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2 de Maio de 2024

Responsabilidade civil do Estado por erros na condução de política econômica

Publicado por Fellipe Sousa
há 7 anos

Índice

I – Introdução

II – Fundamentos da responsabilidade civil no Brasil

III – Contexto Histórico

IV – Responsabilidade civil do Estado na Constituição de 1988

V - Responsabilidade civil por danos na condução política e econômica

VI – Análise de Caso

VII - Conclusão

Bibliografia


I – INTRODUÇÃO

O presente artigo teve por objetivo investigar a possibilidade de responsabilização civil do Estado por erros na condução da política econômica do país, utilizando como ponto de partida o Manual de Direito Administrativo escrito por Alexandre Mazza. Para melhor esclarecer o tema abordado, foi utilizado um estudo de caso, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF), – RE 571969 - onde a empresa Viação Aérea Rio Grandense (VARIG) ingressou com ação de indenização face a União Federal, em decorrência dos prejuízos causados pela política de congelamento de preços de bens e serviços, realizados no Governo Sarney, durante a aplicação do Plano Cruzado.

Na tentativa de controlar a inflação, o decênio de 1980 acarretou diversos problemas financeiros ao Brasil, através da aplicação de diversos planos econômicos frustrados que impuseram duras medidas tanto para empresas, como para os consumidores.

Dentre os planos econômicos utilizados nesse período, destaca-se o Plano Cruzado, lançado pelo então Presidente José Sarney. Em linhas gerais, o Plano Cruzado utilizou amplamente o congelamento de preços dos bens e serviços como forma de combate à inflação.

Em decorrência disso, os preços das passagens aéreas também foram congelados, de modo que o reajuste das tarifas deveria ser autorizado pelo governo.

Mesmo após o fim do plano cruzado, a política de congelamento das tarifas do setor aéreo durou até janeiro de 1992.

Diante disso em 1993 a empresa aérea VARIG ajuizou ação face a União, requerendo o restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato de serviço de transportes aéreo, com ressarcimento dos prejuízos suportados em razão do congelamento de tarifas.

II – FUNDAMENTOS DA RESPONSABILIDADE CIVIL NO BRASIL

No Brasil vigora a teoria do Risco Administrativo. Conforme previsto no artigo 37, § 6º da Constituição Federal, verifica-se que o Estado Brasileiro responde pelos prejuízos patrimoniais causados pelos agentes públicos a particulares, em decorrência do exercício da função administrativa.

Aduz o referido artigo:

“Art. 37 - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurando o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”

Tendo em vista a natureza patrimonial dos prejuízos ensejadores dessa reparação, conclui-se tratar de responsabilidade civil.

Diante disso, o tema da responsabilidade do Estado abrange o dever estatal de ressarcir particulares por prejuízos civis e extracontratuais perpetrados em função de ações ou omissões dos agentes públicos no exercício da função administrativa. Os danos indenizáveis podem ser materiais, morais ou estéticos.

Desta forma, depreende-se que o § 6º do artigo 37 da Constituição Republicana manteve a responsabilidade civil objetiva da administração pública, sob a modalidade do Risco Administrativo.

III – CONTEXTO HISTÓRICO

Historicamente, verifica-se nas primeiras organizações estatais a ideia prevalente de irresponsabilidade do Estado. Com forte influência até meados de 1837, a teoria da irresponsabilidade foi amplamente utilizada pelos Estados absolutistas, nos quis a vontade do Rei era plena, e tinha força de lei.

Marcado por uma visão político-teológica, esse período sustentava a origem divina do poder. Assim, os governantes eram vistos como representantes de Deus na Terra e, desta forma, os eventuais prejuízos causados pela atividade Estatal eram amenizados pelo ideário coletiva de castigo divino.

Com o avançar dos anos, a ideia de irresponsabilidade do Estado foi ficando ultrapassada, dando lugar à “Teoria da responsabilidade subjetiva”.

Segundo essa teoria, o Estado teria dupla personalidade: uma pessoa soberana, representada pelo Rei, insuscetível a condenação indenizatória, e outra, denominada “fisco”, capaz de ressarcir particulares por prejuízos decorrentes da ação dos agentes estatais.

