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19 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX-84.2020.8.16.0098 Jacarezinho XXXXX-84.2020.8.16.0098 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
ano passado

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

5ª Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Renato Braga Bettega

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_APL_00020568420208160098_d0cef.pdf
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Ementa

APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS – PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO DE ÁGUA E ESGOTOSENTENÇA DE PROCEDÊNCIAINSURGÊNCIA DA RÉ – NÃO CONHECIMENTO DO PEDIDO DE CONCESSÃO DE EFEITO SUSPENSIVO AO RECURSO – FEITO QUE SE AMOLDA À REGRA GERAL DO CAPUT DO ART. 1.012, NCPCREFLUXO DE DEJETOS DE ESGOTO E ALAGAMENTO NA RESIDÊNCIA DA AUTORA – RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 37, § 6º, CONSTITUIÇÃO FEDERAL C/C ARTS. 14 E 22, CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR)– DANO MORAL IN RE IPSAPRECEDENTE DO STJDEVER DE INDENIZAR CONFIGURADO – CONDENAÇÃO FIXADA EM R$ 15.000,00 PELO JUÍZO A QUO – VALOR RAZOÁVEL E PROPORCIONALSENTENÇA MANTIDARECURSO DE APELAÇÃO PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESTA PARTE, DESPROVIDO. (TJPR

- 5ª Câmara Cível - XXXXX-84.2020.8.16.0098 - Jacarezinho - Rel.: DESEMBARGADOR RENATO BRAGA BETTEGA - J. 13.02.2023)

Acórdão

I – RELATÓRIO Trata-se de recurso de Apelação Cível interposto contra a sentença proferida pelo MM. Juiz de Direito da Vara da Fazenda Pública da Comarca de Jacarezinho, nos autos de “Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Materiais e Danos Morais”, proposta por Raquel Aparecida Barros em face da Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar (mov. 1.1).Por brevidade, adoto o relatório da r. sentença (mov. 167.1, p. 01-02):“1 - RELATÓRIO:Trata-se de ação de obrigação de fazer cumulada com indenização por danos morais e materiais ajuizada por RAQUEL APARECIDA BARROS em face de COMPANHIA DE SANEAMENTO DO PARANÁ – SANEPAR, todos devidamente qualificados.Narra a Autora que em 1989 foi realizada a ligação de rede de esgoto em seu imóvel pela Requerida e que desde então começaram a surgir inúmeros problemas em sua casa, decorrentes de vazamento de esgoto em seu imóvel, ficando parte do terreno de sua casa com esgoto empossado. Alega que realizou diversas reclamações administrativas junto à Requerida, que foram enviados prepostos até a sua residência para verificar e complementado algumas tubulações, mas que o problema persiste. Relata que tal situação ocasionou danos ao imóvel, bem como sofreu danos morais. Diante disso, ajuizou a presente ação pedindo a condenação da Requerida em obrigação de fazer, para que altere o local de passagem da tubulação de esgoto que passa sob o seu terreno, com a sua consequente desativação, bem como a condenação da Requerida em indenização por danos materiais e morais. Juntou documentos em mov. 1.2 a 1.61.Despacho inicial em mov. 6.1, designando audiência de conciliação, determinando a citação da Requerida e concedendo justiça gratuita à Autora.Despacho de mov. 14.1, suspendendo a audiência de conciliação em razão da pandemia do Coronavírus – COVID-19.Manifestação da Autora pelo desinteresse na audiência de conciliação.Contestação da Requerida em mov. 24.1, alegando a ocorrência de prescrição, bem como que não existem vazamentos na região do imóvel da Autora, que inexistiu qualquer reclamação ou comunicação sobre o vazamento relatado na exordial e que, por consequência, inexiste o seu dever de indenizar, pleiteando, dentre outros argumentos, pela improcedência do pedido.Impugnação à contestação em mov. 28.1.Decisão saneadora de mov. 30.1, em que a preliminar de prescrição restou afastada e, ao caso, fora aplicado o código de defesa do consumidor com a inversão do ônus da prova, fixados os respectivos pontos controvertidos da demanda e intimadas as partes para especificarem provas.Decisão acerca das provas em mov. 38.1, em que restou deferida a prova documental, pericial e oral.Laudo pericial em seq. 105.1/105.2.Manifestação da requerida sobre o laudo em mov. 110.1.Esclarecimentos periciais em seq. 113.1.Audiência de instrução em seq. 160.1/160.3.Alegações finais da Autora em seq. 162.1.Vieram os autos conclusos.EIS A SÍNTESE PROCESSUAL. PASSO, POIS, A DECIDIR.”