Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
5 de Maio de 2024

A concorrência sucessória deferida ao cônjuge supérstite no regime da separação convencional de bens

Publicado por Maryene Justino
há 7 anos

Maryene PEREIRA JUSTINO[1]

Paulo Henrique Reis de MATTOS[2]

RESUMO

O presente artigo tem como finalidade analisar e discorrer sobre a concorrência sucessória de bens deferida ao cônjuge supérstite no regime de separação convencional. Para tal finalidade utilizou-se o método de pesquisa dedutivo, sendo utilizadas obras doutrinárias, legislação pertinente e a jurisprudência pátria sobre o assunto. O estudo parte de uma breve síntese sobre o conceito e origem do direito sucessório na legislação brasileira. Em um segundo momento é analisada a concorrência sucessória e os requisitos legais para que ela seja deferida ao cônjuge sobrevivente. Posteriormente o estudo volta-se para a análise do regime de separação convencional de bens, a comunicabilidade de bens, o direito de concorrência e pesquisa sobre o assunto nos tribunais brasileiros.

Palavras – Chave: Separação convencional de bens. Direito sucessório. Comunicabilidade de bens. Concorrência sucessória.

ABSTRACT

This article aims to analyze and discuss the succession competition deferred assets to the surviving spouse in the conventional separation regime. For this purpose we used the deductive research method being used doctrinal works, relevant legislation and the homeland case law on the subject. The study starts with a brief overview of the concept and origin of the law of succession in the Brazilian legislation. In a second step we analyze the succession competition and legal requirements for it to be deferred to the surviving spouse. Later the study turns to the analysis of the regime of conventional separation of property, the communicability of goods, competition law and research on the subject in the Brazilian courts.

Key -words: Conventional separation bens. Direito sucessório. Comunicabilidade goods. Competition succession.

INTRODUÇÃO

A transmissão de bens, após a morte, foi consagrada a dezenas de séculos antes da era cristã, e além da concepção religiosa de transcendência, possui a finalidade de manter forte e poderosa a família. Ao lado desse instituto caminha, inseparavelmente, a sociedade conjugal, visto que, atualmente, o cônjuge supérstite, a depender do regime de comunhão de bens adotado pelos nubentes, terá conferida a sucessão legítima ou não, conforme se retira da leitura do artigo1.829 do Código Civil.

O presente artigo visa analisar a concorrência sucessória deferida ao cônjuge supérstite no regime de separação convencional, abordando a polêmica em torno da legitimidade ou não do deferimento da sucessão a esse cônjuge. Para tanto, partiu-se da de uma breve exposição conceitual e teórica a respeito do instituto jurídico da sucessão.

Será analisado de forma ampla os julgados sobre o referido assunto, bem como as correntes que concorda ou discorda com a concorrência sucessória no regime da separação convencional de bens.

No capítulo destinado à análise do regime de separação convencional de bens e a comunicabilidade de bens, preocupou-se em abordar as divergências doutrinárias a respeito do tema, definindo os argumentos apontados pelas duas doutrinas, majoritária e minoritária.

Foi utilizado o método de pesquisa dedutivo, com consulta à doutrina e à legislação pertinentes ao tema.

1 DIREITO SUCESSÓRIO

O direito das sucessões é definido por Rodrigues[3] (2006 apud DINIZ, 2007, p. 3) como sendo um complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido. Já Messias de Carvalho e Daniel de Carvalho (2007, p. 26) define, sob o ponto de vista jurídico, sucessão como a transferência da titularidade de direitos, e eventuais obrigações, em decorrência do falecimento do titular, em virtude de disposição legal ou de declaração de vontade.

Os artigos 1.784 ao 2.027 do Código Civil regulamentam sobre direito sucessório, já o regime de bens a ser adotado pelos cônjuges está disposto nos artigos 1.639 ao 1.688 do mesmo diploma legal.

O referido instituto remonta suas origens no direito egípcio, hindu e babilônico, entre outros, séculos antes do era cristã (CARVALHO e CARVALHO, 2007, p. 25). Só passou a ser possível a partir de que o homem deixou de ser nômade e passou a cumular patrimônio, que antes era comum, surgindo, assim, a acepção de propriedade privada (DIAS, 2013, p. 29).

