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27 de Maio de 2024

Direito ao Esquecimento no Brasil

Publicado por Pedro Barbosa
ano passado
  1. INTRODUÇÃO

Na sociedade atual, rodeada de informação por todos os lados, é fácil perceber que até os atos mais simples e cotidianos da vida pessoal de alguém, podem ser divulgados em escala global em velocidade surpreendente. Acontecimentos há muito tempo esquecidos pelo próprio agente podem ser resgatados por meio das mídias sociais, e propagados com o fito de causar danos àquele que apenas divulgou algo que estava fazendo, ou que tinha por opinião.

Assim, verifica-se um binômio que está presente no mundo moderno, de um lado a livre informação e de outro a perda do controle dos dados pessoais dos próprios usuários da internet. Observando a dinâmica das redes sociais, é possível perceber que os danos causados por meio da propagação de informações, são potencializados pelos meios de comunicação em massa.

Ademais, a exploração midiática irrestrita de certos fatos acaba se demonstrando como verdadeiro abuso de direito, na medida em que não permite que agentes de fatos já punidos pelas autoridades competentes e que já cumpriram suas penas, possam desfrutar de uma vida tranquila após quitar suas obrigações com a sociedade, o que fere o disposto no artigo , XLVII, b, da Constituição Federal, que reza que não haverá pena de caráter perpétuo no país. Tal ofensa ao dispositivo constitucional se dá na medida em que as mídias mantêm no imaginário popular, ocorridos que deixaram de ostentar interesse público e passaram a compor exclusivamente o patrimônio moral do indivíduo.

Nesse ínterim, para dar a oportunidade a quem se sentir profundamente prejudicado por informações divulgadas a seu respeito, é que se faz presente o direito ao esquecimento, já que permite uma demanda perante o judiciário a fim de que sejam apagadas informações que dificultem a vida e socialização dos indivíduos e que não carregam interesse público.

Percebe-se, portanto, que o cerne da questão se debruça no embate entre dois direitos constitucionalmente garantidos, quais sejam, o direito de liberdade de informação/ expressão [1] e o direito à intimidade [2], os quais devem ser objeto de ponderação, de modo que o exercício do chamado direito ao esquecimento não implique em censura prévia, e sim funcione como um mecanismo de ressocialização.

Como é possível perceber, a aplicação do direito ao esquecimento não é uma tarefa simples, visto que perpassa pela análise de diversos institutos do direito, que devem ser sopesados quando o intérprete do direito estiver fazendo o exame do caso concreto. Os temas que circundam o direito ao esquecimento, por serem bastante subjetivos, admitem interpretações diversas, o que nos faz constatar a necessidade de amadurecimento do debate acerca do tema.

A partir disso, a presente monografia insta demonstrar a importância desse instituto internacionalmente reconhecido. Para tanto, este trabalho subdivide-se em 4 capítulos, que terão por procedimento a revisão bibliográfica. No primeiro capítulo o direito ao esquecimento será analisado à luz da perspectiva internacional, perpassando pelos casos mais relevantes julgados no ordenamento alienígena. No segundo capítulo o referido instituto será abordado nos precedentes nacionais, tecendo considerações acerca do entendimento do Superior Tribunal de Justiça, exarado nos julgamentos que lhe foram submetidos. No terceiro capítulo serão analisados os direitos fundamentais que, ao colidirem, geram a problemática que o julgador deve enfrentar, quais sejam, os direitos da personalidade e o direito à liberdade de expressão e informação. No último capítulo será analisado o recente Recurso Extraordinário 1.010.606 que tratou da aplicabilidade do direito ao esquecimento no Brasil.

O tema central da presente pesquisa e sua importância se justificam no fato de que o direito ao esquecimento demonstra inegável aplicabilidade na vida em sociedade, e que, para além disso, pode ser percebido um como direito fundamental alicerçado na dignidade pessoa humana, assim sendo, suscita uma análise de ponderação entre a liberdade de expressão e o direito à privacidade, intimidade, e à vida privada, direitos tão relevantes à vida pessoal e à sociedade como um todo, que foram constitucionalmente garantidos.

DIREITO AO ESQUECIMENTO NO PANORAMA INTERNACIONAL

Após essa introdução acerca do que será estudado, faz-se necessário analisarmos o direito ao e squecimento comparativamente com precedentes internacionais, tendo em vista que em alguns países a discussão sobre o referido direito já vem acontecendo há algumas décadas, o que nos confere substrato para a realização de uma pesquisa embasada em casos reais, permitindo um estudo dos pontos positivos e negativos de cada fato, a fim de, quando da análise da possível aplicação do direito ao esquecimento em âmbito nacional, possamos evitar os erros e replicar os acertos.

Perspectivas Gerais

Como já dito, em diversos países o direito ao esquecimento é tema de discussão antigo, que remonta à primeira metade do século XX, fato que é possível constatar analisando o caso Melvin vs Reid, ocorrido nos Estados Unidos na década de 1930, onde a Suprema Corte da Califórnia reconheceu expressamente o direito ao esquecimento a uma mulher inocentada da acusação de crime de homicídio, mas que teve sua vida privada violada quando da produção do filme “Red Melvin”, que retratava detalhadamente a vida da autora da ação (ESTADOS UNIDOS, 1931).

O referido Tribunal americano fundamentou sua decisão no entendimento que qualquer pessoa tem a garantia de poder reparar erros pretéritos e que, após 13 anos desde a ocorrência do fato, Gabrielle Darley Melvin não poderia ter sua reputação atacada com a divulgação do filme (ESTADOS UNIDOS, 1931). Nos países europeus a discussão acerca do direito ao esquecimento também se faz presente há anos, como é perceptível analisando o caso Marlene Dietrich, que foi uma atriz nascida em Berlim no ano de 1901 e que, em determinado momento de sua carreira, envolveu-se em uma relação extraconjugal, o que desencadeou uma ampla publicação acerca desse fato na empresa (CARVALHO FILHO, 2019. p. 25).

Desconfortável com os boatos gerados pela publicação de fatos concernentes à sua vida íntima e pessoal, a atriz solicitou que o Tribunal de Paris se manifestasse sobre o caso, a Corte decidiu no sentido de que é vedada a publicação de narrativas pertencentes ao patrimônio moral e vida privada de cada indivíduo, sem que a pessoa tenha dado autorização expressa para a publicação, ainda que não se tenha o intuito de denegrir (CARVALHO FILHO, 2019. p. 25). René Ariel Dotti viu na referida decisão um dos pilares da construção do direito à privacidade, conforme se verifica a seguir:

Finalmente, no caso Marlene Dietrich – que foi referido como uma das pedras fundamentais da construção do muro da privacidade – o Tribunal de Paris reconheceu expressamente que ‘as recordações da vida privada de cada indivíduo pertencem ao seu patrimônio moral e ninguém tem o direito de publicá-las mesmo sem intenção malévola, sem a autorização expressa e inequívoca daquele de quem se narra a vida’. O direito ao esquecimento como uma das importantes manifestações da vida privada estava então consagrado definitivamente pela jurisprudência, após uma lenta evolução que teve, por marco inicial, a frase lapidar pronunciada pelo advogado Pinard em 1958: ‘O homem célebre, senhores, tem o direito a morrer em paz’. (DOTTI, 1982, p. 92)

Assim, é possível notar que na década de 1950, quando da ocorrência do fato, o direito ao esquecimento já era objeto de discussão em âmbito europeu, sendo possível concluir, a partir da decisão do Tribunal de Paris, que caso haja veiculação de notícias, mesmo que verdadeiras e sem o intuito de desabonar a pessoa, mas que possam, de alguma maneira, implicar em empecilhos à convivência em sociedade do indivíduo, tal notícia violará direitos da personalidade, devendo, portanto, ser tirada de circulação.

Na Alemanha, como bem demonstra Martins (2005, p. 487), temos o Caso Lebach como principal expoente, onde um condenado como partícipe em um crime de latrocínio, ao tomar conhecimento que sua história seria exibida em um documentário, pleiteou uma tutela liminar para que o documentário não fosse exibido. O presente caso é tão relevante, que serviu de fundamentação teórica em julgamentos brasileiros que envolvem o tema do direito ao esquecimento, quais sejam, o caso Chacina da Candelária e o caso Aída Curi, que serão tratados adiante.

O Supremo Tribunal Federal, em seu Boletim de Jurisprudência Internacional, nos traz outro caso interessante a respeito do tema. Trata-se de um caso no qual a Corte de Cassação da Bélgica também reconheceu a possibilidade de aplicação do direito ao esquecimento, fato que ocorreu quando do julgamento do caso de um médico que ao dirigir embriagado envolveu-se em um acidente de trânsito que resultou em dois óbitos (BRASIL, 2018, p.10/11).

No ano de ocorrência do acidente, o jornal local Le Soir divulgou o fato informando o nome do condutor, que requereu administrativamente a remoção dos dados, tendo seu pedido indeferido. Quando instado a se manifestar sobre o caso, a Corte de Cassação reconheceu que as informações deveriam ser ocultadas, fundamentando sua decisão no artigo 10º da Convenção Europeia de Direitos do Homem [3] e no artigo 19 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos [4] (BRASIL, 2018, p.11).

Interpretando ambos os artigos a Corte considerou ser indubitável a aplicação do direito ao esquecimento ao caso em questão, confirmando a sentença de instâncias inferiores, haja vista que embora seja garantido tanto o direito de liberdade de expressão e informação quanto o direito à intimidade, nenhum dos direitos pode ser aprioristicamente considerado absoluto, justificando, em certas ocasiões, a intervenção estatal quando da colisão de direitos fundamentais a fim de determinar qual deve prevalecer. Assim, ficou determinado que nos arquivos referentes ao acidente não devessem constar o nome do autor, devendo ser mencionado apenas como x (BRASIL, 2018, p.12).

Ainda na Europa, Frajhof (2018, p. 24/25) menciona o caso decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia- TJUE, na lide que envolvia um cidadão espanhol e o Google. O referido caso representa uma mudança de paradigma no que diz respeito entendimento concernente à proteção dos dados pessoais, já que tratou da desindexação de dados que não possuíam nenhuma relevância social, mas que, não obstante isso, eram veiculados no Google Search, o que apenas prejudicava o senhor Mário Costeja González, já que, ao procurar o nome do referido, era possível encontrar até 2009, fatos ocorridos em 1998.

    1. Caso Lebach

Emblemático caso tratado por Martins (2005, p.487) considerado um dos mais importantes precedentes acerca do direito ao esquecimento. Ocorre que, no ano de 1969, em um povoado localizado a oeste da República Federal da Alemanha, chamado Lebach, quatro soldados foram vítimas de latrocínio durante um roubo de armas e munições, caso que foi amplamente divulgado e tornou-se de conhecimento geral por conta da brutalidade com que foi cometido o crime, após investigações, os dois principais autores foram condenados à prisão perpétua e um terceiro, por conta de menor participação no crime em questão, tendo apenas prestado auxílio na preparação, foi condenado a seis anos de prisão.

Três anos após o fato, em 1972, o canal de TV alemão ZDF - Zweites Deutsches Fernsehen divulgou que produziria um documentário intitulado de “O Assassinato Dos Soldados em Lebach” que seria exibido alguns meses antes de o último condenado sair em livramento condicional, o documentário iria expor nome, fotos e detalhes dos envolvidos, além de realizar a reconstituição do crime, expondo, ademais, a relação que existia entre os condenados – o que incluía ligações homossexuais – além de particularidades sobre a perseguição e prisão (BRASIL, 2018, p.7).

