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30 de Maio de 2024

Violência doméstica e a inefetividade da lei brasileira de proteção a mulher

Artigo - Estudo de alguns aspectos da Lei nº 11.340/2006

Publicado por Amanda Novais
há 5 anos

VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E A INEFETIVIDADE DA LEI BRASILEIRA DE PROTEÇÃO A MULHER

DOMESTIC VIOLENCE AND THE INEFFICIENCY OF THE BRAZILIAN LAW ON WOMEN PROTECTION

RESUMO: O presente artigo tem por objetivo o estudo de alguns aspectos da Lei nº 11.340/2006, que ficou conhecida pela luta de uma mulher chamada Maria da Penha Maia Fernandes, que durante anos foi vítima de violência praticada por seu marido. A Lei Maria da Penha visa erradicar e prevenir todos os tipos de violência, doméstica e familiar, contra a mulher, trazendo de forma direta a proteção às vítimas através das medidas protetivas que possuem caráter preventivo e protetivo, objetivando a garantia da integridade física e psicológica da mulher. Este estudo tem o intuito de questionar se as medidas de proteção à mulher amparadas na Lei Maria da Penha possuem a eficácia necessária em favor da vítima, quer durante a tramitação da ação penal, quer depois de julgado o caso pelo Poder Judiciário.

Palavras-chave: Artigo Científico; Medidas Protetivas. Violência Doméstica. Lei Maria da Penha. Inefetividade das medidas de proteção.

ABSTRACT: This article aims to study some aspects of Law 11340 / 2006, which was known for the struggle of a woman named Maria da Penha Maia Fernandes, who for years was the victim of violence practiced by her husband. The Maria da Penha Law aims to eradicate and prevent all types of domestic and family violence against women, bringing direct protection to victims through protective measures that have a preventive and protective character, aiming at ensuring the physical and psychological integrity of women. This study aims to question whether the measures to protect women protected by the Maria da Penha Act have the necessary effectiveness in favor of the victim, both during the prosecution of the criminal action, and after the case has been judged by the Judiciary.

Keywords: Scientific article; Protective Measures. Domestic violence. Maria da Penha Law. Efficiency. Ineffectiveness.

1. INTRODUÇÃO

É muito comum, nos tempos modernos, presenciarmos ou lermos notícias acerca da prática de violência doméstica contra a mulher. A Lei Maria da Penha – Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, foi festejada por trazer medidas protetivas para punir o agressor. Contudo, há muito o que se questionar quanto à eficácia. A mulher, por ser vítima de violência em decorrência do gênero, precisava ser amparada por uma lei eficaz contra seus agressores, dificultando ou até anulando as chances de o agressor consumar o ato de violência.

A Lei Maria da Penha foi promulgada em 2006 e leva esse nome devido ao caso de Maria da Penha Maia Fernandes, mulher que sofria violência doméstica praticada por seu marido. Ela sofreu várias tentativas de assassinato de seu ex-marido, tendo ficado paraplégica em uma delas. Foi alvejada pelas costas enquanto dormia, dentre outros ataques sofridos.

Mesmo após 15 anos de luta e pressões internacionais, o Poder Judiciário brasileiro ainda não havia julgado o caso. Maria da Penha decidiu enviar seu pedido à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que, pela primeira vez, acolheu a denúncia. Em setembro de 2006, finalmente, a Lei nº 11.340/06 entrou em vigor, passando a ser conhecida como “Lei Maria da Penha”. Buscava-se não mais permitir que a violência contra a mulher fosse tratada como crime comum e que nunca mais suas penas se limitassem a pagamentos de cestas básicas ou multas.

Ponto central do assunto abordado no presente artigo refere-se ao sentido e ao alcance das medidas protetivas instituídas ou adotadas em razão da Lei Maria da Penha. O trabalho será dividido em breve histórico da Lei Maria da Penha, conceitos que ela acolheu e as formas de violência que ela visa atacar. Noutra parte serão abordadas as medidas protetivas e a sua efetividade para proteger a mulher contra a violência em razão do gênero.

2. CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Durante anos, no Brasil, a mulher enfrentou situações humilhantes e de inferioridade, fato esse que a obrigava a depender efetivamente do homem. A desigualdade, a humilhação, a discriminação e a violência contra a mulher são consequências de um tratamento desigual desde os primórdios da história da sociedade.

A violência doméstica continua presente nos lares até os dias de hoje. Isso comprova que a mulher ainda é vítima de martírios diários de seus maridos, ex-maridos, namorados, entre outros tipos de relacionamentos. Esse tipo de situação tornou necessária a criação da Lei Maria da Penha

2.1 SURGIMENTO DA LEI MARIA DA PENHA.

A Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006, usualmente conhecida como Lei Maria da Penha, foi promulgada em agosto, com vacatio legis de 45 dias. Por isso, entrou em vigor somente em setembro de 2006. A lei recebeu esse nome devido à luta incessante de uma mulher, vítima de seu próprio cônjuge, que, durante vários anos, impôs repetidas agressões, intimidações e humilhações a sua mulher; esta permaneceu sem ação, pois não existia legislação de apoio à mulher naquela época; por esse motivo, Maria da Penha nunca tomou a decisão de denunciar o marido ou de se separar, já que temia por sua vida.

