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18 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Superior Tribunal Militar
há 9 meses

Detalhes

Processo

Publicação

Julgamento

Relator

LOURIVAL CARVALHO SILVA

Documentos anexos

Inteiro TeorSTM_APR_70008922520227000000_95362.pdf
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Inteiro Teor

Poder Judiciário

STM

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO VIRTUAL DE 19/06/2023

A 22/06/2023

APELAÇÃO CRIMINAL Nº XXXXX-25.2022.7.00.0000/AM

RELATOR: MINISTRO LOURIVAL CARVALHO SILVA

REVISORA: MINISTRA MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA

PRESIDENTE: MINISTRO FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR

APELADO: PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES

ADVOGADO (A): AFONSO CARLOS ROBERTO DO PRADO (DPU)

ADVOGADO (A): DEFENSOR CHEFE JUNTO AO SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR (DPU)

Certifico que o Tribunal Pleno, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, proferiu a seguinte decisão:

O TRIBUNAL PLENO, POR UNANIMIDADE, DECIDIU REJEITAR A PRELIMINAR DEFENSIVA DE ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR PARA RECORRER EM CASO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. EM SEGUIDA, POR MAIORIA, DECIDIU REJEITAR A PRELIMINAR, LEVANTADA DE OFÍCIO PELO MINISTRO JOSÉ COÊLHO FERREIRA, DE NULIDADE PROCESSUAL POR FALTA DE CONDIÇÃO DE

PROCEDIBILIDADE/PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO PENAL MILITAR, EM RELAÇÃO AO EX-SD EX PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES. OS MINISTROS JOSÉ COÊLHO FERREIRA, LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES E MARCO ANTÔNIO DE FARIAS ACOLHIAM A PRELIMINAR E CONCEDIAM "HABEAS CORPUS", DE OFÍCIO, COM FULCRO NO ART. 70, C/C ART. 67, ALÍNEA B, AMBOS DO CPPM, TORNANDO SEM EFEITO A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA E DETERMINANDO O ARQUIVAMENTO DO PROCESSO SEM RENOVAÇÃO. NO MÉRITO, POR UNANIMIDADE, DECIDIU DAR PROVIMENTO AO APELO DO MPM PARA, COM A REFORMA DA SENTENÇA HOSTILIZADA, CONDENAR O EX-SD EX PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES À PENA DE 6 (SEIS) MESES DE DETENÇÃO, COMO INCURSO NO ART. 187 DO CPM, DETRAINDO DESSE "QUANTUM" O PERÍODO DE CUSTÓDIA PROVISÓRIA CUMPRIDA PELO ACUSADO, "EX VI" DO ART. 67 DO CPM, COM O BENEFÍCIO DO "SURSIS" PELO PRAZO DE 2 (DOIS) ANOS, COM FULCRO NOS ART. 84 DO CPM E 606 DO CPPM, SOB AS CONDIÇÕES DETERMINADAS NO ACÓRDÃO, FIXANDO O REGIME PRISIONAL INICIALMENTE ABERTO PARA A HIPÓTESE DE VIR A CUMPRIR A REPRIMENDA QUE ORA LHE É IMPOSTA. OS MINISTROS MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA (REVISORA) E LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES FARÃO DECLARAÇÕES DE VOTO. PRESIDÊNCIA DO MINISTRO FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO. PRESENTE A SUBPROCURADORA-GERAL DA JUSTIÇA MILITAR, DRA. ARILMA CUNHA DA SILVA.

RELATOR DO ACÓRDÃO: MINISTRO LOURIVAL CARVALHO SILVA

23/08/2023, 14:55 Extrato de Ata

VOTANTE: MINISTRO LOURIVAL CARVALHO SILVA

VOTANTE: MINISTRO CLÁUDIO PORTUGAL DE VIVEIROS

VOTANTE: MINISTRO CARLOS AUGUSTO AMARAL OLIVEIRA

VOTANTE: MINISTRO JOSÉ BARROSO FILHO

VOTANTE: MINISTRO CELSO LUIZ NAZARETH

VOTANTE: MINISTRO LEONARDO PUNTEL

VOTANTE: MINISTRO ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA

VOTANTE: MINISTRO CARLOS VUYK DE AQUINO

VOTANTE: MINISTRO MARCO ANTÔNIO DE FARIAS

VOTANTE: MINISTRA MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA

VOTANTE: MINISTRO ODILSON SAMPAIO BENZI

VOTANTE: MINISTRO JOSÉ COÊLHO FERREIRA

VOTANTE: MINISTRO LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES

VOTANTE: MINISTRO PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ

SONJA CHRISTIAN WRIEDT

Secretária

MANIFESTAÇÕES DOS MAGISTRADOS VOTANTES

Acompanha o (a) Relator (a) - Gab Min José Barroso Filho - Ministro JOSÉ BARROSO FILHO.

Suscitar Preliminar - Gab Min José Coêlho Ferreira - Ministro JOSÉ COÊLHO FERREIRA.

Suscito de ofício preliminar de falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade.

Acompanha o (a) Relator (a) - Gab Min Artur Vidigal de Oliveira - Ministro ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA.

Acompanha o (a) Relator (a) - Gab Min Artur Vidigal de Oliveira - Ministro ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA.

APELAÇÃO CRIMINAL Nº XXXXX-25.2022.7.00.0000/AM

RELATOR: MINISTRO LOURIVAL CARVALHO SILVA

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR

APELADO: PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES

EMENTA

APELAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR. DELITO PREVISTO NO ART. 187 DO CÓDIGO PENAL MILITAR. PRELIMINARES. ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR PARA RECORRER, EM CASO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. REJEIÇÃO. CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE/PROSSEGUIBILIDADE. NÃO ACOLHIMENTO. CRIME DE DESERÇÃO DELINEADO E PROVADO. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA DIVERSA NÃO CONFIGURADA. CONCESSÃO DO BENEFÍCIO DO SURSIS. PROVIMENTO.

I. A Constituição Federal atribui ao Ministério Público a função institucional de promover a ação penal pública, na forma da lei. Essa atribuição não se limita ao oferecimento da denúncia, por parte daquele Órgão, implicando, também, a busca dos instrumentos necessários (inclusive o direito de recorrer), para a justa aplicação da lei penal contra aqueles que deixarem de observá-la.

II. A perda da qualidade de militar da ativa, nos casos de licenciamento, após instaurado o processo, não obsta o prosseguimento da Ação Penal Militar nos crimes de Deserção.

III. Delito de Deserção delineado e provado, em todas as suas elementares.

IV. A alegação de inexigibilidade de conduta diversa, como elemento integrativo da figura do estado de necessidade preconizado no art. 39 do CPM, não se confirma diante de situações em que, ainda que sérias e graves, não se façam presentes os vetores do perigo certo e iminente e a ausência de alternativa de conduta .

V. No ponto, a referida causa de exclusão da culpabilidade reclama, para a sua configuração, estar o agente diante de um perigo real, atual, grave e incontornável, que exija o sacrifício do direito alheio, in casu,

o do Estado, na obtenção da prestação do serviço militar pelos seus cidadãos, conforme as necessidades das Forças Armadas, para bem cumprir as sua destinação constitucional. Na hipótese sub examine , os motivos alegados pelo Acusado não são suficientes para afastar a conduta criminosa ínsita no art. 187 do Código Penal Militar.

VI. O STM firmou entendimento, segundo o qual a perda da condição de militar de acusado por crime de deserção viabiliza a concessão do benefício do sursis , apesar da vedação ínsita no art. 88, inciso II, alínea a, do CPM. Este Tribunal assim o fez, por razões de política criminal, pois, tendo em vista não mais ostentarem o status de militar, tais desertores deverão cumprir as penas que lhes forem impostas em estabelecimento prisional civil.

VII. Rejeição das duas questões preliminares. Apelo da Acusação provido, à unanimidade, para condenação do Desertor.

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os ministros do Superior Tribunal Militar, em sessão de julgamento virtual, sob a presidência do Ministro Ten Brig Ar FRANCISCO JOSELI PARENTE CAMELO, na conformidade do Extrato da Ata do Julgamento, por unanimidade, em rejeitar a preliminar defensiva de ilegitimidade do Ministério Público Militar para recorrer, em caso de sentença absolutória; em seguida, por maioria, em rejeitar a preliminar, levantada de ofício pelo Ministro JOSÉ COÊLHO FERREIRA, de nulidade processual, por falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da ação penal militar, em relação ao ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES. Os Ministros JOSÉ COÊLHO FERREIRA, LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES e MARCO ANTÔNIO DE FARIAS acolhiam a preliminar e concediam "habeas corpus", de ofício, com fulcro no art. 70, c/c o art. 67, alínea b, ambos do CPPM, tornando sem efeito a sentença absolutória e determinando o arquivamento do processo, sem renovação; no mérito, por unanimidade, em dar provimento ao apelo do MPM para, com a reforma da sentença hostilizada, condenar o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES à pena de 6 (seis) meses de detenção, como incurso no art. 187 do CPM, detraindo desse "quantum" o período de custódia provisória cumprida pelo acusado, ex vi do art. 67 do CPM, com o benefício do sursis , pelo prazo de 2 (dois) anos, com fulcro nos art. 84 do CPM e 606 do CPPM, sob as condições determinadas no Acórdão, fixando o regime prisional inicialmente aberto, para a hipótese de vir a cumprir a reprimenda que ora lhe é imposta.