Ao saber acerca da exibição do referido documentário, o partícipe requereu judicialmente, por meio de medida liminar, que o programa não fosse exibido, argumentando que a divulgação de tais informações, além de ferir direitos da personalidade, seria prejudicial à sua ressocialização. Contudo, o juiz de piso indeferiu tal pleito, o que fez fundamentando-se na proteção da liberdade comunicativa e informativa. (BRASIL, 2018, p.7).

Em face da negativa do pedido, o partícipe ajuizou reclamação constitucional ao Tribunal Constitucional Federal da Alemanha, que deu provimento ao pedido, a Corte entendeu que os meios de comunicação de massa têm influência decisiva na formação da opinião pública, assim, reconheceu que no caso em questão era justa a proibição da transmissão (BRASIL, 2018, p.7). O Seguinte trecho da ementa demonstra o entendimento do referido Tribunal:

Em face do noticiário atual sobre delitos graves, o interesse de informação da população merece em geral prevalência sobre o direito de personalidade do criminoso. Porém, deve ser observado, além do respeito à mais íntima e intangível área da vida, o princípio da proporcionalidade. Segundo este, a informação do nome, foto ou outra identificação do criminoso nem sempre é permitida. A proteção constitucional da personalidade, porém, não admite que a televisão se ocupe com a pessoa do criminoso e sua vida privada por tempo ilimitado e além da notícia atual, p.ex. na forma de um documentário. um noticiário posterior será, de qualquer forma, inadmissível se ele tiver o condão, em face da informação atual, de provocar um prejuízo considerável novo ou adicional à pessoa do criminoso, especialmente se ameaçar sua reintegração à sociedade (ressocialização) (MARTINS, 2005, p.488).

Percebe-se que a Corte alemã considerou que à época de ocorrência dos fatos a sociedade fora informada acerca dos acontecimentos e que, considerando o transcurso dos anos, o fato já não era mais relevante para o interesse público, o que desautorizava a exibição do programa, tendo em vista que provocaria considerável prejuízo ao condenado, tal como isolamento social e estigma, dificultando a ressocialização do indivíduo, que poderia culminar em prejuízos à sua integridade mental.

Caso Gonzaléz vs Google Espanha

Mario Costeja Gonzaléz é um cidadão espanhol que, no ano de 2009, ao pesquisar o próprio nome no Google, encontrou reportagem em duas páginas do jornal La Vanguardia que faziam menção à hasta pública de um imóvel para o pagamento das dívidas de um antigo débito com a seguridade social que o Sr. Gonzaléz possuía, leilão que datava do ano de 1998.

Entendendo que a exibição de tais informações acerca de uma execução há muito encerrada estaria violando seu direito à privacidade além de causar-lhe prejuízo, solicitou que o jornal retirasse as páginas que referenciavam seu nome ou, caso isso não fosse possível, que as páginas em questão fossem alteradas, ocultando seus dados pessoais. A solicitação foi negada, tendo o jornal argumentado que a matéria foi legalmente publicada, por ordem do Ministério do Trabalho e da Seguridade Social. Após esse fato, requereu ao Google Spain e ao Google Inc. que suas informações pessoais não mais aparecessem nos resultados de pesquisa, o que foi novamente rejeitado (FRAJHOF, 2018, p.25).

Em face das negativas, Mario Costeja Gonzaléz, no dia 5 de março de 2010, apresentou reclamação a Agencia Espanõla de Protección de Dados- AEPD contra a La Vanguardia Ediciones SL. e contra o Google España, tendo por fundamento os mesmos argumentos utilizados em sede administrativa, além de alegar que o processo já tinha sido completamente resolvido há vários anos e que a referência a este, carecia atualmente de pertinência (UNIÃO EUROPEIA, 2014) .

A AEPD, quando do julgamento do requerimento, rejeitou os pedidos formulados contra o jornal La Vanguardia, fundamentando seu entendimento no fato de que o periódico publicou legalmente as informações, cumprindo as determinações do Ministério do Trabalho e Seguridade Social. Em contrapartida, em relação às empresas do grupo Google, acolheu os pedidos formulados, entendendo que, tendo em vista que funcionam como intermediadores entre a informação e o público, seus mecanismos de busca podem causar lesões ao direito fundamental de proteção de dados e a dignidade, tornando autêntica a pretensão de retirada dos dados (FRAJHOF, 2018, p.25/26).

As empresas Google Spain e Google Inc. recorreram da decisão à Audiência Nacional [5]. Este órgão jurisdicional ao analisar o caso, entendeu que a demanda envolvia a interpretação da Diretiva 95/46 do Parlamento Europeu e do Conselho, relativa à proteção das pessoas singulares no que diz respeito ao tratamento de dados pessoais e à livre circulação desses dados, razão pela qual seria necessário submeter o caso ao Tribunal de Justiça da União Europeia- TJUE (UNIÃO EUROPEIA, 2014).

Com base no artigo 2º [6] da referida diretiva, o TJUE declarou que a atividade do Google se enquadra na definição de tratamento de dados, devendo, portanto, ser considerado responsável pelo devido tratamento, isto é, desde que presentes as condições legais constantes nos artigos 12º, alínea b, e 14º (UNIÃO EUROPEIA, 2014). Cumpridos os requisitos legais, o provedor de busca é obrigado a remover os links contendo dados pessoais relativos a uma pessoa, ainda a publicação em si seja lícita e precisa, tendo em vista que a veiculação de algumas informações pode representar a violação dos direitos fundamentais à privacidade e proteção de dados, não sendo justificável a manutenção de informações pessoais no simples interesse econômico que o operador de um motor de busca tem, devendo, portanto, haver o sopesamento dos direitos à informação e os direitos fundamentais da pessoa. (UNIÃO EUROPEIA, 2014). É o que se extrai do presente acórdão proferido pelo TJUE:

Pelos fundamentos expostos, o Tribunal de Justiça (Grande Secção) declara: [...]

3) Os artigos 12º, alínea b), e 14º, primeiro parágrafo, alínea a), da Diretiva 95/46 devem ser interpretados no sentido de que, para respeitar os direitos previstos nestas disposições e desde que as condições por elas previstas estejam efetivamente satisfeitas, o operador de um motor de busca é obrigado a suprimir da lista de resultados, exibida na sequência de uma pesquisa efetuada a partir do nome de uma pessoa, as ligações a outras páginas web publicadas por terceiros e que contenham informações sobre essa pessoa, também na hipótese de esse nome ou de essas informações não serem prévia ou simultaneamente apagadas dessas páginas web, isto, se for caso disso, mesmo quando a sua publicação nas referidas páginas seja, em si mesma, lícita.

É perceptível que a Europa possui a mais ampla tradição de aplicação do direito ao esquecimento, sempre ponderando no caso concreto qual direito deve preponderar. A possibilidade de discutir acerca de fatos pessoais é tão comum que em 2010, em discurso na Comissão Europeia, Viviane Reding declarou o direito ao esquecimento como um pilar da regulação de proteção de dados no qual o grupo estava formulando (AMBROSE; AUSLOOS, 2013, p.6) .

Entretanto, é essencial ressaltar que o direito ao esquecimento, como foi demonstrado ao longo do texto, não se caracteriza como um instrumento jurídico para apagar fatos ou tampouco reescrever a própria história, ele apenas garante que o indivíduo que se sinta lesado com a veiculação de informações pessoais, que só a ele interessam, possa discutir se os dados expostos ao público estão realmente cumprindo sua função de interesse público ou se tornaram inadequadas, irrelevantes ou excessivas em relação aos fins para os quais foram processadas, alimentando, assim, o sofrimento imotivado de algum indivíduo.

  1. DIREITO AO ESQUECIMENTO NO BRASIL

Não obstante os debates acerca do direito ao esquecimento terem se iniciado há décadas nas legislações alienígenas, no Brasil o desenvolvimento do tema deu-se tardiamente, mormente no que diz respeito ao posicionamento jurisdicional. Apesar disso, quando instado a se manifestar, o Poder Judiciário brasileiro já teve de enfrentar casos emblemáticos que denotaram grande complexidade.

Nesse ínterim, serão tratados os casos Aída Curi, Chacina da Candelária e Xuxa Meneghel, casos que requereram a manifestação do Poder Judiciário, a fim de que fosse decidido sobre a ponderação dos Direitos Fundamentais em conflito.

    1. Caso Aída Curi

Trata-se de um caso que tomou repercussões nacionais, gerando grande comoção na sociedade por conta da barbárie do fato e das penas impostas aos acusados. No ano de 1958, a jovem Aída Jacob Curi, que contava com dezoito anos, foi abusada sexualmente e jogada da cobertura de um prédio localizado na Avenida Atlântica, em Copacabana, no Rio de Janeiro (BAYER, 2015).

Três pessoas foram acusadas de concorrerem para o resultado do crime, Ronaldo Guilherme de Souza Castro, principal acusado, Cássio Murilo Ferreira, que contava com 17 anos na data do fato e Antônio João de Souza, porteiro do edifício onde Aída foi violentada e posteriormente arremessada do terraço. Três julgamentos foram realizados, no primeiro, Ronaldo foi condenado a 37 anos , o porteiro Antônio João a 30 e Cássio não pôde ser julgado por ser menor de idade e inimputável. No segundo julgamento, que foi possível devido ao aparecimento de prova nova, Ronaldo e Antônio foram absolvidos (OLIVEIRA, 2017, p. 53).

O Ministério Público conseguiu anular o julgamento, tendo Ronaldo sido condenado, no terceiro julgamento, à oito anos e nove meses pelo crime de importunação sexual e tentativa de estupro, já Antônio, com a absolvição no segundo julgamento, desapareceu, não comparecendo ao terceiro (BAYER, 2015). No ano de 2008, tal qual ocorreu no caso Lebach, a imprensa teve o desejo de retratar o crime. O extinto programa Linha Direta-Justiça, que era transmitido pela TV Globo, levou ao ar um documentário reconstituindo os fatos, exibindo fotos e rememorando o nome dos envolvidos, tendo os irmãos de Aída feito requerimento junto à Rede Globo que deixassem de exibir o programa (MIRANDA; MOLON Jr., 2020, p.42).

Contrariando o requerimento dos irmãos de Aída, a Rede Globo exibiu o programa, levando ao ajuizamento de uma ação contra a emissora. Sob a fundamentação de que o programa teria aberto feridas antigas, além de a emissora aproveitar-se do trágico acontecido, gerando enriquecimento ilícito para si, os irmãos requereram em juízo o pagamento de indenização por danos morais e materiais (FRAJHOF, 2018, p.116).

Em sentença, o juiz teve que realizar análise a fim de decidir se a exibição do programa teria violado direitos personalíssimos dos autores da ação, o que levaria, em caso positivo, ao julgamento procedente. Contudo, o entendimento do magistrado foi no sentido de que, já que a TV Globo baseou-se nos fatos que já teriam sido exibidos na época de ocorrência do crime, e que o programa não havia gerado receita expressiva para a emissora, não assistia razão à autora, razão pela qual a demanda acabou por ser julgada improcedente. A sentença foi mantida pelos desembargadores que julgaram a apelação, o que culminou na interposição dos recursos especial e extraordinário (FRAJHOF, 2018, p.116).