. Da sentença recorrida Seguindo a marcha processual, sobreveio sentença de mérito à seq. 167.1.O douto Magistrado singular pontuou que as situações narradas na exordial (refluxo de esgoto no interior da residência da autora) configuram acidente de consumo por serviço defeituoso, devidamente comprovado pelas fotos anexadas no ev. 1.48/1.57, nos protocolos de reclamação (seq. 1.41 e 1.58/1.61), e na perícia realizada (seq. 105.1/105.2).Sustentou que a requerida “não demonstrou a inexistência de falha na prestação do serviço. Ora, o esgoto não pode invadir um imóvel. Se invade (e, no caso, isso foi comprovado), ou houve falha na prestação do serviço, ou a Autora deu causa para tal fato. Nos autos, não há qualquer elemento que demonstre que a Autora tenha dado causa ao fato narrado. Assim, tratando-se de responsabilidade objetiva da requerida, inexistindo comprovação de que a Autora tenha dado causa ao fato narrado, constata-se a evidente falha na prestação do serviço, tendo em vista a entrada/invasão/refluxo de esgoto no imóvel da autora, devendo a requerida ser responsabilizada à indenizar, caso haja constatação de danos, bem como à promover a alteração do local da passagem da tubulação de esgoto, a fim de evitar que novos eventuais refluxos inundem a casa da Autora de esgoto”.Asseverou que, “nos termos do artigo 14, ‘caput’, combinado com o artigo , § 2º do CDC, não resta dúvidas que a SANEPAR, deve responder pelo defeito do serviço prestado, com base na hipótese prevista no artigo 14 do CDC”, destacando a comprovação dos danos materiais em razão do refluxo de esgoto.Consignou que o “laudo pericial de mov. 105.1/105.2 e os esclarecimentos periciais em mov. 113.1 são claros no sentido de constatar anomalias no imóvel, decorrentes do fato descrito na exordial”.Afirmou que “a Constituição Federal estabelece em seu artigo art. 5º, inciso X, o direito à indenização pelo dano material, e moral, decorrente de violações da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem”, inexistindo “dúvida que a lesão sofrida pela autora em decorrência do defeito de serviço gerou muito mais que um simples aborrecimento ou transtornos. Teve que ajuizar a presente demanda para alcançar efetivação de seu direito por defeito de serviço efetuado pela empresa requerida. A autora teve que conviver com esgoto invadindo sua residência, além das anomalias geradas na estrutura do seu imóvel, tudo pelo defeito de serviço praticado pela empresa requerida”.Ressaltou que “o dano moral caracteriza-se pelos transtornos decorrentes do mau cheiro e sujeira advindos da água e dejetos do esgoto, bem como nos sentimentos de angústia com a invasão do esgoto na casa do demandante e a preocupação com a possibilidade de novos incidentes, e no aborrecimento com a limpeza, sendo que tal situação ultrapassa o ‘mero dissabor’, ou como ‘fato típico da vida em sociedade’”.Afirmou que, “no que tange ao valor do ressarcimento, deve-se ter em conta, para sua fixação, o princípio da razoabilidade, bem como a teoria do duplo caráter da reparação, segundo a qual a quantia arbitrada deve servir para punir o infrator pela ofensa cometida, desestimulando-o a praticar novas condutas ilícitas, bem como para compensar a vítima pelo mal sofrido. Deve-se considerar, ainda, no arbitramento do dano moral, a gravidade do dano, a intensidade da culpa, a condição econômica dos envolvidos, além de outros fatores”.Assim sendo, julgou procedentes os pedidos iniciais (art. 487, inciso I, NCPC), condenando a ré (i) à obrigação de fazer consistente na alteração do local da passagem da tubulação de esgoto, a fim de evitar que novos refluxos inundem a casa da autora, (ii) ao pagamento da quantia necessária, a ser