Maria da Penha Maia Fernandes. Esse é o nome da inspiradora da lei de proteção contra a violência praticada em desfavor da mulher. Foi a história desta Maria que mudou as normas de proteção às mulheres em todo o Brasil. A biofarmacêutica foi agredida pelo marido durante seis anos.

Por duas vezes seu marido tentou matá-la. O primeiro fato ocorreu no ano de 1983, quando o marido simulou um assalto e alvejou sua esposa, enquanto esta dormia, tendo como consequência a perda dos movimentos dos membros inferiores, deixando-a paraplégica. O segundo fato ocorreu pouco tempo depois, quando o marido tentou eletrocuta-la durante o banho.

Toda a dor e sofrimento ajudaram a criar a Maria da Penha, que, finalmente, decidiu formalizar uma denúncia contra o marido. O crime quase prescreveu, após esgotados todos os trâmites e recursos internos. Inconformada com a lentidão da justiça brasileira, Maria da Penha recorreu à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, pedindo por ela. O Brasil foi condenado pela Organização dos Estados Americanos - OEA, tendo recebido a advertência de que negligenciava os casos de violência doméstica. Uma das sanções foi a criação de uma legislação específica e adequada para esse tipo de agressão. A grande repercussão colocou o Brasil na berlinda, levando a discussão até o Governo Federal.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos recomendou ao Estado brasileiro que procedesse a uma investigação séria, imparcial e exaustiva, para determinar a responsabilidade penal do autor do delito de tentativa de homicídio em prejuízo de Maria da Penha Maia Fernandes, bem como para determinar se havia outros fatos ou ações de agentes estatais que tivessem impedido o processamento rápido e efetivo do responsável. Também foi recomendada a reparação efetiva e pronta da vítima e a adoção de medidas, no âmbito nacional, para eliminar a tolerância do Estado brasileiro ante a violência doméstica contra mulheres.3

No ano de 2006, em 7 de agosto, foi promulgada a Lei nº 11.340, estabelecendo mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. A lei foi sancionada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva e foi criada com o objetivo de punir com rigor os agressores contra a mulher no âmbito doméstico e familiar e também para instituir meios de proteção às vítimas desses atos de violência. Hoje, Maria da Penha é símbolo nacional da luta das mulheres contra a opressão e a violência em razão do gênero.

2.2 A VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Conforme o disposto no artigo , da Lei nº 11.340/2006, a violência doméstica e familiar contra mulher é toda atitude que gera sofrimento físico, psicológico, sexual, dano patrimonial e moral, em qualquer âmbito de convivência bastando a existência de um vínculo doméstico, mesmo que as agressões ocorram em lugares diversos.

Essa definição decorre da celebrada Convenção de Belém do Pará, de 1994, a que o Brasil aderiu, qual seja, a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher, promulgada pelo Decreto nº 1973, de 1º de agosto de 1996. O texto da Convenção de Belém do Pará define a violência contra a mulher como “qualquer ato ou conduta baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto na esfera pública como na esfera privada”.

2.3 CAMPO DE ABRANGÊNCIA

A Lei Maria da Penha teve o cuidado de elencar o campo de abrangência em que são enquadradas as agressões, sendo elas no âmbito doméstico, familiar ou por orientação sexual. Confira-se:

Art. 5º Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:

I - no âmbito da unidade doméstica, compreendida como o espaço de convívio permanente de pessoas, com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas; [...]

Nesse sentido Rogerio Sanches Cunha (2015) traz o entendimento de que é “agressão no âmbito doméstico aquela praticada em espaço caseiro, envolvendo pessoas com ou sem vínculo familiar, inclusive as esporadicamente agregadas, integrantes dessa aliança; insere-se na hipótese, a agressão do patrão em face da empregada.

Haverá também violência doméstica:

Art. 5º...................................................................................................................

II - no âmbito da família, compreendida como a comunidade formada por indivíduos que são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou por vontade expressa;

A violência contra a mulher poderá ser também familiar, desde que praticada por membros de uma mesma família, aqui entendida como a comunidade formada por indivíduos que “são ou se consideram aparentados, unidos por laços naturais, por afinidade ou vontade expressa”. (CAVALCANTI, 2010, p. 199).

E também haverá violência doméstica, sempre segundo a Lei nº 11.340/2006, em qualquer relação íntima de afeto. Confira-se:

Art. 5º...............................................................................................................................................

III - em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.

Guilherme de Souza Nucci (2014), em várias passagens de suas obras, sustenta que a lei, ao proteger as relações de intimidade, extrapola o espirito dos tratados ratificados pelo Brasil, uma vez que a Convenção Interamericana para prevenir, punir e erradicar a violência contra a mulher prevê como doméstica exclusivamente a violência ocorrida dentro da família ou da unidade doméstica.

Registre-se que alguns entendem que, para configurar a violência doméstica é necessário um nexo entre a agressão e a situação que a gerou, ou seja, a relação intima de afeto deve ser a causa da violência.

