos acusados antes da abordagem.

O crime de tráfico de entorpecentes nem sempre se caracteriza com a prática de atos de comércio, bastando estar evidenciada a posse do produto destinado ao consumo de outrem , pois o tipo penal é de perigo abstrato.

Diante disso, para se distinguir o usuário do traficante, deve-se levar em consideração os fatores em que incidiram o delito, tais como lugar e o horário em que o agente foi surpreendido, levando consigo ou mantendo em depósito a droga, a quantidade e variedade da substância ilícita apreendida, bem como as atitudes em que se encontrava o acusado (artigo 28 da Lei n. 11.343/06).

Na hipótese, foram encontradas 2 (duas) porções de substância compactada, de cor pardo-esverdeada, com as características da droga vulgarmente conhecida como maconha, acondicionada em seguimento plástico de cor branca (em poder do acusado Nilson); 01 (uma) porção composta por diversos fragmentos de substância de cor esverdeada, com as características da droga vulgarmente conhecida com maconha acondicionada em seguimento de plástico de cor branca (encontrada no poder do acusado Thiago); 1 (uma) porção de substância compacta, de cor pardo esverdeada, com as características da droga vulgarmente conhecida com maconha, sem acondicionamento (encontrada no poder de Marcus Vinicius); 1 (uma) porção de substância compacta, de cor pardo esverdeada, com as características da droga vulgarmente conhecida com maconha, sem acondicionamento (encontrada no poder de Arthur Iorranes Leite Magalhães), conforme Auto de Apresentação e Apreensão (id XXXXX).

Além disso, foi apreendida a quantia de R$ 40,00 (quarenta reais) em diversas cédulas de dinheiro (duas cédulas de dez reais e uma cédula de vinte reais), cuja origem o denunciado Nilson afirmou em sua defesa que recebeu pela diária em panfletagem, mas não trouxe nada aos autos para confirmar a sua alegação.

Não obstante os depoimentos dos acusados, a quantidade e as substâncias entorpecentes apreendidas e a forma de acondicionamento em pequenas porções, aliadas às denúncias anônimas sobre venda de entorpecentes na "Praça do Pé de Manga" e aos depoimentos policiais colhidos durante a instrução criminal, resta evidenciado que, ao menos em parte, a droga apreendida com os réus se destinavam à difusão ilícita.

Destarte, inexistindo dúvidas a respeito da materialidade e da autoria delitiva, bem como considerando que as condutas perpetradas pelos apelantes se amoldam ao tipo legal previsto no artigo 33, caput , da Lei n. 11.343/2006, impossível a desclassificação para a conduta descrita no artigo 28 da citada lei, impondo-se a manutenção da sentença condenatória.

DA DOSIMETRIA

Do acusado THIAGO NOVAIS DA ROCHA

A pena cominada em abstrato para o crime de tráfico de entorpecentes é de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão e 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Na primeira fase, na pena-base foi avaliada como negativa as circunstâncias judiciais da

culpabilidade e da conduta social. Assim, a primeira fase da dosimetria foi fixada em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão , in verbis:

"Na PRIMEIRA FASE, aculpabilidade, aqui entendida pelo grau de reprovabilidade da conduta do agente, é extraordinária ao tipo, uma vez que, além de vender, o acusado também tinha em depósito substância entorpecente. Ainda que o delito seja de conduta múltipla ou variada, a incursão do réu em duas ações nucleares do tipo, embora

configure delito único, deve ser negativamente valorada a fim de se dar fiel

cumprimento ao vetor de individualização da pena, considerando que violou em maior densidade a norma penal. Registro, também, que este raciocínio é exatamente o

mesmo que costuma ser ordinariamente realizado e tranquilamente admitido pela jurisprudência nacional quanto aos crimes sexuais. Noutra banda, o réu deve ser tido como portador de bons antecedentes. Quanto à personalidadee aos motivos nada há nos autos que autorize valoração negativa . Quanto àconduta social, entendo que deva ser avaliada negativamente. Com efeito, o acusado perpetrava a traficância em uma área movimentada, praça, bem como é certo que o tráfico e o consumo de entorpecentes trazem a reboque um elevado volume de outros delitos, notadamente patrimonial e contra a vida, na medida em que os usuários, para manter o vício, roubam e furtam os

moradores da redondeza. Nesse cenário, diviso que a informação sobre a traficância chegou à polícia a partir de denúncias, sugerindo que a conduta incomodava

profundamente os moradores do local. Em função disso, entendo que é possível concluir que o réu mantém uma perturbadora relação de convívio social e comunitário a justificar a negativação do presente item. De outra banda, em relação

