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19 de Maio de 2024

O Princípio da Função Social da Empresa: Breves Considerações

The Principle of the Social Function of the Company: Brief Considerations

há 9 anos

Por: Grazielle Benedetti Santos[1]

RESUMO

O presente artigo analisa o desenvolvimento das relações empresariais a partir da Constituição Federal de 1988.

A partir deste ordenamento, se constata uma transferência por parte do Estado à iniciativa privada de uma responsabilidade pelo cumprimento dos direitos fundamentais, que até então não lhes cabia, tal transferência se dá por meio do surgimento do princípio da função social da empresa.

Logo, é indubitável a partir desse prisma que a empresa passa a representar uma atividade comercial e social e não apenas uma entidade destinada somente à obtenção de lucros.

Assim, se buscou em um primeiro momento explanar sobre o princípio da função social da empresa, o papel do Estado ante a transferência dessa responsabilidade pelos cumprimentos aos direitos fundamentais às empresas e suas consequências, e por fim, abordou-se a função social da empresa e sua preservação de acordo com a lei de falencias e recuperação judicial de empresas (lei nº 11.101 de 2005).

Palavras-chave: Constituição Federal, empresa, iniciativa privada, ordem econômica e social, dignidade da pessoa humana, função social da empresa, recuperação de empresas, falência.

ABSTRACT

The present work analyzes the development of business relations from the Federal Constitution of 1988, in which it turns out a transfer from the State to the private initiative of a responsibility which hitherto do not fit them, through the emergence of the principle of the social function of the company.

Soon, there is no doubt that the company came to represent an actual commercial activity and not just another means of obtaining profits, surging then the mentioned principle of social function and therefore the preservation of the company.

Thus, if sought at first to explain about the principle of the social function of the company, the role the State before the transfer of responsibility for fundamental rights greetings companies and its aftermath and finally he approached the social role of the company and its preservation in accordance with the law of bankruptcies and reorganization of companies (Law No. 11,101 of 2005).

Keywords: Constitution, company, private enterprise, economic and social order, human dignity, social function, business recovery, bankruptcy.

1 INTRODUÇÃO

É inquestionável que o mundo vem gradualmente redefinindo valores e princípios éticos que norteiam as relações humanas como um todo.

Neste cenário a Constituição Federal de 1988 traz em seu escopo o princípio do Estado Democrático de Direito, que tem por objetivo precípuo assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, ou seja, traz a garantia expressa aos direitos fundamentais dos cidadãos, tais como, a liberdade, a segurança, o desenvolvimento, o bem-estar, a livre iniciativa, a defesa do consumidor, a livre concorrência, a defesa do meio ambiente, o princípio da propriedade privada e sua função social, dentre outros.

Dessa forma, se constata que não há expressão literal no texto constitucional ao princípio da “função social da empresa”, ocorre que este deriva justamente do princípio da função social da propriedade privada, como ensina Eros Roberto Grau[2]:

“(...) incidindo pronunciadamente sobre a propriedade dos bens de produção, é que se realiza a função social da propriedade. Por isso se expressa, em regra, já que os bens de produção são postos em dinamismo, no capitalismo, em regime de empresa, como função social da empresa”.

Mencionados direitos, a priori, deveriam ser garantidos unicamente pelo Estado. Contudo, ante a ausência de possibilidades reais e concretas que permitissem assim realizar, o Estado vem dissociando-se destas funções e transferindo-as as pessoas jurídicas de direito privado, de maneira que o “princípio da função social da empresa” tem sido interpretado de forma fantasiosa com larga distância da realidade concreta das empresas, sendo por vezes utilizada como uma verdadeira “válvula de escape psicossocial”[3].