2.4 FORMAS DE VIOLÊNCIA CONTRA A MULHER

É necessário destacar que a caracterização das formas de violência doméstica, na Lei Maria da Penha, tem como requisito essencial a subordinação entre gêneros, entendendo-se esses gêneros, atualmente, o homem e a mulher. Porém, não há dúvida que a lei dirige seus mecanismos de proteção para a mulher. Segundo a Organização Mundial da Saúde - OMS, quase toda mulher já sofreu alguma agressão física ou sexual, praticada por parceiros íntimos ou não íntimos, em algum momento de suas vidas. O legislador teve o cuidado de elencar as formas de violência praticadas contra a mulher. Elas estão listadas no art. da Lei nº 11.340/2006 e devem ser destacadas. Confira-se:

ART. 7º SÃO FORMAS DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA E FAMILIAR CONTRA A MULHER, ENTRE OUTRAS:

I - A VIOLÊNCIA FÍSICA;

II - A VIOLÊNCIA PSICOLÓGICA;

III - A VIOLÊNCIA SEXUAL;

IV - A VIOLÊNCIA PATRIMONIAL;

V - A VIOLÊNCIA MORAL.

Passa-se a examinar cada uma das formas de violência definidas pelo legislador da Lei Maria da Penha.

2.4.1 A violência física, entendida como qualquer conduta que ofenda sua integridade ou saúde corporal. (art. 7.º, I)

A agressão física é toda conduta que afronte a integridade física e a saúde corporal, mediante o uso da força, podendo ser “socos, tapas, pontapés, empurrões, arremesso de objetos, queimaduras etc., visando, desse modo ofender a integridade ou a saúde corporal da vítima, deixando ou não marcas aparentes, naquilo que se denomina, tradicionalmente, vis corporalis” (CUNHA; PINTO, 2014, p. 68).

Uma pesquisa feita pelo DataSenado, em agosto de 2015, indicou que 66% das agressões são físicas e segue com o índice mais alto. Nesse mesmo ano, outra pesquisa, realizada pela Secretaria de Políticas Públicas para as mulheres, juntamente com a Central de Atendimento à Mulher registrou cerca de 32.248 atendimentos, e a violência física representou um dos principais motivos das denúncias, com 16.499 relatos.

2.4.2 - A violência psicológica, entendida como qualquer conduta que cause dano à mulher, quer emocional, com diminuição da autoestima, ou que prejudique a mulher e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação. (art. 7.º, inciso II)

Nos últimos anos, a violência psicológica vem tomando vulto, tendo crescido consideravelmente. Esta violência também é muito comum, pelo fato de que muitas vítimas, especialmente aquelas com menor grau de instrução e menor poder aquisitivo, não conseguem identifica-la como uma forma de violência.

O Conselho Nacional de Justiça, órgão do Poder Judiciário brasileiro (Constituição, art. 92), definiu a violência psicológica como toda ação ou omissão destinada a degradar ou controlar as ações, comportamentos, crenças e decisões de outra pessoa por meio de intimidação, manipulação, ameaça direta ou indireta, humilhação, isolamento ou qualquer outra conduta que implique prejuízo à saúde psicológica, à autodeterminação ou ao desenvolvimento pessoal.

Em uma pesquisa realizada em 2015, é possível constatar que essa agressão - violência psicológica - toma o segundo lugar no ranking de agressões mais registradas com 23% das ocorrências; em outra apuração feita pelo DataSenado, também no ano de 2015, registra-se que a violência psicológica motivou 48% dos atendimentos.

2.4.3 - A violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que induza a mulher a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos.( art. 7.º, inciso III)

De acordo com o artigo e alínea mencionados, da Lei nº 11.340/2006, os tipos de violência sexual são os constrangimentos de PRESENCIAR, MANTER OU PARTICIPAR DE QUALQUER RELAÇÃO SEXUAL NÃO DESEJADA. Cabe salientar que o rol não é taxativo, podendo haver situações análogas às descritas pelo legislador.

Para a doutrinadora Alice Bianchini, constitui violência doméstica qualquer conduta que limite ou anule o exercício dos direitos sexuais e reprodutivos da mulher. Segundo ela, “Os direitos sexuais pressupõem a livre exploração da orientação sexual, podendo a pessoa promover a escolha do parceiro (s) e exercitar prática sexual de forma dissociada do objetivo reprodutivo. Deve ser assegurado o direito à prática sexual protegida de doenças sexualmente transmissíveis, além do necessário respeito à integridade física e moral”. (2014, p.53)

2.4.4 – A violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total dos objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades. (art. 7.º, inciso III)

É possível compreender que essa forma de violência consiste na subtração de bens, valores, documentos e outros pertences; as condutas previstas pelo legislador da Lei Maria da Penha encontram respaldo em artigos do Código Penal: art. 155 (furto), art. 163 (dano) e art. 168 (apropriação indébita) etc. Nesse sentido preleciona Cavalcanti (2010, p.203):

Segundo se tem constatado, essa é das mais comuns situações de violência doméstica. Constatando-se a agressão, a mulher é forçada a sair de sua residência. O agressor, por sua vez, aproveita-se dessa situação, destrói bens e objetos da vítima, constrangendo a vítima, humilhando-a e provocando sérios transtornos e prejuízos a ela.

2.4.5 - A violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria. ( art. 7.º, inciso IV)

No entendimento de HERMAN (2007), é considerada violência moral a “desmoralização da mulher vítima, confundindo-se e entrelaçando-se com a violência psicológica. Segundo o dispositivo, ocorre sempre que é imputada à mulher, conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.”