Brasília, 19 de junho de 2023.

RELATÓRIO

Trata-se de Apelação interposta pelo Ministério Público Militar (MPM), inconformado com a Sentença do Conselho Permanente de Justiça da 12a CJM, proferida em 14/9/2022, que absolveu o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES do delito previsto no art. 187 do Código Penal Militar ( CPM).

Narra a Denúncia, in verbis:

"Consta da inclusa Instrução Provisória de Deserção que o ora denunciado faltou ao quartel desde o dia 07 de julho de 2022. Transcorridos mais de oito dias contados da verificação da ausência desautorizada e, não tendo se apresentado na Unidade Militar em que servia, foi lavrado o Termo de Deserção em 18/07/2022, sendo excluído do serviço militar (evento 1 - fl.14). O denunciado foi capturado em 12 de agosto de 2022. Submetido à inspeção de saúde, foi considerado apto para o serviço militar e, portanto, reincluído às fileiras do Exército Brasileiro (evento 9). Dessa forma, ausentando-se, livre e conscientemente, de sua unidade, sem licença ou autorização, por mais de oito dias, o Soldado EV PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES consumou o crime de deserção. Pelo exposto, DENUNCIO o Soldado EV PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES como incurso nas sanções do art. 187 do Código Penal Militar." (evento 1 - doc. 1 do processo originário).

A Exordial encontra-se arrimada na Instrução Provisória de Deserção - IPD (evento 1-petição, do processo relacionado nº XXXXX-71.2022.7.12.0012), na qual se destacam os seguintes documentos:

- Parte de Ausência (fl. 3);

- Parte Acusatória (fl. 7);

- Assentamentos militares (fls. 16 a 22);

- Termo de Deserção (fl. 11); e

- Exclusão (fl. 14).

Em 12/8/2022, o Desertor foi capturado, considerado apto em inspeção de saúde e reincluído no serviço ativo do Exército (evento 9 do processo relacionado nº XXXXX-71.2022.7.12.0012).

Na audiência de custódia, foi concedida liberdade provisória ao Militar (evento 22 do processo relacionado nº XXXXX-71.2022.7.12.0012).

Em 17/8/2022, a Organização Militar informou que o Acusado não havia se apresentado nos dias 16 e 17 de agosto de 2022, a despeito de ter sido orientado acerca das suas obrigações militares (evento 36 do processo relacionado nº XXXXX-71.2022.7.12.0012). Instado a se manifestar, o MPM requereu a sua prisão (evento 48 do processo relacionado nº XXXXX-71.2022.7.12.0012), a qual foi decretada pelo Juiz a quo (evento 60 do processo relacionado nº 7000173- 71.2022.7.12.0012).

Em 18/8/2022, a Denúncia foi recebida (evento 1, item 2, do processo originário).

O Acusado foi regularmente citado (evento 21 do processo originário).

Durante a instrução do feito, o MPM não arrolou testemunhas.

A Defesa, por sua vez, indicou testemunhas, as quais foram inquiridas: RAYANE DA COSTA GOMES, ROCK LANE RUFINO GOMES e JOANA PAULA DOS SANTOS UCHÔA (Ata - evento 55, e mídias - evento 54, do processo originário).

O Acusado foi interrogado (Ata - evento 55 e mídias - evento 54, do processo originário).

O julgamento foi realizado conforme os termos lançados na Ata, tendo resultado na prolação do veredito absolutório, por maioria (4x1), com fundamento no art. 439, alínea d, do Código de Processo Penal Militar ( CPPM) c/c o art. 39 do CPM, vencido um juiz militar (evento 54 - mídia 7 do processo originário).

A Sentença encontra-se disponibilizada no evento 59 do processo originário.

Em 16/11/2022, foi juntado aos autos um oficio do Comandante da Companhia de Comando do 2º Grupamento de Engenharia, informando o licenciamento do Acusado, ocorrido em 3/11/2022 (evento 76 do processo originário).

O MPM apelou tempestivamente (eventos 64 do processo originário).

Em suas Razões, o Parquet sustenta que a decisão a quo não deve prosperar, visto que divorciada dos fatos e das provas colacionadas nos autos. Pugna pela inexistência da comprovação do estado de necessidade. Argumenta, nesse fio, que a análise dos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa mostra discrepâncias nas datas em que os fatos alegados teriam ocorrido e os dias de ausência do Apelado.

Salienta que, até o início da instrução processual, não houve nenhuma referência a problemas familiares do Acusado.

Alega que o Conselho Permanente de Justiça acolheu as alegações defensivas, apenas, com base em meras declarações de testemunhas não compromissadas arroladas pela defesa, parentes consanguíneos diretos do Apelado, sem apresentação de prova documental. Pondera que, nesse caso, houve afronta ao Enunciado nº 3 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal Militar.

Assevera que a jurisprudência da Corte Militar é firme a respeito da necessidade de comprovação das alegações de ordem particular ou familiar para confirmação do estado de necessidade. Aponta que, nos autos, consta robusto conjunto probatório desfavorável ao Apelado e compatível com os fatos narrados na Denúncia.

Pugna, ao final, pelo provimento do Apelo para que, com a reforma da Sentença, seja o Acusado condenado como incurso no art. 187 do CPM (evento 1, item 1).

Em suas Contrarrazões, a DPU sustenta, preliminarmente, a tese de que, após o advento da Emenda Constitucional nº 45, o Ministério Público não poderia apelar da absolvição de réu. Nesse sentido, discorre sobre a inconstitucionalidade do art. 593 do Código de Processo Penal ( CPP), naquilo que autoriza o Ministério Público a apelar contra a sentença criminal, para reformá-la, com vistas a condenar o réu ou a agravar-lhe a condenação.

No mérito, após transcrever os depoimentos das testemunhas arroladas, a oitiva do Acusado e sua sustentação oral em juízo, afirma que a conduta do Réu está amparada pelo estado de necessidade exculpante, previsto no art. 39 do CPM. Nesse passo, assevera que as provas produzidas demonstraram a inexigibilidade de conduta diversa por parte do Assistido, pois, no momento em que decidiu faltar ao quartel, tinha o dever de cuidar de sua família.

Alega, ainda, que o MPM não desempenhou seu dever de carga probatória, apoiando-se apenas no termo de deserção, o qual não goza de presunção de veracidade, para fins de persecução penal.

Requer, por fim, que seja negado o provimento do Apelo, com a manutenção da Sentença absolutória em sua íntegra e por seus próprios fundamentos (evento 1, item 2).

A Procuradoria-Geral de Justiça Militar (PGJM), em Parecer da lavra da Subprocuradora-Geral Dra. Arilma Cunha da Silva, manifesta-se pelo provimento do Apelo.

É o Relatório.

VOTO

Trata-se de Recurso de Apelação manejado pelo Ministério Público Militar (MPM), inconformado com a Sentença proferida pelo Conselho Permanente de Justiça da 12a CJM, que absolveu o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES do crime tipificado no art. 187 do Código Penal Militar.

Presentes os pressupostos de admissibilidade, notadamente o interesse e a tempestividade, o recurso deve ser conhecido.

DA PRELIMINAR DEFENSIVA DE ILEGITIMIDADE DO MPM PARA

RECORRER EM CASO DE SENTENÇA ABSOLUTÓRIA

Inicialmente, impende examinar questão preliminar suscitada pela ilustre DPU, em que esta argui a ilegitimidade do Ministério Público em recorrer nos casos de sentença absolutória.

A DPU, em suas contrarrazões, argumenta que, após a Emenda Constitucional nº 45, seria inconstitucional o art. 593 do CPP 1 , com redação semelhante à do art. 526 do CPPM 2 , no ponto em que autoriza o Ministério Público a apelar contra sentença criminal, para reformá-la, visando a condenar o réu ou agravar-lhe a condenação. Para justificar sua pretensão, assevera que "o Código de Processo Penal remonta a 1941, momento em que o Brasil não era democrático e vivia sob o império de Estado de Exceção, vítima do golpe político de 1937".

No vértice, não assiste razão à Defesa.

Com as devidas escusas à Defesa Pública ao sustentar que o Ministério Público não teria legitimidade para recorrer de sentença absolutória, sob o argumento da inconstitucionalidade de norma infraconstitucional, que traz em seu bojo, de forma expressa, a possibilidade de apelação em face de sentença absolutória, é ignorar a dupla função que o Parquet exerce no processo - como parte e fiscal da correta aplicação da lei.

A Constituição Federal, no inciso I do art. 129 3 , atribui ao Ministério Público a função institucional de promover a ação penal pública, na forma da lei. Essa atribuição não se limita ao oferecimento da denúncia, por parte daquele Órgão, implicando a busca dos instrumentos necessários (inclusive o direito de recorrer) para a justa aplicação da lei penal contra aqueles que, por ventura, deixarem de observá-la .

Ademais, a legitimidade recursal do Ministério Público tem estreita correlação com o princípio da independência funcional, consubstanciado no art. 127, § 1º, da Constituição Federal 4 , que não pode ser desconsiderado, visto garantir aos membros do Parquet a liberdade de atuação e a análise imparcial dos fatos, segundo sua própria convicção.