Assim, neste mesmo contexto o ilustre doutrinador Fabio Konder Comparato[4], na sua obra Estado, Empresa e Função Social, traz importante reflexão acerca da interpretação da função social da empresa:

“A tese da função social das empresas apresenta hoje o sério risco de servir como mero disfarce retórico para o abandono, pelo Estado, de toda política social, em homenagem à estabilidade monetária e ao equilíbrio das finanças públicas. Quando a Constituição define como objetivo fundamental da nossa república “construir uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I), quando ela declara que a ordem social tem por objetivo a realização do bem estar e da justiça social (art. 193), ela não está certamente autorizando uma demissão do Estado, como órgão encarregado de guiar e dirigir a nação em busca de tais finalidades”.

É óbvio que seria totalmente inadmissível nos dias atuais fomentar a prospecção de uma cultura que privilegie apenas e tão somente o lucro, em detrimento de direitos dos trabalhadores, da dignidade da pessoa humana, dos direitos dos consumidores, dentre outros. O que se pretende com o presente artigo é demonstrar a imperiosa necessidade do Estado de criar instrumentos eficazes para a garantia dos direitos dos trabalhadores e dos consumidores, por exemplo, pois como poderá se constatar ao longo do presente trabalho o princípio da função social da empresa é uma norma de conteúdo eminentemente moral e não de conteúdo jurídico[5].

Pois bem, passemos então a expor a definição do princípio da função social da empresa, quais são os dispositivos legais que o contemplam e qual o seu alcance.

2 CONCEITO E PREVISÃO LEGAL

Conforme mencionado alhures a Constituição Federal de 1988 instituiu direitos fundamentais e de certo modo estabeleceu suas razões, meio de cumprimento, princípios a serem observados, etc., de modo que se torna possível aferir a existência de uma primazia do coletivo sob o individual, dito de outro modo, limita-se o arbítrio individual sob o prisma da coletividade.

Assim, entre diversos princípios albergados merece destaque o princípio da função social da propriedade, previsto nos artigos 5ª, inciso XXII e também 170[6] da Carta Magna, o Estado garante ao proprietário a posse da propriedade privada, desde que está cumpra com a sua função social (incisos II e III), ou seja, apesar do indivíduo ser legítimo proprietário, o seu direito é relativizado, pois, somente assim será considerado se vier a cumprir com a função social da propriedade, o que significa dizer que deverá observar principalmente os preceitos da dignidade da pessoa humana e da justiça social.

José Afonso da Silva[7], em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, ensina que a função social da propriedade: “consiste precisamente na sua aplicação imediata e direta na satisfação das necessidades humanas primárias, o que vale dizer que se destinam à manutenção da vida humana”.

Portanto, na visão do ilustre doutrinador este princípio se sobrepõe aos demais, inclusive e especialmente ao princípio da livre iniciativa, ou da iniciativa privada. É importante deixar claro que este é o entendimento dominante na jurisprudência dos tribunais pátrios, e inclusive pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Supremo Tribunal Federal, especialmente no tocante a recuperação judicial de empresas e falências, conforme adiante se verá.

Contudo, há de se questionar, se no texto constitucional encontra-se expresso função social da propriedade qual a razão de se basear o princípio da função social da empresa em um princípio de natureza tão diferenciada?

E mais, se no tocante as propriedades imobiliárias temos a existência de normas regulamentadoras, a exemplo do disposto no artigo 182, § 2º que dispõe sobre a função social da propriedade urbana e no artigo 187 que trata da função social da propriedade rural, de forma que resta bastante clara resta estabelecido que o dever nesses casos decorre da própria natureza e destinação do bem. Quanto a empresa este raciocínio não parece adequado, pois, a principal natureza e destinação de uma empresa é a geração de capital, ou dito de outro modo do lucro, assim parece inócuo que o empreendedor pautado por este objetivo mude seu posicionamento e destine seu empreendimento a satisfazer os interesses sociais de todos que dele dependem[8].

É neste contexto que merece especial destaque a observação traçada pelo nobre doutrinador Fábio Konder Comparato[9]:

“(...) a meu ver a chamada “propriedade de empresa” não comporta deveres de prestação de serviços sociais, incompatíveis com a própria natureza da empresa, em nosso sistema econômico, em sua qualidade de entidade direcionada, primariamente, à produção de lucros. Constituiu, aliás, uma aberrante falácia do discurso neoliberal sustentar que o Estado fica dispensado, doravante, de cumprir seus deveres próprios de prestar serviços de natureza social – notadamente educação, saúde, previdência e moradia popular – porque tais serviços podem e devem ser prestados pelas empresas privadas”.