àscircunstâncias eàs consequências, em nada agravam a situação do réu, não

merecendo, pois, maiores considerações e desdobramentos. Por fim, nesse tipo de crime não há de se cogitar o comportamento da vítima . Assim, por considerar que nem todos os elementos são favoráveis ao réu (culpabilidade e conduta social), bem como utilizando o critério de 1/8 (oitavo), refletido no intervalo entre as penas mínima e máxima

abstratamente cominadas, fixo a pena-base acima do mínimo legal, isto é, em 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão ."

Em relação a valoração negativa da culpabilidade entendo que essa não deva prosperar. Isso porque o crime de tráfico é classificado entre aqueles de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, a prática de mais de uma ação descrita no tipo, desde que inseridas no mesmo contexto fático, não tem o condão de elevar a reprovabilidade do crime praticado, razão pela qual a circunstância negativamente sopesada deve ser extirpada.

A propósito, confira-se o posicionamento adotado por este Tribunal de Justiça:

TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO.

DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. INVIABILIDADE. DOSIMETRIA.

CULPABILIDADE. DUAS AÇÕES NUCLEARES. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL. EXASPERAÇÃO AFASTADA. MENORIDADE RELATIVA. INCIDÊNCIA.

PREPONDERÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Inviável a absolvição ou a desclassificação do crime de tráfico para a conduta prevista no artigo 28 da Lei de Drogas, quando o depoimento do policial, responsável pela prisão em flagrante, aliado às circunstâncias do caso e à apreensão da droga em poder do réu, comprovam a traficância por ele exercida.

II - O crime de tráfico é classificado entre aqueles de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, a prática de mais de uma ação descrita no tipo, desde que inseridas no mesmo contexto fático, não tem o condão de elevar a reprovabilidade do crime praticado. Exasperação da pena afastada na primeira fase.

III - Na segunda fase da dosimetria, inviável a redução da pena aquém do mínimo legalmente previsto no preceito secundário da norma, conforme enunciado sumular nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. Precedente do Supremo Tribunal Federal - Repercussão Geral, RE nº 597270 RG-QO/RS.

IV - Recurso conhecido e parcialmente provido.

(Acórdão XXXXX, 20160110150279APR, Relator: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO,

Revisor: JOÃO BATISTA TEIXEIRA, 3a TURMA CRIMINAL, data de julgamento:

8/6/2017, publicado no DJE: 19/6/2017. Pág.: 135/142)

PENAL. TRÁFICO DE DROGA. PRISÃO EM FLAGRANTE. ALEGAÇÃO DE

INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PRETENSÃO À RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA PARA POSSE DE DROGA PARA AUTOCONSUMO. IMPROCEDÊNCIA. AVALIAÇÃO NEGATIVA DA CULPABILIDADE EM RAZÃO DA PRÁTICA DE DUAS AÇÕES NUCLEARES DO TIPO. ILEGALIDADE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. 1 Réu condenado por infringir o artigo 33 da Lei 11.343/2006, depois de ter sido preso em flagrante ao vender uma porção de maconha a viciado, ainda tendo em depósito outras três da mesma droga, pesando todas cerca de sessenta gramas. Ele escondia as

porções num buraco na calçada e foi flagrado quando retirava uma delas do esconderijo para entregar ao comprador.

2 A materialidade e a autoria do tráfico de drogas se reputam provadas quando há

prisão em flagrante com a apreensão do objeto material do crime, depois de presenciada por Policiais Militares a transação de compra e venda de uma porção de maconha, com a posterior identificação do esconderijo, onde estavam as demais.

