Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
16 de Junho de 2024

STJ 2022 - Acrescer Teses Defensivas a Confissão não Afasta a Atenuante

há 2 anos

ISMAEL CONTREIRA interpõe recurso especial, com fundamento no art. 105, III, a e c, da Constituição Federal, contra acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça do Estado do Acre ( Apelação Criminal n. 0500282-13.2019.8.01.0001).

Consta dos autos que o recorrente foi condenado à pena de 10 anos de reclusão, a ser cumprida em regime fechado, mais o pagamento de multa, pela prática dos delitos previstos nos arts. 33, caput, da Lei n. 11.343/2006, e 16 da Lei n. 10.826/2003.

Nas razões do recurso especial, a defesa aponta violação dos arts. 386, VII, do CPP, e 59 do CP, sob o argumento de que "não existem nos autos provas concretas de que o recorrente teria praticado o delito de tráfico de drogas, bem como pela gama de dúvidas que surgiram no decorrer da instrução criminal, requer a absolvição com base no artigo 386, inciso VII do Código de Processo Penal" (fl. 256).

Aduz, ainda, que "a sentença deve ser reformada, para que seja aplicada a pena-base no mínimo legal, com base no artigo 59 do Código Penal" (fl. 261).

Por fim, assevera que "o MM. Juízo “a quo” deixou de aplicar o instituto da compensação, haja vista que ao mesmo tempo que recaia a agravante da reincidência existia também a atenuante da confissão" (fl. 262).

Decisão de admissibilidade às fls. 281-282.

O Ministério Público Federal manifestou-se pelo não provimento do

recurso, e, de ofício, pelo reconhecimento da atenuante da confissão espontânea e

sua posterior compensação com a reincidência (fls. 290-295).

Decido.

I. Absolvição do réu

O Tribunal de origem, ao condenar o acusado da prática do crime de

tráfico de drogas, salientou o que segue (fls. 228-230):

O apelante argumenta que a autoria do crime de tráfico de drogas que lhe foi atribuído não restou comprovada, postulando a sua absolvição.

A materialidade do crime foi provada por meio do termo de apreensão e laudo preliminar de constatação de substância entorpecente.

No ponto, destaco que o apelante foi preso em flagrante e há a prova testemunhal oriunda dos depoimentos dos policiais responsáveis pela prisão.

[...].

Apesar da apelante dizer que não há provas de que praticou o crime de tráfico de drogas, os depoimentos prestados pelos policiais que realizaram a prisão do mesmo, são nesse sentido desde a fase inquisitória. A prova obtida na fase policial tem plena validade quando se harmoniza com o contexto probatório, o que é o caso dos autos.

Assim, considerando que as provas são no sentido de confirmar a prática do crime de tráfico de drogas, afasta-se o pleito de absolvição.

É notória a conclusão da Corte estadual de que há provas suficientes da

materialidade e da autoria do recorrente para sustentar sua condenação nas

infrações penais ora imputadas.

Com isso, torna-se inviável se falar em absolvição do acusado por

insuficiência probatória, sobretudo porque no processo penal vigora o princípio do

livre convencimento motivado, em que é dado ao julgador decidir pela condenação

do agente, contanto que o faça fundamentadamente, como verificado na hipótese.

Aliás, no tocante à valoração dos depoimentos prestados pelos policiais, é de salutar importância registrar o entendimento desta Corte Superior de que "a eficácia probatória do testemunho da autoridade policial não pode ser desconsiderada tão somente pela sua condição profissional, sendo plenamente válida para fundamentar um juízo, inclusive, condenatório" ( HC n. 485.765/TO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 28/2/2019, grifei).

Ademais, esclareço que, para a configuração do delito de tráfico de drogas, não é necessário que haja prova da mercancia, tampouco que o agente seja surpreendido no ato da venda do entorpecente– até porque o próprio tipo penal aduz "ainda que gratuitamente"; basta as circunstâncias em que se desenvolveu a ação criminosa denotarem a traficância, tal como ocorreu no caso.