apurada em liquidação de sentença com base nos apontamentos periciais, para o reparo no imóvel da autora (fissuras, trincas, desplacamento de reboco e bolor no revestimento do banheiro ocasionadas pelo refluxo do esgoto), a título de ressarcimento pelos danos materiais causados, e (iii) ao pagamento de indenização por danos morais, no importe de R$ 15.000,00, corrigido pelo INPC a partir da data da sentença, e acrescido de juros de mora de 1% ao mês desde a citação.Ainda, condenou a Sanepar ao pagamento das custas e despesas processuais e dos honorários advocatícios, fixados em 15% sobre o valor atualizado da causa, ante a impossibilidade de mensurar o valor total da condenação bem como do proveito econômico total obtido pela autora, considerando o pleito de obrigação de fazer e dano material ilíquido (art. 85, § 2º, NCPC). Das razões recursais Inconformada, a Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar interpôs recurso de Apelação Cível (mov. 178.1).Afirmou que “os parâmetros estabelecidos na sentença de mérito ultrapassam uma medida justa de direito, logo, merece ser reformada. Nesse raciocínio, vale destacar pela derradeira vez a controvérsia elucidada em sede de contestação no que diz respeito a contemporaneidade do refluxo de esgoto, dos danos materiais e, principalmente, dos abalos morais da parte autora. Senão veja, Eméritos, a interessada apresenta fotos do refluxo tiradas em 2016 e alega que tal situação se encontra ainda pior do que na época, sem demonstrações suficientes para fundar isso”.Sustentou que, de 2016 a 2020 (ano da propositura da demanda), não foram registradas reclamações junto à Sanepar, inexistindo provas, portanto, da contemporaneidade dos fatos.Alegou que “a arguição de prescrição foi desconsiderada pelo douto magistrado de primeiro grau sem um respaldo satisfativo, quer dizer, tão somente confirmou a atualidade dos danos com base nas alegações. Além do mais, em que pese tenha sido feita uma perícia in loco para averiguar o imóvel, a rede de esgoto e para sanar os quesitos, não se concluiu sobre a continuidade dessa situação danosa até os dias de hoje”.Asseverou que “muito embora o acesso à justiça seja um axioma jurídico para todos os operadores do direito, os consumidores estão banalizando cada vez mais as proteções do diploma consumerista para pleitearem ‘aventuras judiciais’ em face das prestadoras de serviço. Em outras palavras, há um custo pouco significativo a esses demandantes que acabam fundando sua pretensão em alegações genéricas e controversas. No caso em tela, vê-se com facilidade a usurpação dos preceitos basilares da reparação e indenização de danos materiais e morais previstos no Código Civil, em seus artigos 186 e 927, por parte da demandante e pela inobservância do juiz de primeiro a sentença de mérito. É possível constatar que o pedido indenizatório se baseia em meras alegações tendentes a obter essa vantagem indevida às expensas da requerida, sendo extemporânea a relação entre o refluxo e os danos morais supostamente sofridos”.Admitiu que os danos materiais foram comprovados no laudo pericial como elementos que ainda persistem ligeiramente no imóvel, ao contrário da contemporaneidade dos danos morais, porquanto “vê-se que tal abalo se manteve anos sem ser discutido, tampouco reclamado junto à SANEPAR, e somente agora esses reflexos estão sendo detalhados pela autora”.Destacou que, “sobre o laudo pericial apresentado pela especialista, nota-se que o uso inadequado dos serviços por parte dos usuários é um fator que pode contribuir para a deterioração da estrutura. Além do mais, constatou-se a ausência de galeria pluvial no local, bem como de válvula de retenção de uso individual, que corroboram com o refluxo de esgoto, não podendo justificar essa falta pelo mero desconhecimento dos usuários. Sendo assim, especificamente em relação aos danos extrapatrimoniais, a simples consideração subjetiva de que houve um abalo moral significativo, de grande repercussão ao decoro da vítima, é insuficiente para caracterizar um dano indenizável. Essa