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17 de Junho de 2024
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    Supremo Tribunal Federal STF - AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA: ACO 2730 DF - DISTRITO FEDERAL XXXXX-57.2015.1.00.0000

    Supremo Tribunal Federal
    há 8 anos

    Detalhes

    Processo

    Publicação

    Julgamento

    Relator

    Min. EDSON FACHIN
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    Ementa

    Decisão

    Decisão: Trata-se de Ação Cível Originária ajuizada pela Companhia Espírito Santense de Saneamento – CESAN, sociedade de economia mista prestadora de serviço público de fornecimento de água e saneamento, em face da União, com vistas ao reconhecimento da inexistência de relação jurídico-tributária que lhe obrigue ao recolhimento de impostos federais incidentes sobre os seus bens, rendas ou serviços (art. 150, VI, “a”, da Constituição); a declaração de sua sujeição ao regime cumulativo de tributação do PIS /PASEP e da COFINS; e a repetição dos valores pagos a título de IR, IOF, PASEP e COFINS nos últimos 5 anos, contados da data da propositura da ação. Nas razões na petição inicial, a CESAN alega que a discussão acerca da imunidade recíproca entre entes da federação – no caso, a União e o Estado do Espírito Santo, detentor direto de 84,53% do capital social da empresa e que, juntamente com outras entidades da Administração Indireta do Estado (autarquias do Estado do Espírito Santo, sem finalidade lucrativa), alcança o percentual de 99,75% das ações da Autora – pode gerar conflito federativo capaz de atrair a atuação do STF para apreciar a demanda. No mérito, aduz que a Lei estadual 2.282/67, regulada pelo Decreto 2.575/67, autorizou a criação da CESAN, no contexto do Plano Nacional de Água e Saneamento – PLANASA, que destinava recursos aos Estados que constituíssem suas próprias companhias de saneamento. A sociedade de economia mista foi então criada para a prestação de serviços públicos de abastecimento de água e esgotos sanitários, tendo seu capital, à época, sido constituído integralmente pelo Estado do Espírito Santo. Afirma que, por meio de contratos de concessão-convênio (art. 24 da Lei 8.666/93), a Companhia presta serviço público, com exclusividade, em 52 dos 78 municípios do Estado do Espírito Santo, com base na integração de competências e atuação coordenada entre os entes da federação (art. 241, CF/88). Assevera que sua atuação não configura exploração de atividade econômica, pois os serviços públicos de saneamento envolvem os chamados monopólios naturais, que os retiram do ambiente concorrencial e exigem elevados investimentos dos entes federativos, conforme reconhecido pelo art. da Lei 11.445/07, que estabelece diretrizes nacionais para o saneamento básico. Esclarece, ademais, que suas atividades não possuem fito lucrativo, nem são operadas sobre o traço do equilíbrio econômico-financeiro, devendo a Autora manter sua execução mesmo que opere em prejuízo, por meio da adoção de um amplo sistema de subsídios cruzados. Defende que, tratando-se de prestação de serviço público essencial por entidade da administração indireta, a Autora faz jus à imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, “a”e § 3º, da Constituição, pois a tributação de suas atividades e rendas afeta o patrimônio do próprio Estado do Espírito Santo. Requer, ainda, o retorno ao regime cumulativo de apuração do PIS /PASEP e da COFINS, por força do art. da Lei 10.637/02 e do art. 10º da Lei 10.833/03. Ao final, a Autora pleiteia a procedência dos pedidos para que seja: (i) declarada a imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, CF) e a inexistência de relação jurídico-tributária entre a União e a CESAN, que lhe obrigue ao recolhimento de impostos federais incidentes sobre seus bens, rendas e serviços; (ii) declarada a sujeição da Autora ao regime cumulativo de PIS /PASEP e COFINS; (iii) a Ré condenada a repetir, em favor da Autora, os valores pagos a título de IR, IOF, PASEP e COFINS nos últimos 5 anos, contados da data da propositura da ação, acrescidos de correção monetária pela SELIC, a partir da data do recolhimento, a ser apurado em fase de liquidação; (iv) a Ré condenada ao pagamento de custas processuais e honorários advocatícios, estes na proporção de 3% a 5% sobre o valor da condenação, nos