A independência funcional é ínsita à própria natureza do Órgão Ministerial e basilar para sua atuação, segundo a lei. Garante a liberdade necessária para seus membros desenvolverem suas atribuições, de forma imparcial, o que resulta na independência da própria Instituição, aspecto fundamental para o cumprimento da sua finalidade constitucional.

Para além deste aspecto, segundo a norma constitucional, hodiernamente, o Ministério Púbico tem atuação dúplice no processo, como parte da relação processual e, no âmbito do interesse público, na condição de custos legis.

Em se tratando do Direito Penal Militar, o papel de custos legis possui notória importância, pois a Justiça Castrense, além de tutelar os bens jurídicos aos quais destina-se cada tipo penal isoladamente considerado, vela pelo regime jurídico próprio das Forças Armadas e pela preservação da hierarquia e disciplina militares - âmago desta Especializada.

Nesse contexto, o duplo grau de jurisdição dos processos em trâmite na Justiça Militar exerce papel primordial na manutenção e defesa dos interesses institucionais tutelados pelo Direito Penal castrense. Suprimir do Ministério Público a legitimidade para submeter ao crivo deste Sodalício as sentenças absolutórias afronta a própria essência da Justiça Milicienne , uma vez que impede o exercício da jurisdição castrense, de forma plena e absoluta.

Impende observar que a tese suscitada pela Defesa já foi rechaçada por este Superior Tribunal Militar, como muito bem demonstrado no Voto do eminente Ministro Ten Brig Ar Carlos Augusto Amaral Oliveira, lançado na Apelação nº XXXXX-28.2021.7.00.0000 0, do qual se transcreve o seguinte fragmento:

"PRELIMINAR DE NULIDADE ANTE A ILEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR DE SE INSURGIR CONTRA A SENTENÇA ABSOLUTÓRIA .

[...]

SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

Somado a isso, o Ministério Público é, além de parte, fiscal da ordem jurídica, devendo guardar a escorreita aplicação das leis e dos princípios norteadores do direito.

É dizer: O Ministério Público deve concretizar a legalidade tanto para interpor recurso para absolver quanto para condenar o réu.

A persecutio criminis é atribuição assegurada ao Ministério Público nos termos do art. 129 da Constituição Federal. Extrai-se desse múnus o entendimento de que essa instituição, calcada no princípio da oficialidade e da obrigatoriedade de promoção da ação penal, não se limita apenas ao oferecimento da denúncia, mas também à busca dos meios necessários para a justa aplicação da lei penal contra quem a tenha infringido. Dessa forma, o argumento apresentado pela defesa, de invalidar o papel do Ministério Público no curso da ação penal não encontra respaldo em face do princípio da paridade de armas.

Se não for possível se questionar a absolvição de um acusado ou mesmo perseguir o agravamento da pena que lhe foi imposta, qual a razão de ser do duplo grau de jurisdição? Ou, se o Ministério Público não possui legitimidade para interpor recurso nesse sentido, quem mais teria? Como se observa, a tese defensiva não se ancora em nenhum fundamento principiológico, razão pela qual deve ser prontamente rechaçada. [...]

Assim é manifestamente descabida a argumentação defensiva no sentido de impedir a atuação do Ministério Público Militar de se insurgir contra sentença penal absolutória ou mesmo de buscar o agravamento da situação do sentenciado." (Grifos nossos).

Conferindo suporte ao raciocínio exposto, a jurisprudência desta Corte é assente no sentido de reconhecer a irrestrita legitimidade recursal do Ministério Público, como se denota do julgado a seguir:

"EMENTA: APELAÇÃO. MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR (MPM). CONHECIMENTO. PRELIMINAR. PENA EM ABSTRATO. PRESCRIÇÃO. ACOLHIMENTO. DECISÃO UNÂNIME. CONTROLE DE VOO. ATIVIDADE MILITAR. PARALISAÇÃO. INTERESSES PRIVADOS. SUBSUNÇÃO. DELITO DE MOTIM. AUTORIA E MATERIALIDADE. COMPROVAÇÃO. PROVIMENTO. DECISÃO UNÂNIME.

1. Conhece-se do Recurso Ministerial quando a sucumbência resta demonstrada e o seu interesse recursal está presente, consubstanciado na modificação da Sentença" a quo ". Recurso de Apelação conhecido. Decisão unânime.

2. Verificada a ocorrência da prescrição em abstrato da pretensão punitiva do Estado, o magistrado deve, em qualquer momento processual, decretá-la" ex officio ". Preliminar acolhida. Decisão unânime.

3. Cometem o crime de motim, previsto no art. 149, inciso I, do CPM, os militares que, reunidos para satisfazer reivindicação de natureza estatutária, paralisam, sem justa causa, as suas atividades prescritas em regulamentos, portarias, ordens ou

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modelos operacionais.

4. A negativa geral de manter a regularidade do tráfego aéreo descumpre nítida e permanente ordem emanada do escalão superior e, consequentemente, configura o delito do crime de motim, previsto no art. 149, inciso I, do CPM. Assim, para a subsunção da conduta a esse delito, não se exige que a ordem seja repetida, cotidianamente, antes do início das atividades da OM.

5. O motim integra o grupo dos mais nefastos crimes militares, porque mira, sem escrúpulos, nas raízes castrenses mais valiosas: os pilares da Hierarquia e da Disciplina. O delito atinge o âmago das Forças Armadas, reduzindo a pó os juramentos estatutários que os agentes militares realizaram perante a Bandeira Nacional.

6. O crime de motim sempre compromete a ordem pública e a constitucional, podendo, quando praticado com o intuito de pressionar o deferimento de demandas coletivas, conduzir a sociedade para o mais completo caos, pois ataca, frontalmente, a eficiência da maior ferramenta de Defesa do Estado.

7. O incorporado jura, se a situação exigir, morrer pelo Brasil (pela sociedade). A extensão do dano moral torna-se superlativa quando, mediante o amotinamento, militares da ativa priorizam os seus interesses privados em detrimento da paz social.

8. Na missão de tutelar a ultima ratio do Estado, a JMU deve reprimir atos criminosos extremamente danosos e capazes de desestabilizar, em curto tempo, os altos escalões castrenses e o normal funcionamento do País.

9. Recurso provido. Decisão unânime.".

(Superior Tribunal Militar. APELAÇÃO nº XXXXX-80.2019.7.00.0000. Relator (a): Ministro (a) MARCO ANTÔNIO DE FARIAS. Data de Julgamento: 28/10/2020, Data de Publicação: 19/11/2020). (Grifo nosso).

Nessa mesma esteira, já se posicionou o Egrégio Supremo Tribunal Federal:

"AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 725.491 SÃO PAULO

EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. PENAL E PROCESSUAL PENAL. CRIME DE ESTELIONATO CIRCUNSTANCIADO. ARTIGO 171, PARÁGRAFO 3º, DO CÓDIGO PENAL. ALEGADA OFENSA AO ARTIGO 127, PARÁGRAFO 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA FUNCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO. ACÓRDÃO RECORRIDO EM DIVERGÊNCIA COM A JURISPRUDÊNCIA DESTA CORTE.

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1 . A pretensão de um órgão do Ministério Público não vincula os demais, garantindo-se a legitimidade para recorrer, em face do princípio da independência funcional. Nesse sentido, HC XXXXX/MG, Rel. Min. Ilmar Galvão, DJ 07/08/1998, HC XXXXX/SP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 13/10/2000, e HC XXXXX/RJ, Rel. Min. Néri da Silveira, DJ 09/03/1993.

2. In casu, o acórdão recorrido assentou:"PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM APELAÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE INTERESSE RECURSAL. PEDIDO MINISTERIAL PELO RECONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. ESTELIONATO CONTRA A PREVIDÊNCIA SOCIAL (ARTIGO 171, DO CÓDIGO PENAL). FRAUDE NO RECEBIMENTO DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. TERMO INICIAL DO PRAZO PRESCRICIONAL AGRAVO NÃO CONHECIDO. [...]

3. Agravo regimental DESPROVIDO.".

( ARE XXXXX AgR, Relator (a): LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 26/05/2015, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-113 DIVULG XXXXX-06-2015 PUBLIC XXXXX-06-2015). (Grifo nosso).

Cabe ressaltar que, no âmbito da relação processual, deve ser garantida, ao Ministério Público, a liberdade de atuação, vinculada à legalidade, ao princípio da obrigatoriedade de ação penal de iniciativa pública e à análise imparcial dos fatos apreciados, em atenção direta ao princípio da independência funcional, de índole constitucional.

Por fim, considerando que, antes mesmo de atuar como parte, o Ministério Público Militar vela pelo interesse público e, na seara castrense, pela preservação da hierarquia e disciplina, enquanto custos legis , resta inequívoca a legitimidade do Parquet para recorrer das sentenças absolutórias, bem como o seu interesse no processamento e julgamento de Apelo por ele manejado.

Do exposto, rejeito a preliminar defensiva.

PRELIMINAR DE AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE

DA AÇÃO PENAL MILITAR

Nos presentes autos, o eminente Ministro Dr. JOSÉ COÊLHO FERREIRA suscita preliminar de falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade para a Ação Penal Militar, em razão do superveniente licenciamento do Apelante das fileiras do Exército, antes de finda a Ação, circunstância que considera ser impeditiva à continuidade do processo de Deserção.