Assim, por ser dever do Estado e não das empresas é que o Professor Gladston Mamede[10] explica ser o princípio da função social da empresa uma metanorma[11] que tem essa matriz, demandando seja considerado o interesse da sociedade, mesmo sendo de natureza privada e submetida ao regime jurídico privado.

Pelo exposto, conclui-se que a função social da empresa encontra-se atrelada ao princípio constitucional da função social da propriedade, exposto no artigo 170 da Carta Magna, e que tem intima ligação com princípio da dignidade da pessoa humana. Também se encontra previsto na Lei de Falencias e Recuperação de Empresas (Lei nº 11.101 de 2005) que será adiante abordada, e na Lei das Sociedades Anonimas[12] (Lei nº 6.404/1976), no parágrafo único do artigo 116[13] e no artigo 154[14].

Insta mencionar que os dispositivos supra mencionados devem ser compreendidos à luz do disposto no artigo 170 da Constituição Federal. Deste modo, há de se ressaltar que a prática da atividade empresarial com o intuito lucrativo e com fulcro na livre iniciativa não guarda, a priori, nenhum desrespeito à dignidade da pessoa humana, nas palavras de Luís Roberto Ahrens[15]:

“Registre-se, portanto, que a inexistência de conflito entre a liberdade de iniciativa, a dignidade humana e a função social da empresa se dá precisamente porque a norma pertinente é o conteúdo de valor jurídico resultante da combinação de significados de cada um destes conceitos cujo valor constitucional é precisamente o mesmo eis que veiculados todos em igual hierarquia no texto da Constituição Federal de 1988. Vale dizer, não existe uma liberdade de empresa que é limitada pela função social da propriedade e pela dignidade humana; o que existe é a determinação constitucional para que a empresa atue livremente desde que conforme as regras de bem estar da coletividade. Não há hierarquia de valores, não há cronologia, não há conflitos ou antinomia. A função social da empresa é a resultante do significado de cada conteúdo isolado cuja harmonização deve ser bem pensada pelo intérprete sob pena de privilegiar valores um em prejuízo de outro.”

Em linhas gerais, poder-se-ia dizer, em uma visão um tanto quanto utópica, que uma empresa cumpre com sua função social quando deixa de visar somente o lucro e passa a ponderar todas suas decisões em observância ao interesse da sociedade em geral, e mais especificamente levando em conta os interesses daqueles que dela dependem.

Já sob uma visão mais pragmática é cediço que cabe ao Estado a garantia dos direitos fundamentais expostos na Constituição Federal, e não a iniciativa privada, como tenta impor, ou seja, não cabe ao empreendedor que administra e em verdade sempre administrará seu empreendimento com o intuito precípuo de gerar lucro e obter retorno do capital ali investido, sanar a incompetência estatal de garantia dos direitos fundamentais. Portanto, o princípio da função social da empresa sob esta visão nada mais será do que letra morta.

Já no entendimento de Paulo Roberto Colombo Arnoldi e Taís Cristina de Camargo Michelin[16], temos uma visão mais moderna e profunda do princípio da função social da empresa, trata-se de uma visão mais equilibrada do que cabe ao Estado e ao que compete a empresa, ambos atuando em consonância para atingir com maior eficácia os direitos fundamentais estampados na Carta Magna, in verbis:

“Podemos afirmar que atribuir alguns deveres a essas entidades não significa esquivar o Estado de funções que lhe são próprias. Na economia moderna, ambos devem trabalhar juntos, pois é notório que a atividade empresarial assumiu dimensões extraordinárias que cada vez mais vêm se acentuando nesta época de globalização. A crescente concentração de riquezas que estamos presenciando com os grandes conglomerados empresariais tornará, em não muito tempo, insustentável o ciclo produtivo, caso permaneça essa visão antiquada da empresa capitalista. Importante ressaltar que sua contribuição à sociedade não significa uma diminuição dos lucros. Pelo contrário, podemos felizmente constatar uma sensível melhora nas condições econômico-financeira das instituições que têm adotado medidas de caráter social. São alternativas viáveis e necessárias a esse novo contexto mundial. A sociedade está cobrando cada vez mais essa atuação”.