termos dos arts. 85, §§ 2º e da Lei 13.105/2015 ( Novo Código de Processo Civil). Em 12 de agosto de 2015, intimei a Autora para que esclarecesse se já propusera nas instâncias inferiores ação com igual ou semelhante objeto a esta ACO (eDOC 63). Na oportunidade, a parte autora informou não ter ajuizado qualquer demanda (salvo a presente) postulando a declaração do reconhecimento da imunidade tributária recíproca em relação a impostos federais (eDOC 65). A União apresentou contestação (eDOC 70), na qual aduz, em preliminar, ausência de conflito federativo capaz de atrair a competência do Supremo Tribunal Federal para julgar a matéria. No mérito, sublinha que se encontra em julgamento o RE 600.867-RG, que possui, até o momento, seis votos no sentido de que a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo – SABESP não tem direito à imunidade tributária recíproca, pois “não haveria risco de abalo ao sistema federativo tributar uma sociedade de economia mista que explora atividade econômica” (eDOC 70, p. 5). Ressalta que a Súmula 76/STF, embora pré-constitucional, continua a traduzir o entendimento da Corte sobre a matéria, que estava no art. 31 da Constituição Federal de 1946 e agora está no art. 150 ( CRFB/88). Defende que as sociedades de economia mista servem para que o Estado atue como se particular fosse, diferentemente das empresas públicas que podem usufruir de imunidade tributária quando atuam exclusivamente na execução de serviços públicos monopolizados, motivo pelo qual o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT (ACO 765-AgR, Rel. Min. Joaquim Barbosa, DJe 04.09.2009) não se aplica analogicamente às sociedades de economia mista. Salienta que a configuração da imunidade recíproca exige que as empresas estatais sejam prestadoras de serviço público e que tenham caráter eminentemente público, confundindo-se com o próprio ente federado. Assevera que essa exigência não se verifica nas sociedades de economia mista, cujas ações são livremente negociadas no mercado de capitais, e há cobrança de tarifas ou contraprestação pecuniária, o que caracterizaria suas atividades como exploração de atividade econômica em sentido amplo. Realça que mesmo a existência casual de 100% de capital público deve ser encarado como algo transitório, pois nada impede que “uma sociedade de economia mista que hoje não possui participação de particulares” possa “passar a ter no futuro” (eDOC 70, p. 12). Requer, preliminarmente, o reconhecimento da incompetência do STF para julgar a demanda ou o sobrestamento do feito para aguardar o julgamento do RE-RG 600.867. No mérito, pugna pela improcedência do pedido. Intimada a Autora acerca da situação de seu capital, se aberto ou fechado (eDOC 71), esclareceu se tratar de sociedade de economia mista de capital fechado, “não admitindo a sua lei de criação, o seu decreto regulamentador e o seu estatuto que os valores mobiliários de sua emissão sejam negociados no mercado de valores mobiliários” (eDOC 74). A Procuradoria-Geral da República manifestou-se pela procedência do pedido, em parecer acompanhado da seguinte ementa: “AÇÃO CÍVEL ORIGINÁRIA. SOCIEDADE DE ECONOMIA MISTA. SANEAMENTO BÁSICO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇO PÚBLICO TÍPICO. IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA. 1 – O elemento fático que permite a avaliação da concessão ou não da imunidade tributária recíproca a ente estatal é a exclusividade na prestação de serviços públicos. 2 – Deve-se reconhecer à entidade que presta a administrar recursos hídricos regionais, que são, notadamente bens públicos estaduais, como estabelecido no art. 26 do texto constitucional, as características próprias de serviço público. 