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26 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJSP • Ação Penal - Procedimento Ordinário • Roubo Majorado • XXXXX-10.2017.8.26.0456 • 1ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo - Inteiro Teor

Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

1ª Vara Criminal

Assuntos

Roubo Majorado

Juiz

Antonio Roberto Sylla

Partes

Documentos anexos

Inteiro Teor73042255%20-%20Condena%C3%A7%C3%A3o%20%C3%A0%20Pena%20Privativa%20de%20Liberdade%20e%20Multa%20SEM%20Decreta%C3%A7%C3%A3o%20da%20Pris%C3%A3o.pdf
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SENTENÇA

Processo Digital nº: XXXXX-10.2017.8.26.0456

Classe - Assunto: Ação Penal - Procedimento Ordinário - Roubo Majorado

Documento de Origem: Inquérito Policial, Boletim de Ocorrência - 84/2017 - Delegacia de Polícia de Tarabai, 488/2017 - Delegacia de Polícia de Tarabai

Autora: Justiça Pública

Réu (s): Jose Almiro Jesus Lima

Juiz de Direito: Dr. Alessandro Correa Leite

Vistos.

O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO ofertou denúncia em face de JOSÉ ALMIRO DE JESUS LIMA , imputando-lhe a prática do delito previsto no artigo 155, parágrafo 4º, inciso IV, c/c. art. 29, , do Código Penal, em concurso material de crimes, na forma do artigo 69, "caput caput", do Código Penal, com o artigo 340, também do Código Penal.

Narra a denúncia que, no dia 22 de setembro de 2017, por volta das 22h, na Rodovia SP-425, Assis Chateaubriand, 484, na cidade de Tarabai, o denunciado, previamente ajustado e em unidade de desígnios com terceiras pessoas até o momento não identificadas, subtraiu para si e para outrem, o caminhão trator Iveco/Stralishd 570S38TN, ano 2008, cor verde, placas ASC-0353-Jaguapitã/PR, o semirreboque SR/Randonsp SR BA, ano 2012, cor preta, placas AVJ-3611 e o semirreboque SR/Randonsp SR BA, ano 2012, cor preta, placas AVJ- 3607, pertencentes à vítima Sulivam Francisco Consalter.

Consta, ainda, que, no dia 23 de setembro de 2017, por volta das 18h, na Rodovia Raposo Tavares, Km 576+800m, nesta cidade e comarca, o denunciado provocou a ação da autoridade, comunicando-lhe a ocorrência de crime que sabia não se ter verificado.

Segundo a acusação, o denunciado foi contratado pela vítima Sulivam Francisco Consalter como motorista de caminhão e trabalhava com ele havia cerca de cinco meses. Assim, com o prévio intento de subtrair, para si e para outrem, o caminhão que iria dirigir, o denunciado se ajustou com pessoas até o momento não identificadas para forjar e comunicar um falso crime de roubo e, assim, subtrair e posteriormente vender os veículos, tornando proveitoso

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o crime praticado. Na ocasião dos fatos, o denunciado saiu da cidade de Sarandí/PR com o caminhão vazio rumo a Junqueirópolis/SP, para carregar o caminhão com açúcar e retornar à cidade de Sarandí/SP. Como o veículo era rastreado, seu trajeto foi registrado desde sua partida.

Continua a denuncia afirmando que, segundo registrou o aparelho, o denunciado saiu com o caminhão e os semirreboques da cidade de Sarandí/PR no dia 22 de setembro de 2017, por volta das 16h40min, passou pela cidade de Maringá/PR por volta das 18h40min e rumou para o seu destino. Entre as 19h15min e as 19h51min permaneceu na cidade de Santa Fé/PR e chegou à cidade de Tarabai/SP por volta das 21h30min, ali permanecendo até as 22h18min, quando seguiu viagem para Presidente Prudente, onde chegou por volta das 22h50min, exatamente no horário em que alegou ter sido roubado na cidade de Tarabai/SP. Consta, que, quando chegou em Presidente Prudente, como já havia sido previamente ajustado, o denunciado deixou a direção do caminhão, que passou a ser conduzido por um de seus comparsas e, depois de desligado o aparelho rastreador, eles seguiram viagem para rumo não apurado. Após o denunciado e seus comparsas chegarem ao seu destino com o caminhão subtraído, o denunciado retornou à cidade de Presidente Prudente para que pudessem dar prosseguimento ao plano, comunicando falsamente crime de roubo que sabia não ter ocorrido.