Com efeito, é necessário estabelecer que toda empresa é criada com um objetivo é gerar riquezas, retorno aos acionistas, lucro, caso contrário não estar-se-ia tratando de empresa propriamente dita mas, de ONG’s, ou entidades correlatas.

Nesta senda, não é à empresa que deve ser imposto responsabilidade cabível ao Estado. Agora, é preciso esclarecer que, não estar-se defendendo neste artigo a ideia de lesar trabalhadores, consumidores ou terceiros não se defende e nem nunca se defenderá que a empresa ultrapasse os limites legais para obtenção do tão almejado lucro, mas, o que se pretende é esclarecer que o fato da empresa ter como objetivo principal a obtenção de lucro não encontra nenhuma incongruência com os princípios da dignidade da pessoa humana, nem ofende nenhum direito fundamental garantido aos cidadãos, pois refere-se a empresa e não filantropia.

Deste modo, não se busca incentivar nem defender medidas adotadas por algumas empresas mundialmente conhecidas que no afã de obter um lucro cada vez maior usa-se de práticas ilícitas e imorais, como por exemplo, a que se utiliza de mão de obra infantil, de condições análogas ao trabalho escravo, com certeza o lucro aferido por estas empresas será maior do que o atingido por aquelas que respeitam as leis trabalhistas, mas, não será o princípio da função social da empresa tal qual estabelecido que irá sanar esta lesão. Para que isso efetivamente aconteça deve-se levar em conta as sanções que derivam das normas específicas infringidas, no exemplo citado, as normas trabalhistas.

Deste modo, conclui-se, que função social da empresa é valor e não norma jurídica, pois, como vastamente fora demonstrado anteriormente, em termos jurídicos há uma função social a ser cumprida pela empresa, quais sejam, respeitar os direitos trabalhistas, as regras ambientais, o direito do consumidor, respeitar as regras da concorrência, ou seja, todas razões atreladas a normas jurídicas diversas (CLT, CDC, etc), porém fora destes ordenamentos inexiste quaisquer sanções a serem aplicadas ao empresário que não cumpre com a função social da empresa.

3 A FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA NA LEI DE FALENCIAS E RECUPERAÇÃO JUDICIAL – LEI Nº 11.101 DE 2005

Conforme exposto anteriormente frente às mudanças ocorridas na sociedade globalizada, ao que parece ser mais adequado para a realidade que se apresenta é que o Estado e a empresa devem caminhar juntos para a obtenção dos objetivos fundamentais previstos na Carta Magna, tais como erradicação da pobreza e redução das desigualdades sociais.

Nesse contexto, vez que as empresas são as responsáveis por contribuírem significativamente com o financiamento do Estado, por meio da arrecadação de tributos, geração de empregos e movimentação da econômica como um todo, não existe mais espaço para aquela interpretação que era dada lá na antiga lei de falencias (decreto-lei 7.661 de 1945), que privilegiava a falência das empresas que se mostravam insolventes em determinado momento, o cenário mudou e com isso o direito também mudou.

Assim, já no projeto de lei na Comissão de Assuntos Econômicos, que resultou na lei nº 11.101 de 2005, o legislador já manifestava o interesse jurídico de trazer para este ordenamento mais um instituto que permitiria a empresa atender a sua função social, neste sentido se manifestou em seu parecer o Senador Ramez Tebet[17] relator do projeto: “Em razão da função social, a empresa deve ser preservada sempre que possível, pois gera riqueza econômica e cria emprego e renda, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento social do país”.