Atualmente no Brasil, tanto o direito de propriedade como o direito sucessório dispõe de assento constitucional. Inseridos na Constituição Federal no título que trata dos direitos e garantias fundamentais, mais especificamente nos incisos XXII e XXX, do artigo da Constituição de 1988. Entretanto, tais direitos não são absolutos e devem ser interpretados em consonância com a idéia de função social da propriedade conjugada com a noção de dignidade da pessoa humana, ambos, também com previsão constitucional.

2 SUCESSÃO DO CÔNJUGE SUPERSTITE

Na sistemática do antigo Código Civil de 1916, o cônjuge integrava a ordem de vocação hereditária, ocupando o terceiro lugar, entretanto, não era considerado herdeiro necessário, e, assim, poderia ser excluído da sucessão (DIAS, 2013, p. 62).

No atua Código Civil, além de ocupar o mesmo lugar que ocupava na vocação hereditária descrita anteriormente, foi elevado à condição de herdeiro necessário, conforme se extrai do artigo 1.845 do Código Civil.

2.1. Requisitos para o Deferimento da Sucessão do Cônjuge Supérstite

Em que pese o cônjuge ser considerado herdeiro pelo artigo 1.829 do Código Civil, tanto através da concorrência com os descendentes ou ascendentes do consorte, tanto através da terceira classe sucessória, o referido diploma legal estabelece alguns requisitos para que isso aconteça.

O artigo 1.830 e seguintes do Código Civil estabelece alguns requisitos para que seja deferido a concorrência sucessória ao cônjuge sobrevivente, como vemos a seguir.

OArtigo 1.830 do Código Civil afirma que somente é reconhecido o direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente (BRASIL, 2002).

Mattos (2014) a partir da análise do artigo transcrito elenca os seguintes requisitos:

a) Existência de vínculo conjugal, que significa a existência de casamento válido entre o cônjuge supérstite e o falecido;

b) Existência de sociedade conjugal, a qual está contida no vínculo conjugal e pode ser conceituada como um complexo de direitos e obrigações que alicerça a vida em comum dos cônjuges, incluindo-se o complexo de direitos e deveres oriundos do matrimônio;

c) Inexistência de separação judicial, em que pese a emenda constitucional 66 de 13 de julho de 2010 tenha dado nova redação ao artigo 226, § 6º da Constituição Federal, prevendo apenas o instituto do divórcio como apto a dissolução do casamento, a doutrina não é unânime em concluir se houve ou não a extinção da separação judicial;

d) Inexistência de separação de fato há mais de dois anos, a doutrina também não é unânime a respeito dessa previsão, o que não será tratado aqui por não ser o objeto central do presente artigo;

e) Culpa pela separação do cônjuge falecido. A regra estabelecida pela lei é de que o cônjuge separado de fato a mais de dois anos perca o direito sucessório, contudo a parte final do referido artigo criou uma exceção a essa exclusão, a qual ocorre quando a separação de fato não advier de culpa do cônjuge sobrevivente. Tal disposição também enfrenta severas críticas doutrinárias, as quais não serão aqui abordadas.

2.2. Distinção Entre Meação e Herança

Outra observação importante é que não se deve confundir a meação, efeito da comunhão de bens, com o direto hereditário, que independe do regime, salvo se concorrer com descendentes, uma vez que a meação pertence ao cônjuge sobrevivente por direito próprio, e não por herança, o que se dá independentemente de estar ou não separado de fato (CARVALHO e CARVALHO, 2007, p.76).

Tão pouco deve ser confundido, o direito hereditário, com o direito de aquesto, que é o proveniente da aquisição de determinado bem pelo esforço comum no regime de separação total e colocado apenas no nome do cônjuge falecido (CARVALHO e CARVALHO, 2007, p.76).

Observa-se que são institutos completamente distintos, pois a meação é a metade ideal dos bens do casal, cada um dos cônjuges fará jus a essa metade, devido aos rendimentos de seu trabalho.