Todavia, rogando vênia aos Ministros que compartilham de tal entendimento, não entendo que esta tese deva prevalecer.

SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR

In casu , o Apelado faltou ao quartel no dia 7 de julho de 2022. Após mais de oito dias, contados a partir de sua ausência injustificada, sem que tivesse se apresentado, voluntariamente, foi lavrado o Termo de Deserção, em seu desfavor, no dia 18 de julho de 2022. O Réu foi capturado em 12 de agosto de 2022. Não obstante ter sido orientado acerca de suas obrigações militares, nos dias 16 e 17 de agosto de 2022 faltou, novamente, ao expediente, o que motivou o MPM a apresentar requerimento para sua prisão, decretada pelo Juiz a quo.

A Denúncia foi recebida em 18 de agosto de 2022. O licenciamento do Apelado ocorreu em 3 de novembro de 2022 (evento 76 do Processo originário XXXXX-74.2022.7.03.0103), de sorte que o delito foi perpetrado, enquanto o Acusado ainda ostentava a condição de militar.

Em se tratando de crime de Deserção, capitulado no art. 187 do Código Penal Militar, exige-se que o réu apresente a condição de militar, tão somente por ocasião do recebimento da Denúncia, atendendo-se à condição de procedibilidade da Ação. Após este fato, pode ser excluído do serviço ativo, sem qualquer prejuízo à condução do processo.

Em consequência, não ostentar o Acusado o status de militar, durante a persecução penal, não tem o condão de obstar a marcha processual.

A permanência do Apelado nas fileiras militares não é condição imprescindível para a continuação da atividade jurisdicional na espécie, salvo quando comprovada eventual incapacidade do agente para o serviço ativo, o que não se verifica no caso dos presentes autos.

Nesse mesmo sentido, é farta a jurisprudência majoritária nesta Corte Castrense, a elucidar a matéria de forma indelével, consoante ilustram os precedentes colacionados, in verbis:

"APELAÇÃO. DPU. DESERÇÃO. PRELIMINARES. AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROSSEGUIBILIDADE. CONVERSÃO DE SESSÃO DE JULGAMENTO. MÉRITO. ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. NÃO COMPROVAÇÃO. SÚMULA Nº 3 DO STM . 1. Em observância à Teoria da Atividade, adotada pelo Código Penal Militar, o fato de o agente ter sido licenciado das fileiras das Forças Armadas, durante o curso da Ação Penal, em nada modifica a sua condição de militar no momento em que perpetrou o crime de deserção. 2. Sem motivo justo e fundamentando, não há razão para que o processo, já devidamente pautado para o Plenário Eletrônico Virtual, não seja julgado nessa oportunidade, para que seja designada nova pauta para inclusão do processo para julgamento por Videoconferência. 3.Consoante o teor da Súmula nº 3

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Videoconferência rejeitado. Decisão por unanimidade. Recurso conhecido e não provido. Decisão por unanimidade."(Apelação nº 7000787- 82.2021.7.00.0000. Relator Ministro Dr. ARTUR VIDIGAL DE OLIVEIRA. Data de Julgamento: 10/03/2022. Data de Publicação: 31/03/2022)" (Grifos nossos).

"APELAÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO (DPU). DESERÇÃO. ART. 187, CAPUT, DO CÓDIGO PENAL MILITAR ( CPM). AUSÊNCIA DE CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE . SITUAÇÃO DE ATIVIDADE VERIFICADA POR OCASIÃO DO OFERECIMENTO E DO RECEBIMENTO DA DENÚNCIA. TESE MAJORITÁRIA. HIPÓTESE DE APLICAÇÃO DA SÚMULA 12 DESTE SUPERIOR TRIBUNAL MILITAR (STM). POSICIONAMENTO SUFRAGADO PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF). DESPROVIMENTO DO APELO DEFENSIVO. DECISÃO POR MAIORIA . I - A posição majoritária deste Tribunal Militar se inclina no sentido de que, para o processamento do Acusado do crime previsto no art. 187 do Código Penal Militar - deserção -, é suficiente que o Réu ostente a qualidade de integrante das Forças Armadas por ocasião do recebimento da Denúncia, consoante o disposto na Súmula 12 editada por este STM . II - O entendimento majoritário desta Corte Castrense se encontra de acordo com a inteligência estabelecida pelo Pretório Excelso, ex vi do HC XXXXX/RJ. III - Não acolhimento da tese defensiva de ausência de condição de procedibilidade da Ação Penal Militar. Desprovimento. Decisão por maioria." (Apelação nº 7000250- 23.2020.7.00.0000. Relator Ministro Dr. PÉRICLES AURÉLIO LIMA DE QUEIROZ. Data de Julgamento: 06/08/2020. Data de Publicação: 26/08/2020)"(Grifos nossos).

Portanto, na investigação de condutas tipificadas no art. 187 do CPM, é imperioso verificar-se a situação de militar do agente, unicamente por ocasião do recebimento da Denúncia e da consequente deflagração da Ação Penal Militar, sendo indiferente, para a condução da instrução criminal, o eventual desligamento do desertor do serviço ativo das Forças Armadas.

Tanto assim o é, que a exclusão do acusado da Força Armada correspondente, durante o processamento de ação penal de Deserção, sequer é circunstância ensejadora de extinção da punibilidade, porquanto não prevista no rol do art. 123 do CPM.

Nesta mesma senda, não é possível inferir a exigência de manutenção da condição de militar durante a instrução penal, em razão do crime de Deserção, com base em disposições do CPPM regentes do tema, notadamente seus art. 456, § 4º, e 457, §§ 1º e 2º. Tais dispositivos em momento algum mencionam a exigência de que o processado por Deserção permaneça como militar da ativa, até o encerramento da instrução e julgamento do processo.

Ante o exposto, voto no sentido de rejeitar a preliminar de nulidade processual por falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da Ação Penal Militar, em relação ao ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES.

DO MÉRITO

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Adentrando ao mérito, o Apelo do Parquet merece prosperar.

Conforme denotam, especialmente, o Termo de Deserção e a Comunicação de Captura, em 12/8/2022 (eventos 1 e 9 do processo relacionado nº XXXXX-71.2022.7.12.0012), o Acusado, sem autorização ou licença, ausentou-se de sua organização militar (Companhia de Comando do 2º Grupamento de Engenharia), de 7/7/2022 a 16/7/2022, desenhando, assim, no plano objetivo, a figura típica da Deserção, conforme art. 187 do CPM.

Tratando-se a Deserção de delito de mera conduta, o dolo do Réu ressai, em primeiro lugar, dos traços objetivos do seu proceder, conforme já descrito, e, também, do seu interrogatório em Juízo, sobretudo no ponto onde afirma" que sabia que faltar ao quartel era crime ".

Por outro lado, com a devida vênia ao que proclama a Sentença em sua fundamentação, nenhuma escusa há para o agir mal do Acusado.

Como é cediço, a inexigibilidade de conduta diversa , como elemento integrativo da figura do Estado de Necessidade preconizado no art. 39 do CPM 5 , não se confirma diante de situações em que, ainda que sérias e graves , não se façam presentes os vetores do perigo certo e iminente e da ausência de alternativa de conduta .

Não é demais lembrar que a referida causa de exclusão da culpabilidade reclama, para a sua configuração, estar o agente diante de um perigo real, atual, grave e incontornável, que exija o sacrifício do direito alheio. Nesse caso, o do Estado de obter dos seus cidadãos a prestação do serviço militar, conforme as necessidades das Forças Armadas, para bem cumprir as suas destinações constitucionais. E, remarque-se, não é essa a hipótese sub examine.

In casu , a tese da inexigibilidade de conduta diversa, em que se assentou a absolvição do Réu, tem como base declarações de sua própria lavra e de testemunhas (informantes), que foram ouvidas sem compromisso, por possuírem parentesco consanguíneo com o Apelado. Essas declarações, embora com valia probatória, encontram-se fragilizadas, por estarem desacompanhadas de qualquer documentação.

Nesse passo, o Acusado alegou, em sua inquirição em Juízo, que a sua genitora teve que se ausentar da cidade, com a finalidade de cuidar do pai dela, que estaria acometido de uma enfermidade (acidente vascular cerebral), motivo pelo qual necessitou dedicar cuidados ao irmão de 13 anos de idade.

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O Apelado asseverou, também, que, em 13 de julho de 2022, o seu genitor havia sofrido um acidente de trânsito e, por esse motivo, necessitava de cuidados, tendo em vista dificuldade de locomoção, devido à tontura. Vejamos alguns trechos do seu depoimento:

"Declarou que quando a mãe viajou ele estava no começo do internato no quartel e já não tinha o contato com a mãe desde março. Disse que quando saiu do internato ficou cuidando do seu irmão menor, pois seu padrasto trabalhava na prefeitura e passava o dia fora.

Declarou que em 13 de julho, quando o pai sofreu o acidente, começou a faltar e desertou para cuidar do mesmo.

Perguntado se entre 16 de março de 2022 (data da viagem da sua mãe) e 6 de julho de 2022 (início de sua ausência ao quartel) se em algum momento o Acusado havia informado aos seus superiores da situação pela qual estava passando, respondeu que não.

Perguntado se ele não tivesse em casa para cuidar do pai, teria alguém para lhe substituir, respondeu que acha que a irmã dele teria que ir."(evento 54 - vídeos 4 e 5, do processo originário).