Percebe-se que, até este momento processual, o caso tratava-se apenas de uma ação indenizatória com pedido de indenização, entretanto, ao Recurso Especial chegar ao Superior Tribunal de Justiça, foi que se tornou um caso de “direito ao esquecimento”. Isso deve-se ao fato de que, quando do julgamento do caso Chacina da Candelária, tal direito foi reconhecido aos envolvidos, ao revés do que aconteceu aqui, tendo dois casos parecidos – ambos tratavam de crimes ocorridos no passado – acabado com resultados divergentes. (FRAJHOF, 2018, p.117).

Contudo, o julgamento do Recurso Especial nº. 1.335.153/RJ reiterou, por três votos a dois, a decisão das instâncias inferiores, não provendo o recurso. Segundo os Ministros que votaram pelo não provimento do recurso diversas particularidades do caso Aída Curi impediam que o direito ao esquecimento fosse aplicado ao caso (BRASIL, 2013). Dentre os argumentos trazidos é possível citar: a) o fato de o crime ter entrado para o domínio público; b) a inviabilidade de se retratar o caso em uma matéria jornalística sem que haja referência à Aída, tendo em vista que ela se tornou indissociável do delito; c) não estar presente uma indevida exploração midiática nem abuso de direito; d) o transcurso de lapso temporal tão expressivo não tem o condão de produzir abalo capaz de gerar a responsabilidade civil da emissora, gerando um mero desconforto; e) mesmo que o direito ao esquecimento fosse reconhecido, não se reconheceria necessariamente o direito à indenização, já que para isso deveria estar presente a ilicitude do ato produzindo danos nos recorrentes (BRASIL, 2013, p.2).

Por outro lado, a Ministra Maria Isabel Galloti entendeu que os autores tinham razão na pretensão da indenização, fundamentando seu entendimento no art. 20 do Código Civil [7]. Como houve expressa discordância da família com a exibição do programa, a emissora incorreu na proibição do referido artigo do Código Civil, no que se refere à utilização da imagem de Aída. Ademais, como a Rede Globo explora atividade empresarial, a conduta de expor fotos reais do trágico crime, também se subsume a parte final do artigo, que garante indenização se a exposição tiver ocorrido para fins comerciais (BRASIL, 2013, p.46).

A Ministra acrescentou ainda que, tendo em vista que crime o havia ocorrido há mais de cinquenta anos, era evidente a falta de interesse público na veiculação da reportagem, além do fato de que a notória divulgação à época do ocorrido não era fundamento sólido que justificasse a reexibição do ocorrido, uma vez que a intimidade e a privacidade dos mortos são protegidos pelo ordenamento jurídico brasileiro (BRASIL, 2013, p.46). Por fim, destacou que a Súmula 403 do próprio STJ era aplicável ao caso, tendo em vista que determina ser devida indenização, independente de prova de prejuízo, pela publicação não autorizada de imagem de pessoa com fins econômicos ou comerciais. Destacou ainda a expressiva busca pelo nome de Aída Curi após a exibição do programa, trazendo à tona algo que estava, de fato, esquecido (BRASIL, 2013, p.47).

O caso Aída Curi ainda foi objeto do Recurso Extraordinário nº 1.010.606, que será analisado no último capítulo dessa monografia.

    1. Caso Chacina da Candelária

A chacina da candelária foi um crime bárbaro ocorrido em 1993, na cidade do Rio de Janeiro, onde oito meninos de rua foram assassinados a tiros enquanto dormiam em frente à Igreja Nossa Senhora da Candelária. Um cidadão chamado Jurandir Gomes de França foi um dos indiciados como coautor/partícipe, mas ao final do julgamento no júri foi absolvido pela negativa de autoria (OLIVEIRA, 2017, p.51).

No ano de 2006, o programa Linha Direta decidiu fazer uma reportagem sobre o crime, ocasião em que procuraram Jurandir para que concedesse entrevista, entretanto, o referido manifestou desinteresse em participar e informou que tampouco gostaria de ter sua imagem ligada ao crime (OLIVEIRA, 2017, p.51). Entretanto, mesmo após ter manifestado sua vontade inequívoca de não participar, bem como de não querer ser mencionado, o programa, contrariando Jurandir, transmitiu a reportagem mencionando seu nome como um dos suspeitos do crime, embora tenha mencionado que ele foi absolvido (FRAJHOF, 2018, p.112).

Diante da exibição do referido programa, entendendo pela ilicitude da transmissão, bem como temendo o estigma social da comunidade onde morava, onde poderia vir a ser conhecido como chacinador, causando problemas para si e para sua família, Jurandir ingressou com ação indenizatória, requerendo o valor de 300 salários mínimos como reparação de danos (BRASIL, 2013, p.4). Em primeira instância, o juiz entendeu pela licitude da matéria jornalística, julgando improcedente o pedido autoral, sentença que proferiu ao sopesar o interesse público de um lado e o “direito ao anonimato e ao esquecimento” do autor de outro, determinando a prevalência do primeiro (BRASIL, 2013, p.4).

Em sede de apelação a sentença foi reformada, os desembargadores entenderam pelo abuso do direito de informar, presente no artigo 220 da Constituição Federal [8], além da violação do direito de imagem e dignidade da pessoa humana do cidadão retratado, tendo em vista ser possível retratar o trágico ocorrido sem a referência a uma pessoa que foi absolvida das acusações que sofreu, tendo sido fixada a condenação da ré no importe de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) (RIO DE JANEIRO, 2008).

Foi interposto Recurso Especial pela Rede Globo, que sustentou em suas razões recursais que programas que retratam crimes ocorridos no passado são comuns, tanto no Brasil quanto no exterior, razão pela qual inexistiria o dever de indenizar, além de que, alegou que não invadiu a privacidade do autor da ação, visto que os fatos já eram amplamente conhecidos. Por fim, asseverou que o crime teria se tornado um fato histórico, o que tornava lícita a divulgação da imagem de Jurandir, mesmo sem a autorização deste (BRASIL, 2013, p.7).

O Superior Tribunal de Justiça exarou entendimento no sentido de que, apesar de a liberdade de imprensa ser uma das bases nas quais os Estados que se dizem democráticos devam estar firmados, como é o caso da República Federativa do Brasil, dispondo de tal liberdade no artigo 220 da Constituição Federal, a Lei Maior também demonstra a primazia da defesa do ser humano, constatação retirada do artigo , inciso III, que colocou a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do Estado brasileiro, que deve consistir em “uma lente pela qual devem ser interpretados os demais direitos posteriormente reconhecidos” (BRASIL, 2013, p.9).

Assim, é importante que se pondere caso a caso se a historicidade da matéria jornalística não é fruto de uma exploração midiática exacerbada, a fim de satisfazer anseios sociais de punição contra quem cometeu um crime. Logo, a irrestrita divulgação de certos fatos, a pretexto da historicidade dele, poderia se caracterizar como abuso à dignidade humana, funcionando o direito ao esquecimento como um corretivo a certos abusos (BRASIL, 2013, p.32).

Desse modo, o STJ reconheceu que, apesar da historicidade do fato criminoso, era possível que se retratasse o ocorrido sem que se fizesse menção ao nome de um dos envolvidos na investigação policial, e que veio a ser posteriormente absolvido, evitando a exposição que ocasionou ofensa aos seus direitos de personalidade e dignidade. Assim, manteve a condenação da emissora no importe de R$ 50.000 e determinou a prevalência dos direitos da personalidade do ora recorrido, em detrimento da liberdade de imprensa (BRASIL, 2013, p.12).

    1. Caso Xuxa Meneghel vs Google Ltda.

Xuxa Meneghel antes de ser conhecida como a “rainha dos baixinhos”, protagonizou, no ano de 1982, um filme chamado “Amor, estranho amor”, onde interpretava uma garota de programa que se envolvia sexualmente com um garoto menor de idade (SACRAMENTO, 2017, p.6).

Anos após, mas ainda na década de 1980, já com sua carreira voltada à apresentação de programas televisivos direcionados ao público infantil, e com o sucesso do filme, Xuxa ajuizou uma ação requerendo busca e apreensão de todas as cópias do filme, sob o argumento de que, tendo em vista seu trabalho atual, as imagens constantes no filme poderiam perverter a imagem que estava construindo (ABRÃO, 2020, p.50). Xuxa teve êxito na ação.

Ocorre que, mais recentemente, Xuxa envolveu-se novamente em ação judicial, com pedido de tutela antecipada, por causa do referido filme. Dessa vez, entretanto, o polo passivo da demanda foi o Google Brasil, e o pedido foi para que o provedor de pesquisa deixasse de retornar com links que fossem referentes ao filme, quando pesquisassem o termo “Xuxa pedófila”. Argumentou a apresentadora que seu nome estava sendo relacionado à prática de um crime, além das cenas serem prejudiciais à sua imagem atual, pelo fato de ter se tornado apresentadora infantil posteriormente a gravação do filme (ABRÃO, 2020, p.50).

O juiz de piso deferiu o pedido de tutela antecipada, determinando que o Google deixasse de disponibilizar links como resultados à busca pelo termo “Xuxa pedófila” sob pena de ser multada em R$ 20.000 (vinte mil reais) por cada resultado disponibilizado, caso não cumprisse a ordem judicial no prazo de 48 (quarenta e oito) horas. Da decisão foi interposto o Agravo de Instrumento, que foi parcialmente provido, tendo o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro limitado a liminar apenas às imagens indicadas pela autora na petição inicial, sem, contudo, abranger todos os links que retornassem da busca do referido termo (ABRÃO, 2020, p.50).

Mesmo com o provimento parcial de seu pleito, a Google interpôs Recurso Especial com o fito de determinar os limites da responsabilidade de site de pesquisa via internet pelo conteúdo dos respectivos resultados (ABRÃO, 2020, p.50). No julgamento do Recurso Especial ficou determinada a sujeição da exploração comercial da internet às relações de consumo presentes na Lei nº 8.078/90 ( Código de Defesa do Consumidor- CDC), mesmo que tais serviços sejam gratuitos, tendo em vista que o art. 3º, § 2º, da referida lei deve ser interpretada de modo a incluir ganho indireto do fornecedor (ABRÃO, 2020, p.50).

Consequentemente, interpretando o artigo 14 do CDC [9], não se pode atribuir ao provedor de pesquisa a responsabilidade pelas pesquisas feitas por cada usuário, na medida em que trata-se de atividade extrínseca ao serviço prestado pelos provedores, tornando, portanto, tal responsabilização ilegítima. Ademais, muito embora a ciência da computação esteja em estágio avançado, quando colocada a evolução da capacidade de processamento em conflito com a enormidade de sites que possam conter algum tipo de conteúdo ilícito, é possível perceber que mesmo com equipamentos avançados, os provedores seriam incapazes de identificar conteúdos reputados ilegais (ABRÃO, 2020, p.50).

Igualmente, tampouco podem ser obrigados os servidores de busca a realizar controle prévio de cada página nova ou alterada, mesmo que o pretexto seja para dificultar a propagação de conteúdo ilícito, ainda mais quando sopesado com o direito de liberdade de informação consagrado no art. 220, § 1º [10] da Constituição Federal (BRASIL, 2012, p.1/2).

