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4 de Maio de 2024

Inquilino e comodatário podem ter direito a usucapião?

Cuidado que você deve ter ao alugar ou emprestar gratuitamente seu imóvel.

Publicado por Natália Buschieri
há 3 anos


A princípio, não. A posse advinda da locação ou comodato é PRECÁRIA, pois ambas pressupõem a obrigação de restituição do imóvel ao final de prazo determinado.

Além disso, é requisito da usucapião a posse prolongada e com ânimo de dono. Ainda que o inquilino durante a posse do imóvel tenha a casa como “sua”, juridicamente não se pode dizer que age como dono, pois além da obrigação de restituição, exerce a posse onerosamente, pagando o aluguel a quem é sabe ser seu legítimo proprietário.

Vale sempre lembrar que o legislador não pretendeu com o instituto da usucapião premiar pessoas mal-intencionadas, mas tão somente corrigir injustiças sociais, recompensando aquele que dá finalidade útil à terra, ao mesmo tempo, penalizando o proprietário desidioso, que não observa a necessária função social da propriedade.

Possibilitar ao inquilino ou comodatário a aquisição da propriedade afrontaria o princípio da segurança dos negócios jurídicos e a paz social, criando um cenário de absoluta instabilidade das relações em desfavor do proprietário, além de estimular a má-fé.

Silvio Rodrigues afirma que a posse precária não convalesce jamais porque a precariedade não cessa nunca. O dever do comodatário, do depositário, do locatário, etc. de devolverem a coisa recebida, não se extingue jamais, de modo que o fato de a reterem, e de recalcitrarem em não entrega-la de volta, não ganha jamais foros de judicialidade, não gerando, em tempo algum, posse jurídica (2002, v.7, p.29).

Na mesma linha, sustenta Luiz Antônio Scavone Júnior que mesmo após o decurso de qualquer dos prazos de prescrição aquisitiva previstos na lei a posse continuará sendo precária, porquanto esta foi a sua origem, cuja situação é imutável (2019, p. 1196).

Na prática, porém, recomendamos que o locador do imóvel tenha certa cautela, pois existem decisões reconhecendo a usucapião em favor daquele que outrora foi inquilino ou comodatário.

A jurisprudência dos tribunais têm reconhecido a usucapião nas situações em que o inquilino permanece na posse do imóvel por longo período, sem pagar alugueres e tendo demonstrado o ânimo de dono.

APELAÇÃO CÍVEL. USUCAPIÃO EXTRAORDINÁRIA ESPECIAL. ART. 1.238, PARÁGRAFO ÚNICO DO CC. PRAZO DE DEZ ANOS IMPLEMENTADO. COMPUTO DO TEMPO DE POSSE INICIADO QUANDO EM VIGOR O CC DE 1916. INCIDENCIA DO DISPOSTO NO ART. 2.029 DO CC. APLICAÇÃO IMEDIATA. INVERSÃO DA POSSE. RELAÇÃO LOCATÍCIA EXTINTA A PARTIR DO INADIMPLEMENTO DOS ALUGUEIS. POSSE AD USUCAPIONEM. Iniciada a posse dos autores a partir de relação locatícia estabelecida com o anterior proprietário do imóvel, ocorre a inversão da causa possessionis a partir do momento em que o locatário deixa de adimplir os alugueis e o proprietário nada faz para reverter essa situação. Apesar de o art. 1.203 do CC estabelecer que, salvo prova em contrário, manterá a posse o mesmo caráter com que foi adquirida, a situação dos autos é típica hipótese de alteração da causa possesssionis: a posse que originariamente era inapta para a usucapião, passa a ser tida como posse ad usucapionem pela presença de atos externos praticados pelo possuidor (animus domini), derivados da conduta omissiva do proprietário. [...] Comprovado, pelos autores, o exercício da posse sobre o imóvel, sem oposição, durante mais de dez anos ininterruptos, fazem-se preenchidos os requisitos para a aquisição da propriedade com fundamento no art. 1.2388, parágrafo único, do CC, acarretando a procedência da ação de usucapião e a improcedência da ação de imissão na posse. Notificação extrajudicial que, por si só, não configura oposição da posse. APELO PROVIDO. UNÂNIME. (TJ-RS – AC: 70080107485 RS, Relator: Dilso Domingos Pereira, Data de Julgamento: 10/04/2019, Vigésima Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça: 17/04/2019). Grifo nosso.

Costuma ser o caso do proprietário que mesmo após a inadimplência do inquilino permite uso por longos anos, não fazendo questão utilizar o imóvel, acreditando ser vantajoso deixar outrem cuidando do imóvel, fazendo reformas e benfeitorias, eventualmente até pagando o imposto.

O mesmo vale para o comodato, que é o empréstimo gratuito do imóvel, de certo modo, com risco ainda mais elevado, já que na prática comumente o proprietário empresta o imóvel sem qualquer prova dessa condição, podendo ser ainda mais difícil comprovar a intensão de empréstimo em detrimento da configuração da posse qualificada para usucapião.

Por isso, é recomendável que o proprietário tenha prova concreta da situação de empréstimo gratuito ou oneroso, através de um bom contrato, renovado sempre por escrito.