É possível verificar que esta violência encontra proteção do Código Penal nos crimes contra a honra; porém, quando ocorre em âmbito familiar, é considerada violência doméstica. É por isso que NUCCI (2014) conceitua:

a) Calúnia art. 138, CP –: caluniar é fazer uma acusação falsa, tirando a credibilidade de uma pessoa no seio social;

b) Difamação art. 139, CP –: difamar significa desacreditar publicamente uma pessoa malucando-lhe a reputação.

c) Injúria art. 140, CP: injuriar significa ofender ou insultar vulgarmente, xingar.

Contudo Maria Berenice Dias afirma que é necessário a interpretação do artigo 5º paralelamente com o artigo 7º da referida lei

Primeiro é identificado o agir que configura violência doméstica ou familiar contra a mulher (art. 5º): qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial. Depois são definidos os espaços onde o agir configura violência doméstica (art. 5ª, incs. I, II e III): no âmbito da unidade doméstica, da família e em qualquer relação de afeto. Finalmente, de modo didático e bastante minucioso, são descritas as condutas que configuram a violência física, psicológica, sexual, patrimonial e moral. (DIAS, 2015)

3. OBJETIVOS DA LEI MARIA DA PENHA

Visando proteger a família, o Estado verificou a necessidade de criar meios para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, trazendo medidas e punições aos agressores.

Nesses casos, a ofendida passa a contar com o precioso estatuto, não somente de caráter repressivo, mas, sobretudo, preventivo e assistencial, criando mecanismos voltados para coibir essa modalidade de agressão. (CUNHA & PINTO, 2014).

4. MEDIDAS VIGENTES DESTINADAS À PROTEÇÃO DA MULHER NO BRASIL

4.1. DISPOSIÇÕES GERAIS

Uma das mais significativas mudanças da Lei Maria da Penha foi a criação das medidas protetivas. Essa proteção jurisdicional deverá ser efetivamente concedida caso fique caracterizada a violência doméstica. Essas medidas foram desenvolvidas para coibir e prevenir a violência, protegendo a integridade da mulher.

Medidas protetivas são ordens ou providências requeridas pela vítima, por meio de autoridade policial, no prazo de 48 horas, ou pelo Ministério Público, e deferidas pelo juiz (art. 18, I), com o intuito de conferir segurança às mulheres em situação de perigo e para preservar a integridade física, psicológica, sexual, moral e patrimonial da mulher.

Apos ocorrida a violência doméstica, a autoridade policial responsável deverá tomar as providências cabíveis, dando a assistência necessária no momento em que tiver conhecimento do fato, o mesmo ocorrendo com o Ministério Público.

As medidas protetivas estão previstas nos artigos 22, 23 e 24 da Lei nº 11.340/2006 e têm por objetivo impedir que obtenha êxito outra tentativa violenta do agressor contra a mulher; o que se busca, assim, é dar assistência direta à mulher ou obrigar o agressor a abandonar a pratica delituosa contra a mulher, até o fim da fase inquisitorial.

Maria Berenice Dias acentua a importância das medidas protetivas e destaca com propriedade que elas são “[...] medidas para dar efetividade ao seu proposito: assegurar à mulher o direito a uma vida sem violência. Tentar deter o agressor bem como garantir segurança pessoal e patrimonial à vitima e sua prole agora não são encargos somente da polícia. Passou a ser dever também do juiz e do Ministério Público. Todos precisam agir de modo imediato e eficiente” (DIAS, 2015, p. 138)

4.2. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA QUE OBRIGAM O AGRESSOR

Estão especificadas no artigo 22, da Lei nº 11.340/2006, todas as medidas protetivas de urgência, que obrigam o agressor e que podem ser aplicadas de imediato, em conjunto ou separadamente, caso constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher. Entre outras, são estas as medidas protetivas definidas pelo legislador:

- Suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei nº 10.826, de 22 de dezembro de 2003 (Estatuto do Desarmamento)

- Afastamento do lar, domicílio ou local de convivência com a ofendida;

- Proibição de determinadas condutas, entre as quais:

a) aproximação da ofendida, de seus familiares e das testemunhas, fixando o limite mínimo de distância entre estes e o agressor;

b) contato com a ofendida, seus familiares e testemunhas por qualquer meio de comunicação;

c) frequentação de determinados lugares a fim de preservar a integridade física e psicológica da ofendida;

- Restrição ou suspensão de visitas aos dependentes menores, ouvida a equipe de atendimento multidisciplinar ou serviço similar;

- Prestação de alimentos provisionais ou provisórios.

Diante do rol elencado pelo legislador, está sujeito às restrições e obrigações quem comete o ato de violência doméstica e familiar contra a mulher. Passa-se a examinar, a seguir, cada uma das medidas protetivas definidas pelo legislador da Lei Maria da Penha.

4.2.1. RESTRIÇÃO AO PORTE DE ARMAS, COM COMUNICAÇÃO AO ÓRGÃO COMPETENTE

Com base na Lei nº 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento), o porte de armas é proibido, exceto nos casos previstos no art. da referida lei. A posse significa possuir ou manter sob sua guarda arma de fogo, em sua residência ou dependências dela, ou local de trabalho, desde que devidamente registrada e autorizada pelo órgão responsável e desde que o possuidor seja o titular legal do estabelecimento ou empresa.

