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4 de Maio de 2024

STF Mar23 - Prisão Preventiva de Ofício - Nulidade - MP requereu aplicação de cautelares

ano passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 225.225 SÃO PAULO


HABEAS CORPUS . DECISÃO INDIVIDUAL DE MINISTRO DO STJ. SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. MATÉRIA NÃO APRECIADA PELO ÓRGÃO APONTADO COMO COATOR. DUPLA SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. INADEQUAÇÃO DA VIA. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA, EX OFFICIO , EM PREVENTIVA. VIOLAÇÃO DOS ARTS. 282, §§ 2º E , E 311 DO CPP. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. CONCESSÃO DA ORDEM, DE OFÍCIO.

1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão, proferida no Superior Tribunal de Justiça, pela qual a Ministra Presidente indeferiu liminarmente o Habeas Corpus nº 803.583/SP.

2. Colhe-se dos autos que o paciente foi preso em flagrante, no dia 14/02/2023, ante a suposta prática do crime previsto no art. 33, caput (tráfico de drogas), da Lei nº 11.343, de 2006. O Juízo de origem converteu em preventiva a prisão em flagrante. Destacou, apesar de manifestação do Ministério Público pela concessão de liberdade provisória cumulada com cautelares diversas, estarem presentes os requisitos autorizadores da

custódia. Frisou "comprovada a materialidade e os indícios suficientes de autoria, ao menos no tocante ao delito de tráfico de drogas" . Destacou "a forma de fracionamento em porções diferenciadas e a razoável quantidade e variedade de droga para os padrões regionais da Comarca de Tupã, bem como o dinheiro apreendido respaldam, em tese, a prática do crime do tráfico de drogas, o que foi confirmado pelo próprio autuado" . Consignou que o paciente "não possui atividade lícita que lhe garanta o sustento e é conhecido dos meios policiais pela prática do tráfico. Por tudo isso, se mostra inviável a concessão de liberdade provisória, mostrando-se imprescindível o imediato encarceramento do autuado" . Assentou ser "indiscutível que o autuado representa um severo e inegável risco à ordem pública, à conveniência da instrução criminal e à aplicação da lei penal." (e-doc. 2, p. 80-81).

3. Inconformada, a defesa impetrou habeas corpus no Tribunal de Justiça, tendo o Desembargador Relator indeferido o pedido liminar. Contra essa decisão, formalizou-se o habeas corpus no STJ.

4. Neste habeas corpus , a Defensoria Pública do Estado de São Paulo sustenta a ausência de fundamentação idônea para a decretação da custódia provisória. Destaca determinada, de ofício, a prisão preventiva, ausente requerimento do Ministério Público nesse sentido , violando o disposto no art. 311 do Código de Processo Penal.

5. Requer, liminarmente, o afastamento da prisão ou, caso assim não se entenda, a substituição por cautelar diversa. Busca, no mérito, a confirmação da providência.

É o relatório.

Decido.

6. Este habeas corpus volta-se contra decisão individual de Ministro

do Superior Tribunal de Justiça. Inexistindo pronunciamento colegiado do STJ, não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito versada na impetração ( CRFB, art. 102, inc. I, al. i). O caso é de habeas corpus substitutivo de agravo regimental, cabível na origem. Nesse sentido: HC nº 115.659/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02/04/2013, p. 25/04/2013; HC nº 199.029-AgR/MA, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 16/04/2021, p. 29/04/2021; HC nº 197.645- AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 07/04/2021, p. 16/04/2021.

7. Acrescente-se que as questões suscitadas neste habeas corpus não passaram sequer pelo crivo das instâncias antecedentes. No ato apontado como coator, a Ministra Presidente, sem adentrar a matéria de fundo, limitou-se a afirmar a ausência de ilegalidade manifesta e a inviabilidade de superação do entendimento consolidado no verbete nº 691 da Súmula do STF, uma vez que a controvérsia ainda não fora analisada pelo Tribunal de Justiça . A atuação originária desta Suprema Corte acarretaria supressão de instância e ampliação indevida da competência prevista no art. 102 da CRFB. Assim decidiram o Plenário e ambas as Turmas: HC nº 109.430-AgR/DF (Rel. Min. Celso de Mello, Tribunal Pleno, j. 10/04/2014, p. 13/08/2014); HC nº 164.535-AgR/RJ (Rel. Min. Cármen Lúcia, Segunda Turma, j. 17/03/2020, p. 20/04/2020); HC nº 163.568/RS (Rel. Min. Marco Aurélio, Red. do Acórdão Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 13/08/2019, p. 30/08/2019).

8. Verificada a inadequação da via eleita, eventual concessão da ordem de ofício é providência excepcional , a ser implementada somente quando constatadas situações de flagrante ilegalidade, abuso de poder ou mesmo teratologia na decisão impugnada.