Assim, consta que, o denunciado esperou até que seus comparsas pudessem deixar o local e, com o auxílio da CART, acionou a polícia e relatou que havia sido roubado na cidade de Tarabai/SP, por volta das 23h, por três indivíduos que ocupavam uma caminhonete GM/S10, sendo que um deles estava armado e o rendeu, fazendo com que ficasse dentro do caminhão com a cabeça abaixada, apenas tendo sido liberado na cidade de Presidente Prudente por volta das 05h da manhã do dia seguinte, nas margens da Rodovia Raposo Tavares. Contudo, no curso das investigações apurou-se que o denunciado já havia registrado fato semelhante no RDO 42/2013- DP Tarumã/SP, em que narrou ter sido roubado por bandidos que ocupavam uma caminhonete GM/S10 e, ainda, que um dos semirreboques que teriam sido roubados na cidade de Tarabai foi autuado por trafegar acima da velocidade em Nova Alvorada do Sul/MS, à 01h06min do dia 23 de setembro de 2017, isto é, menos de três horas após o roubo, o que seria fisicamente impossível dada a velocidade que o caminhão teria de empreender.

Denúncia recebida aos 09/04/2019 (fls. 255/256).

Citado, o réu apresentou resposta à acusação e pugnou pela rejeição da denúncia por ausência de justa causa, reservando-se a discutir o mérito em momento oportuno. Por fim, requereu a concessão dos benefícios da justiça gratuita (fls. 295/303).

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Houve aditamento da denúncia (fls. 307/309), por meio do qual o Ministério Público manifestou-se alterando o local da consumação do furto para a cidade de Presidente Prudente/SP.

Em decisão proferida em 18/07/2019 foi recebido o aditamento à denúncia, bem como confirmado o recebimento da denúncia, sendo designada audiência de instrução e julgamento, indeferido o pedido da defesa de arrolamento tardio de testemunhas e deferido o benefício da justiça gratuita ao réu (fls. 310/311).

Após inviabilidade de realização da audiência neste juízo, foram deprecadas as oitivas da vítima e da testemunha, cujas mídias foram disponibilizadas nos autos (fl. 471).

Às fls. 521/522 foi designada audiência de instrução e julgamento, para que fosse procedido o interrogatório do acusado.

Em audiência realizada neste juízo, foi decretada a revelia do acusado; não houve requerimento de diligências; e a instrução foi encerrada (fls. 541/542).

Em alegações finais, o Ministério Público pugnou pela condenação do réu, nos termos da denúncia.

A defesa, por seu turno, suscitou teses benéficas ao acusado. Em preliminar, alegou a incompetência deste juízo para o processamento e julgamento da causa. No mérito, alegou ausência de provas quanto à autoria delitiva. Ao final, pugnou pelo reconhecimento da incompetência territorial, e; caso superada a preliminar, no mérito, pela absolvição do acusado. Subsidiariamente, pleiteou a desclassificação delitiva para a conduta prevista no art. 168 do Código Penal, aplicando-se a pena no patamar mínimo, com fixação do regime inicial mais brando, e substituição da pena privativa por restritiva de direito (fls. 544/555).

É o relatório.

Fundamento e decido.