Essa dupla visão em relação à personalidade estatal confirmou a possibilidade de condenação da Administração e a noção de soberania do Estado.

“A teoria subjetiva estava apoiada na lógica do direito civil na medida em que o fundamento da responsabilidade é a noção de CULPA. Daí a necessidade de a vítima comprovar, para receber a indenização, a ocorrência simultânea de quatro requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal; d) culpa ou dolo. Assim, para a teoria subjetiva é sempre necessário demonstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo) com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia”. (MAZZA, 2014, p. 760)

Atualmente, a visão majoritária e vigente no Brasil é a do Risco administrativo. Nesta teoria “a discussão sobre culpa ou dolo foi deslocada para a ação regressiva É o que se infere da norma contida no art. 194 da Constituição Federal de 1946, cujo conteúdo foi reproduzido nas constituições seguintes: ‘Aas pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis pelos danos que os seus funcionários, nessa qualidade, causem a terceiros. Parágrafo único. Caber-lhe-ás ação regressiva contra os funcionários causadores do dano, quando tiver havido culpa destes. Para a teoria objetiva, o pagamento da indenização é efetuado somente após a comprovação, pela vítima, de três requisitos: a) ato; b) dano; c) nexo causal”. (MAZZA, 2014, p.787).

IV – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Conforme visto anteriormente, a Constituição de 1988 optou pela adoção de uma variante moderada da responsabilidade estatal, a teoria do risco administrativo. Essa teoria reconhece exceções do dever estatal de indenizar, são elas: culpa exclusiva da vítima, força maior e culpa de terceiros.

“O dever estatal de indenizar particulares por danos causados pelos seus agentes públicos encontra fundamentos duplo: legalidade e igualdade. Quando o ato lesivo for ilícito, o fundamento será o princípio da legalidade, violado pelo ato coator em desconformidade com a legislação. Por sua vez, se o ato lícito causar prejuízo especial a particular, o fundamento é igual a repartição dos encargos sociais, ideia derivada do princípio da isonomia. De acordo com a doutrina, para que o dano seja indenizável deve possuir duas características: Ser anormal e específico. Dano anormal é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados normais e toleráveis, não ensejando o pagamento de indenização a ninguém. Exemplo de dano normal: funcionamento de feira livre em rua residencial. Considera-se dano específico aquele que alcança destinatários determinados, ou seja, que atinge um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Por isso, se o dano for geral, afetando difusamente a coletividade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento no valor da tarifa de ônibus. Presentes os dois atributos, considera-se que o dano é antijurídico, produzindo o dever de pagamento de indenização pela fazenda pública”. (MAZZA, 2014, p. 784)

Ressalta-se que par a configuração de responsabilidade estatal é irrelevante a licitou de ou ilicitude do ato lesivo, bastando a existência de prejuízo decorrente da ação ou omissão de agente público para que ocorra o dever de indenizar.

De modo geral, danos passíveis de indenização deveriam se condutas ilegais. Entretanto, por vezes, há situações em que a Administração pública atua em conformidade com o direito e, ainda assim, causa prejuízo a particulares. São danos decorrentes de atos ilícitos e que também produzem dever de indenizar.

A esse respeito, Mazza utiliza-se do seguinte exemplo: obras para afastamento de rua diminuindo a clientela do estabelecimento comercial.

Se o prejuízo for causado em decorrência de obra pública, Estado é responsável pelo ressarcimento integral do dano, aplicando-se a teoria objetiva.

Entretanto se a lesão patrimonial decorreu de culpa exclusiva do empreiteiro contratado pelo Estado para execução da obra, é o empreiteiro que detém a responsabilidade primária, devendo ser acionado diretamente pela vítima com aplicação da teoria subjetiva, respondendo o Estado em caráter subsidiário”. (MAZZA, 2014, p. 785).

V - RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANOS NA CONDUÇÃO POLÍTICA

Dentre os panoramas apresentados, suscita-se a hipótese de responsabilização do Estado por erros praticados em decorrência de medidas político-econômicas malsucedidas. Nota-se que, aqui, o dever de indenizar surgiria a partir de prejuízos causados por atos ilícitos praticados pelo Estado.