Por sua vez, as testemunhas da defesa, em seus depoimentos em Juízo, declararam, em resumo, o seguinte:

Testemunha informante (irmã do Acusado): Sra RAYANE DA COSTA GOMES (evento 54 - vídeo 1, do processo originário).

"Declarou que não poderia cuidar do pai, tendo em vista morar em outro bairro e por esse motivo não poderia levar o seu pai para o hospital, bem como marcar exames.

Declarou que o Acusado morava com o seu padrasto, a mãe e o irmão mais novo.

Declarou que o pai morava sozinho.

Perguntado se havia outra pessoa na família que pudesse ajudar pai ou somente o irmão (Acusado), respondeu que tinha uma tia do Acusado, mas ela tinha a vida dela e ajudava como podia, mas que o mais próximo eu o seu irmão (Acusado).".

Testemunha informante (pai do Acusado): Sr. ROCK LANE RUFINO GOMES. (evento 54 - vídeo 2, do processo originário).

"Declarou que sofreu um acidente em 13 de julho 22 e saiu do hospital no dia 14 de julho 22.

Declarou que tem 4 filhos em Manaus, disse que o seu filho (Acusado) procurava seus irmãos para comprar remédios.

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Perguntado o motivo dos outros filhos não ajudar, respondeu que uma estava recente no trabalho e não poderia perder o emprego.".

Testemunha informante (mãe do Acusado): Sra. JOANA PAULA DOS SANTOS UCHÔA. (evento 54 - vídeo 3, do processo originário).

"Declarou que morava na casa com os filhos e o marido (padrasto dos filhos) mas que este não tinha como assumir a responsabilidade pois ele iria embora.

Perguntado se havia outra pessoa na família que cuidasse do pai. Respondeu que diretamente só o Acusado, ele tem uns tios que dava apoio, mas diretamente só o Paulo (Acusado).

Perguntado se o pai do Acusado tinha irmão. Respondeu que sim, mas não sabia informar quantos.

Perguntado sobre a data de sua viajem, respondeu que foi dia 15 de março 22.

Declarou que tem um irmão em Manaus."(evento 54 - vídeo 3, do processo originário).

Como se denota, ainda que sejam tomadas como verdadeiras, essas declarações, notoriamente, padecem de energia meritória para amparar a conclusão da Sentença de que não lhe restaria outra alternativa , que não fosse a de desertar para fazer frente a seus problemas familiares ou, sob outra ótica de interpretação, de que simplesmente tenha se curvado sob o peso de tais problemas, a ponto de esquecer o compromisso com o serviço e o dever militar.

Nessa toada, em que pesem as alegações relatadas pelo Acusado, bem como o narrado nos depoimentos das testemunhas informantes, no sentido de que, repita-se, o Apelado teria se ausentado para dedicar cuidados ao irmão menor e a seu genitor, este último em razão de acidente, prova alguma existe a indicar, concretamente, que seria o Réu o exclusivo responsável por assisti-los, de forma tão intensa e permanente, a tal ponto de tê-lo impedido de comparecer ao quartel, onde prestava serviço militar obrigatório.

No ponto, constata-se, no próprio depoimento do Acusado em Juízo, que ele não era o único na família que poderia dispensar cuidados ao seu irmão mais novo, tendo em vista a afirmação de que o seu padrasto também morava na mesma residência. Da mesma forma, em relação ao pai do Apelado, extrai-se das oitivas, também tomadas em Juízo, que este possuía parentes na cidade onde morava (irmãos e outros filhos), o que fragiliza, sobremaneira, a tese da necessidade de deserção por parte do Réu.

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Além disso, também se depreende dos referidos depoimentos uma dissonância entre as datas nas quais os fatos alegados ocorreram e o período no qual o Acusado ficou ausente de sua Organização Militar.

A este respeito, cite-se, a propósito, o bem lançado Parecer do Custos Legis , extraindo-se, do seu corpo, o seguinte fragmento, ipsis litteris:

"Não obstante, a análise dos depoimentos das testemunhas arroladas pela defesa mostra discrepâncias nas datas em que os fatos alegados teriam ocorrido e os dias de ausência do apelado. A viagem da mãe do apelado, Sra. JOANA PAULA DOS SANTOS UCHÔA, para cuidar do pai doente, ocorreu em 16/03/2022 (depoimento no Evento 54 - Ação Penal), e a partir desse momento, supostamente, o apelado passou a ser responsável pelos cuidados do irmão menor. No entanto, o período de ausência que resultou na consumação do crime de deserção começou em 07/07/2022, sendo lavrado o termo de deserção em 18/07/2022. A captura do apelado ocorreu em 12 de agosto de 2022. Colocado em liberdade provisória, voltou a se ausentar injustificadamente em 16/08/2022, razão pela qual foi decretada sua prisão preventiva, com mandado de prisão cumprido em 24/08/2022.

Não foi esclarecido pela defesa com quem o menor ficou no período em que o apelado cumpriu o internato militar e o estágio de combatente de selva, período de março a maio de 2022 (evento 1-INIC1, autos IPD nº XXXXX-71.2022.7.12.0012). Dos depoimentos dos informantes arrolados pela defesa (evento 54) extrai-se a informação de que o padrasto do menor permaneceu morando na mesma casa após a viagem da Sra. JOANA (mãe do Apelado).

Quanto ao acidente de trânsito alegado, o próprio Sr. ROCK LANE RUFINO GOMES (pai do Apelado) afirmou que o sinistro ocorreu em 13/07/2022, ocasião em que foi internado no hospital (Evento 54 -Ação Penal). Ocorre que o SD EV PAULO VICTOR já se encontrava faltando ao serviço de maneira injustificada antes mesmo do fato ocorrer (dia 07/07/2022).

Destaca-se que até o início da instrução processual, não houve nenhuma referência aos problemas familiares enfrentados pelo apelado nos autos da Instrução Provisória de Deserção, não havendo nenhuma prova documental acerca das alegações (cópia da passagem da Sra. Joana, da certidão de nascimento do irmão menor, documentos da internação do Sr. Rock Lane -pai-receitas médicas, comprovantes de comparecimento a consultas médicas).Além disso, poderia o Apelado ter buscado auxílio de seus superiores hierárquicos para o enfrentamento dos suscitados problemas de ordem particular, o que também não se vê nos autos.

Ora, percebe-se uma série de inconsistências para a demonstração inequívoca das alegações defensivas, o que esbarra no lídimo enunciado contido na Súmula nº 3 do Superior Tribunal Militar: "Não constituem excludentes de culpabilidade, nos crimes de deserção e insubmissão, alegações de ordem particular ou familiar desacompanhadas de provas.

Assim, nota-se a inexistência de elementos de prova que demonstrem, de forma cabal, que o ora Apelante agiu albergado por estado de necessidade exculpante - nem por outra excludente de culpabilidade. Na realidade, os autos informam a

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prática do crime de deserção atribuído ao Apelado, que agiu de forma livre e consciente.".

Assim, os motivos alegados pelo Acusado não são suficientes para afastar a conduta criminosa ínsita no art. 187 do Código Penal Militar , não sendo possível cogitar a incidência ao caso do estado de necessidade, como excludente de culpabilidade.

Por fim, cabe reforçar que o Princípio do Livre Convencimento Motivado não dispensa que os autos contenham material probatório hábil a sustentar a decisão. Destarte, os fundamentos expostos em um julgamento final não podem ter como principal ou única base as declarações do próprio Acusado e testemunhas informantes .

À vista destas reflexões, tem-se que o cenário jurídico dos autos amolda-se, perfeitamente, aos dizeres do Enunciado nº 3 da Súmula de Jurisprudência deste Tribunal Militar:

"Não constituem excludentes de culpabilidade, nos crimes de deserção e insubmissão, alegações de ordem particular ou familiar desacompanhadas de provas .".

É o quantum satis para, com a reforma do Decisum a quo, condenar o Réu PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES , como incurso no art. 187 do CPM.

Firmada a condenação, passa-se à dosimetria da pena.

O Acusado é primário e possuidor de bons antecedentes. Não lhe são desfavoráveis as demais circunstâncias judiciais. Fixa-se, portanto, a pena-base em 6 (seis) meses de detenção, tendo em conta, ainda, o previsto no preceito secundário do art. 187 do CPM.

Inexistem agravantes, e presente se faz a circunstância atenuante da menoridade, prevista no art. 72, inciso I, do CPM, pois possuía menos de 21 anos na data do fato. Todavia, a atenuante não tem o condão de reduzir a pena-base, visto que já definida em seu mínimo legal.

Não há causas especiais de aumento ou diminuição, materializando-se a pena definitiva em 6 (seis) meses de detenção.

O Acusado pode usufruir da suspensão condicional da pena. Nesse sentido, esta Corte já firmou entendimento, segundo o qual a perda da condição de militar, por parte do Réu, viabiliza a concessão do aludido benefício aos desertores, apesar da vedação ínsita no art. 88, inciso II, alínea a, do CPM. Este Tribunal

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assim o fez, por motivo de política criminal. E isto ocorre porque, tendo em vista não mais ostentarem o status de militar, tais desertores deverão cumprir suas penas em estabelecimento prisional civil. Como se sabe, cumpridos os requisitos para a concessão do sursis , dentre estes a imposição de pena privativa de liberdade não superior a dois anos, o condenado civil tem direito ao benefício.