9. Pois bem. Da análise das peças que instruem a presente impetração, verifico ilegalidade manifesta apta a autorizar a concessão da ordem de ofício. O Juízo de origem, em que pese manifestação do Ministério Público no sentido do cabimento da liberdade provisória cumulada com cautelares alternativas (e-doc. 2, p. 62-68), converteu, de ofício, a prisão em flagrante em preventiva.

10. Este ato constritivo discrepa da ordem jurídica vigente, pois a Lei nº 13.964, de 2019 (Pacote anticrime), à luz do sistema acusatório - no qual existe separação das funções de acusar, defender e julgar -, alterou a redação dos arts. 282, §§ 2º e , e 311 do Código de Processo Penal, afastando a possibilidade de o Juiz, ex officio , ausente manifestação do Órgão acusador ou prévia representação da autoridade policial, determinar a custódia preventiva durante a fase investigatória ou no curso do processo:

Art. 282. (...) § 2º As medidas cautelares serão decretadas pelo juiz a requerimento das partes ou, quando no curso da investigação criminal, por representação da autoridade policial ou mediante requerimento do Ministério Público .

(...)

§ 4º No caso de descumprimento de qualquer das obrigações impostas, o juiz, mediante requerimento do Ministério Público, de seu assistente ou do querelant e, poderá substituir a medida, impor outra em cumulação, ou, em último caso, decretar a prisão preventiva, nos termos do parágrafo único do art. 312 deste Código.

Art. 311. Em qualquer fase da investigação policial ou do processo penal, caberá a prisão preventiva decretada pelo juiz, a requerimento do Ministério Público do querelante ou do assistente, ou por representação da autoridade policial . (grifos nossos).

11. Embora o art. 310, inc. II, do CPP, a versar a possibilidade de conversão da prisão em flagrante em preventiva quando atendidos os requisitos dos arts. 312 e 313, não tenha previsto como inadequada a atuação de ofício do juiz, impõe-se proceder a uma interpretação sistemática das normas de regência. A preventiva decorrente da conversão de prisão em flagrante, ontologicamente, não difere daquela resultante de decretação. Em ambos os casos, deve-se respeitar os mesmos requisitos concernentes ao fumus comissi delict e periculum libertatis , uma vez em jogo instituto jurídico único, sendo indiferente o fato de a preventiva ser, ou não, antecedida por situação de flagrante. Não há, portanto, justificativa para um tratamento distinto.

Art. 310. Após receber o auto de prisão em flagrante, no prazo máximo de até 24 (vinte e quatro) horas após a realização da prisão, o juiz deverá promover audiência de custódia com a presença do acusado, seu advogado constituído ou membro da Defensoria Pública e o membro do Ministério Público, e, nessa audiência, o juiz deverá, fundamentadamente: I - relaxar a prisão ilegal; ou II - converter a prisão em flagrante em preventiva, quando presentes os requisitos constantes do art. 312 deste Código, e se revelarem inadequadas ou insuficientes as medidas cautelares diversas da prisão; ou III - conceder liberdade provisória, com ou sem fiança.

12. Na espécie, não houve requerimento do Ministério Público nem representação da autoridade policial visando à conversão da prisão em flagrante em preventiva. De outro lado, o auto de prisão em flagrante é apenas um procedimento administrativo com conteúdo narrativo-descritivo, no qual documentados elementos de informação acerca do fato criminoso que acabou de ocorrer e de seus contornos. Não são tecidas considerações sobre a necessidade e adequação da prisão preventiva, surgindo impróprio inferir representação policial a esserespeito. Faz-se necessário ao implemento da preventiva manifestação expressa da autoridade policial (ou do parquet).

13. A esse respeito, colaciono os seguintes precedentes:

"AGRAVO REGIMENTAL EM HABEAS CORPUS . IMPETRAÇÃO FORMALIZADA CONTRA DECISÃO MONOCRÁTICA DE INDEFERIMENTO LIMINAR EM HABEAS CORPUS ENDEREÇADO A TRIBUNAL SUPERIOR. APLICAÇÃO ANALÓGICA DA SÚMULA 691/STF PELA AUTORIDADE APONTADA COMO COATORA. SUPERAÇÃO. SITUAÇÃO EXCEPCIONAL. PRISÃO EM FLAGRANTE. CONVERSÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. AUSÊNCIA DE REQUERIMENTO MINISTERIAL OU REPRESENTAÇÃO POLICIAL PELO DEFERIMENTO DA MEDIDA. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. MANUTENÇÃO. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. A jurisprudência desta Corte é firme no sentido da superação da Súmula 691/STF nas hipóteses em que se evidencie a existência de flagrante ilegalidade ou abuso de poder na decisão hostilizada, o que ocorre na hipótese. 2. A Lei n. 13.964/19, ao suprimir a expressão"de ofício"constante na redação anterior dos arts. 282, §§ 2º e , e 311, ambos do Código de Processo Penal, veda, de forma expressa, a imposição de medidas cautelares restritivas de liberdade pelo magistrado sem que haja anterior representação da autoridade policial ou requerimento das partes . 3. O art. 310 do Código de Processo Penal deve ser interpretado à luz do sistema acusatório e, em conjunto, com os demais dispositivos legais que regem a aplicação das medidas cautelares penais (arts. 282, §§ 2º e , 311 e seguintes do CPP). Disso decorre a ilicitude da conversão, de ofício, da prisão em flagrante em prisão preventiva pela autoridade judicial . 4. Agravo regimental desprovido."