De proêmio, refuto a preliminar suscitada em sede de memoriais defensivos. Primeiro porque a matéria atinente à competência territorial deste juízo para o processamento e julgamento do feito já foi deliberada por meio de decisão prolatada nos autos em apenso no dia 25/07/2019, contra a qual não foi tirado nenhum recurso pela defesa, estando, pois, preclusa. Ademais, a acusação que recai sobre o réu é de que o furto por ele perpetrado ocorreu nesta cidade, após ele ter estacionado o caminhão e os semirreboques, de maneira que atendido o disposto no art. 70 do CPP, este juízo é plenamente competente.

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Passo à análise do mérito.

No mérito, a pretensão punitiva é procedente.

A materialidade delitiva está comprovada: pelo boletim de ocorrência (fls. 09/11 e 14/15); pelos documentos de fls. 20/28; pelo auto de avaliação (fl. 319); bem como pelos relatórios de investigação e pelos depoimentos colhidos durante a instrução processual.

A autoria é certa e recai sobre o acusado.

Ouvida em juízo, a vítima Sulivam Francisco Consalter disse que tem envolvimento com transporte. Relatou que o denunciado estava fazendo um trabalho de Junqueirópolis/SP a Sarandi/PR. Aduziu que ia encontrar com o acusado para receber os valores do frete. Afirmou que o acusado não o esperou para dar os valores do frete. Aduziu que o acusado retornou a Junqueirópolis/SP. Relatou que o denunciado parou em um posto no município de Tarabai/SP. Disse que o decorrer do fato fugiu da normalidade. Afirmou que o acusado foi abordado por duas outras pessoas que renderam o denunciado. Aduziu que o rastreador perdeu o posicionamento perto de Presidente Prudente/SP. Relatou que ligou para a encarregada do rastreamento e ela disse que o rastreador estava com sinal interrompido. Disse que o acusado não chegou na usina. Aduziu que a polícia rodoviária anotou a placa como veículo desaparecido. Relatou que o denunciado disse que tinha sido sequestrado e o caminhão tinha sido tomado. Alegou que começou a desconfiar. Aduziu que o acusado disse que foi rendido perto de Tarabai/SP. Descobriu que o denunciado era reincidente. Afirmou que o acusado suprimiu essa informação quando o investigador foi na casa dele. Disse que o investigador ficou desconfiado, pois o denunciado suprimiu essa informação. Relatou que a multa do caminhão suspeitou em relação ao denunciado. Afirmou que teve prejuízo de R$ 80.000,00 (oitenta mil reais). Acha que o acusado está detido. Aduziu que o denunciado chegou a contar sobre o roubo. Alegou que o caminhão ficou parado do outro lado da rodovia e o acusado caminhou até o posto. Afirmou que o rastreador detectou que o caminhão ficou parado do outro lado da rodovia. Relatou que o denunciado reside em Londrina/PR. Disse que o Caio apresentou o denunciado. Aduziu que foi adquirindo confiança no denunciado aos poucos. Afirmou que o acusado fez a viagem sem a sua autorização. Disse que o caminhão dava um lucro de R$ 8.000,00 (oito mil reais). Relatou que ficou sem a renda por cinco meses, até receber valor do seguro.

A testemunha Arnaldo Ferreira da Rosa Filho , investigador de polícia, disse em juízo que o acusado registrou o boletim de ocorrência em Álvares Machados. Explicou que o