Portanto, reconheceu-se a importância da manutenção da empresa para a vida social, de maneira que se enfatiza o instituto da recuperação judicial da empresa em detrimento a falência, tendo como princípio basilar a preservação da empresa, princípio este que tem fundamento constitucional no princípio da função social da propriedade e dos meios de produção, e é a pedra angular da lei nº 11.101 de 2005.

Tanto é verdade, que no seu artigo 47[18] restou estampado a imperiosa necessidade de se manter sempre que possível a fonte produtora do emprego dos trabalhadores, a manutenção da atividade econômica, de modo a promover a preservação da empresa, e por consequência sua função social.

Nesse sentido, é a lição de Manoel Pereira Calças[19]:

“Na medida em que a empresa tem relevante função social, já que gera riqueza econômica, cria empregos e rendas e, desta forma, contribui para o crescimento e desenvolvimento socioeconômico do País, deve ser preservada sempre que for possível. O princípio da preservação da empresa que, há muito tempo é aplicado pela jurisprudência de nossos tribunais, tem fundamento constitucional, haja vista que nossa Constituição Federal, ao regular a ordem econômica, impõe a observância dos postulados da função social da propriedade (art. 170, III), vale dizer, dos meios de produção ou em outras palavras: função social da empresa. O mesmo dispositivo constitucional estabelece o princípio da busca pelo pleno emprego (inciso VIII), o que só poderá ser atingido se as empresas forem preservadas”.

E foi nesta conjuntura de fomentar a preservação da empresa, mas, não apenas da empresa, mas, sim da atividade empresarial[20] ou organização produtiva, que a Lei 11.101 de 2005 instituiu dispositivos que assim viabilizassem a exemplo do artigo 60, parágrafo único[21] e do artigo 141, inciso II[22], que estabelecem que na alienação judicial de filiais ou unidade produtiva de empresas em recuperação judicial não ocorrerá a sucessão de débitos/ônus ao adquirente.

Insta mencionar, que por intermédio dos dispositivos citados é que se viabilizou a aquisição de empresas em recuperação judicial, exemplo notório é a aquisição de parte da VARIG pela GOL, certamente se houvesse a sucessão dos débitos a arrematante não a adquiriria, pois restaria totalmente inviabilizada a operação.

Assim, se observa que acerca da alienação judicial de unidades produtivas ou filiais da empresa em recuperação, o legislador teve a preocupação de viabilizar as operações de aquisição destas, razão pela qual estabeleceu que a fim de que o objeto a ser alienado permanecesse atrativo ao arrematante, este não herdaria débitos trabalhistas do devedor[23].

Alvo de muitas controvérsias principalmente por parte da justiça do trabalho, a questão da sucessão dos débitos trabalhistas chegou ao Supremo Tribunal Federal por meio da ADI 3.934-2, de relatoria do Ministro Ricardo Lewandowski, que restou assim ementada:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS , III E IV, , , I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE. I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial. II - Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas. III - Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários. IV - Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho. V - Ação direta julgada improcedente.

Portanto, restou claro, límpido e cristalino que ainda que se defenda ao contrário, por decisão do Supremo Tribunal Federal assegurou-se tal qual dispõe o artigo 47 da mencionada lei, a manutenção da atividade empresarial, ou seja, a decisão acima exemplifica a observância ao princípio da preservação da empresa.

E mais, restou estabelecido cabalmente que não ocorre à sucessão de dívidas do devedor ao arrematante da filial ou da unidade produtiva, garantindo-se assim maior possibilidade de aquisição de empresas em recuperação diante da segurança jurídica criada na operação, que fora tão almejada pelos envolvidos, vez que se ao contrário fosse certamente se permaneceria com uma empresa fechada impossibilitada de saldar as dívidas, de maneira que, restariam frustrados os interesses dos credores.

4 CONCLUSÃO

Diante de todo o exposto neste artigo, restou estabelecido que os direitos fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988 são de responsabilidade e dever do Estado, é este quem deve assegurar o cumprimento de todos os princípios constantes no artigo 170 da Carta Magna, em especial a dignidade da pessoa humana em consonância com o princípio da livre iniciativa.