Em suma, deu-se provimento ao Recurso Especial, ficando determinado que mesmo que alguém identifique uma URL específica que contenha conteúdo ilícito, a vítima, que detém legitimidade, deve demandar diretamente quem publicou o conteúdo, afastando a responsabilidade dos provedores de busca, tendo em vista que estes apenas facilitam o acesso ao conteúdo.

  1. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Dentre a enormidade de direitos fundamentais presentes na Constituição Federal, encontram-se aqueles destinados a tutelar a intimidade e a informação. Por isso, após tomar conhecimento de casos reais levados ao crivo do Poder Judiciário nacional e estrangeiro, no presente capítulo serão analisados os principais direitos que devem ser sopesados pelos julgadores que têm a tarefa de decidir qual deve prevalecer no caso concreto. Primeiramente será demonstrado cada direito isoladamente, para, posteriormente, ser feito uma análise acerca da colisão dos direitos fundamentais. Tal análise se faz necessária para que se entenda quais os métodos de interpretação das normas podem ser utilizados por quem se vir obrigado a dirimir o conflito de normas.

    1. Dos Direitos da Personalidade

Luis Roberto Barroso (2004, p.117-118) ensina que o reconhecimento dos direitos da personalidade como direitos autônomos foi difundido após a Segunda Guerra Mundial. Demonstra, ainda, que os direitos da personalidade emanam da dignidade da pessoa humana, presente no art. , III [11], da Constituição Federal, destacando duas principais características, a oponibilidade a todos e o fato de a violação aos direitos da personalidade gerarem diferentes formas de reparação, a depender do caso, podendo ser por meio de indenização, direito de resposta, entre outros.

Peter Häberle (2005, p.355) por sua vez, explicita que a dignidade da pessoa humana traz consigo uma dupla direção protetiva, na medida em que dá a possibilidade de o indivíduo proteger-se do Estado e da sociedade, mas ao mesmo tempo, encarrega o Estado a proteger o indivíduo, em sua dignidade humana, contra agressões advindas da sociedade, ou seja, atribui ao Estado o dever criar meios para que a dignidade dos indivíduos não seja violada por terceiros.

Bittar (2014, p.29) delimita os direitos da personalidade como “os direitos reconhecidos à pessoa humana tomada em si mesma e em suas projeções na sociedade”. O artigo , inciso X, da Constituição Federal nos traz exemplos de direito da personalidade, visto que resguarda a inviolabilidade da intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas. Morais (2021, p.157) entende que tal inviolabilidade deve ser interpretada de forma ampla, devendo a proteção a tais direitos abranger até os meios de comunicação de massa, o que demonstra ofensa às normas constitucionais, a veiculação de assuntos íntimos e que não guardam finalidade pública.

O Código Civil também positivou alguns direitos da personalidade nos artigos 11 a 21, como o direito ao nome, à privacidade, à vida, à imagem. Destaque-se que segundo Rodotà (2007, p.61), o progresso da tecnologia da informação deu novo delineamento ao direito de privacidade, tendo em vista a maior exposição que a internet proporciona. Apesar disso, o direito à intimidade ainda deve ser garantido, reduzindo o máximo possível a intromissão de estranhos na intimidade da pessoa, posto que existem fatos da vida privada que o titular pode não querer que sejam levados a conhecimento, o que legitima aquele que se sentir lesado a sancionar divulgações contrárias ao seu interesse privado (BITTAR, 2014, 175). No mesmo sentido de entende Celso Ribeiro Bastos (2004, p. 71), tendo em vista que afirma tratar-se de uma:

Faculdade que tem cada indivíduo de obstar a intromissão de estranhos na sua vida privada e familiar, assim como de impedir-lhes o acesso a informações sobre a privacidade de cada um, e também impedir que sejam divulgadas informações sobre essa área da manifestação existencial do ser humano.

Doutrinariamente, conforme destaca Farias (1996, p.112), a concepção do direito à intimidade parece ter surgido no direito anglo-americano, por volta do ano 1890, quando da publicação do artigo The righ to privacy, escrito pelos advogados Samuel D. Waren e Louis D. Brandeis, publicado na Harvard Law Review, tendo os autores já naquela época concluido que “The right to privacy does not prohibit any publication of matter which is of public or general interest” [12] (WAREN; BRANDEIS, 1890, p. 214). Posteriormente, a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, aprovada em 1948 foi a primeira legislação a proteger o direito à intimidade (FARIAS, 1996, p.111).

No Brasil, apesar de direito à vida privada, direito à intimidade, direito à privacidade, direito ao resguardo e direito de estar só serem, por vezes, tratados como sinônimos, há doutrina divergente, entendendo que apesar de haver conexão entre os referidos direitos, existe distinção entre eles. Ferraz Jr. (1993, p.442), por exemplo, entende que a intimidade é mais restrita, isso porque é algo exclusivo da pessoa, que não tem impacto na sociedade, já a vida privada envolve necessariamente convivência, isto é, apresenta-se em situações em que a comunicação é inevitável. Nesse sentido, Bentivegna (2019, p.150), demonstra que a Constituição Federal vigente teria sido influenciada pela teoria dos círculos concêntricos, de origem alemã, que consiste na continência do direito à intimidade dentro do direito à vida privada.

Apesar dessa diferenciação nos institutos, alguns autores, como é o caso de José Afonso da Silva (1989, p. 183), utilizam direito à privacidade como termo lato sensu para abarcar vida privada e intimidade. Não obstante isso, Bentivegna (2019, p.154) entende que quaisquer dos institutos dão ao titular do direito a prerrogativa de “a) opor-se a investigações de terceiros no âmbito de sua vida privada e b) opor-se à divulgação de dados eventualmente obtidos que estejam destinados a permanecer alijados da curiosidade pública”.

Outro direito da personalidade envolvido no direito ao esquecimento é o direito à honra, que se subdivide em honra objetiva e subjetiva. Bittencourt (2021, p.226) define a honra objetiva como o conceito que a sociedade tem de determinado indivíduo, a subjetiva, por sua vez, é a concepção que cada pessoa tem de si. Bittar (2014, p. 201) demonstra que a reputação é o bem jurídico protegido no direito à honra e que, a violação a tal direito acarreta em problemas reais, que podem ser tanto psicológicos, como é o caso da humilhação e constrangimento, como patrimoniais, manifestados, por exemplo, no descrédito da pessoa ou no abalo do conceito profissional, ferindo a dignidade da pessoa humana.

Apesar de estarem alicerçados na dignidade da pessoa humana, os direitos da personalidade não são absolutos. O direito à honra, por exemplo, pode ser limitado pela verdade do fato, de modo que a honra seria inoponível à verdade, entretanto, até essa limitação tem exceção na doutrina e na legislação de alguns países, ela ocorre quando o fato é verdadeiro, mas demasiado detrator da honra individual, esse instituto é conhecido como “segredo da desonra” (BARROSO, 2004, p. 119). Também o direito à privacidade encontra limitações legais, tanto no caso de disposição voluntária, como quando presente o interesse público, que deve predominar sobre o particular (BITTAR, 2014, p.177).

Percebe-se que os direitos da personalidade que devem ser sopesados na análise da aplicação do direito ao esquecimento estão relacionados entre si, tendo em vista que decorrem do princípio da dignidade da pessoa humana, que no Brasil constitui fundamento da República, assim sendo, merecem análise especial, visto que a supressão de tais, sem a devida e cuidadosa análise do caso concreto, pode gerar a redução da pessoa humana a simples objeto de curiosidade alheia [13].

Feitas as devidas considerações acerca dos direitos da personalidade, passaremos a examinar os direitos que conflitam com estes, ou seja, os direitos à liberdade de expressão e informação.

    1. Dos Direitos à Liberdade de Expressão, Imprensa e Informação

A liberdade de expressão deve ser entendida como mais do que apenas um direito, tendo em vista que compreende um conjunto de direitos relacionados à comunicação, logo, como são diversas as formas que o ser humano tem de se expressar, a livre expressão traz em si diferentes liberdades fundamentais que, para garantir a liberdade de expressão no sentido total, devem ser conjuntamente asseguradas (MAGALHÃES, 2008, p.74). No mesmo sentido, Tôrres (2013, p.62) destaca que, contemporaneamente, a liberdade de expressão é um termo lato sensu que abarca a manifestação do pensamento, criação e imprensa, bem como o direito de informação.

A liberdade de expressão é um direito tão relevante para a sociedade que a Declaração Universal dos Direitos Humanos [14], datada de 1948, já previa o referido direito como essencial a toda humanidade. O Pacto San José da Costa Rica é outro dispositivo que proclama a liberdade de expressão, determinando que os direitos de difundir, buscar e receber informações estão incluídos nela. A Constituição Federal de 1988 [15], em seu artigo e 220 também garante aos cidadãos, residentes e a quem estiver de passagem pelo país, a referida liberdade.

Farias (1996, p.128) entende que a liberdade de expressão é um dos elementos mais importantes que devem estar presentes nos países democráticos, funcionando, inclusive, como um “termômetro do regime democrático”. Edilsom Farias (2001, p.50) ainda diferencia a liberdade de expressão da liberdade de comunicação, ensinando que a primeira se explicita por meio da manifestação de crenças, pensamentos, ideias e opiniões, já a segunda consiste na divulgação de notícias ou fatos. Outro instituto que deve ser compreendido é a liberdade de imprensa, visto que esta se diferencia da liberdade de expressão. Lima (2012, p. 47) ensina que o termo “liberdade de imprensa” surgiu na Inglaterra, quando da abolição do Imprimateur, que era um agente do governo responsável por fazer o controle prévio do que seria impresso, assim, a extinção do cargo dava a possibilidade de se imprimir livremente.

Para Bentivegna (2019, p. 88) os povos civilizados vêm sistematicamente afastando todas as formas de censura da imprensa, tanto prévia quanto posterior, administrativa ou judicial. O referido autor destaca que John Stuart Mill foi um dos principais idealizadores da noção de liberdade que temos hoje, uma vez que entendia que a possibilidade de erro do ser humano não autorizaria refutar, de plano, determinada manifestação como sendo errada, o que faz surgir a necessidade de não se impedir a circulação de ideias. Embora liberdade de expressão e liberdade de imprensa serem por vezes, tidas por sinônimas elas não são, Carvalho (2003, p.20) destaca que isso ocorre devido ao fato de a última nascer do preceito macro, que é a primeira, assim, convencionou-se a aplicação da fungibilidade aos termos.

Não obstante isso, o referido autor ensina que a diferenciação é necessária, isso porque a simples manifestação de pensamento terá significação diversa da informação, devendo haver estudo da informação como instituto próprio (CARVALHO, 2003, p.21). Gadelho Jr. (2015, p.63/64) frisa que a liberdade de imprensa deve ter o estudo e a proteção diferenciada da liberdade de expressão, devido ao fato da função social que a informação jornalística exerce, isso porque influencia a formação da opinião pública, e é por meio da imprensa que o cidadão tem acesso ao que acontece na polis.

Dworkin (2006, p.299), por sua vez, enfatiza o cuidado especial que devemos ter com a liberdade de imprensa, em especial porque ela cresceu junto com o Estado e exerce função política. Nas palavras do autor:

Acrescente-se o papel essencial da imprensa em fiscalizar aqueles que exercem o poder político, oferecendo contraponto aos comunicados oficiais, fato esse que fez com que o constituinte de 1988 proibisse a censura de natureza política, ideológica e artística (GADELHO Jr. 2015, p. 66). Oliveira (2017, p.29) completa o ensinamento explicando que não deve haver censura estatal especialmente nos casos em que a imprensa vai contra as narrativas do governo ou do governante, afinal, a divulgação de informações pela imprensa constitui um dos instrumentos mais importantes para a manutenção da democracia.