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acusado relatou que tinha parado no posto, mas que ao subir no caminhão pela porta do passageiro foi enquadrado pelos indivíduos que o levaram refém e conduziram o caminhão. Informou que a porta do motorista estava estragada. Disse que o acusado relatou ter visualizado uma S10. Ainda, disse que o acusado viajou por 6 horas sendo deixado no mato em Álvares Machado, onde teve que permanecer por 6 horas para sair e procurar socorro. Alegou que o ladrão pediu para o motorista ficar no mato. Disse que o acusado foi na beira da rodovia e achou a equipe da CART que o levaram até a Delegacia. Já na Delegacia disse que o acusado relatou o ocorrido informando os horários. Relatou que o acusado em momento algum disse que viu alguém desligando o rastreador do caminhão. Ademais, informou que o rastreador foi desligado quando o caminhão estava a 70Km/h e que provavelmente o acusado estava dentro do caminhão. Arguiu que o acusado relatou a eles que a primeira coisa a fazer era retirar a segunda via da carteira em Assis. Narrou que o acusado já teria ideia do que iria acontecer, que a esposa não atendia o patrão e se esquivava. Disse que o acusado não queria contato com o patrão, mas que após insistência foi possível. Informou que chegou a conclusão que as informações passados pelo acusado são contraditórias. Explicou que o patrão é sócio de uma associação de caminhoneiros e que tem uma equipe que faz investigação. Alegou que o acusado afirmava que tinha sido roubado. Sustentou que o caminhão objeto do roubo foi encontrado em Mato Grosso com cigarro.

Como se vê, a prova é clara no sentido de que o réu provocou a ação da autoridade policial, comunicando-lhe a ocorrência de crime (roubo) que sabia não ter ocorrido, com vistas a encobrir a subtração que realizou, juntamente a comparsas seus, do Caminhão Trator Iveco Stralidsh 570S38TN e dos dois Semirreboques que o acompanhavam, de propriedade da vítima Sulivam Francisco Consalter.

No presente caso, a autoria foi corroborada em juízo pelos depoimentos do ofendido e da testemunha policial Arnaldo Ferreira da Rosa Filho , sendo que o primeiro indicou que o réu era seu empregado e lhe foi entregue o veículo acima aludido acompanhado dos semirreboques, para que realizasse um transporte de Sarandi-PR até Junqueirópolis-SP, mas ele simplesmente desapareceu com os bens, cujo último registro de localização se deu em Presidente Prudente-SP, e apresentou versão fantasiosa de que havia sofrido um assalto. O policial também esclareceu que o réu prestou versões conflitantes acerca do suposto assalto, deixando transparecer que tudo não passou de invenção dele, que, inclusive, já havia agido com o mesmo modus operandi em episódio de furto anterior.

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A versão da vítima e da testemunha policial encontra consonância com os demais elementos de prova amealhados nos autos.

Com efeito, verificando as versões apresentadas pelo réu à autoridade policial (em especial: fls. 12/13 e 135/136), ficou evidente que ele inventou uma história acerca do alegado assalto sofrido, senão vejamos.

Em seu primeiro depoimento (fls. 12/13) o réu disse que a parada que fez no Posto Comboio em Tarabai-SP (para lanche) se deu por volta das 23:00 horas do dia 22/09/2017.

Ocorre que, analisando o rastreio do veículo (fls. 20/28), vislumbra-se que o réu parou com o veículo em Tarabai-SP às 21:34:01 h do dia 22/09/2017, e depois voltou a acioná- lo às 22:01:55 h, passando por Pirapozinho-SP até chegar a esta cidade (Rodovia Raposo Tavares - Presidente Prudente-SP) às 23:01:49 h, ocasião em que tentou-se três vezes interromper o rastreio até que houve sucesso, isto às 23:03:34 h.

Além da divergência de horários, chama atenção que o réu não apontou nenhuma testemunha do Posto Comboio em Tarabai-SP, e a polícia também não aferiu vestígios da suposta abordagem no local.

O réu ainda disse à polícia militar (fl. 51) que ficou no Posto Comboio por 01:30 h. Pura mentira, visto que o rastreador indicou que ele permaneceu em Tarabai-SP de 21:34:01 h até 22:01:55 h, ou seja, menos de 30 minutos.

Mas não é só.

O réu disse à polícia que os supostos assaltantes teriam parado o caminhão somente por volta de 05:00 horas do dia 23/09/2017, nas margens da Rodovia Raposo Tavares, deixando-o no matagal, e ele teria sido rendido e vigiado por um dos assaltantes até por volta de 12:00 horas de 23/09/2017 (fl. 12).