Desse modo, entendo que rever o posicionamento adotado pelas instancias ordinárias, como demonstrado acima, demanda imprescindível revolvimento do acervo fático-probatório delineado nos autos, o que é vedado em recurso especial, a teor da Súmula. n. 7 do Superior Tribunal de Justiça: “A pretensão de simples reexame de prova não enseja recurso especial”

II. Redução da pena-base

No que tange à redução da pena-base, cumpre salientar que a fixação da pena é regulada por princípios e regras constitucionais e legais previstos, respectivamente, nos arts. , XLVI, da Constituição Federal, 59 do Código Penal e 387 do Código de Processo Penal. Todos esses dispositivos remetem o aplicador do direito à individualização da medida concreta para que, então, seja eleito o quantum de pena a ser aplicada ao condenado criminalmente, visando à prevenção e à repressão do delito perpetrado.

Assim, para chegar a uma aplicação justa da lei penal, o sentenciante, dentro dessa discricionariedade juridicamente vinculada, deve atentar-se para as singularidades do caso concreto e, na primeira etapa do procedimento trifásico, guiar-se pelas circunstâncias relacionadas no caput do art. 59 do Código Penal, as quais não se deve furtar de analisar individualmente. São elas: culpabilidade;

antecedentes; conduta social; personalidade do agente; motivos, circunstâncias e

consequências do crime; comportamento da vítima.

No caso, o Tribunal de origem, ao manter a pena-base acima do mínimo

legal, assim consignou (fls. 231):

Quanto as circunstâncias do crime, verifico que o Juiz singular as julgou de forma desfavorável, fundamentando que "se constata a apreensão de mais de uma arma de fogo e diversas munições de diversos calibres".

[...].

Juiz singular, ao considerar tal circunstância de modo desfavorável ao apelante.

Não há como considerar tal circunstância como neutra, mantendose a Sentença, no ponto.

Assim, conforme bem salientou o acórdão recorrido, uma vez que foram

apontados argumentos concretos e específicos dos autos para a fixação da penabase acima do mínimo legal, não há como esta Corte simplesmente se imiscuir no

juízo de proporcionalidade feito pelas instâncias de origem para, a pretexto de

ofensa aos princípios da proporcionalidade e da individualização da pena, reduzir a

reprimenda-base estabelecida ao acusado.

Conforme entendimento do Supremo Tribunal Federal:

A dosimetria da pena é matéria sujeita a certa discricionariedade judicial. O Código Penal não estabelece rígidos esquemas matemáticos ou regras absolutamente objetivas para a fixação da pena. Cabe às instâncias ordinárias, mais próximas dos fatos e das provas, fixar as penas e às Cortes Superiores, em grau recursal, o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, bem como a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes ou arbitrárias ( HC n. 122.184/PE, Rel. Ministra Rosa Weber, 1ª T., DJe 5/3/2015)

Situação que, no entanto, não verifico caracterizada nos autos.

Faço, ainda, o registro de que "A análise das circunstâncias judiciais do

art. 59 do Código Penal não atribui pesos absolutos para cada uma delas a ponto de

ensejar uma operação aritmética dentro das penas máximas e mínimas cominadas

ao delito." (AgRg no REsp n. 143.071/AM, Rel. Ministra Maria Thereza de Assis

Moura, 6ª T., DJe 6/5/2015).

Diante de tais considerações, deve ser mantida inalterada a pena-base

imposta ao réu.

III. Confissão espontânea

Quanto à confissão espontânea, o Tribunal de origem, ao manter a

sentença, sustentou o afastamento da aplicação dessa atenuante por ter o réu

acrescido a ela teses defensivas, conforme se depreende do excerto a seguir (fls.

234-236) :

No seu interrogatório em Juízo o apelante negou a autoria dos crimes, alegando que apenas estava guardando os objetos ilícitos na sua residência e que o dono fugiu na hora em que a polícia chegou.

Vê-se que o apelante tentou se eximir da responsabilidade penal. Portanto, houve a chamada confissão qualificada, na qual o agente agrega à confissão, teses defensivas descriminantes ou exculpantes.

[...].

O apelante se conduziu no exercício da autodefesa e não para colaborar com a elucidação do crime, que é o espírito da norma contida no artigo 65, inciso III, alínea d, do Código Penal. Portanto, não pode ensejar a redução da pena.

Assim, demonstrado que o apelante não tem direito à incidência da atenuante da confissão, não há que se falar em sua compensação com a agravante da reincidência.