3 A prática de duas ações nucleares do tipo não justifica a exasperação da pena-base,

pois se trata de crime plurinuclear, em que os atos previstos são correlacionados,

constituindo delito único, sob pena de configuração de bis in idem. A reincidência

impede a benesse do artigo 33, § 4º, da Lei Antidrogas.

4 Apelação parcialmente provida.

(Acórdão XXXXX, 20160110379672APR, Relator: GEORGE LOPES, Revisor:

SANDRA DE SANTIS, 1a TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 6/7/2017, publicado

no DJE: 19/7/2017. Pág.: 166-187)

Assim, o simples fato de terem sido praticadas duas condutas do tipo penal não extrapolam, no caso concreto, os limites previstos na capitulação do delito, tendo em vista que as ações ocorreram em um mesmo contexto e predominantemente com a mesma natureza da droga, de modo que não autorizam a exacerbação da pena na primeira fase da dosimetria.

Dessa forma, deve ser afastada a valoração negativa da culpabilidade

Em relação à conduta social, verifica-se que o Juízo a quo fundamentou que o réu "perpetrava a traficância em uma área movimentada, praça, bem como é certo que o tráfico e o consumo de

entorpecentes trazem a reboque um elevado volume de outros delitos, notadamente patrimonial e contra a vida, na medida em que os usuários, para manter o vício, roubam e furtam os moradores da redondeza. Nesse cenário, diviso que a informação sobre a traficância chegou à polícia a partir de denúncias, sugerindo que a conduta incomodava profundamente os moradores do local. Em função disso, entendo que é possível concluir que o réu mantém uma perturbadora relação de convívio social e comunitário a justificar a negativação do presente item".

A avaliação negativa da referida circunstância deve ser mantida, pois o magistrado se utilizou de dados concretos extraídos dos autos para considerá-la desfavorável.

Com efeito, o fato de o apelante praticar o crime de tráfico de drogas em uma praça gerou transtornos à vizinhança, tanto que os policiais receberam denúncias anônimas a respeito da existência de tráfico no local dos fatos, o que causa adversidades aos moradores locais e perturba um bom convívio social.

Caminhando em tal direção, esta Corte entende que, desde que demonstrado no caso concreto que houve consequências para a comunidade próxima, a circunstância de o réu praticar crime de tráfico de drogas em uma praça movimentada autoriza a valoração negativa da conduta social.

Nesse sentido:

[...] 6. A conduta social do réu deve ser avaliada observando a convivência satisfatória

do indivíduo em seu meio familiar e laboral, enquanto ser social, bem como o papel do

réu na comunidade. Mantém[1]se a análise desfavorável da conduta social se a

fundamentação adotada na sentença é idônea e baseada em elementos concretos

extraídos dos autos. In casu, a prática do tráfico na residência do réu ocasionou

denúncias anônimas que informavam a respeito da existência de boca de fumo no local

dos fatos, o que causa transtornos aos moradores locais e perturba um bom convívio

social.[...] (Acórdão XXXXX, XXXXX20228070001, Relator: ROBERVAL

CASEMIRO BELINATI, 2a Turma Criminal, data de julgamento: 4/5/2023, publicado no

PJe: 16/5/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada. Grifos acrescidos.)

"[...] 2. A conduta social revela o comportamento do réu na comunidade, ou melhor,

entre a família, parentes e vizinhos, não havendo vínculo com o próprio fato criminoso,

mas se referindo à inserção do agente em seu meio social. Havendo provas de que a

traficância residencial incomodava a vizinhança, gerando, inclusive, denúncias de

vizinhos, deve ser reconhecida como circunstância judicial negativa. Precedentes do c.

STJ. [...]" (Acórdão XXXXX, XXXXX20198070001, Relator: J.J. COSTA

CARVALHO, 1a Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe:

7/5/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Portanto, pelos motivos acima expostos, mantém-se a análise desfavorável da conduta social na primeira fase de dosimetria da pena, pois baseada em fundamentos idôneos.