3 – Parecer pela procedência do pedido.” É o relatório no essencial. Decido. PREMISSAS JURÍDICAS Competência do Supremo Tribunal Federal Inicialmente, ressalto que os autos discutem três questões distintas, a saber: (a) a imunidade recíproca incidente sobre sociedade de economia mista prestadora de serviço público; (b) a sujeição da CESAN ao regime tributário cumulativo do PIS /PASEP; e (c) a restituição de valores em tese cobrados indevidamente pela União a título de tributos. O Supremo Tribunal Federal assentou, em inúmeros julgados, a sua competência originária para apreciar ações que versem sobre o direito à imunidade tributária recíproca, prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição, em razão de sua estreita relação com o pacto federativo. Sobre o tema, o Ministro Celso de Mello, no julgamento da ACO 803, Dje 18.11.2014, assim explicitou: “Sabemos que a Constituição do Brasil, ao institucionalizar o modelo federal de Estado, perfilhou, a partir das múltiplas tendências já positivadas na experiência constitucional comparada, o sistema do federalismo de equilíbrio, cujas bases repousam na necessária igualdade político-jurídica entre as unidades que compõem o Estado Federal. Desse vínculo isonômico, que parifica as pessoas estatais dotadas de capacidade política, deriva, como uma de suas consequências mais expressivas, a vedação – dirigida a cada um dos entes federados – de instituição de impostos sobre o patrimônio, a renda e os serviços uns dos outros, bem assim de suas instrumentalidades administrativas, como esta Suprema Corte vem decidindo a respeito de semelhante questão. A imunidade tributária recíproca – consagrada pelas sucessivas Constituições republicanas brasileiras – representa um fator indispensável à preservação institucional das próprias unidades integrantes do Estado Federal, constituindo, ainda, importante instrumento de manutenção do equilíbrio e harmonia que devem prevalecer, como valores essenciais que são, no plano das relações político-jurídicas fundadas no pacto da Federação”. A propósito, confiram-se também os seguintes precedentes: ACO 515-QO, Rel. Min. Ellen Gracie, Pleno, DJ 27.09.2002; ACO 765-QO, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator Min. Eros Grau, Pleno, Dje 07.11.2008; ACO 803-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, Dje 12.02.2015; e ACO 2.179-TA-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, Dje 09.03.2016. Dessa forma, a ação deve ser conhecida no que toca à questão referente à incidência da imunidade tributária recíproca sobre o patrimônio, rendas e serviços da CESAN, sociedade de economia mista prestadora de serviço público de abastecimento de água e tratamento de esgotos sanitários no Estado do Espírito Santo, em face da União. No que se refere à discussão acerca do enquadramento da Autora no regime tributário cumulativo do PIS /PASEP e COFINS, verifico que essa pretensão não decorre diretamente da imunidade tributária recíproca demandada na inicial. Uma coisa não implica outra. É dizer que o mencionado reconhecimento não submete, de imediato, tais empresas ao regime jurídico fiscal destinado às autarquias. Ademais, a questão posta não se mostra apta a abalar o pacto federativo pela introdução de alguma instabilidade no equilíbrio e na harmonia das relações entre os entes federados. Portanto, este pedido não merece conhecimento, por incompetência do STF para apreciar o tema. Igualmente, o tema da repetição de valores pagos indevidamente a título de impostos pelos Estados para a União é questão de cunho estritamente patrimonial e não apresenta qualquer projeção de caráter institucional, que possa afetar as relações políticas entre as unidades federadas, não possuindo densidade suficiente para abalar o pacto federativo. A propósito, esta Corte tem entendimento assentado: ACO 251, Rel. Min. Marco Aurélio, Pleno, Dj 09.06.2006; ACO 1.427, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 15.04.2015; ACO 1626, Rel. Min. Teori Zavascki, Dje 16.09.2015; ACO 665, Rel. Min. Dias Toffoli, Dje 03.08.2015; ACO 983, Rel. Min. Cármen Lúcia, Dje 05.05.2014. Assim, reconheço a incompetência do Supremo Tribunal Federal para apreciar as questões referentes ao enquadramento da Autora no regime tributário cumulativo do PIS /PASEP e à repetição de indébito tributário relativo ao pagamento de IR, IOF, PASEP e COFINS pelo Estado do Espírito Santo à União. Imunidade recíproca para sociedade de economia mista prestadora de serviço público. O Plenário do Supremo Tribunal Federal, no julgamento do RE 253.472, Rel. Min. Marco Aurélio, Redator para o acórdão Min. Joaquim Babosa, Pleno, Dje 1º.02.2011, assentou entendimento no sentido de que a imunidade tributária recíproca pode ser estendida a empresas públicas ou sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, de forma exclusiva. Consignou-se, naquela oportunidade, que as empresas públicas e sociedades de economia mista integram a Administração Pública Indireta e podem configurar-se