Percebe-se que o direito à informação está intimamente ligado com o direito de comunicação e liberdade de imprensa. Canotilho e Moreira (1993, p.189) dividem o direito à informação em três níveis, quais sejam, o direito de informar, que consiste na liberdade de comunicar-se sem impedimentos, o direito de se informar, que garante a liberdade de não ser punido ou privado de buscar informações e, por último, o direito de ser informado, que consiste no direito de ser, verdadeira e adequadamente, informado pelos meios de comunicação.

O direito à informação, conforme discorre Tatiana Stroppa (2010), representa uma das facetas da dignidade da pessoa humana, na medida em que os cidadãos exercem sua autodeterminação por meio das informações de qualidade e verdadeiras, acrescentando que, caso contrário, as pessoas seriam apenas objetos manipulados. Carvalho (1999, p.53) acrescenta uma camada de importância ao direito à informação, afirmando que esse direito é indispensável para a democracia, pois, para poder decidir-se com consciência, é necessário que o cidadão disponha de informações sérias, seguras e imparciais o tanto quanto possível [16].

Apesar de serem direitos basilares dos países democráticos, nenhum dos direitos tratados nesse tópico admitem o exercício desregrado. Bentivegna (2019, p.94), por exemplo, ensina que no ordenamento jurídico brasileiro, o binômio liberdade-responsabilidade rege a relação entre a liberdade de expressão e o direito de terceiros. Isso significa que não se deve, aprioristicamente, coibir a liberdade de expressão, mas que em caso de eventual abuso é garantido o direito de resposta ou indenização, a depender do caso concreto, essa é razão pela qual a Constituição Federal veda o anonimato, para viabilizar a responsabilização de quem se exceder no direito de se expressar (BENTIVEGNA, 2019, p.95).

Pizarro (1991, p.31) destaca com clareza que a liberdade de expressão não representa um altar onde se pode sacrificar a dignidade das pessoas, o que se estende, em especial, a liberdade de imprensa, tendo em vista que essa é considerada o “quarto poder”, devendo sujeitar-se às normas jurisdicionais aplicáveis aos outros três. Guerra (2005, p. 249), no mesmo sentido de Pizarro, ensina que o “quarto poder” não pode ser ilimitado, nem contrariar vontade expressa da Lei Maior, visto que a liberdade de imprensa sem limitação tornaria irrisória a garantia que a Constituição dá à intimidade.

O direito à liberdade de informação igualmente pode ser restringido, entretanto, como se trata de um direito fundamental, a limitação ao referido direito deve ser constitucionalmente fundamentada (FERRARI; SIQUEIRA, 2016, p.145). É possível citar algumas limitações que a própria Constituição Federal trouxe em relação ao direito à informação, quanto ao direito de receber informações, por exemplo, o art. 5º, XXXIII [17], resguarda o sigilo das informações que sejam necessárias para a segurança da sociedade e do Estado (FERRARI; SIQUEIRA, 2016, p.146). Outra hipótese que se pode citar em que a Constituição autoriza a limitação ao direito de informação é na vigência do estado de sítio, presente no art. 139, III [18], da CRFB/88 (BRASIL, 1988).

Uma vez entendido que os direitos fundamentais podem sofrer limitações, e realizadas algumas considerações sobre o direito à liberdade de expressão, imprensa e informação, e os direitos da personalidade, passaremos a analisar a seguir as situações de conflitos entre eles.

    1. Colisão de Direitos Fundamentais

Gilmar Mendes e Paulo Branco (2012, p.163) lecionam que “tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer limitações,quando enfrentam outros valores de ordem constitucional, inclusive outros direitos fundamentais”. Robert Alexy (1999, p. 64) explica que a colisão entre direitos fundamentais é bastante comum, tendo em vista um verdadeiro catálogo que há deles. Ocorre a colisão entre direitos fundamentais quando duas normas de hierarquia constitucional, isoladamente consideradas e aplicadas independentemente, conduzem a resultados incompatíveis (ALEXY, 2008, p. 87).

Devido ao fato de os direitos fundamentais estarem presentes na Constituição, os critérios tradicionais de solução de conflito de normas não são capazes de resolver a colisão, já que não há hierarquia entre as normas constitucionais, o que decorre do princípio da unidade da Constituição, razão pela qual, o aplicador do direito deverá utilizar técnicas diversas das tradicionais – critério hierárquico, temporal e de especialização – destaca-se a ponderação como uma dessas técnicas (BARROSO, 2004, p.5). Barroso (2004, p.9), além de apontar a ponderação como técnica aplicável aos casos de conflito de direitos fundamentais, ainda explicita que se trata de uma metodologia de decisão jurídica cabível quando a subsunção mostrou-se insuficiente.

Para que se aplique a ponderação é necessário passar por três etapas distintas. Na primeira etapa o intérprete deve identificar as normas necessárias para a solução do caso, que não são dispositivos, uma vez que a norma pode resultar da conjugação de vários dispositivos, ou um dispositivo pode conter várias normas. Na segunda etapa, devem ser analisados os fatos e sua relação com os elementos identificados na etapa anterior, até aqui nada há de diferente da subsunção é na terceira etapa que há a diferenciação. Como os princípios permitem a aplicação com diferentes graus de intensidade, sem que isso afete sua validade, na terceira etapa o intérprete deverá utilizar da proporcionalidade e razoabilidade para analisar os parâmetros das duas primeiras etapas, determinando a intensidade da aplicação da norma ao caso concreto (BARROSO, 2004, p. 10/11).

Barroso (2004, p. 25) delimita, por fim, alguns parâmetros constitucionais que devem ser levados em conta por quem estiver realizando a ponderação, destacam-se: a veracidade do fato, a licitude do meio empregado, a personalidade pública ou estritamente privada da pessoa objeto da notícia, a existência de interesse público na divulgação e, a preferência por sanções posteriores. Esses parâmetros se justificam devido ao fato de que: a) como é proibida a utilização de prova obtida por meios ilícitos, deve também ser proibida a utilização de informações obtidas pelo mesmo meio; b) quem ocupa posição de destaque na sociedade tem a privacidade tutelada de maneira mais branda; c) o interesse público sobrepuja o privado; d) deve-se afastar a censura e responsabilizar aqueles que ultrapassem os limites do direito, reparando os danos que possam ser causados (BARROSO, 2004, p.28).

A ponderação, entretanto, é criticada por Fábio Leite (2014, p. 395), o autor entende que a harmonização de direitos é uma “visão romântica” presente no país, já que uma das partes não terá o pedido atendido. Essa visão dificulta o reconhecimento de uma posição preferencial de um direito em detrimento de outro. A posição preferencial, nos ensimanentos de Letícia Martel (2004, p.100), é uma doutrina norte-americana que consiste em dar mais peso a determinados direitos fundamentais, no caso norte-americano, esses direitos são os presentes na Primeira Emenda, dentre os quais a liberdade de expressão está incluída. Fábio Leite (2014, p.408) entende que não há como importar tal doutrina dos Estados Unidos, pois a Constituição brasileira não dá destaque à liberdade de expressão, porém, o referido autor prefere que se dê proteção especial à liberdade de expressão devido ao fato da relação que ela tem com a democracia.

No mesmo sentido manifesta-se Oliveira (2017, p. 40), pois entende que algumas ofensas aos direitos da personalidade devem ser suportadas para que se garanta a liberdade de expressão, que traz mais benefícios do que malefícios. A autora acrescenta uma crítica em sua obra, explicitando que não adianta a Constituição assegurar o direito de liberdade de expressão afastando restrições impostas pelo governo, se posteriormente o Judiciário irá sancionar o conteúdo manifestado, assim, conclui que a garantia constitucional é falha no Brasil.

Percebe-se que o direito ao esquecimento decorre dos direitos da personalidade, que segundo Dotti (1980, p.23) é a possibilidade que a pessoa tem de não ser afligida por atos ou fatos do passado que não tenham legítimo interesse público. Para que o direito ao esquecimento seja aplicado pelo Poder Judiciário, além dos parâmetros acima mencionados, deve-se levar em conta, no entendimento de Martinez (2014, p.8) uma grande violação à dignidade da pessoa humana na divulgação das informações, na medida em que algumas publicações obtêm lucro com a exposição da tragédia alheia. Maldonado (2017, p.100) conclui que:

Com efeito, o interesse público é a chave que leva ao resultado concreto, de modo que, se ele estiver presente, não será viável o acolhimento do pedido de remoção ou o deferimento de indenização por possíveis danos materiais ou morais. Como parece intuitivo, é tarefa árdua proceder-se à análise do que efetivamente seja interesse público, sendo certo que inexiste conceito positivado para o enquadramento em questão.

Por todo o exposto percebe-se a complexidade da análise que deve ser feita para aplicação do direito ao esquecimento, tendo em vista a subjetividade da análise, que admite interpretações diversas. Percebe-se que os pontos centrais de são a preservação da dignidade da pessoa humana ou do interesse público. Assim, no próximo capítulo será analisado o RE 1.010.606, para que se entenda como os Ministros do Supremo Tribunal Federal decidiram acerca da preponderância dos direitos fundamentais conflitantes.

  1. ANÁLISE DO RE 1.010.606

O Recurso Extraordinário em análise trata do caso Aída Curi. Como exposto anteriormente, os autores da ação originária, quando do não provimento do recurso de apelação, interpuseram recurso especial e extraordinário, foi reconhecida a repercussão geral ao RE por meio do Tema nº 786, tendo sido o recurso julgado em fevereiro de 2021, sendo o relator o Ministro Dias Toffoli. Necessário ressaltar que o Ministro Luís Roberto Barroso declarou-se suspeito para julgar o caso, portanto, não votou, o Ministro Marco Aurélio, por sua vez, acidentou-se e não esteve presente nas votações, proferindo voto no qual, limitou-se a dizer que desprovia o recurso. Feitas as devidas considerações iniciais, passa-se à análise dos votos exarados pelos Ministros.

    1. Voto do Ministro Dias Toffoli

O Ministro relator inicia seu voto trazendo uma perpectiva histórica do direito ao esquecimento, perpassando por julgados realizados em âmbito internacional, alguns dos quais já tratados anteriormente como o Caso Lebach, Melvin Vs Reid e Caso Marlene Dietrich. Entretanto, para o Ministro, precedentes longínquos não são os melhores para se analisar a aplicação do direito ao esquecimento, isso porque, a sociedade digital sujeita os indivíduos a um nível de exposição incomparável com o que existia à época dos referidos casos. Devido a isso, para estudar a aplicabilidade do direito ao esquecimento, necessário seria analisar casos acontecidos já depois do advento da internet (BRASIL, 2021, p.39/ 40).

Para o Ministro, o caso González é um ótimo ponto de partida, tendo em vista que traz exatamente um caso ocorrido já na era da internet e a envolvendo. Contudo, no entendimento dele a solução dada para o caso em questão não se confunde com direito ao esquecimento, trata-se na verdade do direito de desindexação, isso porque o TJUE não determinou a retida do link onde estava a notícia, apenas reconheceu que é possível impor aos mecanismos de busca que não retornem com a informação requerida. Tendo isso em mente, destaca o Ministro que não se pode confundir esquecimento com desindexação, visto que a última pode ter por fundamento uma pretensão dissociada do primeiro (BRASIL, 2021, p. 40/45).