Entretanto, conforme preceituado na carta constitucional, são funções típicas do Estado a garantia do bem-estar social, o exercício de atividade econômica, a aplicação do poder de polícia, a organização da ordem econômica financeira da sociedade, entre outros.

A responsabilidade estatal por atos ilícitos, incluídos os decorrentes de políticas públicas não é novidade no direito, inclusive, no brasileiro. O princípio do equilíbrio econômico e financeiro do negócio administrativo está previsto expressamente no art. 27, XXI, na Lei 8.987/1995 (Lei das Concessões e Permissões) e, também, no Decreto-Lei nº 2.300/1985 (art. 55, II). Portanto, caso ocorra período de desequilíbrio, as normas de eficácia plena, referentes ao princípio econômico e financeiro do contrato poderão ensejar eventual responsabilização do Estado, a depender do caso concreto.

Em última análise, tal princípio seria uma das expressões da segurança jurídica, proporcionando maior salvaguarda ao negócio jurídico-administrativo, de modo a manter atrativas às empresas as circunstâncias contratuais basilares, possibilitando a execução dos contratos em sua plenitude.

Para melhor evidenciar essa hipótese, analisaremos, à seguir, julgado do pelo Supremo Tribunal Federal em 12 de março de 2014

VI – CASO CONCRETO

Trata-se do recurso extraordinário RE 571969, impetrado União em da VARIG, requerendo a reforma do acordão a quo que determinou o ressarcimento dos prejuízos suportados pela empresa em razão da política de congelamento de tarifas adotada pelo governo da época, resultando em violação ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato de serviço de transporte aéreo.

Em suas considerações, a empresa aduziu que, por ser concessionária de serviço público, ao arcar com prejuízos em razão da política tarifária instituída pelo governo federal, seu direito ao equilíbrio econômico-financeiro fora violado.

Em sua defesa, a AGU asseverou como tese principal que a União, ao instituir os planos econômicos e determinar o congelamento de preços estava atuando de forma legítima, em busca de proporcionar melhores condições no interesse da economia do país, regulando o serviço público em favor da coletividade.

Vale ressaltar que, segundo disposto na Constituição Federa, cabe à União, por meio de lei, dispor sobre a política tarifária adotada pelas concessionárias ou permissionárias de serviços públicos (art. 175, parágrafo único, III). Logo, não há como se olvidar de que a conduta praticada foi estritamente lícita, abrangida pelo ordenamento jurídico pátrio.

Nesse sentido, decidiu o STF que as medidas impostas pelo plano econômico não violaram disposição legal, apesar disso, houve considerável prejuízo financeiro ao agente privado, o qual deveria ser ressarcido.

Segundo o voto da relatora, Ministra Carmen Lúcia, como concessionária de serviço público, a VARIG foi obrigada a cumprir o referido tabelamento de preços, o que lhe causou graves prejuízos, violando-se o equilíbrio econômico-financeiro do contrato.

Considerando que os deveres contratuais da prestação de serviço foram devidamente mantidos, a violação do equilíbrio contratual ensejaria à concessionária o ônus de ter que suportar obrigações que talvez não fossem aceitas na propositura do contrato, ultrapassando-se assim o mero risco do negócio.

Em razão da situação econômica em que assolava o país, a VARIG alegou que a política governamental contribuiu para que a empresa suportasse os aumentos dos custos par a prestação do serviço (combustível, salários, manutenção de aeronaves, etc.) constantemente sofriam aumentos sem o devido repasse ao consumidor, tornando precário o trabalho prestado.

Com isso, restou preconizado que a responsabilidade do Estado pela prática de atos ilícitos ocorrerá quando da ocorrência deles forem gerados prejuízos específicos, expressos e demonstráveis.

Desse modo, o STF reconheceu que a União, na qualidade de contratante, possui responsabilidade civil por prejuízos suportados pela companha aérea em decorrência do congelamento das tarifas de aviação, determinado pelo erro na condução da política econômica propagada pelo Estado.

O valor da indenização ainda será calculado pela Justiça Federal de Brasília, em processo de liquidação que corre na a 1ª Vara. No Entanto, em cálculos inicias realizados pela AGU, a União reconhece como montante devido a quantia de 3 bilhões de reais. Por sua vez, ex-funcionários da VARIG argumentam que a dívida deve chegar a casa de 6 bilhões de reais, em valores atualizados e corrigidos.