como instrumentos administrativos das pessoas políticas que as incumbem de prestar serviços públicos de atribuição dos próprios entes aos quais se vinculam. Nessas situações, reconhece-se a incidência do regime tributário próprio das autarquias e fundações públicas sobre as empresas estatais. Esse entendimento foi reiterado em diversas oportunidades, conforme se extrai dos seguintes precedentes: ACO 1.460-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli, Pleno, Dje 11.12.2015; ACO 2.179-TA-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, Pleno, Dje 09.03.2016; ACO 1.331, Rel. Luiz Fux, Primeira Turma, Dje 12.12.2014; e AI 797.034-AgR, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, Dje 13.06.2013. Ocorre, porém, nem sempre tais entidades se destinam à prestação exclusiva de serviço público, podendo caracterizar-se como instrumentos de intervenção do Estado na atividade econômica em sentido estrito, nos termos do art. 173, da Constituição. Nessas hipóteses, tais entidades não poderiam receber tratamento tributário da Fazenda Pública, em razão de seu manifesto propósito de obtenção de lucro. Assim, estando a imunidade tributária diretamente ligada a situações específicas de determinadas sociedades de economia mista, que não apenas a prestação de serviço público, faz-se necessária a análise, caso a caso, sob critérios. Para tanto, no julgamento do RE 253.472, Dje 1º.02.2011, o redator para o acórdão, Ministro Joaquim Barbosa, desenvolveu metodologia consistente na superação de teste de três estágios, assim descritos: “1) A imunidade é ‘subjetiva’, isto é, ela se aplica à propriedade, bens e serviços utilizados na satisfação dos objetivos institucionais imanentes do ente federado, cuja tributação poderia colocar em risco a respectiva autonomia política. Em consequência, é incorreto ler a cláusula de imunização de modo a reduzi-la a mero instrumento destinado a dar ao ente federado condições de contratar em condições mais vantajosas, independentemente do contexto; 2) Atividades de exploração econômica, destinadas primordialmente a aumentar o patrimônio do Estado ou de particulares, devem ser submetidas à tributação, por apresentarem-se como manifestações de riqueza e deixarem a salvo a autonomia política. Em decorrência, a circunstância de a atividade ser desenvolvida em regime de monopólio, por concessão ou por delegação, é de todo irrelevante; 3) A desoneração não deve ter como efeito colateral relevante a quebra dos princípios da livre-concorrência e do exercício de atividade profissional ou econômica lícita. Em princípio, o sucesso ou a desventura empresarial devem pautar-se por virtudes e vícios próprios do mercado e da administração, em que a intervenção do Estado seja favor preponderante.” Restou decidido, portanto, que a imunidade recíproca prevista no art. 150, VI, “a”, da Constituição, estende-se à propriedade, aos bens e aos serviços das sociedades de economia mista e das empresas públicas prestadoras de serviço público utilizados na satisfação de seus objetivos institucionais (art. 150, § 2º, CF/88), quando se confundem com o interesse do próprio ente federado ao qual a empresa é vinculada. Excluem-se da imunidade recíproca as atividades de exploração econômica que visam ao incremento do patrimônio do Estado ou de particulares integrantes do capital social da empresa, as quais devem ser submetidas à tributação. Por fim, assentou-se que a desoneração não pode acarretar violação aos princípios da livre concorrência e do livre exercício de atividade profissional ou econômica lícita. PREMISSAS FÁTICAS No caso em exame, o pedido de reconhecimento da imunidade tributária provém da Companhia Espírito Santense de Saneamento – CESAN, sociedade de economia mista, entidade da Administração Indireta do Estado do Espírito Santo, prestadora de serviço público de saneamento básico. O art. 23, IX, da Constituição, conferiu competência comum à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Sobre a relevância dessa função pública, o Plenário desta Corte, no julgamento da ADI 1.842, Rel. Min. Luiz Fux, Redator para o acórdão Min. Gilmar Mendes, Dje 16.09.2013, reconheceu que o saneamento básico configura-se serviço público ofertado em regime de monopólio natural, conforme se verifica do seguinte trecho extraído da ementa do julgado: “(...). 