No entanto, consoante visto no rastreio (fls. 20/28), do tempo que o veículo esteve em Tarabai-SP até a ocasião que chegou em Presidente Prudente-SP (Rodovia Raposo Tavares) demorou pouco mais de 45 minutos apenas.

A história foi muito mal inventada pelo réu, com seus comparsas.

Não bastasse isso, a testemunha Arnaldo Ferreira da Rosa Filho narrou que o réu em qualquer momento se preocupou com a vítima (seu próprio patrão). Ao revés, a primeira

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preocupação do réu foi regularizar sua CNH, além de ter se esquivado da vítima até o momento que pôde, tudo, logicamente, a evitar que fosse logo descoberto e a verdade viesse à tona.

Mais: há nos autos comprovação de que uma das carretas sofreu fiscalização de trânsito, que resultou na aplicação de multa por excesso de velocidade, isto no dia 23/09/2017, às 01:06:44 h, em Nova Alvorada do Sul-MS (fl. 92). Este é outro fator que corrobora a farsa do réu, pois o bem já encontrava-se desintegrado do caminhão, e o município local da infração de trânsito dista cerca de 374 km de Presidente Prudente-SP, de modo que, mesmo se estivesse numa velocidade de 80 km/h, não daria tempo para retornar a esta cidade apenas para deixar o réu na rodovia. Em verdade, não haveria sentido nem interesse dos bandidos em terem que acoplar novamente o veículo e retornar a esta cidade apenas para deixar o réu no matagal, e ainda permanecer um dos assaltantes com ele por cerca de 07 horas.

Destarte, ficou mais que evidente que o réu, juntamente a comparsas seus, fantasiou uma versão para que pudesse lograr êxito no furto do veículo e dos semirreboques da vítima, justificando que teria sido vítima de um assalto.

A versão do réu caiu por terra pela análise das provas materiais e orais produzidas nestes autos.

Além disso, de se destacar que o réu sequer veio a juízo explicar sua versão, o que denota total indiferença com a justiça. A defesa sequer produziu provas a fim de ratificar a versão exculpante do réu, ônus que lhe incumbia, nos termos do art. 156 do Código de Processo Penal.

Nesse trilhar, é importante considerar que o réu consumou o delito de furto qualificado pelo concurso de agentes, pois simulou um assalto e, mancomunado com seus comparsas, levou o caminhão e os semirreboques da vítima até esta cidade, onde os entregou à direção dos outros coautores (não identificados), que se encarregaram de levá-los a rumo não apurado, retornando o réu a esta localidade, para poder comunicar o falso assalto à delegacia de polícia.

Com efeito, todo iter criminis foi praticado e o réu detinha a posse dos bens da vítima.

A ação de subtrair bem alheio móvel foi inteiramente executada, mediante dolo do acusado, tanto que ele passou uma falsa versão dos fatos, com vistas a encobrir o delito contra o patrimônio referido.

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Nesse sentido, ressalto que a jurisprudência do C. Supremo Tribunal Federal e do C. Superior Tribunal de Justiça adota a teoria da amotio (apprehensio), exigindo-se, para a consumação do delito em comento, apenas a inversão da posse, sendo dispensável que o bem saia da esfera de vigilância da vitima, in verbis:

"RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. FURTO. MOMENTO CONSUMATIVO. POSSE MANSA E PACÍFICA DA RES FURTIVA. DESNECESSIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Ainda que ocorra a perseguição imediata do agente e se recupere a res, tem-se como consumado o delito de furto, coma anterior retirada da posse ou da propriedade do bem à vítima. Doutrina. 2. A jurisprudência pacífica do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal é de que o crime de furto se consuma no momento em que o agente se torna possuidor da coisa subtraída, ainda que haja imediata perseguição e prisão, sendo prescindível que o objeto subtraído saia da esfera de vigilância da vítima. Jurisprudência do STF. Recurso especial provido a fim de cassar a decisão proferida pelo Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro para restabelecera sentença penal condenatória proferida em primeiro grau". (STJ, 6a Turma, REsp XXXXX/RJ, Rel. Min. Rogério Schietti Cruz, julgado em 18/11/2014).