Contudo, é inconteste a transferência destas obrigações eminentemente estatais para a iniciativa privada, ou seja, o Estado passou da condição de fornecedor para a de fiscalizador e interventor nas atividades empresariais.

Assim, estabeleceu-se o princípio da função social da empresa, sob o qual esta passou a exercer atividades em substituição ao poder público, porém é imperiosa a necessidade de que se considere que a empresa, na condição de iniciativa privada capitalista, tem o condão de auferir resultados, lucros, retorno de capital investido e não tem e nem teria como o ter, portanto, caráter eminentemente filantrópico ou altruísta.

Logo, diante da mudança no cenário mundial a empresa passou a “caminhar” em conjunto com o Estado, vez que somente pela existência destas é que o Estado pode fornecer aos seus cidadãos os direitos considerados básicos na Constituição Federal, em contrapartida a iniciativa privada, pelo atendimento ao princípio da função social da empresa propicia melhorias a sociedades em geral, competência esta que alhures era apenas e tão somente do Estado.

Por fim, fora brevemente exposto sobre a função social da empresa no processo de recuperação judicial de empresas e falências de acordo com a lei nº 11.101 de 2005, pode-se concluir que mencionado ordenamento traz em seu escopo a preservação da atividade empresarial, ou ao chamado princípio da preservação da empresa, este derivado da função da social da empresa. Também restou demonstrado que não apenas o legislador preocupou-se com a importância de se preservar a empresa, mas, também os juízes singulares, as cortes estaduais de justiça e por fim os colendos tribunais superiores. As decisões jurisprudenciais já se mostram uníssonas e pacíficas quanto a importância basilar da preservação da empresa, seja para o aferimento de tributos, geração de empregos mas, também para a movimentação da economia e da sociedade de uma maneira geral.

Portanto, seria inimaginável um país em que inexistissem empresas, estas instituições são intrínsecas e necessárias ao estado democrático de direito.

REFERÊNCIAS

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[1] Advogada, sócia do escritório Benedetti Marques Advogados Associados, LL. M (Master of laws) em Direito Empresarial Aplicado pela FIEP. grazielle@benedettimarques.com.br

[2] GRAU, Eros Roberto. A Ordem Econômica na Constituição de 1988. 7ª ed. São Paulo: Malheiros, 2002.

[3] AHRENS, Luís Roberto. Breves considerações sobre a função social da empresa. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 85, fev. 2011. Disponível em http://www.ambito-jurídico.com.br/site/index.php.?in_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=8936 Acessado em 19 de agosto de 2014. “(...) tem merecido toda sorte de análises e interpretações carregadas de conteúdo ideológico. Pinçada do texto legal no qual veiculada e às vezes deslocada do contexto essencialmente empresarial no qual se insere, a função social da empresa cada vez mais se distancia da realidade concreta das empresas podendo ser entendida como “válvula de escape psicossocial” que se presta mais à manutenção da atual situação de extremo poderio empresarial incontrolado que à efetiva atuação da empresa no alcance do bem estar coletivo”.

[4] COMPARATO, Fábio Konder. Estado, Empresa e Função Social. In: Revista dos Tribunais. RT 732/1996. Outubro de 1996. Págs. 79 e 80

[5] TOKARS, Fábio. Função (ou interesse?) social da empresa. In: Paraná Online. Publicado em 16/08/2008. Disponível em http://www.parana-online.com.br/colunistas/direitoedesenvolvimento/59358/FUNCAO+OU+INTERESSE+SOCIAL+DA+EMPRESA. Acessado em 26 de agosto de 2014. “a busca pela função social da empresa é uma regra de conteúdo moral, e não de conteúdo jurídico, em razão do sentido de sua obrigatoriedade e da natureza das sanções derivadas de seu descumprimento. O atendimento aos interesses da comunidade em que a empresa está inserida é um objetivo moral inquestionável, cujo descumprimento pode levar a sanções sociais difusas. Mas tal comportamento não pode ser juridicamente exigido”.

[6] BRASIL. Constituição (1988). Constituição da Republica Federativa do Brasil. In: VADE MECUM. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.