Ao criar esta medida o legislador demonstrou cuidado ao desarmar, restringindo o uso ou suspendendo a posse de arma de fogo do agressor.

Nesse aspecto, é elucidativa a posição da eminente doutrinadora Maria Berenice Dias (DIAS, 2015, p.01):

Sendo legal a posse e o uso da arma de fogo pelo agressor, denunciando a vitima à autoridade policial a violência e justificando a necessidade de desarmá-lo, por temer pela própria vida, será instalado expediente a ser remetido ao juízo. Deferido o pedido e excluído o direito do ofensor manter a posse da arma, ou sendo limitado o seu uso, deve-se comunicar a quem procedeu ao registro e concedeu a licença: o Sistema Nacional de Armas (SINARM) e a Polícia Federal. Caso o agressor tenha direito ao uso de arma de fogo, segundo o rol legal, o juiz comunicará ao respectivo órgão, corporação ou instituição que impôs. O superior imediato do agressor fica responsável pelo cumprimento da determinação judicial sob pena de incorrer nos crimes de prevaricação ou desobediência. A restrição é valida para evitar tragédia maior. Se o marido agride a esposa, de modo a causar lesão corporal, se possuir arma de fogo, é possível que, no futuro progrida para o homicídio.

4.2.2 AFASTAMENTO DO LAR, DOMICÍLIO OU LOCAL DE CONVIVÊNCIA DA OFENDIDA

A medida de afastamento do lar, domicílio ou local de convivência da ofendida é de extrema importância para a proteção da mulher que se encontre em situação de violência doméstica, que procura ajuda, denuncia o agressor e busca a imediata separação de corpos, para que diminua o risco de agressão potencializada após a denúncia.

Nessa linha de raciocínio, Alice Bianchini (2014, p. 1) menciona comentário de Juliana Garcia Belloque, segundo o qual o afastamento do agressor do lar visa preservar a saúde física e psicológica da mulher, diminuindo o risco iminente de agressão (física e psicológica). E prossegue, esclarecendo que o agressor não mais estará́ dentro da própria casa em que reside a vítima. A proteção será conferida à mulher a ao patrimônio da ofendida, já que os objetos do lar não poderão ser subtraídos ou destruídos. Essa destruição tem se tornado muito comum, nas ocorrências de violência doméstica. O agressor volta-se contra os pertences da mulher, destruindo, inclusive, documentos pessoais, como forma de causar dificuldades e prejuízos para que a mulher retome sua vida sozinha. Com essa conduta, o agressor provoca baixa estima e diminui a capacidade de reação e de autodeterminação da mulher. O objetivo é sempre o de que a mulher tema e desista de prosseguir com a persecução criminal iniciada.

4.2.3 PROIBIÇÃO DE DETERMINADAS CONDUTAS

O legislador definiu, nas três alíneas do inciso III, do art. 22, da Lei nº 11.340/2006, proibições mais abrangentes como forma de impedir ou coibir que o ofensor se aproxime da ofendida, da família e das testemunhas, podendo o juiz, determinar uma distância mínima entre eles.

O proposito da alínea a é afastar, fisicamente, o agressor da ofendida, de seus familiares e de testemunhas que possam provar as agressões sofridas. Para o legislador, tal aproximação provocaria, seguramente, a intimidação da ofendida.

Já a alínea b, do mesmo inciso III, do art. 22, visa a proibição de contato por qualquer meio de comunicação, complementando a restrição da alínea a. Na alínea c as restrições são de frequentar lugares em que a ofendida se encontra, por determinados metros de distancia. Caso a mulher queira tal proteção, deverá manifestar interesse à prestação jurisdicional, apontando os lugares em que o agressor deve manter distância.

Na hipótese de desobediência dessas medidas, poderá a vítima solicitar ao juiz a intervenção de força policial, para garantia e efetividade do cumprimento imposto.

4.2.4 RESTRIÇÃO OU SUSPENSÃO DE VISITAS AOS DEPENDENTES MENORES

Essa limitação visa proteger crianças e adolescentes envolvidos no ambiente de violência doméstica. Para solicitar essa medida, a interessada terá de procurar uma equipe para o atendimento multidisciplinar. Essas equipes funcionam nos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher. Alice Bianchini (2014), novamente traz considerações que esclarecem o objetivo do legislador. Afirma ele:

Sem dúvida a restrição mais grave dentre as previstas no dispositivo em exame, que deve ser adotada mediante a prudência judicial na análise do caso concreto, mas que se faz necessária quando há indícios de que o agressor intimida a vítima, genitora, através de mau comportamento ou de ameaças dirigidas aos filhos do casal. Isso sem mencionar as hipóteses de violência doméstica e familiar praticadas contra meninas e adolescentes pelos próprios membros da família.