Dias Toffoli continua seu voto criticando o termo “direito ao esquecimento”, já que esse termo demonstra apenas um efeito desejado pela pessoa que aciona o judiciário, que não necessariamente é alcançado pelo indivíduo, e que, ademais, não abrange a variedade de situações pretendidas. Não obstante isso, por ser um termo difundido em âmbito doutrinário brasileiro, o relator do caso delimita elementos que, em sua visão, deveriam ser essenciais para que se aplique o referido direito, sendo eles, a licitude da informação e o decurso do tempo (BRASIL, 2021, p.48).

A licitude da informação torna-se um elemento essencial, pois o ordenamento jurídico já possui outros meios para coibir a divulgação de informação inverídica ou obtida por meios obscuros, tanto em âmbito penal quanto cível, é o caso, por exemplo, da tutela estatal concedida por meio da sanção aos crimes contra a honra, ou a indenização que pode ser requerida em âmbito cível (BRASIL, 2021, p.48). No mesmo sentido ensina Sérgio Branco (2017, p.174) dizendo que “a veracidade da informação deve estar presente para invocar o direito ao esquecimento. Tratando-se de informação falsa, outros devem ser os mecanismos a serem preferencialmente utilizados, tais como o direito de resposta”, assim, informações divulgadas ilicitamente ou inverídicas não ensejam a aplicação do direito ao esquecimento já que não são informações que se pretende esquecer, apenas combater uma violação a outros direitos. Assim, para Dias Toffoli, o caso em análise torna-se um exemplo claro de aplicação do direito ao esquecimento, visto que o que foi pleiteado pelos irmãos de Aída é precisamente a não publicação de fatos verdadeiros e obtidos licitamente (BRASIL, 2021, p.50).

Soma-se à licitude da informação o decurso do tempo como elemento essencial, o que se constata no fato de a pretensão perseguida seria a de fazer com que informações desatualizadas e descontextualizadas, que poderiam causar uma percepção fragmentada da pessoa envolvida na informação, fossem retiradas de circulação (BRASIL, 2021, p.52). Desse elemento decorre outro aspecto, a saber, a perda de interesse público na divulgação de informações passadas, nesse sentido, afirma Maldonado (2017, p. 21) “essa linha lógica, pode-se compreender que, embora em um determinado momento haja pertinência na existência da informação pública, esta relevância pode desaparecer como efeito do próprio transcurso do tempo”. Assim, para que fosse reconhecida a aplicabilidade do direito ao esquecimento, seria necessário analisar se desde a ocorrência e a nova veiculação, teria transcorrido lapso temporal suficiente para descontextualizar a informação, quando confrontado com a época em que foi coletada (BRASIL, 2021, p. 55).

Após serem expostos os elementos essenciais, o relator do caso envereda na exibição das três correntes doutrinárias que se formaram acerca da existência ou não de um direito fundamental ao esquecimento, sendo elas, uma que reconhece o direito ao esquecimento como direito fundamental explícito, outra que reconhece como direito fundamental implícito e outra que não reconhece a sua existência como direito fundamental autônomo (BRASIL, 2021, p.58). Para o Ministro, entretanto, no ordenamento jurídico brasileiro inexistiria direito fundamental ao esquecimento, somente situações muito específicas nas quais o titular de dados poderia suprimir algumas informações pessoais, o que de maneira alguma configurariam a pretensão do direito ao esquecimento (BRASIL, 2021, p. 60).

Essa conclusão decorre do fator que a passagem do tempo gera mudanças apenas no contexto social os fatos se mantêm preservados, de modo que “negar acesso a fatos ou dados simplesmente porque já passados é interferir, ainda que indiretamente, na ciência, em sua independência e em seu progresso”, isso porque as ciências sociais dependem da análise do comportamento e psique humanos (BRASIL, 2021, p. 61). Assim, como há vasta proteção aos direitos da personalidade, como os crimes contra a honra, por exemplo, sem que se necessite do decurso do tempo para que se requeira a tutela jurisdicional, o direito ao esquecimento seria contrário com o ordenamento brasileiro.

Some-se a isso que a passagem do tempo não faz com que surja um dever social de perdão, pois não se pode obrigar que as pessoas abram mão do direito de informação a fim de que os outros vivam livres do conhecimento geral dos erros passados (BRASIL, 2021, p. 68). Com base nessa fundamentação, o Ministro Dias Toffoli propôs a seguinte tese:

É incompatível com a Constituição a ideia de um direito ao esquecimento, assim entendido como o poder de obstar, em razão da passagem do tempo, a divulgação de fatos ou dados verídicos e licitamente obtidos e publicados em meios de comunicação social analógicos ou digitais.

Eventuais excessos ou abusos no exercício da liberdade de expressão e de informação devem ser analisados caso a caso, a partir dos parâmetros constitucionais - especialmente os relativos à proteção da honra, da imagem, da privacidade e da personalidade em geral - e das expressas e específicas previsões legais nos âmbitos penal e cível (BRASIL, 2021, p. 88).

Por fim, o Ministro votou pelo não provimento do recurso extraordinário, bem como pelo indeferimento do pedido de reparação de danos formulado, que foi na quantia de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais). Além dos argumentos já apresentados, para o relator do recurso, casos como o de Aída devem ser lembrados a fim de que combata a violência contra a mulher. Já a indenização é indevida, pois a divulgação de fatos é a atividade precípua da recorrida (BRASIL, 2021, p. 91/ 93).

    1. Voto do Ministro Nunes Marques

O Ministro inicia seu voto criticando o direito ao esquecimento, notadamente porque ele mostra-se demasiadamente abrangente, de modo que nenhum outro direito, constitucional ou legalmente assegurado, se revela. Constata-se isso dos casos onde referido direito foi aplicado, pois foi usado para alcançar coisas distintas, sendo as principais: a) para evitar que registros criminais muito antigos agravem penas; b) para condenar emissoras de TV que veiculam notícias mencionando pessoas que se envolveram em crimes prescritos ou anistiados e; c) para que o nome do interessado não fosse mostrado em sites de busca. Ademais, a interpretação de que o direito ao esquecimento decorre da dignidade da pessoa humana mostra-se vaga, já que não especifica como se daria a forma de aquisição e nem os procedimentos para aplicação do direito em análise (BRASIL, 2021, p.107).

Nunes Marques considera que uma mudança no foco poderia ser a solução para o impasse, de forma que, partindo-se de quem fala e não de quem se fala, imbróglios relativos ao conflito de direitos fundamentais poderiam ser resolvidos pelo abuso do direito de informar, de punir ou de livre iniciativa, uma vez que o abuso de direito é um instituto que já possui previsão legal no artigo 187 do Código Civil [19] (BRASIL, 2021, p. 107). O Ministro acrescenta que o direito ao esquecimento parece ser uma invenção dos tribunais para resolver litígios aparentemente não previstos pelo legislador, contudo, a LINDB já determinava a aplicação de alternativas hermenêuticas para a resolução de omissões legislativas (BRASIL, 2021, p. 108).

A aplicação do direito ao esquecimento, entretanto, é a criação de um instituto jurídico geral, abstrato e novo, o que não se admite ao Poder Judiciário fazer, sob pena de usurpação da função típica do Legislativo (BRASIL, 2021, p. 109). Por entender que a aplicação em âmbito nacional demandaria o estabelecimento de critérios mais complexos do que uma decisão judicial seria capaz de conceber, o Ministro concordou com o voto do relator, votando pelo não reconhecimento do direito ao esquecimento. Também por não enxergar possibilidade de se extrair de nenhuma norma constitucional que proíba a divulgação ou que a condicione à autorização prévia, isso aliado a ADI 4.815/DF que discutiu o problema das biografias não autorizadas, restando decidido que não há necessidade de autorização prévia da pessoa biografada, respondendo o autor posteriormente em caso de abuso (BRASIL, 2021, p.114).

Entretanto, para o caso presente, apesar de não reconhecer a aplicação do direito ao esquecimento, a nova reprodução do ocorrido demonstra midiatização reiterada, com desprezo pela memória da vítima, sendo devida a indenização pleiteada pelos autores da ação (BRASIL, 2021, p. 121).

    1. Voto Ministro Alexandre de Moraes

Para Alexandre de Moraes, não se extrai dos precedentes internacionais um direito ao esquecimento genérico e amplo, tomando como principal fonte de análise um caso julgado na Corte Constitucional da Colômbia, um direito com contornos mais bens definidos seria o de ratificar informações desatualizadas que fossem expostas em veículos de mídia, ou seja, dar a possibilidade às pessoas de esclarecer a situação, não de apagá-la (BRASIL, 2021, p.137). Além disso, a Constituição Federal possui o consagrado binômio liberdade-responsabilidade para tratar da liberdade de expressão, que garante a possibilidade de se expressar, mas responsabiliza quem exceder a garantia, os casos tratados como direito ao esquecimento na verdade aplicaram o binômio (BRASIL, 2021, p.138).

Entretanto, não há na Constituição um permissivo que autorize um controle prévio de conteúdos do debate público, em razão dos efeitos que possam causar na sociedade, pelo contrário, há vedação da censura, o que, na visão do Ministro, configura o direito ao esquecimento (BRASIL, 2021, p.139). O regime democrático só permitiria que se apagassem publicações que tivessem deturpações histórias ou tratamento desrespeitoso, situações que prescindiriam de análise caso a caso, o que só pode ser feito após da divulgação, por meio de sistema repressivo, não preventivo (BRASIL, 2021, p.141). O pluralismo que a Democracia proporciona advém justamente da permissão de diferentes ideias serem expressadas, debatidas e respeitadas, tolher a livre discussão de ideias acarretaria no ceifamento da própria Democracia (BRASIL, 2021, p.143).

Assim, mesmo que haja efetiva proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, o Poder Judiciário só poderá ser acionado se os fatos forem narrados “de maneira ilícita, deturpada, mentirosa, desatualizada, exagerada, tendenciosa ou demagógica”, pois, dessa maneira, estará sendo respeitado o binômio liberdade-responsabilidade (BRASIL, 2021, p.145). No caso em tela, o Ministro não visualizou abuso no direito de informar da emissora, razão pela qual votou junto com o relator pelo não provimento do recurso extraordinário (BRASIL, 2021, p.147).

    1. Voto do Ministro Edson Fachin

Para o Ministro Edson Fachin, embora não haja na Constituição a nomeação expressa do direito ao esquecimento, é possível extrair o referido direito de alguns dispositivos, notadamente da proteção à dignidade da pessoa humana e do direito à privacidade, ademais, o direito à autodeterminação informativa, reconhecido pelo próprio Supremo Tribunal Federal, é outro pilar que sustenta a aplicação do direito ao esquecimento no Brasil (BRASIL, 2021, p.153). Há de se reconhecer, entretanto, o risco de ter que definir a linha limítrofe entre o interesse público e o privado, atividade que ainda não foi realizada satisfatoriamente nos precedentes internacionais (BRASIL, 2021, p.155).