Assim, em face de se encontrarem atendidos os requisitos elencados no art. 84 do CPM e no art. 606 do CPPM, concede-se ao Acusado o benefício do sursis , pelo prazo de 2 (dois) anos, mediante as condições previstas no art. 626 do CPPM, exceto a da alínea a, com a obrigatoriedade de comparecimento trimestral perante o Juízo da Execução, designo o Juiz Federal da Justiça Militar prolator da Sentença para presidir a audiência admonitória, ex vi do art. 611 do Código Adjetivo Castrense, o regime aberto para início do cumprimento da pena, caso descumpridas as condições do sursis, e o direito de recorrer em liberdade.

Com estas considerações, voto no sentido de rejeitar a preliminar de ilegitimidade do Ministério Público para recorrer de sentença absolutória; rejeitar a segunda preliminar de nulidade processual por falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da Ação Penal Militar e, no mérito, dar provimento ao Apelo do MPM para, com a reforma da Sentença hostilizada, condenar o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES à pena de 6 (seis) meses de detenção, como incurso no art. 187 do CPM, detraindo desse quantum o período de custódia provisória cumprida pelo Acusado, ex vi do art. 67 do CPM, com o benefício do sursis , pelo prazo de 2 (dois) anos, com fulcro nos art. 84 do CPM e 606 do CPPM, sob as condições determinadas no Acórdão, fixando o regime prisional inicialmente aberto, para a hipótese de vir a cumprir a reprimenda que ora lhe é imposta.

Documento eletrônico assinado por LOURIVAL CARVALHO SILVA, Ministro Relator , na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.stm.jus.br/eproc_2g_prod/externo_controlador.php? ação=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv10 e do código CRC 4d730611.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): LOURIVAL CARVALHO SILVA

Data e Hora: 23/8/2023, às 10:12:14

1. Art. 593. Caberá apelação no prazo de 5 (cinco) dias: I - das sentenças definitivas de condenação ou

absolvição proferidas por juiz singular; (...)

2. Art. 526. Cabe apelação:a) da sentença definitiva de condenação ou de absolvição;b) de sentença definitiva ou com força de definitiva, nos casos não previstos no capítulo anterior.

3. Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:I - promover, privativamente, a ação penal pública, na forma da lei;

4. Art. 127. O Ministério Público é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais

indisponíveis.§ 1º - São princípios institucionais do Ministério Público a unidade, a indivisibilidade e a

independência funcional.

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5. Art. 39. Não é igualmente culpado quem, para proteger direito próprio ou de pessoa a quem está ligado por estreitas relações de parentesco ou afeição, contra perigo certo e atual, que não provocou, nem podia de outro modo evitar, sacrifica direito alheio, ainda quando superior ao direito protegido, desde que não lhe era razoavelmente exigível conduta diversa.

XXXXX-25.2022.7.00.0000 40001353457 .V10 APELAÇÃO CRIMINAL Nº XXXXX-25.2022.7.00.0000/AM

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR

APELADO: PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES

DECLARAÇÃO DE VOTO

O recurso é tempestivo, cabível e foi interposto por parte legítima e interessada. Presentes os requisitos de admissibilidade, deve ser conhecido.

PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO MINISTERIAL

Em sede de Contrarrazões, a Defensoria Pública da União requereu o não conhecimento do Recurso de Apelação interposto pelo Órgão ministerial, sob o argumento de que, diante dos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, especialmente aquele que consagra o duplo grau de jurisdição 1 , o Ministério Público não pode apelar de Sentença absolutória.

Não obstante a tese defensiva ter como alicerce a Decisão do Pretório Excelso, nos autos do Habeas Corpus nº 73.338-7/RJ, de relatoria do eminente Ministro Celso de Mello, que ressalvou: "(...) o processo penal só pode ser concebido e assim deve ser visto como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu (...)" , a argumentação não merece acolhida, na medida em que surge de pressuposto equivocado e descontextualizado.

Inicialmente, cabe ressaltar que a premissa anteriormente citada foi extraída pontualmente de uma decisão prolatada em sede de Habeas Corpus, cuja índole constitucional, notadamente, tutela a liberdade de locomoção do sujeito contra ilegalidade ou abuso de poder por parte da autoridade coatora, nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Republicana de 1988 e do art. 466 do Código de Processo Penal Militar, cujo teor estatui que "Conceder-se-á habeas corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder" .

Aqui o bem jurídico tutelado é a liberdade de locomoção, o direito de ir, vir.

Conforme ensina o doutrinador Aury Lopes Jr. (Direito processual penal . Saraiva. São Paulo. 2016. 13a ed. p. 821):

"[...] a doutrina costuma denominá-lo ‘remédio heroico’, destinado a garantir o direito fundamental à liberdade individual . Quando se destina a atacar uma ilegalidade já consumada, um constrangimento ilegal já praticado, denomina-se habeas corpus liberatório (sua função é de liberar). Também é possível utilizar-se ainda que a detenção ou o constrangimento não haja sido praticado, em uma situação de iminência ou ameaça. Nesse caso, denomina-se habeas corpus preventivo". (Grifo nosso.)

Nesse sentido, o precedente aponta, de forma clara e evidente, que o processo penal tem como finalidade a salvaguarda da liberdade do réu, sendo que essa missão decorre da estrita observância das garantias constitucionais inerentes ao processo criminal, mormente as atinentes à observância irrestrita da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal, entre outras, as quais, caso descumpridas ao longo da persecução penal, podem ensejar o acolhimento do remédio heroico.

Nessa trilha, esclarece Heráclito Antônio Mossin (Habeas Corpus: antecedentes históricos, hipóteses de impetração, processo, competência e recursos, modelos de petição, jurisprudência . 5a ed. Atlas. São Paulo. p. 64):

"[...] a ilegalidade a que se refere o legislador constitucional deve ser estendida a todo ato ou ação que se promova contrariamente ao que está instituído em lei, ou que seja excedente ao seu teor. Assim sendo, a ilegalidade pode traduzir arbitrariedade, quando se revela um excesso de autoridade ou a prática de ato abusivo ou não autorizado legalmente. Portanto, desde que o ato coativo ou ameaçado de sê-lo, em sentido amplo, não encontra parâmetro ou suporte legal é ele ilegal, passível de ser corrigido pelo remédio heróico do habeas corpus (...)" .

Não por outra razão a ementa do Habeas Corpus paradigma mencionado pela DPU foi assim redigida, deixando clara a descontextualização:

"[...] A persecução penal rege-se, enquanto atividade estatal juridicamente vinculada, por padrões normativos, que, consagrados pela constituição e pelas leis, traduzem limitações significativas ao poder do Estado. Por isso mesmo, o processo penal só pode ser concebido - e assim deve ser visto - como instrumento de salvaguarda da liberdade do réu".

Desse modo, não procede a alegação defensiva dando conta de que o processo penal só pode ser concebido como "(...) instrumento de salvaguarda da liberdade (...)" , isso, inevitavelmente, condicionaria ao entendimento segundo o qual seria inconstitucional a possibilidade de recurso ministerial tendente à reforma de uma Sentença absolutória, ou mesmo do agravamento de uma pena, situações contrárias à previsão disposta no ordenamento jurídico vigente, sobretudo à Lei penal castrense.

Ora, considerando a dicção do art. 526 do Código de Processo Penal Militar, bem como a previsão ínsita no art. 593 do Código de Processo Penal, segundo o qual caberá o Recurso de Apelação da "[...] sentença definitiva de condenação ou de absolvição [...]" , assim como a redação do art. 510 do referido Códex Processual castrense, no sentido de que, das decisões do Conselho de Justiça ou do auditor, "[...] as partes poderão interpor os seguintes recursos: [...] apelação [...]" , os referidos dispositivos infraconstitucionais foram recepcionados pela ordem constitucional vigente, principalmente no que concerne à concretude do jus puniendi do Estado, na forma do inciso I do artigo 129 da Constituição Federal, que confere ao Ministério Público a primazia da promoção da ação penal pública.

Ademais, o tema trazido à baila pelo Órgão de Defesa Pública já foi objeto de análise por esta Egrégia Corte, que, na ocasião, firmou entendimento no sentido de que há "[...] interesse recursal do Ministério Público Militar quando o recurso de apelação se basear na alteração do fundamento do decreto absolutório, seja in pejus ou in mellius, com vistas à correta aplicação da lei." (Recurso em Sentido Estrito nº XXXXX-43.2018.7.00.0000, Relator: Ministro Odilson Sampaio Benzi, DJe: 11/4/2018).

Assim, não há outro entendimento que não seja o de conferir plena legitimidade ao Órgão acusatório para interposição de Recuso de Apelação.

Por tais razões, rejeito a preliminar de não conhecimento suscitada pela Defensoria Pública da União.

PRELIMINAR DE E NULIDADE PROCESSUAL POR FALTA DE

CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE/PROSSEGUIBILIDADE DA AÇÃO

PENAL MILITAR

Na sessão de julgamento, o eminente Ministro José Coêlho Ferreira, de ofício, suscitou preliminar de nulidade processual por falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da ação penal militar, em virtude de ter sido o acusado licenciamento das fileiras do Exército brasileiro e não mais ostentar a condição de militar.

Todavia, a tese não prospera.