Herança é o patrimônio a ser objeto na sucessão, tem sua abrangência estendida a integralidade não só de bens, como dos direitos e obrigações pertencentes a pessoa no momento do falecimento. Integram o acervo hereditário não só os bens imóveis, mas também os bens móveis, ou qualquer outra relação jurídica de direitos e obrigações, como dinheiros, aplicações financeiras, ações ou quotas sociais, entre outros (CAHALI & HIRONAKA, 2014, p.27).

Sendo assim, resta clara a diferença entre os dois institutos, pois a meação é um direito adquirido de cada cônjuge, pelo seu trabalho e esforço durante a vida em comum do casal e a herança são os bens ou direitos adquiridos por disposição testamentária ou por sucessão.

No regime de separação legal ou obrigatória de bens tem-se assentado na jurisprudência pátria que se presume os aquestos dos bens adquiridos onerosamente na vigência do casamento, conforme também está previsto no enunciado da Súmula n. 377 do Supremo Tribunal Federal, com o seguinte teor: “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do casamento.”

Observa-se com a leitura do artigo 1.830 do Código Civil que, somente será reconhecido o direito sucessório a cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos.

Ressalta-se que os benefícios do cônjuge supérstite vão além da condição de herdeiro necessário, pois ele agora é considerado como herdeiro concorrente, participando da ordem sucessória juntamente com os descendentes e ascendentes, e é o que passou a ser chamado de concorrência sucessória (DIAS, 2013, p. 62). A exclusão do cônjuge da concorrência sucessória fica por conta dos nubentes que se encontrem no regime de separação obrigatória ou legal de bens, conforme se extrai da leitura do artigo 1.829 do Código Civil (MATTOS, 2014, p. 84).

Outra questão que ainda sucinta debates na doutrina é o direito de concorrência do cônjuge supérstite quando casado no regime de separação convencional de bens, o que será visto no próximo ítem.

3 A CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA

Um dos pontos mais controvertidos em sede de direito sucessório é a concorrência sucessória deferida ao cônjuge supérstite, e nas palavras de Mattos (2014, p. 39) justifica-se como uma das formas de proteger o cônjuge supérstite após a aberta a sucessão do outro cônjuge.

Historicamente o cônjuge só era contemplado na ausência de herdeiros necessários, justificando-se no regime legal vigente no Código Civil de 1916 (DIAS, 2014, p. 149).

No Código Civil de 2002, além de ter sido elevado a categoria de herdeiro necessário, conforme artigo 1.845 do referido diploma, também foi o incluiu na ordem de vocação hereditária do artigo 1.829 da legislação em questão. No mencionado artigo, a lei garantiu ao cônjuge supérstite o direito a concorrência com os descendentes, inciso I, com os ascendentes, inciso II, e de forma exclusiva, inciso III, quando não existirem nem ascendentes nem descendentes do falecido. Além disso o artigo 1.832 do Código Civil ainda prevê que quando o cônjuge supérstite concorra com descendentes do falecido que também sejam seus descendentes, a lei assegura a divisão igualitária dos quinhões, resguardado ao sobrevivente uma quota não inferior a 25%.

4 REGIMES PATRIMONIAIS QUE NÃO PERMITEM A CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA

Após breve análise da concorrência sucessória deferida ao cônjuge supérstite e dos requisitos para que essa concorrência seja deferida, passa-se a partir desse ponto a análise da relação entre a concorrência sucessória e os regimes de bens, os quais os nubentes podem adotar quando do casamento, previstos nosso Código Civil, e posteriormente a análise do objeto do presente artigo.

A partir da leitura do artigo 1.829, inciso I do Código Civil pode-se extrair os regimes de bens aos quais o legislador não admitiu a incidência da concorrência:

Art. 1.820. A sucessão legítima defere-se na seguinte ordem:

I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; (BRASIL, 2002).

Inicialmente vale destacar que somente terá relevância a análise do regime de bens adotados pelos consortes se o cônjuge sobrevivente estiver concorrendo com os descendentes.