( HC nº 190.167-AgR/BA, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 21/12/2020, p 24/02/2021; grifos nossos).

"PRISÃO EM FLAGRANTE - PREVENTIVA - CONVERSÃO DE OFÍCIO. Ante a superveniência da Lei nº 13.964/2019, revela-se inadmissível conversão, de ofício, da prisão em flagrante em preventiva - inteligência dos artigos 282, parágrafos 2º e , e 311 do Código de Processo Penal. PRISÃO PREVENTIVA - CONDENAÇÃO - PENA - REGIME SEMIABERTO - INCOMPATIBILIDADE. A fixação do regime de cumprimento semiaberto é incompatível com a prisão preventiva."

( HC nº 193.366/SP, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, j. 27/04/2021, p. 17/06/2021; grifos nossos).

"[...]. CONVERSÃO DE PRISÃO EM FLAGRANTE EM PRISÃO PREVENTIVA DE OFÍCIO PELO MAGISTRADO. VIOLAÇÃO DO SISTEMA ACUSATÓRIO. ARTS. , LIII, LV, LIX, 93, 129, I, E 133, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ARTS. 282, §§ 2º e , 310, 311 E 312 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. PODER GERAL DE CAUTELA. ILEGALIDADE. OCORRÊNCIA. CONCESSÃO DA ORDEM DE OFÍCIO. 1. [...] 4. A Constituição Federal de 1988, ao atribuir a privatividade da promoção da ação penal pública ao Ministério Público (art. 129, I); ao assegurar aos ligantes o direito ao contraditório e à ampla defesa e assentar o advogado como função essencial à Justiça (art. 5º, LV e 133); bem como, ao prever a resolução da lide penal, após o devido processo legal, por um terceiro imparcial, o Juiz natural (art. 5º, LIII e LXI; 93 e seguintes), consagra o sistema acusatório. 5. A Lei n. 13.964/19, ao suprimir a expressão"de ofício"constante na redação anterior dos arts. 282, §§ 2º e , e 311, ambos do Código de Processo Penal, veda, de forma expressa, a imposição de medidas cautelares restritivas de liberdade pelo magistrado sem que haja anterior representação da autoridade policial ou requerimento das partes. 6. O art. 310 do Código de Processo Penal deve ser interpretado à luz do sistema acusatório e, em conjunto, com os demais dispositivos legais que regem a aplicação das medidas cautelares penais (arts. 282, §§ 2º e , 311 e seguintes do CPP). Disso decorre a ilicitude da conversão, de ofício, da prisão em flagrante em prisão preventiva pela autoridade judicial. 7. O auto de prisão em flagrante é procedimento de natureza administrativa, em que a autoridade policial limita-se a observar as formalidades legais para a sua lavratura (arts. 304 e seguintes do CPP), sem tecer consideração sobre a necessidade e a adequação da prisão preventiva, espécie com pressupostos e requisitos distintos (art. 311 e seguintes do CPP). Faz-se, portanto, necessário pedido, formal e expresso, da autoridade policial ou do Ministério Público, em audiência de custódia, para a imposição da prisão preventiva pelo magistrado. 8. O poder geral de cautela não autoriza o agir do Juiz por iniciativa própria quando em detrimento da liberdade individual. No processo penal, para que a intervenção estatal opere nas liberdades individuais com legitimidade, é necessário o respeito à legalidade estrita e às garantias fundamentais. Doutrina. Precedentes. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício."

( HC nº 186.421/SC, Rel. o Min Celso de Mello, Red. do Acórdão Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 20/10/2020, p. 17/11/2020; grifos nossos).

14. Ante o exposto, não conheço do habeas corpus, porém, concedo

a ordem, de ofício, nos termos do art. 192 do RISTF, para afastar a prisão preventiva determinada no processo nº 1500208-36.2023.8.26.0637, da Vara Criminal da Comarca de Tupã/SP, podendo o Juízo de origem, caso entenda necessário, impor, fundamentadamente, cautelares alternativas à prisão.

15. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo.

Publique-se.

Brasília, 8 de março de 2023.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA

Relator

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(STF - HC: 225225 SP, Relator: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 08/03/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 08/03/2023 PUBLIC 09/03/2023)

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