Verifica-se, assim, que o aumento da pena-base levado a efeito pelo Juiz se mostra suficiente para a prevenção e reprovação do crime, não se constatando desproporcionalidade no quantum empregado para cada circunstância.

De tal maneira, com a manutenção da valoração negativa apenas da conduta social fixo a pena-base 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão.

Na segunda fase, verifico a ausência de agravantes e de atenuantes. Dessa forma, mantenho a

reprimenda antes imposta, fixando a pena intermediária em 06 (seis) anos e 03 (três) meses de reclusão .

Na terceira fase de aplicação da pena, não visualizo causas de aumento. Por outro lado,observo a existência da causa especial de diminuição prevista no § 4º, do art. 33 da Lei nº 11.343/2006, uma vez que não há prova nos autos de que o réu integre organização criminosa ou que se dedique

habitualmente a atividades criminosas, bem como é manifestamente primário, não ostentando

sentença penal condenatória, bem como não registra nenhum antecedente, razão pela qual diminuo a reprimenda no patamar de 2/3 (dois terços), consoante a previsão do § 4º do art. 33 da Lei nº

11.343/2006,e, de consequência, torno a pena definitiva em 02 (dois) anos e 1 (um) mês de reclusão.

Mantenho a condenação do acusado, ainda, ao pagamento de 500 (quinhentos) dias-multa . A pena de multa, dadas as condições do acusado, deverá ser calculada à razão de 1/30 (um trigésimo) do salário-mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido, na forma do art. 49, § 1º do Código Penal.

Mantenho o regime inicial aberto , conforme dispõe os arts. 33, § 2º, alínea c e 59, ambos do Código Penal, notadamente em função da quantidade de pena e da primariedade do acusado.

Verifica-se que o acusado preenche os requisitos objetivos e subjetivos do artigo 44 do Código Penal, especialmente em razão da primariedade e da quantidade de pena concretamente cominada, razão pela qualmantenho a substituição da pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos a , serem oportunamente definidas pelo juízo da VEPEMA.

Em face do disposto no artigo 77, inciso III, do Código Penal, deixo de aplicar a suspensão

condicional da pena.

Do acusado NILSON FARIAS DE CARVALHO

A pena cominada em abstrato para o crime de tráfico de entorpecentes é de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos de reclusão e 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa.

Na primeira fase , na pena-base foi avaliada como negativa as circunstâncias judiciais da culpabilidade, dos antecedentes e da conduta social. Assim, a primeira fase da dosimetria foi fixada em 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão, in verbis:

"Na PRIMEIRA FASE, a culpabilidade , aqui entendida pelo grau de reprovabilidade da conduta do agente, é extraordinária ao tipo, uma vez que, além de vender, o acusado também tinha em depósito substância entorpecente. Ainda que o delito seja de conduta múltipla ou variada, a incursão do réu em duas ações nucleares do tipo, embora

configure delito único, deve ser negativamente valorada a fim de se dar fiel cumprimento ao vetor de individualização da pena, considerando que violou em maior densidade a norma penal. Registro, também, que este raciocínio é exatamente o mesmo que costuma ser ordinariamente realizado e tranquilamente admitido pela jurisprudência nacional quanto aos crimes sexuais. Quanto aos antecedentes , registro que o réu é detentor de maus antecedentes, uma vez que há registro de sentença penal condenatória transitada em julgado nos autos nº 2017.01.1.047979-9, diferente da qual será utilizada para valorar negativamente a pena na segunda fase da dosimetria penal a título de