Porém, em situações diversas, poderá o juiz determinar que as visitas com hora certa sejam feitas na presença de um profissional ou especialista em ambientes terapêuticos. Dessa forma será preservada a integridade física da mulher e será mantida a convivência entre o pai e os filhos. (DIAS, 2015, p. 149)

4.2.5 PRESTAÇÃO DE ALIMENTOS PROVISIONAIS OU PROVISÓRIOS

Os alimentos provisórios estão previstos na Lei nº 5.478, de 25 de julho de 1968 (Lei de Alimentos). Essa prestação advém da concessão de alimentos provisórios e, posteriormente, de uma sentença proferida em ação de alimentos. Na ação são exigidos alguns requisitos para a comprovação do parentesco, como a certidão de nascimento do alimentado ou a certidão de casamento. Os efeitos são, assim, imediatamente antecipados. Os alimentos provisionais estão inseridos no Código Civil, em seu artigo 1.706. Para a concessão de alimentos provisionais não se faz necessária a prova pré-constituída, mas o alimentante é obrigado a aguardar até o fim do processo. A prestação de alimentos pode também ser concedida pelo juiz, quando deferida a medida protetiva de separação de corpos.

A respeito dos homoafetivos, Rogério Sanches Cunha, aduz que:

“[..] deverá ser assegurado o direito de pleitear alimentos, em vista do caráter irrestrito da lei quanto à proteção da vítima, independentemente do sexo do autor da agressão. Demonstrado o binômio clássico que inspira toda a pretensão alimentar e que coloca de um lado a necessidade da alimentanda e, do outro a possibilidade do alimentante...[...]”.

5. MEDIDAS PROTETIVAS DE URGÊNCIA À MULHER

As medidas protetivas em favor da mulher serão requeridas ao juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas. Estão previstas no artigo 23, da Lei Maria da Penha.

Conforme salienta Antonio Scarance Fernandes, as medidas protetivas de urgência “são providências urgentes com as quais se busca evitar que a decisão da causa, ao ser obtida, não mais satisfaça o direito da parte, evitando que se realize, assim, a finalidade instrumental do processo, consistente em uma prestação jurisdicional justa. ” (FERNANDES, 2005)

5.1 ENCAMINHAMENTO DA OFENDIDA E DE SEUS DEPENDENTES A PROGRAMAS DE ATENDIMENTO

Esta medida está prevista no artigo 23, inciso I, da Lei nº 11.340/2006. Assim dispõe esse artigo:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

I – encaminhar a ofendida e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção ou de atendimento;

Diferentemente das outras medidas protetivas, essa não depende de ordem judicial. O encaminhamento pode ser feito pela autoridade policial ou por equipe multidisciplinar. O objetivo dessa medida é dar suporte social e econômico à mulher e a sua prole, possibilitando que sejam atendidos por programas de proteção.

5.2 RECONDUÇÃO E AFASTAMENTO DA VÍTIMA

O art. 23, incisos II e III, da Lei Maria da Penha, assim dispõe:

Art. 23. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas:

..........................................................................................................................................................

II - determinar a recondução da ofendida e a de seus dependentes ao respectivo domicílio, após afastamento do agressor;

III - determinar o afastamento da ofendida do lar, sem prejuízo dos direitos relativos a bens, guarda dos filhos e alimentos;

Conforme abordado em medidas que obrigam o agressor, o juiz concederá a recondução das vítimas (mulher e filhos) ao lar, após o afastamento do agressor. A lei deixa claro que, no caso de afastamento da mulher do lar, ela não sofrerá prejuízo em eventual partilha de bens, nem o afastamento afetará a prestação de alimentos e nem mesmo a guarda dos filhos. Estes afastamentos se estendem ao local de trabalho sem danos à manutenção do contrato de trabalho.

5.3 SEPARAÇÃO DE CORPOS

A medida protetiva judicial de separação de corpos tem por objetivo a retirada do agressor do lar ou que a autora deixe o lar, espontânea ou coercitivamente. O magistrado do Juizado de Violência Doméstica e Familiar ou do juízo competente, onde não houver Juizado especializado, poderá conceder a separação de corpos, desde que os fatos demonstrem a respectiva violência. Não se pode confundir com outras áreas do direito civil, porque isso poderia prejudicar os objetivos da Lei Maria da Penha (Ver LAVORENTI. 2009. p. 321)

Ainda sobre a separação de corpos, o art. 1.562 do Código Civil aduz que [..] “poderá requerer a parte, comprovando a necessidade, separação de corpos, que será concedida pelo juiz com a possível brevidade”. Nesse contexto, vê-se que a ofendida, já no momento da ocorrência policial poderá solicitar a medida de urgência, para manter sua integridade física, psicológica, moral e patrimonial.

Ainda, cabe salientar que a separação de corpos poderá ser deferida quer o agressor e a vítima sejam casados, quer vivam em união estável heterossexual ou homoafetiva.

6. RETRATAÇÃO DA VÍTIMA

O pedido de renúncia a representação é feito em audiência específica diante do magistrado, antes do recebimento da denúncia, pois entende-se que a retratação feita na delegacia pode estar envolta de ameaças. Por esse motivo, só se aceita a renúncia ao direito de representação feita perante o juiz. Assim dispõe o artigo 16, da LMP.

Art. 16. Nas ações penais públicas condicionadas à representação da ofendida de que trata esta Lei, só será admitida a renúncia à representação perante o juiz, em audiência especialmente designada com tal finalidade, antes do recebimento da denúncia e ouvido o Ministério Público.