Como já expus nos julgamentos das Apelações nº 25- 46.2012.7.01.0301 e nº XXXXX-81.2010.7.01.0401, entendo ser plenamente possível ao desertor responder ao processo penal militar, mesmo tendo sido licenciado pela administração castrense.

Convém destacar que, em 18/8/2022, data do recebimento da Denúncia pelo juízo a quo, todas as condições da ação se mostravam idôneas, em especial, a legitimidade passiva ad causam , porque na ocasião da instauração da Ação Penal Militar o réu possuía a condição de militar (evento 1, documento 2, da APM).

Assim, para o início da relação jurídica processual, não foi verificada a inexistência de tal condição, porquanto foi procedido a sua regular reinclusão em 12/8/2022 (evento 9 da IPD), providência indispensável para o oferecimento da competente Denúncia.

O art. 457, § 2º, do CPPM, preceitua, in litteris:

"§ 2º A ata de inspeção de saúde será remetida, com urgência, à auditoria a que tiverem sido distribuídos os autos, para que, em caso de incapacidade definitiva, seja o desertor sem estabilidade isento da reinclusão e do processo, sendo os autos arquivados, após o pronunciamento do representante do Ministério Público Militar.".

Ora, o dispositivo citado determina que o desertor seja isento do processo quando a incapacidade definitiva for constatada, inexistindo qualquer relação com as infrações anteriormente cometidas. Igual raciocínio aplica-se àquele que, regularmente processado, foi licenciado do serviço ativo.

Tal como colocado, a Súmula nº 12 desta Corte encontra-se em perfeita consonância com o entendimento por mim esposado, porquanto exige a condição de militar somente para a propositura da ação penal militar, e não para seu seguimento, em virtude da desnecessidade de tal status para a continuidade do processo. Observe-se:

STM. SÚMULA Nº 12 - (PRAÇA COM E SEM ESTABILIDADE - DENÚNCIA POR DESERÇÃO - POSSIBILIDADE - STATUS DE MILITAR - CONDIÇÃO DE PROCEDIBILIDADE PARA A PERSECUTIO CRIMINIS)

A praça sem estabilidade não pode ser denunciada por deserção sem ter readquirido o status de militar, condição de procedibilidade para a persecutio criminis, através da reinclusão. Para a praça estável, a condição de procedibilidade é a reversão ao serviço ativo.

Nesse sentido, destaco entendimento delineado pela Suprema Corte Federal, consoante voto do Ministro- Relator Alexandre de Morais, in verbis:

"[...] não se pode concluir que o licenciamento do paciente das fileiras do Exército, com o consequente retorno dele à vida civil, seja óbice ao prosseguimento da instrução criminal ou à execução da pena. E é nesse sentido que a Súmula 12 do Superior Tribunal Militar assenta que a condição de militar somente deve ser considerada para a deflagração da ação penal contra o desertor.

Em verdade, também não se pode ignorar que a objetividade jurídica do crime em questão é a proteção do serviço e deveres militares. Assim, caso prevalecesse a tese defensiva, a efetividade da tutela desses bens jurídicos certamente ficaria comprometida, transmitindo- se, ainda, a indesejável ideia de imunidade penal, sobretudo nas hipóteses em que o acusado está submetido ao serviço militar obrigatório, cujo vínculo com o organismo militar, em parcela significativa, é temporário.

Na espécie, portanto, a perda superveniente da condição de militar não é obstáculo para o prosseguimento da ação penal, tendo em vista que, segundo consta dos autos, o paciente foi licenciado do serviço militar ativo em 27/04/2018, isto é, após o recebimento da denúncia, ocorrido em 13/04/2018." (AG. REG. HC XXXXX/DF, rel. Min. Alexandre de Morais, julgado em 29/3/2019). (Grifo Nosso.).

Sobre o tema, manifestou-se o Superior Tribunal de Justiça:

"RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. POLICIAL MILITAR. DESERÇÃO. POSTERIOR EXCLUSÃO DAS FILEIRAS MILITARES. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Segundo o art. 187 do Código Penal Militar, comete o crime de deserção o militar que se ausentar, sem licença, da unidade em que serve, ou do lugar em que deve permanecer, por mais de oito dias. 2. Na hipótese, quando da consumação do delito e do oferecimento da denúncia, o recorrente ostentava a condição de militar, podendo, assim, ser sujeito ativo do crime de deserção. 3. A superveniente exclusão das fileiras militares, por fatos diversos, não dá azo ao trancamento da ação penal, sob a alegação de ausência de condição de procedibilidade. 4. A exclusão do paciente das fileiras do Exército ocorreu quando já estava consumado o crime de deserção. (....) Não há irregularidade na Lavratura do Termo de Deserção, nem na exclusão do militar das fileiras do Exército, após a consumação do delito. (....) Não há a alegada falta de justa causa". (Precedente do

Superior Tribunal Militar). 5. Recurso a que se nega provimento. ( RHC XXXXX/PR, Rel. Ministro Og Fernandes, Sexta Turma, julgado em 23/3/2010, DJe de 12/4/2010). (Grifo nosso.)

Trata-se, na realidade, de medida de política criminal adotada pelo legislador que não se imiscui com o tipo penal ou nele interfere. Desse modo, cometido o delito por quem é detentor da condição de militar, não se cogita ilegitimatio ad partem por perda desta qualidade, uma vez que a superveniência da condição de civil do denunciado não afeta o crime consumado.

Dessa forma, indubitável ser a reinclusão condição de procedibilidade para o oferecimento da Denúncia, não se verificando qualquer previsão legal de que tal condição configure obstáculo à prosseguibilidade do feito regularmente processado.

Diante do exposto, alinhado com o entendimento majoritário desta Corte castrense, rejeito a preliminar de falta de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da ação penal militar, por falta de amparo legal.

MÉRITO

Insurge-se o Ministério Público Militar contra a Sentença do CPJ para o Exército da 12a CJM, que, por maioria (4x1), julgou improcedente a Denúncia para absolver o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES, das sanções do art. 187 do CPM, nos termos da alínea d do art. 439 do Código de Processo Penal castrense c/c o art. 39 do Código Penal Militar.

O Parquet castrense sustentou haver nos autos robusto conjunto probatório desfavorável ao apelado e compatível com os fatos narrados na exordial, não podendo prosperar a Sentença que acolheu a tese de estado de necessidade exculpante, despida de qualquer prova hábil à demonstração do alegado.

Assiste razão ao Órgão ministerial.

A conduta do agente é típica e antijurídica, enquadrando-se perfeitamente ao tipo penal insculpido no art. 187 do Codex Penal Militar.

A autoria e a materialidade restaram comprovadas consoante Parte de Ausência (evento 1, fl. 3, da IPD); Termo de Deserção (evento 1, fl. 11, da IPD); Ofício nº 10-Cia C S1 Cart Jus Disc/Cia C/2º Gpt E, informando a captura do agente, bem como seu ato de reinclusão por ter sido considerado apto para fim de Serviço Militar (evento 9 da IPD); e pelo próprio interrogatório do acusado que, apesar de tentar empreender esforços na tentativa de justificar a prática delituosa, não demonstrou com aptidão a existência de elementos que sustentem as alegações a seu favor .

O elemento subjetivo é a vontade livre e consciente de ausentar-se da Unidade Militar onde serve ou do lugar em que deve permanecer, sem autorização do superior hierárquico, por prazo acima de 8 (oito) dias, o que aqui restou evidenciado pelo sujeito ativo .

Acerca dos bens jurídicos tutelados pelo art. 187 do Códex Castrense, lecionam Cícero Robson Coimbra Neves e Marcello Streifinger 2 , in verbis:

"[...] no tipo penal em estudo tutela-se o serviço militar afetado pelo fato do agente não estar presente. Protege-se, ademais, o dever militar , o comprometimento, a vinculação do homem aos valores éticos e funcionais da caserna e de sua profissão." (Grifos nossos.)

Para além, o ato de desertar ofende sobremaneira os princípios constitucionais da hierarquia e da disciplina, sobre os quais se fundam as instituições militares, consoante entendimento assentado pelo Supremo Tribunal Federal, in verbis :

"HABEAS CORPUS. PENAL MILITAR. PACIENTE CONDENADO PELO CRIME DE DESERÇÃO. ABSOLVIÇÃO. PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA. INAPLICABILIDADE. RAZOÁVEL GRAU DE REPROVABILIDADE DA CONDUTA. ORDEM DENEGADA. (...) III - O crime de deserção ofende aos princípios da hierarquia e da disciplina, preceitos constitucionais sobre os quais se fundam as Forças Armadas, constituindo a ausência injustificada de militares ilícito penal, na medida em que a ofensa ao bem jurídico tem impacto direto sobre o efetivo militar e as bases de organização das Forças Arm adas. (...) V - Ordem denegada." ( HC 118.255, Min. Rel. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 3/12/2013)."(Grifo nosso.).

Sem embargo, contrariando a tese esposada pela Defesa e pela Sentença prolatada pelo CPJ para o Exército, não verifico nos autos evidências a constatar elementos aptos que justificam a hipótese de estado de necessidade exculpante. Vejamos.