O primeiro regime que o legislador exclui da concorrência sucessória é o regime da comunhão universal de bens, uma vez que nesse regime a comunicação de bens é plena, ocorrendo uma verdadeira fusão entre o patrimônio dos nubentes, comunicando tanto os bens presentes quando os futuros. O que subsistiria seria somente o direito de meação. Ressalta-se que mesmo com essa fusão de patrimônio, a lei resguarda um rol de bens que ficarão excluídos da comunhão, tal rol vem previsto no artigo 1.668 do Código Civil.

O segundo regime de bens que exclui o cônjuge sobrevivente da concorrência sucessória com os descendentes é o da separação obrigatória de bens. Inicialmente destaca-se o erro do legislador ao redigir o artigo, uma vez que o mesmo faz menção expressa ao artigo 1.640 do Código Civil, quando na verdade deveria ter feito menção ao artigo 1.641 do referido diploma legal. A separação obrigatória de bens é, na verdade, um rol de hipóteses em que, quando verificadas, não deixam escolha aos nubentes quanto da escolha do regime de bens. Em tal regime não há comunicação entre os bens do casal, ou seja, os bens de cada um dos cônjuges são particulares. Aqui a polêmica fica por conta da aplicação da Súmula 377 do Supremo Tribunal Federal, uma vez que a referida súmula, editada na vigência do Código Civil anterior, traz previsão de comunicação dos bens adquiridos na constância do casamento, como forma de criar um princípio de justiça patrimonial, o que fez surgir posicionamentos variados na doutrina e na jurisprudência. (MATTOS, 2014, p. 82).

O último regime ao qual o legislador veda a concorrência sucessória do cônjuge supérstite é o regime da comunhão parcial de bens em que o autor da herança não houver deixado bens particulares. Também denominado por regime legal ou supletório possui como regra básica é a preservação da titularidade exclusiva dos bens particulares, bens que os cônjuges já possuíam ao casar e aqueles que a lei veda a comunicação, e garantida a comunhão daquilo que for adquirido na constância da união. Dessa forma, se o falecido não deixa bens particulares não há de se falar em concorrência sucessória, mas somente meação.

Em razão do que foi apresentado, chega-se a conclusão de que os regimes em que ocorre a concorrência sucessória do cônjuge sobrevivente com os descendentes são trabalhados de forma residual pelo legislador, uma vez que previu expressamente os regimes em que a concorrência não ocorreria. Dessa forma, seria deferida a concorrência nos regimes de separação convencional de bens, da comunhão parcial de bens quando o autor da herança deixa bens particulares, o regime da participação final nos aquestos e o chamado regime híbrido ou misto, fruto da vontade dos próprios cônjuges.

Passa-se a partir desse ponto a discutir a concorrência deferida ao cônjuge supérstite no regime de separação convencional de bens, onde serão abordadas as divergências a respeito do tema, objeto central do presente artigo.

5 REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS E A CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA

Em relação à concorrência sucessória deferida ao cônjuge supérstite no regime de separação convencional de bens a doutrina e a jurisprudência assentaram entendimento praticamente unânime de que subsiste a concorrência do cônjuge supérstite, sendo o entendimento minoritário de que a adoção do referido regime obstaria a concorrência. (MATTOS, 2014, p. 84).

Porém deve-se observar o entendimento do Jurista Miguel Reale, que defende a corrente minoritária, apontando claramente qual era o verdadeiro objetivo dos cônjuges ao pactuar o casamento pelo regime da Separação Convencional de bens.

5.1 Corrente Majoritária

Para corrente majoritária, o entendimento parte da interpretação literal do inciso I, do artigo 1.829 do Código Civil, o qual traz à concorrência sucessória do cônjuge supérstite casado pelo regime de separação obrigatória de bens, como visto anteriormente.

Com tal redação o objetivo do legislador, segundo Tartuce, foi separar claramente a meação da herança, como se pode concluir da leitura do trecho a seguir transcrito:

[...] o objetivo do legislador foi claramente separar a meação da herança. Assim, pelo sistema instituído, quando o cônjuge é meeiro não é herdeiro; quando é herdeiro não é meeiro. Nunca se pode esquecer que a meação não se confunde com a herança, sendo essa confusão muito comum entre os operadores do Direito. (TARTUCE, 2013, p. 1307).