atribuição de responsabilidade pelo dano moral não comprovado é inapropriada pelo simples fato de a prestadora se inserir no meio danoso”.Pontuou que “o valor fixado na sentença para a indenização à título de danos morais ultrapassa o limite do senso comum e extrapola o conceito de justo no meio jurisdicional. Aqui, é nada mais que um aborrecimento oriundo do cotidiano, de pouca repercussão e relevância moral, caso contrário a demanda seria ajuizada na contemporaneidade do refluxo (em 2016 ou antes) e haveriam reclamações protocoladas”, não devendo prevalecer o quantum de R$ 15.000,00, caso seja mantida a condenação.Afirmou que o Poder Judiciário deve preservar o “verdadeiro dano moral”, de modo a evitar banalizações e excessos no arbitramento da indenização, ressaltando que o decurso de tempo entre o suposto início do problema (1989) e a propositura da demanda (2020) “acaba desmantelando a importância do abalo moral invocado pela própria autora, contudo, mesmo assim, a decisão definitiva fixou um montante exorbitante pelos prejuízos”.Consignou que se deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade, repisando a “extemporaneidade da ação judicial”, ao passo que “a duração da lesão em grau relevante é um fator imprescindível para o arbitramento, assim como outras circunstâncias que foram trazidas no primeiro grau, sendo prevalente o brocardo allegare nihil et allegatum non probare paria sunt (somente alegar e alegar sem provar significa o mesmo)”.Alegou que, “na malquista hipótese de ser mantido o valor arbitrado na sentença objurgada, sairão recursos vultuosos dos cofres desta prestadora de serviços públicos, que acarretarão, sem viés de dúvida, um desequilíbrio econômico tremendo capaz de influenciar negativamente a tarifação dos serviços. Ou seja, essa pretensão da autora impactará o interesse público de forma mediata, não somente através da tarifação, mas também do planejamento de estruturas, investimentos e de manutenções nessa atividade. Quer dizer, é um resultado dominó que desencadeia uma série de novas demandas como fonte de enriquecimento indevido de consumidores, e não sob um viés de tutelar os interesses da sociedade – deste modo, irá prevalecer o anseio particular sobre o coletivo”.Por fim, pleiteou o recebimento do recurso em ambos os seus efeitos, e o provimento do apelo, a fim de afastar a condenação à indenização por danos morais. Sendo outro o entendimento, pugnou pela redução do quantum indenizatório para um valor razoável e proporcional.Devidamente intimada para apresentar contrarrazões, a apelada deixou o prazo transcorrer in albis (mov. 183.0).Em 2º grau, o feito foi distribuído por sorteio ao Desembargador Gil Francisco de Paula Xavier Fernandes Guerra, da 9ª Câmara Cível, sob a insígnia “Ações relativas a responsabilidade civil, inclusive as decorrentes de acidente de veículo e de acidente de trabalho, excetuada a competência prevista na alínea b do inciso I deste artigo” (mov. 5.1-TJ).O Relator declinou da competência, determinando-se a redistribuição às 4ª e 5ª Câmaras Cíveis do Tribunal, na forma do art. 110, II, n, do Regimento Interno do TJPR, tendo em vista que, além do pleito indenizatório, a autora formulou pedido de obrigação de fazer (mov. 11.1-TJ).Assim, o recurso foi redistribuído livremente a este Relator, sob a insígnia “Ações relativas à prestação de serviços públicos de fornecimento de energia elétrica, água e gás, exceto quando concernente exclusivamente a responsabilidade civil” (mov. 14.1-TJ).É o relatório. II - VOTO E FUNDAMENTAÇÃO O recurso foi tempestivamente ofertado, preenchendo os demais requisitos de admissibilidade, pelo que deve ser conhecido.Contudo, deixa-se de conhecer o pedido de concessão de efeito suspensivo ao recurso formulado pela Sanepar, porquanto o presente feito se subsome à regra geral do caput do art. 1.012, NCPC, não se vislumbrando quaisquer das hipóteses elencadas no § 1º do referido disposto, que implicam na produção imediata dos efeitos da sentença após a sua publicação:Art. 1.012. A apelação terá efeito suspensivo.