reincidência. Não há, nos autos, elementos que permitam valorar a sua personalidade . Quanto à conduta social , entendo que deva ser avaliada negativamente. Com efeito, o acusado perpetrava a traficância em uma área movimentada, praça, bem como é certo que o tráfico e o consumo de entorpecentes trazem a reboque um elevado volume de outros delitos, notadamente patrimonial e contra a vida, na medida em que os usuários, para manter o vício, roubam e furtam os moradores da redondeza. Nesse cenário, diviso que a informação sobre a traficância chegou à polícia a partir de denúncias, sugerindo que a conduta incomodava profundamente os moradores do local. Em função disso, entendo que é possível concluir que o réu mantém uma perturbadora relação de convívio social e comunitário a justificar a negativação do presente item. Sobre os motivos não é possível identificar motivação especial capaz de autorizar a avaliação negativa deste item. As consequênciase as circunstâncias do crime não devem ser valoradas contra o réu, ante a ausência de elementos que propiciem sua análise. A circunstância relativa ao comportamento da vítima não será avaliada porque se trata do Estado. Assim sendo, considerando que nem todas as circunstâncias judiciais foram avaliadas de forma positiva (culpabilidade, antecedentes e conduta social), bem como utilizando o critério de 1/8 (um oitavo), refletido no intervalo entre as penas mínima e máxima abstratamente cominadas, fixo a pena-base acima do mínimo legal, isto é, em 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão ."

Mantenho a valoração negativa dos maus antecedentes, pois encontra-se razão na condenação por tráfico de drogas no processo nº 2017.01.1.047979-9, da Vara Criminal de Sobradinho-DF, com trânsito em julgado em 06/09/2018, diferente da qual será utilizada para valorar negativamente a pena na segunda fase da dosimetria penal a título de reincidência. conforme ID XXXXX pag. 11.

Em relação a valoração negativa da culpabilidade entendo que essa não deva prosperar. Isso porque o crime de tráfico é classificado entre aqueles de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, a prática de mais de uma ação descrita no tipo, desde que inseridas no mesmo contexto fático, não tem o condão de elevar a reprovabilidade do crime praticado, razão pela qual a circunstância negativamente sopesada deve ser extirpada.

A propósito, confira-se o posicionamento adotado por este Tribunal de Justiça:

TRÁFICO DE DROGAS. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. DESCLASSIFICAÇÃO PARA USO. INVIABILIDADE. DOSIMETRIA. CULPABILIDADE. DUAS AÇÕES NUCLEARES. CIRCUNSTÂNCIA JUDICIAL. EXASPERAÇÃO AFASTADA. MENORIDADE RELATIVA. INCIDÊNCIA. PREPONDERÂNCIA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO.

I - Inviável a absolvição ou a desclassificação do crime de tráfico para a conduta prevista no artigo 28 da Lei de Drogas, quando o depoimento do policial, responsável pela prisão em flagrante, aliado às circunstâncias do caso e à apreensão da droga em poder do réu, comprovam a traficância por ele exercida.

II - O crime de tráfico é classificado entre aqueles de ação múltipla ou de conteúdo variado, ou seja, a prática de mais de uma ação descrita no tipo, desde que inseridas no mesmo contexto fático, não tem o condão de elevar a reprovabilidade do crime praticado. Exasperação da pena afastada na primeira fase.

III - Na segunda fase da dosimetria, inviável a redução da pena aquém do mínimo legalmente previsto no preceito secundário da norma, conforme enunciado sumular nº 231 do Superior Tribunal de Justiça. Precedente do Supremo Tribunal Federal - Repercussão Geral, RE nº 597270 RG-QO/RS.

IV - Recurso conhecido e parcialmente provido.

(Acórdão XXXXX, 20160110150279APR, Relator: NILSONI DE FREITAS CUSTODIO,

Revisor: JOÃO BATISTA TEIXEIRA, 3a TURMA CRIMINAL, data de julgamento:

8/6/2017, publicado no DJE: 19/6/2017. Pág.: 135/142)

PENAL. TRÁFICO DE DROGA. PRISÃO EM FLAGRANTE. ALEGAÇÃO DE

INSUFICIÊNCIA DE PROVAS. PRETENSÃO À RECLASSIFICAÇÃO DA CONDUTA

PARA POSSE DE DROGA PARA AUTOCONSUMO. IMPROCEDÊNCIA. AVALIAÇÃO

NEGATIVA DA CULPABILIDADE EM RAZÃO DA PRÁTICA DE DUAS AÇÕES

NUCLEARES DO TIPO. ILEGALIDADE. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE.