Diante da interpretação literal do artigo e da interpretação teleológica do sistema implementado pelo legislador conclui-se que preferiu, afastada a hipótese de separação obrigatória de bens, que o instituto jurídico da concorrência opere-se todas as vezes que se verificar a formação de massa patrimonial particular pelo falecido. Dessa forma mesmo que o casal adquira determinado bem em conjunto o que se opera é um condomínio, conservando cada qual, em seu patrimônio particular, a parcela que lhe faz jus do bem adquirido em conjunto.

Tal pensamento também predomina na jurisprudência, como pode-se retirar do seguinte julgado:

Inventário. Única descendente do de cujus que impugnou a qualidade de herdeira da cônjuge sobrevivente e sua nomeação a inventariança. Decisão que reconheceu a viúva, casada pelo regime da separação convencional de bens com o autor da herança, como herdeira e a manteve no cargo de inventariante. Acerto. Inteligência do art. 1.829, I do Código Civil de 2002, vigente a época da abertura da sucessão. Regime de bens do casamento que impede a meação, mas identifica o cônjuge como herdeiro necessário em concorrência com os descendentes. Entendimento consagrado na doutrina e na jurisprudência (Voto 25560) (TJSP, AI 1701321320118260000-SP 0170132-13.2011.8.26.0000, 8ª C. Dir. Priv., Rel. Des. Ribeiro da Silva, j. 08/08/2012).” (DIA, 2014, p. 169).

Em outro julgado, também do Tribunal de Justiça de São Paulo, o mesmo entendimento foi utilizado:

EMENTA. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. ART. 1.845 DO CC. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC.

1. O cônjuge, qualquer que seja o regime de bens adotados pelo casal, é herdeiro necessário (art. 1.845 do Código Civil).

2. No regime de separação convencional de bens, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do falecido. A lei afasta a concorrência apenas quanto ao regime da separação legal de bens prevista no art. 1.641 do Código Civil. Interpretação do art. 1.829, I, do Código Civil.

3. Recurso especial desprovido. (BRASIL. TJSP [2013]. Resp. Nº 1.382.170-SP, Rel. Min. Moura Ribeiro).

Também nesse sentido, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais, vem se orientando por tal corrente:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. INVENTÁRIO. DIREITOS SUCESSÓRIOS. CÔNJUGE SOBREVIVENTE. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. ARTIGOS 1.829, INCISO I E 1.845, AMBOS DO CC/2002. INTERPRETAÇÃO. CÔNJUGE COMO HERDEIRO LEGÍTIMO E NECESSÁRIO, EM CONCORRÊNCIA COM OS HERDEIROS DO AUTOR DA HERANÇA. HABILITAÇÃO DO INVENTÁRIO. NECESSIDADE.

A mais adequada interpretação, no que respeita a separação convencional de bens, é aquela que entende ter o cônjuge direitos sucessórios em concorrência com os herdeiros do autor da herança, sendo, sendo essa, de resto, a interpretação literal e lógica do próprio dispositivo. Soma-se ao fato de que o direito a meação não se confundo com o direito a sucessão. (BRASIL, TJMG [2013]. AI 10.701.130.091.625.000-MG, Rel. Min. Geraldo Augusto. Julgado em 03/12/2013).

Outro também não tem sido o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, como se pode verificar:

EMENTA. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NOS EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. CIVIL. DIREITO DAS SUCESSÕES. CÔNJUGE. HERDEIRO NECESSÁRIO. ART. 1.845 DO CC/2002. REGIME DE SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS. CONCORRÊNCIA COM DESCENDENTE. POSSIBILIDADE. ART. 1.829, I, DO CC. SÚMULA N. 168/STJ.

1. A atual jurisprudência dessa corte está sedimentada no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado sob o regime de separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro necessário e concorre com os descendentes do falecido, a teor do que dispõe o art. 1.829, I, do CC/2002, e de que a exceção recai somente na hipótese de separação legal de bens fundada no art. 1.641 do CC/2002.