A qualificadora atinente ao concurso de pessoas (art. 155, § 4º, IV, do CP) ficou satisfatoriamente comprovada, visto que, a toda evidência, o réu valeu-se do apoio de terceiros (comparsas), seja para pegar o veículo e os semirreboques com o réu, em Presidente Prudente- SP, e conduzi-los até o destino combinado entre eles, seja para posteriormente realizar o desmonte dos semirreboques, a fim de garantir o sucesso e vantagem com a empreitada criminosa.

Demais disso, impossível a desclassificação para o delito de apropriação indébita (art. 168, CP), justamente pelos contornos que os fatos evidenciaram na espécie.

No caso, o réu realmente estava na posse de veículo e semirreboques que lhe foram entregues voluntariamente por seu patrão, para fins de trabalho. No entanto, o réu, com apoio de seus comparsas, confabulou uma falsa história (de que teria sido vítima de assalto) para ludibriar a vítima e a polícia, e lograr êxito na efetiva subtração dos bens da vítima, dando-

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lhes destino ignorado.

Em palavras mais simples, o delito do art. 168 do CP não incide pela manifesta intenção do réu, desde o início de sua empreitada criminosa, de subtrair os bens da vítima.

Prosseguindo, o delito de comunicação falsa de crime também ficou configurado, haja vista que, conforme acima pontuado, restou comprovado que o réu noticiou à autoridade policial a ocorrência de crime (roubo) que sabia não se ter verificado, no escopo de encobrir a prática do furto qualificado do caminhão e dos semirreboques da vítima Sulivam Francisco Consalter , o que denota o ato de vontade consciente (dolo) desse agente.

Com isso, o réu violou o bem jurídico tutelado, qual seja, a administração da justiça, pois foi registrada a ocorrência do crime falso e ainda realizados atos de investigação pela polícia judiciária (fls. 09/13 e 76/83).

Portanto, pela lição de Júlio F. Mirabete, "indícios múltiplos, concatenados e impregnados de elementos positivos de credibilidade são suficientes para dar base a uma decisão condenatória, máxime quando excluem qualquer hipótese favorável ao acusado" (in Processo Penal - 17a ed. São Paulo: Atlas, 2005, p. 344).

Bem caracterizada, pois, a prática de furto qualificado pelo concurso de agentes e do delito de comunicação falsa de crime, sendo imperativa a condenação do réu, inviabilizando-se a aplicação do princípio in dubio pro reo.

Feitas as considerações acima, passo a dosar a pena do réu, nos termos do art. 68 do Código Penal e em observância ao princípio da individualização das penas.

A pena eleita em relação ao delito previsto no art. 340 do Código Penal será privativa de liberdade, em detrimento da multa isolada, tendo em vista a culpabilidade exacerbada do réu, que praticou a conduta delitiva valendo-se do exercício de sua profissão de motorista, traindo seu próprio empregador, com vistas a assegurar a ocultação, impunidade e vantagem do delito de furto precedente. Assim, para fins de repressão em relação ao delito em apreço, insuficiente é a punição do denunciado com pena exclusiva de multa.

A fim de se evitar repetições desnecessárias, as penas serão concomitantemente dosadas, sendo, ao final, aplicado o regramento atinente ao concurso material de delitos.