4. Aglomerações urbanas e saneamento básico. O art. 23, IX, da Constituição Federal conferiu competência comum à União, aos estados e aos municípios para promover a melhoria das condições de saneamento básico. Nada obstante a competência municipal do poder concedente do serviço público de saneamento básico, o alto custo e o monopólio natural do serviço, além da existência de várias etapas – como captação, tratamento, adição, reserva, distribuição de água e o recolhimento, condução e disposição final de esgoto – que comumente ultrapassam os limites territoriais de um município, indicam a existência de interesse comum do serviço de saneamento básico. A função pública do saneamento básico frequentemente extrapola o interesse local e passa a ter natureza de interesse comum no caso de instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões, nos termos do art. 25, § 3º, da Constituição Federal. (…) O interesse comum é muito mais que a soma de cada interesse local envolvido, pois a má condução da função de saneamento básico por apenas um município pode colocar em risco todo o esforço do conjunto, além das consequências para a saúde pública de toda a região”. Sublinho, portanto, que a Agravante cumpre o primeiro requisito exigido para a concessão da imunidade tributária, qual seja, a execução de serviço público de abastecimento de água e tratamento de esgoto, de forma exclusiva, por meio de convênios com os municípios do Estado do Espírito Santo. No que se refere ao segundo estágio do teste de imunidade, verifica-se, da análise do controle acionário da CESAN, que a participação privada no quadro societário da Autora é irrelevante, por corresponder a 0,25% de suas ações. Ademais, não ficou configurado nos autos que a CESAN tenha intuito primordial de auferir lucros, ou aumentar o patrimônio do Estado ou de seus acionistas. O Estado do Espírito Santo é detentor direto de 84,53% do capital social da Autora, que, somados aos 15,03% pertencentes à ADERES, empresa pública transformada em autarquia estadual pela LC estadual 382/2007, e aos 0,18% da SUPPIN, autarquia estadual criada pela LC estadual 372/2006, ambas sem fins lucrativos, somam 99,75% das ações da CESAN, o que lhe confere o controle acionário da empresa. Os demais 0,25% pertencem a acionistas diversos (pessoas físicas e jurídicas de natureza privada). Por fim, não restou configurado nos autos risco ao equilíbrio concorrencial ou à livre iniciativa. Isso porque a Autora atua em regime de monopólio natural e não concorre com outras entidades em sua área de atuação. Consta da inicial, informação não refutada na contestação, referente à atuação exclusiva da CESAN em 52 dos 78 municípios do Estado do Espírito Santo. Confira-se: “No caso do Espírito Santo, o Estado conta com 78 (setenta e oito) municípios, dos quais 52 (cinquenta e dois) estão sob concessão da CESAN, 24 (vinte e quatro) contam com Serviço Autônomo de Água e Esgoto – SAAE (autarquias municipais) e apenas 1 (um) conta com serviços prestados por empresa privada, o Município de Cachoeiro de Itapemirim. No último Município referido (Cachoeiro do Itapemirim), a operação por iniciativa privada apenas foi viável por se tratar de local com intensa ocupação urbana (206.973 habitantes – 236,06 hab/km², 91,4% de população urbana), distante da região Metropolitana da Grande Vitória e servido por afluente de grande viabilidade de captação de água, no meio da cidade (Rio Itapemirim), o que gera natural propensão a uma situação superavitária, embora as tarifas praticadas sejam superiores às da CESAN (doc. 19). Portanto, o amplo sistema de subsídios cruzados, a redução do custo individual por usuário com o atendimento em maior escala, e a maior viabilidade de obtenção de recursos Estaduais e Federais, por se tratar a CESAN de empresa estatal que atua visando ao alcance das diretrizes de universalização instituídas na legislação específica, fazem com que a Companhia não atue em ambiente concorrencial no Estado do Espírito Santo” (eDOC 2, p. 33). Assim, tendo em vista que, embora a Autora ostente natureza jurídica de ente privado, (i) o percentual de participação do Estado no capital social da empresa é de 99,75%, o que assegura ao ente político o controle acionário da Autora; (ii) a empresa é sociedade de economia mista de capital fechado; (iii) a CESAN executa serviço público de abastecimento de água e tratamento