§ 1º Além de outras hipóteses previstas em lei, começa a produzir efeitos imediatamente após a sua publicação a sentença que:I - homologa divisão ou demarcação de terras;II - condena a pagar alimentos;III - extingue sem resolução do mérito ou julga improcedentes os embargos do executado;IV - julga procedente o pedido de instituição de arbitragem;V - confirma, concede ou revoga tutela provisória;VI - decreta a interdição.Além disso, importa mencionar que o pedido deve ser formulado mediante requerimento apartado perante o Tribunal de Justiça, possuindo procedimento específico a ser seguido, conforme determina o art. 1.012, § 3º, NCPC[1].Cinge-se a controvérsia em determinar se a indenização por danos morais imposta à Sanepar, no importe de R$ 15.000,00, deve ser afastada ou, ao menos, reduzida. Do dano moral No caso em tela, Raquel Aparecida Barros, ora apelada, propôs a presente “Ação de Obrigação de Fazer cumulada com Indenização por Danos Materiais e Danos Morais” em face da Companhia de Saneamento do Paraná – Sanepar, ora apelante.Raquel narrou na exordial que reside com a sua família na Rua Vereador Francisco Camargo, nº 620, Jardim São Francisco, Jacarezinho/PR desde 1988, e que, em novembro de 1989, a Sanepar efetuou a ligação da residência na rede de esgoto, momento em que começou a ocorrer vazamento do esgoto no banheiro e nos fundos do lote, empoçando-o e acarretando muito mau cheiro, causando micose e alergia nos moradores, atraindo bichos (baratas, ratos, sapos etc.), e ocasionando danos aparentes no imóvel.A apelada afirma que houve falha na prestação do serviço público, porquanto a “existência de tubulação de esgoto sem manutenção e defeituosa sob o terreno da Requerente, que fica vazando a céu aberto, foi a causa dos danos daí advindos e decorreu da desídia da concessionária de serviços públicos no cumprimento de suas responsabilidades enquanto representante estatal” (mov. 1.1, p. 04).Por tais razões, postulou a condenação da Sanepar à (i) obrigação de fazer consistente no remanejamento da tubulação que passa sob o seu lote, (ii) indenização pelos danos materiais, a serem apurados pericialmente, e (iii) indenização pelos danos morais suportados (mov. 1.1).Ao contestar a demanda, a apelante alegou, em síntese, (i) a inexistência de responsabilidade, ante a ausência de registro de reclamações/ocorrências no endereço, (ii) a prescrição da pretensão, (iii) a inaplicabilidade do CDC, e (iv) a inexistência de danos morais e materiais (mov. 24.1).Finda a instrução processual, sobreveio sentença de mérito julgando procedentes os pedidos iniciais (mov. 167.1), condenando-se a Sanepar (i) à “obrigação de fazer, consistente na alteração do local da passagem da tubulação de esgoto, a fim de evitar que novos eventuais refluxos inundem a casa da Autora de esgoto”, (ii) “ao pagamento da quantia necessária para o reparo, no imóvel da autora, das fissuras, trincas, desplacamento de reboco e bolor no revestimento do banheiro ocasionadas pelo refluxo do esgoto, a título de ressarcimento pelos danos materiais causados”, a serem apurados em liquidação de sentença, e (iii) “ao pagamento de danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais)”.Irresignada, a concessionária interpôs o recurso que ora se aprecia (mov. 178.1).Inicialmente, cumpre destacar que a insurgência recursal se limitou à condenação por danos morais, deixando-se de questionar a obrigação de fazer e a indenização por danos materiais impostas na r. sentença. Assim sendo, o presente voto limitar-se-á à análise da ocorrência ou não de danos morais no caso concreto.Pois bem.Da atenta leitura ao arcabouço fático-probatório dos autos, depreende-se que o extravasamento de esgoto vem ocorrendo desde a implantação da rede coletora na residência da apelada, porquanto a tubulação se encontra instalada dentro do lote de Raquel.Denota-se que a rede foi implantada após a criação dos loteamentos, mais precisamente após a apelada “receber em doação seu lote com duas peças e já estar residindo nesta habitação, bem como a maioria dos