É possível tomar por base o julgamento da ADPF 130 que enveredou na compreensão da relação entre liberdade de imprensa e direitos da personalidade, que determinou que o direito de informação só poderia sofrer restrições estabelecidas pela própria Constituição, o que demonstra uma “posição de preferência” da liberdade de expressão, mas de maneira alguma a torna absoluta ou insuscetível a restrições, apenas implica em maior ônus argumentativo para afastá-la (BRASIL, 2021, p.160).

Com isso, vê-se que no juízo de proporcionalidade que se deve fazer quando do julgamento de casos que envolvam o conflito do direito ao esquecimento e a liberdade de expressão, embora deva se ter em conta a posição preferencial da liberdade de expressão, o núcleo essencial dos direitos da personalidade também deve ser preservado (BRASIL, 2021, p.161). Tendo isso em mente, através da leitura sistemática da Constituição, da hermenêutica constitucional e dos precedentes do próprio Supremo Tribunal Federal é possível que, depois de ponderados, o direito ao esquecimento venha a preponderar (BRASIL, 2021, p.161). Isso posto, pode-se afirmar que:

Diante da posição preferencial da liberdade de expressão no sistema constitucional brasileiro, as limitações a sua extensão parecem seguir um modelo em que, sob determinadas condições, o direito ao esquecimento deve funcionar como trunfo. Independentemente do maior ou menor interesse que eventualmente tenham o indivíduo ou a sociedade, o juízo da corte deve recair sobre as condições de imanência ou transcendência da informação em relação à esfera individual (BRASIL, 2021, p.162).

Contudo, mesmo que reconheça a aplicabilidade do direito ao esquecimento no ordenamento jurídico brasileiro, o Ministro não reconheceu que seria aplicável ao caso em questão, isso porque, em sua concepção, a informação é de amplo conhecimento geral, sendo, inclusive, objeto de vários livros e trabalhos acadêmicos, o fato assume incontornável contexto histórico e, por último, o relato televisivo produzido pela Rede Globo não profana os direitos da personalidade (BRASIL, 2021, p.162).

    1. Voto da Ministra Rosa Weber

Para a Ministra, o presente caso guarda relação com a ADI 4815 que tratou das biografias não autorizadas, tendo sido definido que não é necessário que a pessoa biografada consinta com a publicação. Embora no caso em questão não seja uma biografia, há aqui uma obra televisiva na qual se documenta um evento acerca de alguém (BRASIL, 2021, p.173). As questões centrais do direito ao esquecimento e das biografias não autorizadas se relacionam, como dito, no fato de ambas retratarem fatos passados, assim, não sendo exigível a autorização para se publicar conteúdo escrito sobre uma pessoa, igualmente não deve ser exigível autorização para realização de “vídeobiografia” (BRASIL, 2021, p.174). Contar histórias faz parte da essência do ser humano e da sociedade, privar as pessoas da memória de acontecimentos antigos torna a “sociedade sem imaginação, e sem história” (BRASIL, 2021, p.175).

Nesse sentido, tomando por base o pensamento de Eric Hobsbawm, é possível falar em “função social do passado”, na medida em que ele serve de referência para o presente, tanto para evitar erros já cometidos, quanto para resgatar valores perdidos (BRASIL, 2021, p.175). Além disso, o advento da internet traz mais uma barreira para a aplicação do direito ao esquecimento, isso porque a internet tem memória potencialmente total, os smartphones guardam mais informações pessoais e intimidades do que os próprios proprietários têm em suas residências, assim, dados digitais são os grandes desafios que o Direito tem na busca de proteger o direito à intimidade (BRASIL, 2021, p.176/178).

É possível afirmar que o escopo de proteção do direito à privacidade são assuntos pessoais que nada têm de relevantes para o público, o que não se pode analisar de per se, pois fatos tornam-se públicos ou privados a depender da pessoa, já que essa pode ter diferentes níveis de exposição (BRASIL, 2021, p.180). O direito à liberdade de expressão, por sua vez, é um dos pilares que sustentam a democracia, por isso, a intervenção do Estado na manifestação do pensamento, nas suas mais diversas formas, é incompatível com o Estado Democrático (BRASIL, 2021 p.192). É expressamente proibida, tanto ao particular quanto ao Poder Público, interferir na liberdade de manifestação alheia, razão pela qual, no caso em exame, sujeitar a produção televisiva à autorização familiar seria aniquilar a liberdade de expressão consagrada na Constituição, pois caracterizaria censura prévia (BRASIL, 2021 p.193).

Não se pode extrair da Constituição nenhuma forma de direito ao esquecimento que não seja relativa a fatos exclusivamente privados, “insuscetíveis de gerar qualquer interesse público, do público ou social, atinentes tão somente à vida privada e cuja publicização gera prejuízos individuais sem nenhuma contrapartida ao interesse de outrem” (BRASIL, 2021, p.200). Assim, como informações exclusivamente privadas já encontram proteção em outros institutos legais, é inaplicável o direito ao esquecimento no Brasil (BRASIL, 2021, p.201).

    1. Voto da Ministra Cármen Lúcia

A Ministra também entende que não se extrai da Constituição um direito ao esquecimento como direito fundamental, tampouco reconhece que poderia decorrer da dignidade da pessoa humana, especialmente no caso em questão, já que a dignidade de alguém não está na repetição de fatos ocorridos décadas atrás (BRASIL, 2021, p.213). Não se pode impor à coletividade, ao preço de proteger a dignidade de uma única pessoa, o dever de esquecer o passado, trata-se de direito pessoal que cada pessoa tem de esquecer, sem caráter impositivo (BRASIL, 2021, p.214). A Constituição de 1988, ao contrário da pretensão perseguida no presente processo, aponta para o direito à lembrança, já que, o constituinte Ulysses Guimarães, no ato de promulgação proclamou “Constituição guardará para sempre o bramido das ondas de sofrimento, esperança e reivindicações de onde proveio” (BRASIL, 2021, p.214).

O direito ao esquecimento, em último grau, pode ser instrumento inclusive de chantagem, é o que aconteceria, por exemplo, se alguém, ao contar a própria história, divulgasse fatos da vida de outra pessoa, mas com quem conviveu ou teve algum tipo de relação, se esses fatos que dizem respeito a mais de uma pessoa puderem ser apagados, nem a nossa própria história poderá ser contada (BRASIL, 2021, p.215). Com a modernidade e o conceito de “fake”, outro problema é criado na aplicação do direito pleiteado, já que muitas pessoas inventam o próprio passado, assim, o que é fato deve ser mantido na memória popular (BRASIL, 2021, p.216). A Constituição traz ainda o direito à verdade histórica e o princípio da solidariedade entre as gerações, o que parece outro argumento contra a aplicação do direito ao esquecimento, na medida em que não é possível que se negue às próximas gerações o direito de saber de seu passado, pois é através dele que se resolvem as chagas sociais (BRASIL, 2021, p.216).

A passagem do tempo, por sua vez, embora possa, de fato, gerar descontextualização de fatos antigos, não legitima a aplicação do direito ao esquecimento, apenas impõe o ônus de se apresentarem os pressupostos necessários para sua compreensão (BRASIL, 2021, p.217). A aplicação do direito pleiteado importaria em censura, proibida no Brasil tanto pelo Poder Público quanto pelo particular, já que não condiz com o constitucionalismo contemporâneo (BRASIL, 2021, p.218). Assim, não é possível aplicar o direito ao esquecimento no Brasil, já que o interesse privado, materializada na privacidade, não pode sobrepujar o interesse da coletividade (BRASIL, 2021, p.220).

    1. Voto do Ministro Gilmar Mendes

O direito ao esquecimento deve ser entendido como a possibilidade de se discutir a finalidade para a qual a informação está sendo divulgada, impedindo que fatos passados sejam expostos de maneira vexatória, assim, embora a Lei Geral de Proteção de Dados determine que o tratamento de dados realizado para fins jornalísticos não estejam sujeitos à aplicação da Lei, a pretensão aqui é no sentido de impedir outro aspecto, a publicização, o que são coisas diferentes (BRASIL, 2021, p.267). Parece claro que o direito à liberdade de informação e/ou comunicação não pode ferir indiscriminadamente a intimidade das pessoas, devendo haver alguma finalidade pública na divulgação de dados pessoais alheios, e sendo garantida a possibilidade de reparação (BRASIL, 2021, p.273). Assim, embora o direito ao esquecimento não possa ser aplicado no Brasil, deve-se observar algumas balizas para saber se no conflito entre intimidade e liberdade de expressão, houve abuso dessa última, as balizas são:

O decurso do tempo entre o fato e a publicização; o interesse histórico, social e público atual na divulgação dos fatos e dados pessoais; o grau de acessibilidade da informação; e a possibilidade de divulgação anonimizada dos dados pessoais sem que se desnature a essência da divulgação (BRASIL, 2021, p.284).

No caso em apreço, a reportagem indica que a ingenuidade da vítima colaborou para o final trágico, indicando um tratamento vexatório aos familiares, ademais, a exposição de fotos pessoais da vítima, bem como de fatos de sua vida, demonstram uma versão deturpada ao público, havendo abuso no direito de informar (BRASIL, 2021, p.289). O Ministro entendeu que, presente o abuso do direito de informar, os familiares da vítima fazem jus à indenização pleiteada, acompanhando o voto do Ministro Nunes Marques (BRASIL, 2021, p.289). Não houve o reconhecimento do direito ao esquecimento, porém o Ministro propôs tese no sentido de que deve ser aplicada técnica da concordância prática para avaliar, no caso concreto, qual direito fundamental deve prevalecer em caso de conflito (BRASIL, 2021, p.290).

Voto do Ministro Luiz Fux

    O Ministro Luiz Fux já começa seu voto afirmando ser inegável que o direito ao esquecimento decorre da dignidade da pessoa humana, o que não significa que será aplicado ao caso concreto, acrescenta ainda que caso a presente ação fosse proposta pelos acusado de matar Aída, o referido direito não seria garantido, pois se fosse se deturparia o propósito do direito (BRASIL, 2021, p.295). É importante destacar que a morte de Aída, ao contrário do que aconteceu no caso González, é de interesse da sociedade brasileira, especialmente sob o ângulo pedagógico, para ajudar a combater o feminicídio, razão pela qual merece análise diferenciada do precedente internacional (BRASIL, 2021, p.296). O caso da morte de Aída, por ser amplamente divulgado, fazendo parte de livros das mais diversas ciências, faz parte do domínio público, o que faz com que não se possa limitar o acesso às informações do ocorrido, já que a Constituição garante o direito ao acesso à informação (BRASIL, 2021, p.299).

    O direito ao esquecimento não pode obstar o direito de informação nem a liberdade de imprensa, pois esses são direitos conquistados à duras penas pelo povo brasileiro, que teve suas liberdades suprimidas durante muito tempo (BRASIL, 2021, p.300). Embora muitas vezes as matérias jornalísticas se valham de crimes para expor famílias, explorando de maneira lamentável um delito, unicamente com intuito comercial, não se pode limitar a liberdade de expressão com base nos desvios decorrentes de seu exercício (BRASIL, 2021, p.308). Isso porque a liberdade de imprensa configura-se como elemento essencial para a formação de uma democracia sólida, pois permite a livre circulação de ideias, opiniões e a deliberação coletiva, ao passo que o direito ao esquecimento pode dificultar na “formação da identidade política do país” (BRASIL, 2021, p.311).