de esgoto; e (iv) o faz de modo exclusivo; configura-se sua instrumentalidade para o Estado na execução de seu mister constitucional de melhoria das condições de saneamento básico (art. 23, IX, CF), incidindo, sobre ela, o regime tributário aplicável à Fazenda Pública. Ocorre, no entanto, que a imunidade tributária recíproca não se aplica à proteção do incremento patrimonial decorrente da exploração de atividades econômicas em sentido estrito. Consta do Estatuto Social da CESAN que, dentre as atividades possíveis à realização do seu objeto social (art. 2º), qual seja, “a prestação de serviços de saneamento básico com vistas à universalização no Estado do Espírito Santo compreendendo as atividades de abastecimento de água, esgotamento sanitário, podendo ainda, na forma da lei e instrumentos próprios, atuar nos serviços de limpeza urbana e manejo dos resíduos sólidos”, a empresa poderá: “d) prestar serviços técnicos, industriais e de consultoria, remunerados, inclusive a particulares, ligados ao seu objetivo principal. (…) m) participar do bloco de controle ou do capital social de outras sociedades, bem como constituir subsidiárias, que poderão se associar, majoritária ou minoritariamente, a outras empresas ligadas ao setor de saneamento básico, em qualquer localidade do Brasil ou do Exterior. (…) o) executar outros encargos não enunciados neste artigo que, por sua natureza, se enquadrearem nas finalidades da Companhia, ou que a esta eventualmente sejam atribuídos pela Assembleia Geral”, Embora não haja referência no estatuto social ao auferimento de lucro por meio dessas atividades, como essa ausência pode implicar certa dúvida, é oportuno esclarecer-se que o reconhecimento do direito da Autora à imunidade dos impostos incidentes sobre seu patrimônio, renda ou serviços relacionados à realização de suas finalidades (art. 150, § 2º, da CF/88), exclui o patrimônio, a renda ou os serviços que sejam destinados ao seu próprio aumento patrimonial, do Estado ou de seus acionistas. DESTAQUE Por oportuno, esclareço que o caso dos autos não se assemelha às hipóteses que tangenciam a matéria e para as quais a Corte atribuiu repercussão geral. Nessa toada, ausente motivo ao sobrestamento do feito para aguardar aqueles julgamentos, quais sejam: - Tema 115 ( RE 580.264): imunidade tributária recíproca para sociedade de economia mista prestadora de serviços de saúde exclusivamente pelo SUS - Tema 385 ( RE 594.015): imunidade tributária recíproca a sociedade de economia mista ocupante de bem público; - Tema 508 ( RE 600.867): imunidade tributária recíproca para sociedade de economia mista com participação acionária negociada em bolsa de valores; CONCLUSÃO Ante o exposto, não conheço da ação quanto aos pedidos referentes à declaração da sujeição de CESAN ao regime cumulativo de tributação do PIS /PASEP e da COFINS, e quanto à repetição dos valores pagos a título de IR, IOF, PASEP e COFINS nos últimos 5 anos, contados da data da propositura da ação, conforme consta da inicial. Conheço da ação quanto ao pedido de reconhecimento da imunidade tributária recíproca (art. 150, VI, “a”, CF) e de declaração inexistência de relação jurídico-tributária entre a União e a CESAN. Julgo-os parcialmente procedentes, com fundamento no art. 21, § 1º, do CPC, para declarar a imunidade recíproca (e consequente inexistência de relação jurídica entre a Autora e a Ré que obrigue a primeira ao recolhimento de impostos federais) sobre bens, rendas e serviços da Autora utilizados na satisfação de seus objetivos institucionais, excluídas eventuais atividades de exploração econômica, incrementem seu próprio patrimônio, do Estado, ou de particulares integrantes do capital social da empresa. Sem condenação em custas (art. , I, da Lei 9.289/96). Considerando que o Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015) ainda não se encontra em vigor, e, tendo em vista o grau de zelo profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, bem como o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço, conforme o disposto no art. 20, § 4º, do CPC, condeno a União ao pagamento de honorários advocatícios arbitrados no valor de R$ 10.000 (dez mil reais). Publique-se. Intime-se. Brasília, 17 de março de 2016. Ministro Edson Fachin Relator Documento assinado digitalmente
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