2. Tal circunstância atrai, no caso concreto, a incidência do Enunciado n. 168 da Súmula do STJ.

3. Agravo regimental desprovido. (BRASIL. AgRg nos EREsp 1.472.945 RJ 2013/0335003-3. Rel. Min. Antônio Carlos Ferreira. Julgado em 24/06/2015).

6.2 Corrente Minoritária

A corrente minoritária, lastreada pelos ensinamentos de Miguel Reale e pela Ministra Nancy Andrighi, defende que no caso de sucessão do cônjuge supérstite casados pelo regime de separação convencional de bens, não se deve permitir a concorrência sucessória.

Miguel Reale[4] (2003, p. 61-63 apud MATTOS, 2014, p. 86-88) justifica que a adoção da concorrência sucessória foi uma forma de continuar a proteger o cônjuge. O referido jurista sustenta que o verdadeiro sentido do artigo 1.829, I, do Código Civil é de que não existe concorrência sucessória a ser deferida ao cônjuge supérstite quando este for casado pelo regime de separação convencional de bens, fundamentando seu posicionamento isolado na interpretação lógica e coerente das regras desse regime quanto a seus efeitos no direito de família e no direito sucessório.

Reale afirma que o legislador ao estabelecer que no direito de família as regras do regime de separação convencional são as que nunca haverá comunicação patrimonial entre os bens dos consorte, e tal lógica deve perdurar quando do fim do regime de bens em decorrência da morte de um dos cônjuges.

Maria Berenice Dias (2014, p. 169) também tende a se orientar pelos ensinamentos de Reale, como se observa a seguir:

Mas há outra incongruência da lei, que diz com o regime de separação convencional eleito pelo par por meio de pacto antenupcial. Entre as exceções ao direito de concorrência, a lei esqueceu de citar esse regime de bens (CC 1.829 I). Desse modo acabaria o cônjuge sobrevivente brindando com parte dos bens do falecido, ainda que não tenha sido esse o desejo do casal. Ora, quando os cônjuges firmaram pacto antenupcial, elegendo o regime da separação de bens, queriam afastar qualquer efeito patrimonial do casamento. Desrespeitar a expressa manifestação de quem tem a disponibilidade sobre seus bens fere de morte o respeito à autonomia da vontade

Para salvar esta incongruência, logo após a entrada em vigor do Código Civil, Miguel Reale afirmou que a lei disse menos do que deveria, sustentando a exclusão do direito de concorrência no regime de separação convencional de bens por analogia. (DIAS, 2014, p. 169).

Se na doutrina o tema não é unânime, não poderia ser diferente com nossos tribunais, como extrai-se do trecho transcrito a seguir:

Apesar da instabilidade do argumento de Miguel Reale, a Ministra Nancy Andrighi, do STJ, acolheu seu pensamento, elaborou uma série de três votos que estão sendo utilizados como norteadores para o problema da concorrência sucessória. Esses votos se referem aos seguintes Recursos Especiais:

a) REsp nº 992.749 – MS, julgado dia 01/12/2009 (BRASIL, 2010a);

b) REsp nº 1.117.563 – SP, julgado dia 17/12/2009 (BRASIL, 2010b); e

c) REsp nº 1.377.084 – MG, julgado dia 08/10/2013 (BRASIL, 2013).

Nos três votos, a ministra apresenta uma linha de pensamento para se proceder a interpretação do art. 1.829, I, do CC, baseada na ideia de que “a vontade do cônjuge, manifestada no casamento, deve ser tomada em consideração também no momento de interpretar as regras sucessórias” (BRASIL, 2010b). (MATTOS, 2014, p. 88).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Diante todos os argumentos utilizados por Miguel Reale e pela Ministra Nancy, tal posicionamento, deveria ser revisto. Pois interpretar o artigo 1.829, I, do Código Civil de forma restrita, atropela a vontade que o casal manifestou nos termos da escritura de pacto antenupcial, não parece ser o melhor caminho apontar que deva ocorrer a concorrência sucessória.