Na primeira fase da dosimetria penal, passo a analisar as circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal: culpabilidade (destoa do normal para ambas as espécies delitivas, visto que o réu agiu valendo-se do exercício de sua profissão de motorista, traindo seu

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próprio empregador, na medida que forjou um assalto, inclusive comunicando à polícia a respeito dos fatos inventados, logrando êxito na subtração do veículo e dos semirreboques que lhe foram confiados para fins de trabalho, o que denota maior grau de reprovabilidade em seu comportamento); antecedentes (trata-se de réu primário); conduta social (nada a considerar); personalidade (nada a considerar); motivos dos crimes (nada a considerar); circunstâncias dos crimes (nada a considerar); consequências dos crimes (inerentes às espécies); comportamento da vítima (não influiu para a prática delitiva).

Considerando que são oito circunstâncias judiciais, entendo que na primeira fase de fixação, a pena deve ser acrescida de 1/8 para cada circunstância judicial negativa,observando que a fração deve ser calculada sobre o intervalo da pena (pena máxima - pena mínima). Desse modo, observa-se um critério lógico, de que não havendo circunstâncias negativas, a pena-base fica no mínimo. Por outro lado, diante da existência de circunstâncias judicias negativas, a pena-base vai crescendo, proporcionalmente, até o máximo permitido pelo tipo penal.

Tal critério encontra respaldo tanto na jurisprudência do TJ/SP, como do STJ, como se vê no trecho abaixo, (extraído do acórdão proferido pela 2a Câmara Criminal do TJ/SP, no julgamento da Apelação Criminal nº XXXXX-93.2017.8.26.0346):

Diante do silêncio do legislador, a jurisprudência e a doutrina passaram a reconhecer como critério ideal para individualização da reprimenda-base o aumento na fração de 1/8 por cada circunstância judicial negativamente valorada, a incidir sobre o intervalo de pena abstratamente estabelecido no preceito secundário do tipo penal incriminador . Deveras, tratando-se de patamar meramente norteador, que busca apenas garantir a segurança jurídica e a proporcionalidade do aumento da pena, é facultado ao juiz, no exercício de sua discricionariedade motivada, adotar quantum de incremento diverso diante das peculiaridades do caso concreto e do maior desvalor do agir do réu. 8. No caso, considerando o intervalo entre a pena mínima e a máxima do crime de homicídio qualificado, que corresponde a 18 anos, revela-se proporcional a elevação de 2 anos e 3 meses por vetorial desabonadora e, portanto, não se infere qualquer excesso na fixação da básica em 18 anos de reclusão. 9. Writ

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não conhecido. (HC XXXXX/SP, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 18/08/2020, DJe 24/08/2020). (g.n.)

Assim, fixo as penas-bases um pouco acima dos patamares mínimos, em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão para o delito de furto qualificado, e 01 (um) mês e 18 (dezoito) dias de detenção para o delito de comunicação falsa de crime.

Na segunda fase da dosimetria penal, não incidem atenuantes. Não incidem agravantes quanto ao delito de furto.

De outro lado, quanto ao delito de comunicação falsa de crime incide a agravante do art. 61, II, b, do Código Penal, pois, como visto na fundamentação acima, o delito foi perpetrado com vistas a assegurar a ocultação, impunidade e vantagem do crime de furto qualificado do caminhão e dos semirreboques da vítima Sulivam Francisco Consalter.

Assim, agravo a pena do delito de comunicação falsa de crime em 1/6, fixando as penas intermediárias em: 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão para o delito de furto qualificado, e 01 (um) mês e 26 (vinte e seis) dias de detenção para o delito de comunicação falsa de crime.

Na terceira fase da dosimetria penal, não incidem causas de diminuição nem de aumento de pena, razão pela qual fixo as penas definitivas em: 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão para o delito de furto qualificado, e 01 (um) mês e 26 (vinte e seis) dias de detenção para o delito de comunicação falsa de crime.

Proporcionalmente à pena privativa de liberdade aplicada, quanto ao delito de furto qualificado, fixo a pena de multa em 53 (cinquenta e três) dias-multa.