1 Réu condenado por infringir o artigo 33 da Lei 11.343/2006, depois de ter sido preso

em flagrante ao vender uma porção de maconha a viciado, ainda tendo em depósito

outras três da mesma droga, pesando todas cerca de sessenta gramas. Ele escondia as

porções num buraco na calçada e foi flagrado quando retirava uma delas do esconderijo

para entregar ao comprador.

2 A materialidade e a autoria do tráfico de drogas se reputam provadas quando há

prisão em flagrante com a apreensão do objeto material do crime, depois de presenciada

por Policiais Militares a transação de compra e venda de uma porção de maconha, com

a posterior identificação do esconderijo, onde estavam as demais.

3 A prática de duas ações nucleares do tipo não justifica a exasperação da pena-base,

pois se trata de crime plurinuclear, em que os atos previstos são correlacionados,

constituindo delito único, sob pena de configuração de bis in idem. A reincidência

impede a benesse do artigo 33, § 4º, da Lei Antidrogas.

4 Apelação parcialmente provida.

(Acórdão XXXXX, 20160110379672APR, Relator: GEORGE LOPES, Revisor: SANDRA

DE SANTIS, 1a TURMA CRIMINAL, data de julgamento: 6/7/2017, publicado no DJE:

19/7/2017. Pág.: 166-187)

Assim, o simples fato de terem sido praticadas duas condutas do tipo penal não extrapolam, no caso concreto, os limites previstos na capitulação do delito, tendo em vista que as ações ocorreram em um mesmo contexto e predominantemente com a mesma natureza da droga, de modo que não autorizam a exacerbação da pena na primeira fase da dosimetria.

Dessa forma, deve ser afastada a valoração negativa da culpabilidade

Em relação à conduta social, verifica-se que o Juízo a quo fundamentou que o réu "perpetrava a

traficância em uma área movimentada, praça, bem como é certo que o tráfico e o consumo de

entorpecentes trazem a reboque um elevado volume de outros delitos, notadamente patrimonial e contra a vida, na medida em que os usuários, para manter o vício, roubam e furtam os moradores da redondeza. Nesse cenário, diviso que a informação sobre a traficância chegou à polícia a partir de denúncias, sugerindo que a conduta incomodava profundamente os moradores do local. Em função disso, entendo que é possível concluir que o réu mantém uma perturbadora relação de convívio social e comunitário a justificar a negativação do presente item."

A avaliação negativa da referida circunstância deve ser mantida, pois o magistrado se utilizou de

dados concretos extraídos dos autos para considerá-la desfavorável.

Com efeito, o fato de o apelante praticar o crime de tráfico de drogas em uma praça gerou transtornos à vizinhança, tanto que os policiais receberam denúncias anônimas a respeito da existência de tráfico no local dos fatos, o que causa adversidades aos moradores locais e perturba um bom convívio social.

Caminhando em tal direção, esta Corte entende que, desde que demonstrado no caso concreto que houve consequências para a comunidade próxima, a circunstância de o réu praticar crime de tráfico de drogas em uma praça movimentada autoriza a valoração negativa da conduta social.

Nesse sentido:

[...] 6. A conduta social do réu deve ser avaliada observando a convivência satisfatória

do indivíduo em seu meio familiar e laboral, enquanto ser social, bem como o papel do

réu na comunidade. Mantém[1]se a análise desfavorável da conduta social se a

fundamentação adotada na sentença é idônea e baseada em elementos concretos

extraídos dos autos. In casu, a prática do tráfico na residência do réu ocasionou

denúncias anônimas que informavam a respeito da existência de boca de fumo no local

dos fatos, o que causa transtornos aos moradores locais e perturba um bom convívio

social.[...] (Acórdão XXXXX, XXXXX20228070001, Relator: ROBERVAL

CASEMIRO BELINATI, 2a Turma Criminal, data de julgamento: 4/5/2023, publicado no

PJe: 16/5/2023. Pág.: Sem Página Cadastrada. Grifos acrescidos.)