outros moradores, situação totalmente inversa do que deva ocorrer” (mov. 105.2, p .08), como bem pontuou a Engenheira Letícia Vasconcelos Carneiro (CREA/PR nº 181046-D), nomeada como perita pelo Juízo a quo.As fotografias acostadas à exordial demonstram claramente o alagamento nos fundos do imóvel, com intenso volume de água de esgoto e dejetos, que causam repulsa apenas ao olhar, sendo inimaginável conviver com esta situação de forma corriqueira, por décadas (mov. 1.45 a 1.57).Não obstante a Sanepar busque se eximir da responsabilidade civil ao afirmar que inexistem protocolos de reclamação da consumidora em seus sistemas informatizados, é inegável que há acidente de consumo por prestação de serviço defeituoso.Em suas razões recursais, a apelante alega culpa exclusiva da consumidora, afirmando que “constatou-se a ausência de galeria pluvial no local, bem como de válvula de retenção de uso individual, que corroboram com o refluxo de esgoto, não podendo justificar essa falta pelo mero desconhecimento dos usuários” (mov. 178.1, p. 04).No entanto, o laudo pericial produzido durante a instrução processual esclareceu que o “mau uso” pela apelada não seria capaz de ocasionar o retorno de esgoto em sua residência. Veja-se (mov. 105.2, p. 09-10):“Por parte da requerente, não há mau uso. Em relação a requerida, ‘mau uso’ talvez não seja o termo, mas sim um certo uso deficitário, pois a falta de manutenção preventiva da rede coletora para investigação e mapeamento dos possíveis problemas que ocorrem com passar do tempo é um fator de suma importância a ser observado pela requerida. A triagem levantada, nas manutenções preventivas, possibilita evitar ao máximo a reincidência de refluxo de esgoto nos pontos hidráulicos nas edificações, mesmo havendo a obrigação legal do cuidado por parte do consumidor/usuário por meio da instalação de uma válvula de retenção na rede individual. Lembrando que nem todos usuários são portadores da informação sobre a necessidade de haver uma válvula de retenção na rede individual de suas edificações ou mesmo saberem como funciona sua manutenção periódica. Este dispositivo deve ser o último bloqueio para conter refluxo, pois o principal fator e o bom funcionamento da rede para qual foi projetada e dimensionada. Não há como justificar o aumento do volume nos dias em períodos chuvosos por interligações clandestinas/irregulares ou mesmo aumento o volume de esgoto por aumento populacional naquela região ou ainda maior permanência dos moradores nas edificações em períodos de férias; pois se houvesse uma manutenção associada ao monitoramento haveria regularizações, reparos, redirecionamento e até um redimensionamento se necessário. Com certeza, diminuíram consideravelmente problemas de refluxo e por consequências ações judiais, dentre outros transtornos e gasto”.A nobre perita destacou ter solicitado à Sanepar a apresentação de “relatório operacional de manutenção da rede coletora no perímetro da edificação em tela, ou seja, como são realizados os testes na rede coletora para constatação de pontos a serem reparados ou realocados, com corante ou fumaça; relatório de periodicidade com que é realizado a manutenção na rede coletora no perímetro da edificação em testilha desde 2016 até presente data; relatório de quais problemas ocorridos na rede coletora de esgoto no perímetro em tela desde 2016 até presente data; relatório sobre a existência e frequência com que ocorreram obstruções nesta rede desde 2016 até presente data”, com o escopo de investigar de forma “mais profunda do ocorrido no passado, e não apenas do presente. O intuito é localizar mais precisamente outros problemas, justamente porque no dia 19 de maio de 2021 a rede coletora após o seguimento dos testes estava em pleno funcionamento. Sendo assim, seria interessante verificar histórico de ocorrências no perímetro da edificação” (mov. 105.2, p .07).Todavia, o assistente técnico/representante da concessionária informou que não existe relatório de manutenção preventiva, e que há apenas um registro de manutenção corretiva no