Nos termos do art. 69 do Código Penal, seria caso de somar as penas. Ocorre que as reprimendas possuem naturezas distintas (reclusão x detenção), razão pela qual deixo de fazê-lo. Assim, tem-se a pena final do acusado em: 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão , e 01 (um) mês e 26 (vinte e seis) dias de detenção, mais o pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa.

Fixo cada dia-multa em seu valor mínimo legal, por não haver nos autos provas reveladoras de uma maior capacidade econômica por parte do réu.

Fixo o regime aberto para início do cumprimento das reprimendas de reclusão e detenção, nos termos do art. 33, § 2º, c, do CP, valendo ressaltar que, embora a culpabilidade tenha sido valorada negativamente, o réu é primário e não ostenta maus

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antecedentes criminais, e as penas ficaram próximas do mínimo legal, não sendo justificável impor-lhe regime inicial mais gravoso.

Verifico que o réu preenche todos os requisitos para a aplicação do disposto no artigo 44 do Código Penal, não havendo, então, necessidade de mantê-lo no cárcere.

Assim, nos termos do artigo 44, § 2º, do CP, substituo a pena corporal aplicada ao réu, por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da condenação e em prestação pecuniária à entidade pública ou privada com destinação social, no valor de 02 (dois) salários-mínimos, vigentes à época do pagamento, a ser especificada pelo MM. Juízo das Execuções Criminais.

Ante o exposto, e considerando o mais que dos autos consta, julgo PROCEDENTE a pretensão punitiva do Estado, e o faço para CONDENAR o réu JOSÉ ALMIRO DE JESUS LIMA , qualificado nos autos, ao cumprimento de pena privativa de liberdade consistente em 02 (dois) anos e 09 (nove) meses de reclusão, em regime inicial aberto , e 01 (um) mês e 26 (vinte e seis) dias de detenção, em regime inicial aberto , e ao pagamento de 53 (cinquenta e três) dias-multa , no valor unitário mínimo vigente ao tempo dos fatos, a ser corrigido desde então, por infração ao artigo 155, § 4º, inciso IV, c/c. art. 29, , do Código Penal, em concurso material de crimes, na forma do artigo 69, "caput caput", do Código Penal, com o artigo 340, também do Código Penal, SUBSTITUINDO a pena privativa de liberdade por duas penas restritivas de direitos, consistentes em prestação de serviços à comunidade, pelo prazo da condenação e em prestação pecuniária à entidade pública ou privada com destinação social, no valor de 02 (dois) salários-mínimos, vigentes à época do pagamento, a ser especificada pelo MM. Juízo das Execuções Criminais.

Deixo de decretar a prisão preventiva do acusado, por estarem ausentes os requisitos pertinentes, valendo ressaltar que ele respondeu ao processo em liberdade, restando inalterada a situação de fato anteriormente verificada.

Deixo de fixar indenização mínima, tal qual consta no art. 387, IV, do CPP, pois sequer houve debate a respeito da dita indenização, de modo a respeitar os princípios do contraditório e da ampla defesa.

Condeno o réu ao pagamento das custas processuais (art. 804 do CPP), ficando a exigibilidade do pagamento suspensa, em razão da justiça gratuita outrora concedida (fl. 311).

Transitada em julgado, determino as seguintes providências:

processo XXXXX-10.2017.8.26.0456 - lauda 12

a) Atualize-se o histórico de partes;

b) Comunique-se o IIRGD;

c) Comunique-se o Juízo Eleitoral;

d) Expeça-se guia de execução definitiva.

Sentença publicada nesta data, com a liberação nos autos digitais. Dispensa-se o

registro, na forma do artigo 72, § 6º, das Normas da Corregedoria Geral de Justiça.

Intimem-se.

Presidente Prudente-SP, 4 de outubro de 2022.

DOCUMENTO ASSINADO DIGITALMENTE NOS TERMOS DA LEI 11.419/2006,

CONFORME IMPRESSÃO À MARGEM DIREITA

processo XXXXX-10.2017.8.26.0456 - lauda 13

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