[7] SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. Ed. Revista, São Paulo: Malheiros, 1955, p. 744.

[8] Fábio Tokars em seu artigo função (ou interesse?) social da empresa, op. Cit. Afirma que a aplicação desse princípio tal qual exposto “levaria o Brasil a construir um modelo próprio de capitalismo, em que os benefícios sociais não seriam uma derivação da atividade empresarial, mas sua condicionante. Pena, contudo, que o princípio não tenha condições de passar do mundo do papel”.

[9] COMPARATO, Fábio Konder. Direitos e deveres fundamentais em matéria de propriedade. In Direitos Humanos. RT 1996.

[10] MAMEDE, Gladston. Direito Empresarial Brasileiro – Empresa e Atuação Empresarial. 7ª Ed.: Atlas. São Paulo, 2013. Pág. 47

[11] NOVELINO, Marcelo. Teoria da Constituição e Controle de Constitucionalidade. Salvador: Jus PODIVM, 2008, págs. 88 e 113, “metanormas são postulados normativos que não se confundem com princípios ou regras, caracterizando-se por impor um dever de segundo grau. Tal dever de segundo grau consiste na estruturação do modo de aplicação das outras normas (regras e princípios), bem como no estabelecimento de critérios para sua interpretação”.

[12] BRASIL. Lei nº 6.404 de 1976. Lei das Sociedades Anonimas. In: VADE MECUM. São Paulo: RT, 2014.

[13]“Art. 116 (...) Parágrafo único. O acionista controlador deve usar o poder com o fim de fazer a companhia realizar o seu objeto e cumprir a sua função social, e tem os deveres e responsabilidades para com os demais acionistas da empresa, os que nela trabalham e para com a comunidade em que atua, cujos direitos e interesses deve lealmente respeitar e atender”

[14]Art. 154. O administrador deve exercer as atribuições que a lei e o estatuto lhe conferem para lograr os fins e no interesse da companhia, satisfeitas as exigências do bem público e da função social da empresa”.

[15] AHRENS, Luís Roberto. Op. Cit.

[16] ARNOLDI, Paulo Roberto Colombo; MICHELAN, Taís Cristina de Camargo. Novos enfoques da função social da empresa numa economia globalizada. Revista de Direito Mercantil, Industrial, Econômico e Financeiro. Ano XXXIX, nº 117, janeiro/março de 2000 – pág. 157/162

[17] GUERRA, Érica e LITERENTO, Maria Cristina Frascari. Nova lei de falências: lei 11.101 de 9/02/2005. Campinas: LZN, 2005, p. 298

[18] BRASIL. Lei nº 11.101 de 2005. Lei de Falencias e Recuperação de Empresas. In: VADE MECUM. São Paulo: RT, 2014. “Art. 47. A recuperação judicial tem por objetivo viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica”.

[19] CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. A nova lei de recuperação de empresas e falências: Repercussão no direito do trabalho (Lei nº 11.101, de fevereiro de 2005). Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Ano 73. Nº 4. Out/dez 2007, p. 40

[20] CALÇAS, Manoel de Queiroz Pereira. Op. Cit. “Nesta senda da velha lição de Alberto Asquini, em seu clássico trabalho sobre os perfis da empresa como um fenômeno poliédrico, não se pode confundir o empresário ou a sociedade empresária (perfil subjetivo) com a atividade empresarial ou organização produtiva (perfil funcional), nem com o estabelecimento empresarial (perfil objetivo ou patrimonial). Nesta linha, busca-se preservar a empresa como atividade, mesmo que haja a falência do empresário ou da sociedade empresária, alienando-a a outro empresário, ou promovendo o trespasse ou o arrendamento do estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados, conforme previsão do art. 50, VIII e X, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências

[21] Art. 60. Parágrafo único. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, observado o disposto no § 1º do art. 141 desta lei”.

[22] Art. 141. II. O objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho”.

[23] CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa: o novo regime de insolvência empresarial. Rio de Janeiro: Renovar, 2006, p. 173.

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