imóvel, a pedido da apelada em 2016.Em contraponto a tal alegação, ao prestar depoimento pessoal em audiência (mov. 160.2), Raquel foi categórica ao afirmar que diversas vezes entrou em contato com a Sanepar para comunicar o problema, e que a empresa envia seus funcionários para “desentupir” o esgoto. Porém, em pouco tempo, a situação se repete, alagando novamente o seu imóvel.Além do mais, constata-se a existência de ao menos 6 (seis) protocolos acostados aos autos, conforme se verifica à seq. 1.40, 1.41, 1.58, 1.59, 1.60 e 1.61.Observa-se que a apelada é uma pessoa de baixa instrução, hipossuficiente economicamente, que vem sofrendo com o refluxo de esgoto em seu imóvel há décadas, não tendo que se falar em afastamento do dano moral pela “extemporaneidade” da demanda.Em que pese a perícia não tenha verificado a contemporaneidade dos fatos (na data da perícia, os testes realizados foram bem-sucedidos, não havendo refluxo de esgoto), é inegável que eles ocorreram, havendo registros fotográficos do extravasamento e dos danos materiais gerados no imóvel, corroborados pela nobre perita (mov. 105.2, p. 11):“Os danos causados foram fissuras, trincas, desplacamento de reboco e bolor no revestimento do banheiro. Estas patologias foram ocasionadas pela acomodação do solo (saturação), ou seja, pelo acúmulo de fluido de esgoto sob edificação nos fundos da mesma ocasionando um pequeno recalque diferencial no lado direito da edificação”.Desta feita, é imperioso reconhecer a responsabilidade civil da Sanepar em indenizar os danos morais suportados por Raquel.O art. 37, § 6º, da Constituição Federal instituiu o regime de responsabilidade civil objetiva aos entes públicos, inclusive às pessoas jurídicas de direito privado prestadoras de serviços públicos:Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.Em se tratando de sociedade de economia mista prestadora de serviço público, cabe também mencionar a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor ao caso concreto, que preconiza que a responsabilidade dos fornecedores também é objetiva perante os consumidores na ocorrência de falha na prestação dos serviços:Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos.Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.Na mesma senda, a Lei de Concessao e Permissao (Lei nº 8.987/95), em seu art. 25, preconiza que “Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade”.Na forma dos art. 186 e 927, do Código Civil, “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”, e “aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.É assente o entendimento de que a responsabilidade civil exige a presença cumulativa do trinômio dano, ação ou omissão (ato ilícito) e nexo causal entre a conduta e o dano.Por todo o exposto neste voto, verifica-se a existência de nexo causal entre o dano suportado por Raquel (décadas convivendo com esgoto transbordando em seu imóvel, atraindo insetos e ratos, causando doenças nos moradores, e prejudicando a estrutura do imóvel), e o ato ilícito praticado pela Sanepar (falha na prestação do serviço público), restando demonstrado o abalo moral sofrido por Raquel, capaz de configurar a existência de prejuízos psíquicos e/ou ofensa à sua honra, imagem, privacidade e intimidade.O fato de inexistir protocolos atuais de atendimento da autora junto à Sanepar não possui o condão de ilidir a alegação de refluxo de esgoto, ao passo que as demais provas constantes nos autos comprovam cabalmente o extravasamento de água contaminada e dejetos na residência da apelada.Ademais, segundo o Superior Tribunal de Justiça, “o dano moral decorrente de falha na prestação de serviço público essencial prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que presumido e decorre da própria ilicitude do fato”:ADMINISTRATIVO. AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. INTERRUPÇÃO DO FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. DANO MORAL IN RE IPSA. AGRAVO INTERNO DA EMPRESA DESPROVIDO. 1. O dano moral decorrente de falha na prestação de serviço público essencial prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato. Precedentes: AgRg no AREsp. 