A retratação acontece, muitas vezes, quando a vítima deseja reatar o relacionamento com seu companheiro. Essa renúncia faz com que a ofendida deixe de gozar do direito de obter a intervenção do Estado em razão do ato ilícito praticado pelo agressor. Assim, se a vítima não comparece perante o juiz em audiência específica, o processo segue normalmente.

Já nos casos em que a ação é pública incondicionada à representação não há a retratação.

7. A INEFETIVIDADE DAS MEDIDAS PROTETIVAS À MULHER VÍTIMA DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA

Após as longas considerações que foram feitas a respeito de todo o arcabouço de proteção trazido pela Lei Maria da Penha, é preciso examinar a questão da efetividade ou da inefetividade das medidas de proteção à mulher.

A questão da efetividade/inefetividade das medidas protetivas à mulher já se coloca quando da denúncia. A falta de unidades especializadas acaba deixando as vítimas sujeitas a esperas desmedidas. A demora no atendimento provoca um certo desencorajamento e frustração na mulher.

Isso faz com que esse meio de proteção, feito pra ajudar, acabe atrapalhando. No Distrito Federal existe apenas uma Delegacia especializada de atendimento à mulher, a DEAM. Deveriam existir pelo menos cinco unidades especializadas. Nesse sentido:

A violência contra a mulher pode ser mostrada em números. O feminicídio no Brasil cresce excessivamente, chegando o país à quinta posição de registros do mundo. A taxa de feminicídios é de 4,8 para 100 mil mulheres, ocupando a quinta maior no mundo, segundo os dados da Organização Mundial de Saúde (OMS). Em 2015, o Mapa da Violência sobre homicídios entre o público feminino revela que, de 2003 a 2013, cresceu consideravelmente o número de delitos. Do total de feminicídios registrados em 2013, 33,2% dos homicidas eram parceiros ou ex-parceiros das vítimas.

O Poder Judiciário nem sempre é o culpado. A ineficácia das medidas de proteção à mulher também parte da vítima; muitas vezes as vítimas resolvem se retratar ou renunciar à representação. Voltam a se relacionar com o agressor, fazendo com que as medidas percam sua eficiência.

Por outro lado, algumas vítimas não denunciam por medo ou por dependência financeira, fazendo com que o ofensor fique impune por anos.

Atualmente, por mais que uma autoridade policial presencie o descumprimento de ordem judicial ou uma nova agressão, não poderá manter preso o agressor, pois não há previsão legal específica para isso. Nesse caso somente lhe é permitido o procedimento de desobediência a ordem judicial.

Um recente Projeto de Lei (PLC 4/2016) busca definir o crime de descumprimento de medidas protetivas da Lei Maria da Penha. Se transformado em lei o projeto, o infrator será punido com pena de detenção de três meses a dois anos. Esse projeto de lei tem por objetivo fazer cessar as divergências nos tribunais e promover o aperfeiçoamento da Lei Maria da Penha, tornando-a um pouco mais eficaz.

É certo que houve grande avanço quando da criação das medidas protetivas. Porém, aumentaram consideravelmente e na mesma proporção as situações de violência doméstica. Assim, além de estabelecer medidas em favor da vítima, seria necessária a fiscalização do cumprimento das medidas, para que, efetivamente, se verificasse se sua implementação é real. O agressor, como se sabe, por vezes, descumpre as medidas e nada acontece ou, se preso em flagrante, é liberado mediante fiança pouco tempo depois.

8. PRISÃO PREVENTIVA DO OFENSOR: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONTRA A MULHER

Uma determinação judicial desprovida de um instrumento coercitivo e rigoroso não passaria de mera formalidade estéril e serve apenas para desacreditar a Justiça.

O artigo 42, da Lei Maria da Penha, trouxe a prisão preventiva como meio de proteção A referida medida pode ser considerada o limite das medidas de proteção à mulher contra a violência. O juiz pode decretar a prisão preventiva do agressor em qualquer fase do inquérito ou da instrução processual e pode fazê-lo de ofício, nos termos do art. 20, da Lei Maria da Penha, ou a requerimento do Ministério Público, ou mediante representação da autoridade policial.

A prisão preventiva pode ser decretada mesmo que não tenha sido aplicada nenhuma outra medida e tem natureza excepcional e deve conter os requisitos previstos nos artigo 312 e 313 do Código de Processo Penal. A lei exige que sejam preenchidos dois requisitos: a) que o crime envolva violência doméstica e familiar contra a mulher; b) que a prisão seja decretada para garantir a execução das medidas protetivas de urgência.

A prisão é o único meio previsto em lei para impedir totalmente o contato do agressor com a vítima. Porém, a medida só deverá ser decretada quando há a real necessidade, ou quando nenhuma outra providência seja suficiente para a proteção da vítima, para que não ocorra a banalização da prisão.

Preconiza Stela Cavalcanti (2010, p.226) que a prisão preventiva:

“é providencial, constituindo-se em um importante e útil instrumento para tornar efetivas as medidas de proteção preconizadas pela novel legislação. Não houvesse essa modificação, a maioria dos casos de violência doméstica e familiar contra a mulher seria privada do instrumento coercitivo da prisão preventiva por ausência de sustentação nos motivos elencados no artigo 312, do CPP, tradicionalmente e nos casos de cabimento arrolados no artigo 313, do CPP” .