E mesmo que a responsabilidade do tributo seja transferida ao inquilino ou comodatário, como até permite a lei do inquilinato, sugere-se que o faça em seu nome, sem transferir sua titularidade perante o Município, pois esta certamente será uma prova utilizada para requerer a usucapião.

Atente-se, ainda, conforme mencionado na decisão supra que a mera notificação extrajudicial não configura oposição da posse, devendo o proprietário se valer de ação judicial.

Por fim, deve-se ressaltar que o entendimento dos tribunais é no sentido de que o mero ato de permanecer na posse do imóvel sem pagar alugueres (ou mesmo emprestado gratuitamente) não confere automaticamente ao inquilino o direito à usucapião, sendo possibilidade totalmente excepcional, alicerçada na absoluta desídia do proprietário, quando preenchidos e comprovados os requisitos da usucapião.

Nesse sentido:

Apelação cível. Ação de usucapião. Posse da autora advinda de contrato de locação. Cessação dos pagamentos dos aluguéis há mais de 20 anos. Intervenção da posse que não se verificou no caso dos autos. Ausência de ação de cobrança e de despejo que não importa em rescisão do contrato de locação. Sentença mantida. Recurso conhecido e desprovido. (TJ – RJ – APL: 0381985-22.2014.8.19.0001, Relator: WAGNER CINELLI DE PAULA FREITAS – Julgamento: 31/08/2016 – DÉCIMA SÉTIMA CÂMARA CÍVEL).

APELAÇÃO – Usucapião – Posse ad usucapionem considerada inábil. Ausência do animus domini. Improcedência da ação – Relação locatícia comprovada – Não adquire a propriedade pela via da usucapião o locatário, o comodatário e quem quer que detenha em nome alheio a coisa que pretende assenhorear judicialmente – Decisão mantida. Recurso improvido (TJ-SP – APL: 994050572876 SP, Relator: Egidio Giacoia, Data de Julgamento: 11/05/2010, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 17/05/2010). Grifo nosso.

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL N.º 1.341.026 – RJ (2018/0198122-9) RELATOR: MINISTRO LUIS FELIPE SALOMÃO. AGRAVANTE MARIA DOS SANTOS ROCHA. ADVOGADO: DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. AGRAVADO: JILSON MENEZES DE OLIVEIRA. ADVOGADOS: AECIO HEMERLY FRANÇA – RJ150839 IANA PRISCILA MEDEIROS ZAMBONI – RJ 161474 DECISÃO 1. Cuida-se de agravo interposto por MARIA DOS SANTOS ROCHA contra decisão que não admitiu o seu recurso especial, por sua vez manejado em face de acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO, assim emendado: APELAÇÃO CÍVEL. DESPEJO POR FALTA DE PAGAMENTO. CONTRATO VERBAL. CESSIONÁRIO DA POSSE. INOCORRÊNCIA. MANUTENÇÃO DA SENTENÇA. 1. Trata-se de ação de despejo por falta de pagamento, cumulada com cobrança, julgada procedente pelo juízo a quo ao reconhecer a inadimplência da demandada, ora apelante. (...) 3. A autora sustenta que não paga aluguel, sem qualquer oposição a sua posse, uma vez que ninguém se apresentou para cobrar, confirmando as duas impressões de que o bem não mais tinha dono (...) 6. A caracterização da intervenção da posse demanda prova robusta a respeito do ânimos domini, ou seja, do comportamento do indivíduo de tal forma que demonstre de forma inequívoca a pretensão dominicial, não deixando dúvidas de que passou a possuir o bem com ânimo de deno. Em outras palavras, há de haver ato claro de oposição ao possuidor indireto, o que não restou caracterizado nos autos. A mera inadimplência contratual não tem o condão de modificar o caráter da posse [...] (STJ – AREsp: 1341026 RJ 2018/0198122-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Publicação: DJ 05/10/2018) Grifo nosso.

Referências bibliográficas:

SCAVONE JÚNIOR, Luiz Antônio. Direito Imobiliário: teoria e prática/Luiz Antônio Scavone Júnior. -14.ed –[2. Reimpr.] – Rio de Janeiro: Forense, 2019.

RODRIGUES, Silvio. Direito Civil. São Paulo: Saraiva, 2002. v.7.

PEREIRA, Caio Mario da Silva. Condomínio e Incorporações. 10. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1998.


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Moro numa casa alugada há 17 anos e já nem há contrato. Tenho direito a Usucapião?

3 Comentários

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Ótimo artigo Doutora!
Por coincidência eu estava com esta duvida em um domingo pós almoço com minha família. Agora já sei o que responder no próximo! Obrigado! continuar lendo

Fico feliz em ajudar. Muito obrigada por seu comentário. continuar lendo

Tenho um imóvel de 312 m2 em área urbana no começo foi feito contrato más ano passado o contrato venceu e nao foi renovado o inquilino já está a 7 anos no imóvel más paga o aluguel todo mês sem atraso enviando sempre o comprovante de pagamento do aluguel via pix bradesco a questão é ao completar 10 anos ele pode ter algum direito sobre usucapião? continuar lendo