No entanto, segundo a jurisprudência deste Superior Tribunal, "se a

confissão do acusado foi utilizada para corroborar o acervo probatório e

fundamentar a condenação, deve incidir a atenuante prevista no artigo 65, III, d,

do Código Penal, sendo irrelevante o fato de a confissão ter sido espontânea ou

não, total ou parcial, ou mesmo que tenha havido posterior retratação" (HC n.

289.943/SP, de minha relatoria, 6ª T., DJe 4/8/2014).

Confira-se, ainda, o disposto na Súmula n. 545 desta Corte Superior:

"Quando a confissão for utilizada para a formação do convencimento do julgador,

o réu fará jus à atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal."

Dessa forma, reconheço a atenuante prevista no art. 65, III, d, do Código Penal, uma vez que a confissão, ainda que qualificada, foi utilizada para corroborar o acervo probatório e fundamentar a condenação, devendo, pois, incidir na segunda fase da dosimetria da pena.

Uma vez reconhecida, entende esta Corte Superior que "É possível, na segunda fase da dosimetria da pena, a compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão espontânea, por serem igualmente preponderantes, de acordo com o artigo 67 do Código Penal"( REsp n. 1.341.370/MT, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 3ª SEÇÃO, DJe 17/04/2013).

Assim, caracterizada a ilegalidade em relação à segunda etapa da dosimetria, passo à sua readequação.

IV. Nova dosimetria

Em razão da modificação feita anteriormente, deve ser realizada a nova dosimetria da pena.

IV. 1. Quanto ao delito de tráfico de drogas

Na primeira fase, a pena-base ficou estabelecida em 5 anos de reclusão e 500 dias-multa.

Na segunda etapa, diante da compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão, mantenho a pena em 5 anos de reclusão e 500 diasmulta.

Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento. Portanto, fica a pena do recorrente definitivamente estabelecida em 5 anos de reclusão e pagamento de 500 dias-multa.

IV. 2. Quanto ao crime previsto no art. 16 da Lei n. 10.826/2003

Na primeira fase, a pena-base ficou estabelecida em 3 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão.

Na segunda etapa, diante da compensação da agravante da reincidência com a atenuante da confissão, mantenho a pena em 3 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão.

Na terceira fase, não há causas de diminuição nem de aumento. Portanto, fica a pena do recorrente definitivamente estabelecida em 3 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão e pagamento de 25 dias-multa.

Por força do concurso material , devidamente reconhecido pelas instâncias ordinárias, somo as penas acima fixadas. Dessa forma, fica a reprimenda definitiva em 8 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão e o pagamento de 525 dias-multa.

V. Dispositivo

À vista do exposto, dou parcial provimento ao recurso especial, a fim de: a) reconhecer a confissão espontânea do réu e, posteriormente, determinar a compensação dessa atenuante com a reincidência, na segunda fase da dosimetria, e, assim, b) tornar a reprimenda definitiva em 8 anos, 4 meses e 15 dias de reclusão e o pagamento de 525 dias-multa. Mantido os demais termos do acórdão recorrido.

Comunique-se, com urgência, o inteiro teor desta decisão às instâncias ordinárias para as providências cabíveis.

Publique-se e intimem-se.

Brasília (DF), 12 de maio de 2022.

Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ

Relator

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

RECURSO ESPECIAL Nº 1938310 - AC (2021/0146751-0)

(STJ - REsp: 1938310 AC 2021/0146751-0, Relator: Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ, Data de Publicação: DJ 16/05/2022)

  • Publicações1139
  • Seguidores103
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações77
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-2022-acrescer-teses-defensivas-a-confissao-nao-afasta-a-atenuante/1591762560

Informações relacionadas

Renan Kramer Boeira, Advogado
Artigoshá 8 anos

A atenuante da confissão espontânea reconhecida frente a alegação de legitima defesa

Supremo Tribunal Federal
Jurisprudênciahá 2 anos

Supremo Tribunal Federal STF - AG.REG. NO HABEAS CORPUS: HC XXXXX PR XXXXX-21.2021.1.00.0000

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 10 meses

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgRg no AREsp XXXXX DF XXXX/XXXXX-3

Editora Revista dos Tribunais
Doutrinahá 2 anos

11. Execução das Penas em Espécie

Bruna Peres, Advogado
Modeloshá 4 anos

Alegações Finais - Tráfico de drogas

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)