371.875/PE, Rel. Min. NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe 4.4.2016; AgRg no AREsp. 518.470/RS, Rel. Min. SÉRGIO KUKINA, DJe 20.8.2014. 2. Agravo Interno da Empresa desprovido. (AgInt no AREsp XXXXX/RS, Rel. Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 13/10/2020, DJe 16/10/2020). (Destaquei).Destarte, é inegável o dever de indenizar os danos morais suportados pela apelada, que teve os seus direitos da personalidade violados ao ver a sua residência invadida por esgoto de forma reiterada.O quantum indenizatório foi fixado em R$ 15.000,00 (quinze mil reais) pelo Juízo de piso, e a Sanepar busca a sua redução.A fixação da indenização para reparação do dano moral deve levar em conta o grau de culpa do ofensor, o nível socioeconômico das partes, a repercussão do fato e demais peculiaridades que o caso concreto apresentar, não se olvidando a necessária observância dos critérios de razoabilidade e proporcionalidade.O montante também deve ser fixado em patamar que, ao mesmo tempo que constitua uma punição ao ofensor pelo ilícito praticado, a fim de servir de inibidor para futuras transgressões, também não caracterize instrumento de enriquecimento sem causa do ofendido. Deve, noutras palavras, haver um equilíbrio entre a punição do agente ofensor e a indenização à vítima.Em feito semelhante, a 5ª Câmara Cível entendeu pela manutenção da indenização em R$ 15.000,00 (quinze mil reais):1) DIREITO ADMINISTRATIVO. REDE DE ESGOTO RESPONSÁVEL POR REFLUXO DE DEJETOS E ALAGAMENTO. REPONSABILIDADE OBJETIVA DA SANEPAR. DEVER DE INDENIZAR OS DANOS MORAIS IN RE IPSA DECORRENTES DO ATO DEFEITUOSO. QUANTUM INDENIZATÓRIO ADEQUADO. a) Não havendo insurgência recursal quanto à ocorrência do fato – transbordo de esgoto –; tampouco quanto ao nexo causal entre a instalação do sistema coletor feito pela Sanepar e tais eventos de transbordo, é de se admitir que os dissabores suportados pelos Autores ensejam o dever de indenizar imposto à Apelante pela sentença. b) A sujeição do cidadão às condições representadas pelo alagamento por água contaminada por esgoto é circunstância que enseja repulsa, desgosto, angústia e mesmo revolta sem que seja necessário provar tais sentimentos, sendo evidente que ter a casa invadida por esgoto não é evento que se insere nos corriqueiros dissabores do dia a dia. c) A indenização decorrente do dano extrapatrimonial fixada pela sentença (equivalente a R$ 15 mil para cada um dos dois Autores) não destoa daquilo que considerado devido, por este Tribunal, para eventos deste jaez. 2) APELO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. (TJPR - 5ª C.Cível - XXXXX-90.2017.8.16.0001 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR LEONEL CUNHA - J. 02.04.2019). (Destaquei).Por tais razões, entende-se que o quantum merece ser mantido em R$ 15.000,00 (quinze mil reais), pois se revela razoável e proporcional ao porte econômico da empresa e à extensão do dano, pois atinge a sua finalidade pedagógica e punitiva, bem como ressarce o abalo moral sofrido por Raquel de forma justa, sem importar em enriquecimento ilícito, vedado no ordenamento jurídico brasileiro (art. 884, do Código Civil)[2].A indenização deve ser acrescida de juros de mora de 1% (um por cento) ao mês a partir da citação e de correção monetária pelo IPCA-E desde a data do arbitramento, com fulcro no art. 405, Código Civil[3] e na Súmula 362, Superior Tribunal de Justiça[4].Isto posto, voto pelo parcial conhecimento e, nesta parte, pelo desprovimento do recurso, mantendo-se incólume a r. sentença objurgada, a fim de manter a indenização por danos morais no valor de R$ 15.000,00 (quinze mil reais), nos termos acima elencados.Considerando o desprovimento do recurso manejado pela ré, majora-se os honorários advocatícios para 16% (dezesseis por cento) sobre o valor atualizado da causa, a serem arcados pela Sanepar em favor do causídico de Erasmo (art. 85, §§ 2º e 11, NCPC).
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