Vale esclarecer que a empresa VARIG foi á falência, e a quantia arrecadada com a condenação do Estado será revertida em favor does ex-funcionários da empresa, que até hoje lutam por seus direitos trabalhistas e previdenciários.

Segue abaixo a ementa do julgado:

“EMENTA: RECURSOS EXTRAORDINÁRIOS. RESPONSABILIDADE DA UNIÃO POR DANOS CAUSADOS À CONCESSIONÁRIA DE SERVIÇO DE TRANSPORTE AÉREO (VARIG S/A). RUPTURA DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO CONTRATO DECORRENTE DOS EFEITOS DOS PLANOS “FUNARO” E “CRUZADO”. DEVER DE INDENIZAR. RESPONSABILIDADE POR ATOS LÍCITOS QUANDO DELES DECORREREM PREJUÍZOS PARA OS PARTICULARES EM CONDIÇÕES DE DESIGUALDADE COM OS DEMAIS. OBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE, DO DIREITO ADQUIRIDO E DO ATO JURÍDICO PERFEITO. 1. Recurso extraordinário da União contra acórdão em embargos infringentes. Intervenção do Ministério Público na ação. Legitimidade do Ministério Público para interpor recurso extraordinário, como custos legis (§ 2º do art. 499 do Código de Processo Civil), harmoniza-se com as funções institucionais previstas nos arts. 127 e 129 da Constituição da República. 2. Recurso do Ministério Público não conhecido na parte relativa aos arts. 21, inc. XII, alínea e, 170, parágrafo único, 173 e 174 da Constituição da República. Ausência de prequestionamento. 3. Recurso da União não conhecido quanto à alegada carência de elementos para a comprovação da quebra do equilíbrio econômico-financeiro do contrato. Impossibilidade de reexame do conjunto fático-probatório em recurso extraordinário (Súmula n. 279 do Supremo Tribunal Federal). 4. Responsabilidade da União em indenizar prejuízos sofridos pela concessionária de serviço público, decorrentes de política econômica implementada pelo Governo, comprovados nos termos do acórdão recorrido. Precedentes: RE 183.180, Relator o Ministro Octavio Gallotti, Primeira Turma, DJ 1.8.1997. 5. A estabilidade econômico-financeira do contrato administrativo é expressão jurídica do princípio da segurança jurídica, pelo qual se busca conferir estabilidade àquele ajuste, inerente ao contrato de concessão, no qual se garante à concessionária viabilidade para a execução dos serviços, nos moldes licitados. 6. A manutenção da qualidade na prestação dos serviços concedidos (exploração de transporte aéreo) impõe a adoção de medidas garantidoras do reequilíbrio da equação econômico-financeira do contrato administrativo, seja pela repactuação, reajuste, revisão ou indenização dos prejuízos. 7. Instituição de nova moeda (Cruzado) e implementação, pelo Poder Público, dos planos de combate à inflação denominados ‘Plano Funaro’ ou ‘Plano Cruzado’, que congelaram os preços e as tarifas aéreas nos valores prevalecentes em 27.2.1986 (art. 5º do Decreto n. 91.149, de 15.3.1985). 8. Comprovação nos autos de que os reajustes efetivados, no período do controle de preços, foram insuficientes para cobrir a variação dos custos suportados pela concessionária. 9. Indenização que se impõe: teoria da responsabilidade objetiva do Estado com base no risco administrativo. Dano e nexo de causalidade comprovados, nos termos do acórdão recorrido. 10. O Estado responde juridicamente também pela prática de atos lícitos, quando deles decorrerem prejuízos para os particulares em condições de desigualdade com os demais. Impossibilidade de a concessionária cumprir as exigências contratuais com o público, sem prejuízos extensivos aos seus funcionários, aposentados e pensionistas, cujos direitos não puderam ser honrados. 11. Apesar de toda a sociedade ter sido submetida aos planos econômicos, impuseram-se à concessionária prejuízos especiais, pela sua condição de concessionária de serviço, vinculada às inovações contratuais ditadas pelo poder concedente, sem poder atuar para evitar o colapso econômico-financeiro. Não é juridicamente aceitável sujeitar-se determinado grupo de pessoas – funcionários, aposentados, pensionistas e a própria concessionária – às específicas condições com ônus insuportáveis e desigualados dos demais, decorrentes das políticas adotadas, sem contrapartida indenizatória objetiva, para minimizar os prejuízos sofridos, segundo determina a Constituição. Precedente: RE 422.941, Relator o Ministro Carlos Velloso, Segunda Turma, DJ 24.3.2006. 12. Não conhecimento do recurso extraordinário da União interposto contra o acórdão proferido no julgamento dos embargos infringentes. 13. Conhecimento parcial do recurso extraordinário da União, e na parte conhecida, provimento negado. 14. Conhecimento parcial do recurso extraordinário do Ministério Público Federal e, na parte conhecida, desprovido, mantendo-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça, conclusivo quanto à responsabilidade da União pelos prejuízos suportados pela Recorrida, decorrentes dos planos econômicos. (RE 571969, Relator (a): Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 12/03/2014, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-181 DIVULG 17-09-2014 PUBLIC 18-09-2014).”