Por mais que já seja possível uma consubstanciação doutrinária e jurisprudencial, tendendo-se majoritariamente ao posicionamento de que diante a monte de um dos cônjuges deva ocorrer a concorrência sucessória, vale ressaltar que o regime da separação convencional de bens foi instituída pelo casal por força da escritura de pacto antenupcial.

É necessário uma reflexão objetiva, voltada pela discussão apontada na corrente minoritária, levando-se em consideração a vontade das partes, e que o intuito dos cônjuges seriam evitar um futuro processo de doação ou até mesmo de inventário.

O entendimento apresentado pela grande maioria, reflete que seja assegurado o direito de herdar do cônjuge sobrevivente, corrente essa que fez uma análise extensiva do artigo 1829, I. Contudo, não deve-se defender de forma restrita esse posicionamento, pois há uma clara afronta ao principio da autonomia da vontade, em que o casal, diante do compromisso mútuo, optaram sem coação ou vício pelo regime da Separação convencional de bens.

Sendo assim, é importante lembrar que o direito brasileiro estabelece que o que foi pactuado entre particulares, desde que não haja impedimento na Constituição e não seja ilícito, deverá ser respeitado pelos demais, por isso a escolha desse regime e mediante a celebração da escritura de pacto antenupcial, é mais uma demonstração da verdadeira vontade do casal, no qual por este instrumento, decidiram sobre o futuro de seu patrimônio.

Por fim, se ambos apresentaram de forma lícita, sem coação essa vontade, ainda que se fale do desejo de proteger os direitos do cônjuge supérstite, não podemos ignorar sua autonomia de vontade, na qual foi estabelecida pelo pacto, pois ignorar essa decisão, seria mesmo que ignorar a disposição do patrimônio que deveria ser entregue em um testamento.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. 1988. Brasília: Diário Oficial da União de 05/10/1988. Disponível em: Acesso em: 14 maio 2016.

BRASIL. Súmulas 301 a 400. Supremo Tribunal Federal. Disponível em: Acesso em: 20 maio 2015.

BRASIL. Lei nº 10.406. Código Civil, de 10 de Janeiro de 2002. Disponível em: Acesso em: 14 maio 2015.

CARVALHO, Dimas Messias de; Dimas Daniel de. Direito das sucessões inventário e partilha. Belo horizonte: Del Rey, 2007.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 9. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013.

DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das sucessões. 3. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014..

DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: 6. Direito das sucessões. 21. Ed. São Paulo: Saraiva, 2007.

HIRONAKA, Giselda Maria Fernandes Novais; CAHALI, Francisco José. Direito das Sucessões. 5ª ed. São Paulo, 2014.

MATTOS, Paulo Henrique Reis de. A concorrência sucessória deferida ao cônjuge supérstite. Belo horizonte, 2014. 197 f. Dissertação (Mestrado em Direito Privado) – Pontíficia Universidade Católica de Minas Gerais, 2014.

TARTUCE, Flávio. Manual de direito civil. 3. Ed. São Paulo: Método, 2013.


[1]Aluna do Curso de Direito da FACECA. maryenejustino@hotmail.com.

[2]Professor Mestre do Curso de Direito da FACECA. Orientador deste trabalho de conclusão de curso paulohenrique@reismattos.com.br

[3] RODRIGUES, Silvia. Direito Civil. Direito das Sucessões. Saraiva:2006. V.7.

[4] REALE, Miguel. Jornal Estado de São Paulo. Espaço aberto. Publicado em 12/04/2003.

  • Publicações1
  • Seguidores0
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoArtigo
  • Visualizações534
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/artigos/a-concorrencia-sucessoria-deferida-ao-conjuge-superstite-no-regime-da-separacao-convencional-de-bens/411472590

Informações relacionadas

Erika Nicodemos Advocacia, Advogado
Notíciashá 8 anos

A falácia do casamento com separação total de bens

Patrícia Noel, Advogado
Artigoshá 6 meses

Comunhão Parcial de Bens vs. Separação Total: Qual é a Melhor Escolha para Você?

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)