Pode ser revogada a prisão, caso o magistrado entenda que faltam motivos que subsista, bem como pode ser decretada novamente, caso surjam novas razões que a justifiquem. Além disso, a conversão é dificultada pelo tempo reduzido de duração das penas.

A manutenção da prisão preventiva, por outro lado, só se dá quando justificado que as medidas aplicadas não são eficazes para proteção ou quando há reincidência do agressor.

Ainda, a Lei Maria da Penha não comporta a aplicação dos procedimentos da Lei 9.099/95; esta traz normas abrandadas, em razão de cuidar do procedimento para crimes de menor potencial. Por isso, na Lei Maria da Penha afastou-se o benefício do sursis ou do pagamento de cesta básica.

Um fato recente, publicado na grande imprensa nacional, aconteceu com Rita Jorge da Silva em Arapunga – MT, que chegou a denunciar o agressor várias vezes por violência doméstica, e estava amparada por medida protetiva. O ex-marido a matou com vários tiros, na frente de sua mãe e de seus filhos. A medida protetiva foi ineficaz, pois não evitou a morte de mais uma mulher. Tudo leva a crer, examinando casos como esse, que somente que somente o encarceramento do agressor poderia ter evitado o triste fim de sua ex-mulher.

Outro fato de violência, também publicado na grande imprensa, aconteceu com Karinny Beatriz, 21 anos que, segundo ela, foi agredida pelo ex companheiro com um facão; os dois foram levados à delegacia; o ex companheiro ficou detido e, logo após pagamento de fiança, foi liberado e postou em sua rede social “livre, leve e solto” . Como se pode verificar, também neste caso real, parece estar havendo a banalização das punições aplicadas aos agressores que violam a Lei Maria da Penha.

É explicito que as vítimas de violência doméstica estão denunciando os agressores, mas, apesar disso, as agressões são recorrentes e as medidas de proteção parecem se mostrar ineficazes.

CONCLUSÃO

Ante todo o exposto podemos verificar que mesmo após o longo processo de criação da Lei Maria da Penha, para coibir e erradicar todo e qualquer tipo de violência doméstica e familiar contra a mulher, criação de Juizados especializados, medidas protetivas e assistência à mulher e familiares, diariamente diversas mulheres são agredidas e seus agressores e na maioria das vezes não recebem a devida punição.

A Lei 11.340/2006 foi criada com o objetivo de proteger as vítimas de agressões. Porém, a lei apresenta muitas falhas e brechas em sua aplicabilidade. Inicia-se pela insuficiência de postos especializados para atendimento à mulher, fazendo com que a ofendida enfrente longas filas para finalmente ser atendida.

Em seguida, são aplicadas medidas de protetivas aos agressores e há muitas delas, como examinou-se neste artigo. Porém, as medidas de proteção não possuem eficácia para impedir novas agressões, pois inexiste qualquer tipo de fiscalização. A exceção é o encarceramento do ofensor, que parece ser a única medida capaz de impedir a repetição das agressões à mulher, pois com o agressor preso não há a possibilidade de novas tentativas de violação de direitos da mulher.

Contudo, existe a ineficácia que surge em razão de fato gerado pela própria vítima, quando esta se retrata da acusação, fazendo com que as medidas antes deferidas sejam revogadas e tornem-se ineficazes. Essas mulheres acreditam que seus companheiros não irão repetir as agressões; pouco tempo depois são agredidas e voltam a solicitar novas medidas fazendo com que se abarrote o Poder Judiciário com vários processos da mesma pessoa.

A falta de fiscalização das medidas protetivas faz com que mulheres deixem de denunciar, por desacreditarem que os ofensores venham a ser devidamente punidos e por receio de atentados contra a sua vida e de seus familiares. Neste caso, a dependência econômica também pesa para desestimular algumas denúncias. O Poder Público, até aqui, não criou meios eficientes de proteção às mulheres vítimas de violência doméstica.

De fato, as casas abrigo são eficientes durante o período em que a vítima permanece no local, desde que haja vagas disponíveis. As mulheres ali abrigadas são monitoradas por profissionais e recebem todo o amparo necessário a elas e a seus dependentes. Porém, passados três meses, a vítima volta a ter contato com o agressor e de nada serve a proteção da casa abrigo. A reeducação do agressor pode alterar a realidade e permitir o retorno seguro da mulher, para voltar a conviver no palco em que se passou a violação de seus direitos básicos. Mas, o que fazer com as mentes e casos que não forem transformados e resolvidos: esperar que aconteça o pior?

Por toda a extensão do presente estudo, pode-se identificar que as ineficiências das medidas de proteção são nítidas, seja por não haver fiscalização, seja por inaplicabilidade da lei, seja por falhas. O que se nota é que essa deficiência gera impunidade ao agressor, medo e pavor às vítimas.

Devem, então, ser criados meios de fiscalização mais eficientes, ou exacerbação de pena, em caso de descumprimento de medidas, e, mesmo, projetos que deem efetiva segurança às vítimas da violência, permitindo que a mulher nunca mais seja exposta à violação de seus direitos fundamentais.

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