Em relação ao dever de indenizar, “Todo aquele que for patrimonialmente lesado por conduta omissiva ou comissiva de agente público pode pleitear administrativa ou judicialmente a devida reparação. Na esfera administrativa, o pedido de ressarcimento pode ser formulado à autoridade competente, que instaurará processo administrativo para apuração de responsabilidade e tomada de decisão sobre o pagamento da indenização. Mais comum, entretanto, é a opção pela via judicial por meio da propositura de ação indenizatória. Ação indenizatória é aquela proposta pela vítima contra a pessoa jurídica à qual o agente público causador do dano pertence” (MAZZA, p. 795, 2014).

Assim, verifica-se que o agente público somente responde administrativamente e civilmente perante a pessoa jurídica a que se vincula.

“Dispõe o art. , III, da Lei n. 8.987/95 que o concessionário de serviço público assume a prestação do serviço ‘por sua conta e risco’. Assim, a responsabilidade primária pelo ressarcimento de danos decorrentes da prestação do concessionário, cabendo ao Estado concedente responder em caráter subsidiário” (MAZZA, p. 976, 2014).

Entretanto, no caso em análise, o ato violador de direito deu-se em razão da atuação direta do Estado que, ao adotar medidas econômicas inadequadas, gerou mais prejuízos do que benefícios, acarretando em situações de insegurança jurídica, tendo em vista que a vantajosidade apresentada no momento da celebração dos contratos desapareceu.

Dentre as possiblidades de indenização pelo dano causado, depreende-se que o dano deve possuir duas características: Ser anormal e específico.

Dano anormal é aquele que ultrapassa os inconvenientes naturais e esperados da vida em sociedade. Isso porque o convívio social impõe certos desconfortos considerados toleráveis ou normais, não ensejando o pagamento de indenização. Exemplo de dano tolerável: Ação Indenizatória de dano moral contra a realização de feira livre em rua residencial.

O dano específico é definido como aquele que atinge grupos específicos, ou seja, que alcança um indivíduo ou uma classe delimitada de indivíduos. Por isso, se o dano for de caráter geral, afetando difusamente a coletividade, não surge o dever de indenizar. Exemplo de dano geral: aumento do valor das tarifas de ônibus

Presentes os dois atributos de anormalidade e especificidade, considera-se que o dano é antijurídico, produzindo o dever de pagamento de verba indenizatória pela Fazenda Pública.

O próprio Código Civil de 2002, ao tratar da matéria, enfatizou a aplicação da teoria objetiva para os danos causados pelo Estado.

Nesse sentido, preceitua o artigo 43 do referido diploma.

“Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo. ”

Com isso, verificamos que no presente caso, a decisão tomada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal, com placar de cinco votos a dois, foi acertada, adequando-se aos preceitos jurídicos adotados pela Constituição Federal.

VII - CONCLUSÃO

Da análise do presente caso, verifica-se a visão do Supremo Tribunal Federal no sentido de ser válida a responsabilização civil do Estado em decorrência de erros praticados na condução política econômica do país.