    No caso em análise, a divulgação dos fatos à época do acontecimento deu-se de maneira plenamente lícita, portanto, o foco da controvérsia é na possibilidade de se questionar a divulgação de conteúdo verdadeiro (BRASIIL, 2021, p.312). Apesar do transcurso de cinquenta anos entre a data do fato e a reexibição em rede nacional, o caso Aída Curi tornou-se instrumento de estudos de diversas áreas das ciências (BRASIL, 2021, p.314). Pelo fato de o direito ao esquecimento não poder ser utilizado para impedir o acesso à informação e tendo em vista a notoriedade do caso, incabível é a aplicação do referido direito ao caso concreto (BRASIL, 2021, p.315).

    CONSIDERAÇÕES FINAIS

    Vê-se que o direito ao esquecimento é instituto internacionalmente reconhecido, que surgiu principalmente para que ex-detentos pudessem ter sua ressocialização facilitada e evoluiu para esfera civil. Tal mudança se deu pois alguns jornalistas extrapolam no direito de informação, persistindo em memorar algo que aconteceu no passado, com o fito de gerar mais audiência por meio da curiosidade e sensacionalismo que a notícia produz no corpo social.

    Assim, o direito ao esquecimento, como foi demonstrado ao longo dessa monografia, decorre da proteção dada à dignidade da pessoa humana e tem como objetivo resguardar os direitos da personalidade. Na sociedade de informação onde a privacidade das pessoas é constantemente invadida, o direito ao esquecimento mostra-se como um mecanismo eficiente para coibir a divulgação de fatos que podem ser vergonhosos ao titular. É certo que os avanços tecnológicos trazem consigo inúmeras vantagens, mas em contrapartida é nítido que também fazem com que se perca a capacidade de controlar a própria identidade, de superar fatos pretéritos e recomeçar a trajetória de vida, o que afeta sobremaneira a psique do indivíduo, e dificulta o controle temporal de dados.

    Com a falta de um arcabouço legal mínimo com parâmetros objetivos, as dificuldades para delinear e defender o instituto, quando cabível, ainda são muitas, aliás, esse foi um dos principais argumentos defendidos pelos ministros do Supremo Tribunal Federal para julgarem o direito ao esquecimento como ináplicável ao ordenamento jurídico brasileiro. Contudo, como foi demonstrado, há no Brasil casos em que o referido direito foi garantido a alguns indivíduos, em especial no caso Chacina da Candelária. No caso em questão, não foi assegurado aos acusados o direito de apagar o próprio passado, apenas foi reconhecido que a vinculação de fato tão horrendo a uma pessoa, poderia dificultar seu convívio social. Ademais, antes do STF ter determinado a inaplicabilidade do direito ao esquecimento no Brasil, o enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil já dizia que o direito ao esquecimento não era instrumento para apagar o próprio passado.

    É certo que a teminologia que se popularizou no Brasil já traz consigo uma visão negativa, visto que induz quem toma conhecimento dela a imaginar o direito ao esquecimento como algo bastante abstrato, quando na verdade o que se analisa são demandas por esquecimento, por isso alguns autores dizem que seria melhor que se denominasse como “direito de ser deixado em paz”. O Poder Judiciário, diante dos fundamentos apresentados por quem pleiteasse esse direito, analisaria se é caso de aplicação, ou apenas uma tentativa de usar do rótulo para interesses diversos do tutelado, qual seja, a pretensão de restringir no presente a divulgação de determinado fato antigo que cause um embaraço à pessoa. Não se trata, portanto, de limitar a liberdade de expressão, apenas garantir à pessoa natural a possibilidade de dar destinação a seus dados.

    A proprocionalidade, como em quase tudo na vida, poderia ser um parâmetro para orientar uma decisão, assim, pretensões genéricas de ter seus dados apagados, ou impedidos de serem divulgados, não seriam julgadas procedentes, visto que é inconteste o papel da liberdade de expressão na construção de uma sociedade democática. Ao passo que aqueles que realmente seus direitos ameaçados ou violados, poderiam pleitear a tutela do Estado, assim como determina o art. , Inciso XXXV, da Constituição. Isso não significa que não se deva aprimorar o direito ao esquecimento, determinando critérios mais claros para a sua aplicação, de fato isso deve ser feito, a fim de que se tenha maior segurança jurídica e para se limite o mínimo possível o acesso à informação da população.

    Por todo o exposto, conclui-se que apesar de o direito ao esquecimento ser um instrumento de grande importância para a conservação dos direitos fundamentais personalíssimos, ele não foi reconhecido nem como direito autônomo nem como desdobramentos de outros direitos. Apesar disso, cumpre ressaltar que existem projetos de lei em trâmite no Congresso Nacional que têm por objetivo tornar expresso o direito ao esquecimento, alterando o artigo 20 do Código Civil, a fim de que passe a constar a seguinte oração “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”, que trata-se da redação exata do Enunciado 531 da VI Jornada de Direito Civil. Logo, como as decisões do STF não vinculam o Legislativo em sua função típica, ainda podemos ter, no futuro, um direito ao esquecimento no Brasil. Apesar disso, é importante lembrar que eventual uso inadequado da liberdade de expressão, que viole direitos fundamentais, pode gerar a responsabilização civil por danos morais e/ou materiais, bem como responsabilização criminal, quando importar em crimes contra a honra, conforme o binômio liberdade-responsabilidade.

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    WARREN, Samuel D.; BRANDEIS, Louis. D. The Right of Privacy. Harvard Law Review, v. IV, p. 193-220, 1890.

    1. Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

      IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

    2. X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. (BRASIL, 1988).

    3. Artigo 10º. Liberdade de expressão.

      1. Qualquer pessoa tem direito à liberdade de expressão. Este direito compreende a liberdade de opinião e a liberdade de receber ou de transmitir informações ou ideias sem que possa haver ingerência de quaisquer autoridades públicas e sem considerações de fronteiras. O presente artigo não impede que os Estados submetam as empresas de radiodifusão, de cinematografia ou de televisão a um regime de autorização prévia.

      2. O exercício desta liberdades, porquanto implica deveres e responsabilidades, pode ser submetido a certas formalidades, condições, restrições ou sanções, previstas pela lei, que constituam providências necessárias, numa sociedade democrática, para a segurança nacional, a integridade territorial ou a segurança pública, a defesa da ordem e a prevenção do crime, a protecção da saúde ou da moral, a proteção da honra ou dos direitos de outrem, para impedir a divulgação de informações confidenciais, ou para garantir a autoridade e a imparcialidade do poder judicial. (UNIÃO EUROPEIA, 1950)

    4. Artigo 19.

      1. Ninguém poderá ser molestado por suas opiniões.

      2. Toda pessoa terá direito à liberdade de expressão; esse direito incluirá a liberdade de procurar, receber e difundir informações e ideias de qualquer natureza, independentemente de considerações de fronteiras, verbalmente ou por escrito, em forma impressa ou artística, ou por qualquer outro meio de sua escolha.

      3. O exercício do direito previsto no parágrafo 2 do presente artigo implicará deveres e responsabilidades especiais. Consequentemente, poderá estar sujeito a certas restrições, que devem, entretanto, ser expressamente previstas em lei e que se façam necessárias para:

      a) assegurar o respeito dos direitos e da reputação das demais pessoas. (BRASIL, 1992)

    5. Trata-se de um órgão jurisdicional espanhol, com jurisdição em todo o país para conhecimento de determinadas matérias que lhe são atribuídas por lei.

    6. Artigo 2º. Definições.

      Para efeitos da presente diretiva, entende-se por:

      [...]

      b) «Tratamento de dados pessoais» («tratamento»), qualquer operação ou conjunto de operações efetuadas sobre dados pessoais, com ou sem meios automatizados, tais como a recolha, registo, organização, conservação, adaptação ou alteração, recuperação, consulta, utilização, comunicação por transmissão, difusão ou qualquer outra forma de colocação à disposição, com comparação ou interconexão, bem como o bloqueio, apagamento ou destruição. (UNIÃO EUROPEIA, 1995).

    7. Artigo 20. Salvo se autorizadas, ou se necessárias à administração da justiça ou à manutenção da ordem pública, a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa poderão ser proibidas, a seu requerimento e sem prejuízo da indenização que couber, se lhe atingirem a honra, a boa fama ou a respeitabilidade, ou se se destinarem a fins comerciais.

      Parágrafo único. Em se tratando de morto ou de ausente, são partes legítimas para requerer essa proteção o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes. (BRASIL, 2002)

    8. Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. (BRASIL, 1988)

    9. Artigo 14. Fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. (BRASIL, 1990).

    10. Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição. § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. , IV, V, X, XIII e XIV. (BRASIL,1988).

    11. Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

      [...]

      III - a dignidade da pessoa humana. (BRASIL, 1988)

    12. O direito à privacidade não proíbe qualquer publicação de matéria que seja de interesse público ou geral. (WAREN; BRANDEIS, 1890, p. 214)

    13. Em âmbito jurisprudencial, os direitos da personalidade receberam proteção em detrimento dos direitos à liberdade de expressão, informação e imprensa, no julgamento do caso Chacina da Candelária, já estudado anteriormente, conforme se depreende do seguinte trecho da ementa:

      [...]

      10. Sublinhe-se que tal excesso e o ataque aos direitos fundamentais do autor foram bem sintetizados no voto condutor, que salientou que a permissão de nova veiculação do fato, com a indicação precisa do nome e imagem do autor, no caso concreto, significaria uma segunda ofensa à dignidade, justificada pela primeira, uma vez que, além do crime em si, o inquérito policial se consubstanciava em reconhecida "vergonha nacional" à parte. (BRASIL, 2013, p.3)

    14. Artigo 19.

      Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; esse direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e idéias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948).

    15. Art. 5º, IV - é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato;

      IX- é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;

      XIV- e assegurado a todos o acesso à informação e resguardado o sigilo da fonte, quando necessário ao exercício profissional;

      Art. 220. A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição.

      § 1º Nenhuma lei conterá dispositivo que possa constituir embaraço à plena liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observado o disposto no art. 5º, IV, V, X, XIII e XIV.

      § 2º É vedada toda e qualquer censura de natureza política, ideológica e artística. (BRASIL, 1988).

    16. Em âmbito jurisprudencial, os direitos à liberdade de expressão, informação e imprensa receberam proteção em detrimento dos direitos da personalidade, no julgamento do caso Aída Curi, já estudado anteriormente, conforme se depreende do seguinte trecho da ementa:

      [...]

      8. A reportagem contra a qual se insurgiram os autores foi ao ar 50 (cinquenta) anos depois da morte de Aída Curi, circunstância da qual se conclui não ter havido abalo moral apto a gerar responsabilidade civil. Nesse particular, fazendo-se a indispensável ponderação de valores, o acolhimento do direito ao esquecimento, no caso, com a consequente indenização, consubstancia desproporcional corte à liberdade de imprensa, se comparado ao desconforto gerado pela lembrança. (BRASIL, 2013, p.2).

    17. XXXIII- todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado. (BRASIL, 1988).

    18. Art. 139. Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas:

      [...]

      III - restrições relativas à inviolabilidade da correspondência, ao sigilo das comunicações, à prestação de informações e à liberdade de imprensa, radiodifusão e televisão, na forma da lei. (BRASIL, 1988).

    19. Art. 187. Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes (BRASIL, 2002).

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