"[...] 2. A conduta social revela o comportamento do réu na comunidade, ou melhor,

entre a família, parentes e vizinhos, não havendo vínculo com o próprio fato criminoso,

mas se referindo à inserção do agente em seu meio social. Havendo provas de que a

traficância residencial incomodava a vizinhança, gerando, inclusive, denúncias de

vizinhos, deve ser reconhecida como circunstância judicial negativa. Precedentes do c.

STJ. [...]" (Acórdão XXXXX, XXXXX20198070001, Relator: J.J. COSTA

CARVALHO, 1a Turma Criminal, data de julgamento: 23/4/2020, publicado no PJe:

7/5/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.)

Portanto, pelos motivos acima expostos, mantém-se a análise desfavorável da conduta social na

primeira fase de dosimetria da pena, pois baseada em fundamentos idôneos.

Verifica-se, assim, que o aumento da pena-base levado a efeito pelo Juiz se mostra suficiente para a prevenção e reprovação do crime, não se constatando desproporcionalidade no quantum empregado para cada circunstância.

De tal maneira, com a manutenção da valoração negativa dos antecedentes e da conduta social fixo a pena-base 07 (sete) anos e 06 (seis) meses de reclusão.

Na segunda fase de aplicação da pena, verifico a ausência de atenuantes. De outro lado, consoante apurado nos autos nº XXXXX-31.2019.8.07.0019, contemplo a existência da agravante da

reincidência, uma vez que o acusado possui condenação por fato anterior, com trânsito definitivo anterior em 06/07/2022, não superada pelo período depurador e independente da destacada para fins de maus antecedentes. (id XXXXX, pag. 06).

Dessa forma, majoro a pena-base na mesma proporção utilizada na fase anterior, fixando a pena intermediária em 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão.

Na terceira fase, não é possível observar nem causas de diminuição nem de aumento da pena,

especialmente em função da reincidência, razão pela qualtorno a pena definitiva em 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão .

Mantenho a condenação do acusado, ainda, ao pagamento de 1.000 (um mil) dias-multa . A pena de multa, dadas as condições do acusado, deverá ser calculada à razão de 1/30 (um trigésimo) do

salário-mínimo vigente à época do fato, devidamente corrigido, na forma do art. 49, § 1º do Código Penal.

Mantenho o regime inicial fechado , conforme dispõe os arts. 33, § 2º, alínea a e 59, ambos do Código Penal, diante do quantum de pena concretamente imposto, da análise negativa de duas das circunstâncias judiciais do art. 59 do Código Penal e da reincidência do acusado.

Por fim, são descabidas a substituição e a suspensão condicional da reprimenda, uma vez que a pena imposta é superior ao limite previsto para a concessão do benefício, bem como porque o acusado é reincidente, nos termos dos artigos 44, I, 77, III, ambos do Código Penal.

Com essas considerações, DOU PARCIAL PROVIMENTO aos recursos, a fim de diminuir a pena corporal do acusado THIAGO NOVAIS DA ROCHA para 02 (dois) anos e 1 (um) mês de

reclusão, além de 500 (quinhentos) dias-multa, na razão unitária mínima, a ser cumprida em regime inicial aberto, a qual mantenho a substituição da pena privativa de liberdade por 02 (duas) restritivas de direitos, a serem oportunamente definidas pelo juízo da VEPEMA; do acusado NILSON FARIAS DE CARVALHO para 08 (oito) anos e 09 (nove) meses de reclusão, além de 1000 (um mil) dias-multa, na razão unitária mínima, a ser cumprida em regime inicial fechado. Mantenho os demais termos da r. sentença.

Comunique-se na forma da Resolução n. 172, de 8 de março de 2013, do Conselho Nacional de Justiça.

É como voto.

O Senhor Desembargador ASIEL HENRIQUE DE SOUSA - Revisor

Com o relator

A Senhora Desembargadora SIMONE LUCINDO - 1º Vogal

Com o relator

DECISÃO REJEITAR AS PRELIMINARES. DAR PARCIAL PROVIMENTO AOS RECURSOS. UNÂNIME

Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-df/1952490606/inteiro-teor-1952490610