Nota-se que, esta não é a primeira vez que o supremo decide pela possibilidade de indenização estatal em decorrência de empresas prejudicadas por políticas econômicas oficiais. Esse posicionamento vem ganhando cada vez mais força desde o julgado do Recurso Extraordináro 422.941/DF, onde a posição ali firmada vem prevalecendo em julgamentos semelhantes, a exemplo das decisões proferidas no RE 598.537- AgR/PE, Rel. Min, Dias Toffoli, 1ª Turma, j. 01/02/2011; e do RE 648.622-AgR, 1ª Turma, Rel. Luiz Fux, j. 20/11/12.

Tais decisões evidenciam os limites da atuação do Estado na economia, e o Direito como meio estruturante e mantenedor da opção pela economia de mercado, liberdade concorrência e de iniciativa, bem como a importância do poder econômico privado para a auxiliar consecução da modernização do Estado nacional.

A reiteração das decisões do Supremo Tribunal Federal em reconhecer o dever estatal de indenizar nessas hipóteses encoraja empresas que tenham sofrido danos em razão de políticas econômicas a buscarem a reparação dos danos que sofreram.

Ao fazê-lo, por outro lado, elas acabam por cumprir a missão de reafirmar o seu direito ao protagonismo no mercado.

Atualmente, vivemos um cenário histórico similar ao do caso aqui analisado, inseridos em meio a uma crise política institucional e governamental, bem como de aumento das taxas de inflação e de recessão econômica.

Nesse sentido, o Estado deve agir de maneira cautelosa, sobretudo no plano econômico, para que não seja condenado a indenizar aqueles que sofrerem com eventuais prejuízos causados por conduções catastróficas.

Em consonância com o caso analisado, temos atualmente a questão das concessionárias de energia elétrica no país. No início do ano de 2015 houve um aumento considerável nas tarifas e energia em todo território nacional. Embora tenha sido amplamente questionado pela população em geral, o aumento tarifário esteve encampado em fundo jurídico, assegurando a legalidade dos aumentos.

Tais medidas foram adotadas mediante previsões contratuais expressas, a fim de evitar-se o prejuízo exacerbado das concessionárias de energia elétrica, que dessa maneira passaram a ajustar seus valores tarifários com o condão de manter possível a prestação do serviço.

Diferentemente do ocorrido com o plano cruzado, a possibilidade de renegociar os valores e aumentar as tarifas somente fio possível em razão de não haver uma política de congelamento de preços.

A atuação do Estado, nesse sentido, corrobora com a visão apresentada pelo Supremo Tribunal Federal, limitando, assim, o intervencionismo estatal exacerbado nos planos econômicos, abrindo-se espaço para que empresas possam ajustar suas tarifas de acordo com suas necessidades de funcionamento

Entretanto a linha de atuação Estatal no plano econômico nunca foi unanimidade entre especialistas. Teses extremas como o liberalismo total, ou controle absoluto do Estado fracassaram, na medida em que se tornaram insuficientes em auferir benefícios para a população em geral.

Atualmente, o Estado brasileiro tem atuado de maneira incisiva como aliado do ramo empresarial. Entretanto, o Estado como sócio acaba por vezes se comprometendo de tal maneira que o eventual prejuízo com o risco do negócio pode dar início a uma crise econômica e institucional.

Desta forma, aufere-se que a responsabilização estatal pelos erros decorridos em suas políticas econômicas é a confirmação da supressão de ideia que “o rei não pode errar”. Portanto, embora o precedente firmado pelo Supremo Tribunal Federal seja perigoso, não pode o Estado agir arbitrariamente, suprimindo leis e adotando planos econômicos inviáveis, sem que seja responsabilizado por seus atos.

Diante disso, entende-se como pertinente a responsabilização estatal pra casos como o analisado, uma vez que este encontra guarida com o sistema constitucional vigente.

BIBLIOGRAFIA

http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp?numero=571969&classe=RE∨igem=AP&recurso=0&tipoJulgamento=M – último acesso em 08/03/2017 às 21h32.

http://www.dizerodireito.com.br/2014/04/caso-varig-responsabilidade-da-união.html - último acesso em 08/03/2017 às 21h32.

MAZZA, Alexanre. Manual de Direito Administrativo – Completo para concursos – 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2014.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9472.htm - último acesso em 08/03/2017 às 21h32.

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