Em seu interrogatório, o agente relatou ter sua mãe viajado para cuidar do pai (avô do apelado), que havia sofrido um acidente vascular cerebral (AVC). Assim, não havendo com quem deixar o irmão - menor de idade -, teve que faltar ao quartel para cuidar dele. Destacou, ainda, que a sua falta ao serviço acabou se

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prolongando, pois seu pai se envolveu em um acidente de trânsito, vindo a sofrer algumas lesões que demandaram cuidados por parte do acusado (evento 54, documentos 4/5, da APM).

Em Juízo, embora as testemunhas defensivas tenham afirmado que o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES se ausentou do serviço porque precisava cuidar do irmão mais novo após a viagem da mãe e também de seu pai enquanto se recuperava das lesões sofridas em decorrência de um acidente, tais argumentos mostram discrepâncias em relação às datas em que os fatos supracitados teriam ocorrido e os dias de ausência do apelado.

A viagem realizada pela mãe do réu Sra. Joana Paula dos Santos Uchôa, para cuidar do pai doente, conforme por ela esclarecido em Juízo, ocorreu em 16/3/2022 (evento 54 da APM) e, a partir desse momento, supostamente, o apelado passou a ser responsável pelos cuidados do irmão menor. Todavia, o período de ausência que resultou na consumação do crime de deserção iniciou-se em 7/7/2022 , ou seja, mais de 3 (três) meses após a ausência da mãe, sendo lavrado o termo de deserção em 18/7/2022. A captura do militar ocorreu em 12/8/2022. Colocado em liberdade provisória, voltou a ausentar-se, injustificadamente, em 16/8/2022 , razão pela qual foi decretada sua prisão preventiva, com mandado de prisão cumprido em 24/8/2022.

No que concerne ao acidente de trânsito informado, o próprio acidentado, o senhor Rock Lane Rufino Gomes, pai do acusado, afirmou que o sinistro ocorreu em 13/7/2022 , ocasião em que foi internado no hospital (evento 54 da APM). Ocorre que o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES já se encontrava faltando ao serviço injustificadamente antes mesmo do fato ocorrer, ou seja, em 7/7/2022.

Cabe destacar também que a DPU não colacionou nos autos deste processo nenhuma prova documental capaz de atestar o alegado, tal como cópia da passagem da Sra. Joana, certidão de nascimento do irmão menor, documentos sobre a internação do pai do acusado, receitas médicas, comprovantes de comparecimento a consultas médicas etc.

Não se está aqui a negar a possibilidade da ocorrência da viagem da mãe do apelado para assistir ao seu pai (avô do acusado), nem mesmo o fato do sr. Rock Lane ter sofrido um acidente, contudo não há provas nos autos de que tais circunstâncias justificariam o ato da deserção praticado pelo réu.

Ademais, em seu interrogatório, o apelado admitiu que em nenhum momento de sua ausência, ou até mesmo antes de decidir pelo afastamento da OM, comunicou os possíveis problemas vivenciados aos seus superiores, a fim de solicitar auxílio e, por sua vez, evitar a prática do delito em questão, circunstância que rechaça a alegação de estado de necessidade, porquanto lhe era exigível conduta diversa.

O estado de necessidade insere-se em um contexto de situação de perigo atual, não provocado voluntariamente pelo agente, no qual se admite a violação de outro direito por não ser razoavelmente exigido o sacrifício do direito próprio. In specie , não verifico idoneidade para sua aplicação, isso porque não constam dos autos instrumentos probatórios hábeis a demonstrar a ocorrência do instituto, de modo a configurar a excludente de culpabilidade.

E mais, convém frisar que o Órgão de assistência judiciária da União não esclareceu quem ficou responsável pelos cuidados do menor (irmão do acusado) no período em que o apelado cumpriu regime de internato militar e realizou o estágio de combatente de selva (evento 1 da IPD).

Nesse ponto, vale transcrever o argumento lançado em Razões de Apelação pelo Custos Legis, in verbis:

" [...] Não foi esclarecido pela defesa com quem o menor ficou no período em que o apelado cumpriu o internato militar e o estágio de combatente de selva, período de março a maio de 2022 (evento 1- INIC1, autos IPD nº XXXXX-71.2022.7.12.0012). Informe-se ainda que, fragilizando ainda mais o argumento defensivo, dos depoimentos dos informantes arrolados pela defesa (evento 54) extrai-se a informação de que o padrasto do menor permaneceu morando na mesma casa após a viagem da Sra. JOANA.".

Tenho para mim que a prática de nova ausência injustificada pelo réu, em 16/8/2022, logo após a concessão da liberdade provisória, não se consumando nova deserção em razão da execução de prisão preventiva em 24/8/2022, revela a intenção do agente em praticar a deserção.

Ainda que fosse comprovada a necessidade de ausência, o réu poderia ainda agir de outra forma, procurando apoio junto a seus superiores. Porém, pelo contrário, preferiu se ausentar, sem realizar qualquer contato com sua Organização Militar, o que demonstra total descaso com o dever militar.

Nesse sentido, observa-se da instrução criminal que a Defesa não conseguiu produzir provas mínimas para confirmar a situação de estado de necessidade exculpante do apelado, nem mesmo quando mencionou a necessidade de dedicar cuidados ao irmão menor e, após, pela necessidade de cuidar do pai que havia sofrido um acidente de trânsito.

Ora, não deveria ter o agente simplesmente abandonado a Organização Militar, pois poderia comunicar a seus superiores as aludidas situações vivenciadas.

Por conseguinte, como já mencionado, a conduta do acusado é típica e antijurídica, ofendendo diretamente os bens jurídicos tutelados pelo legislador castrense: o serviço militar e o dever militar, não havendo qualquer causa excludente de culpabilidade do agente.

Nesse circunspecto, ressalta-se o teor do Verbete nº 3 da Súmula de Jurisprudência do Superior Tribunal Militar, que dispõe :" Não constituem excludente de culpabilidade, nos crimes de deserção e insubmissão, alegações de ordem particular ou familiar desacompanhado de provas . ".

Nessa trilha, colaciono julgado desta Corte castrense que apresenta a mesma diretriz jurídica para casos que se assemelham ao deste processo, in verbis:

APELAÇÃO. DESERÇÃO. SENTENÇA CONDENATÓRIA. ALEGAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE DO CRIME DE DESERÇÃO. ESTADO DE NECESSIDADE NÃO COMPROVADO. SÚMULA 3 DO STM. SURSIS. IMPOSSIBILIDADE. APELAÇÃO DESPROVIDA À UNANIMIDADE. O art. 187 do CPM não configura ofensa aos princípios da proporcionalidade, razoabilidade, ou da dignidade da pessoa humana, tampouco aos arts. 6º, 143, § 1º, 227 e 229, todos da Lei Maior. O dispositivo citado coaduna-se com o estado democrático de direito e com a Constituição da Republica, tornando- se imprescindível diante da importância do cumprimento do múnus militar. Precedentes desta Justiça Especializada. A Defesa não comprovou o estado de necessidade do apelante, hábil a justificar a sua ausência ao quartel, devendo incidir a Súmula nº 3 do STM . Esta Corte já assentou reiteradamente que o enunciado da referida Súmula não representa ofensa aos princípios da presunção de inocência e do livre convencimento motivado, encontrando-se em sintonia com a Constituição da Republica. As provas trazidas aos autos revelam a autoria, a materialidade e o nexo de causalidade, evidenciando que a conduta se reveste de todas as elementares objetivas e subjetivas do tipo, ausentes as causas de exclusão de antijuridicidade ou de culpabilidade . A proibição da concessão do sursis aos sentenciados pelo crime de deserção alinha-se perfeitamente à ordem constitucional vigente. O Supremo Tribunal Federal (Habeas Corpus nº 119567/RJ) reconheceu a constitucionalidade do tratamento processual penal mais gravoso às condutas delituosas tipificadas no art. 187 do CPM e consignou que o art. 88, inciso II, alínea a, do CPM, bem como o art. 617, inciso II,

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alínea a, do CPPM, foram recepcionados pela CF/1988. Excepcionalmente, esta Corte tem admitido a concessão do benefício do sursis por razões de política criminal ao autor do crime de deserção que vier a ser licenciado do serviço militar, o que não ocorreu no presente caso. Apelação desprovida. Decisão unânime. (Apelação nº XXXXX-73.2018.7.00.0000 -Relator: Min. William de Oliveira Barros - Revisor: Artur Vidigal de Oliveira - Autuação: 17/04/2018 - Julgamento: 25/09/2018 - Publicação: 5/10/2018.) (Grifo nosso.)

Com efeito, os problemas supracitados não têm o condão de embasar um decreto absolutório, de justificar o cometimento do delito, assim como de eximir o acusado do cumprimento de deveres e de obrigações militares, pois ele podia e devia agir de outra forma.

Do apelado era exigível, portanto, conduta diversa, visto que desertou por livre arbítrio e sem estar amparado por qualquer excludente de ilicitude ou de culpabilidade previstas no Códex castrense.

Deste modo, a condenação pelo crime de deserção é medida que se impõe.

Passando ao cálculo da pena, tem-se que o conjunto das circunstâncias judiciais do art. 69 do CPM mostra-se favorável ao acusado, devendo a pena-base prevista para o tipo penal ser fixada em seu mínimo legal, ou seja, 6 (seis) meses de detenção.

Na segunda fase de dosimetria, sem embargo da atenuante da menoridade, prevista no art. 72, inciso I, do CPM, deixo de aplicá-la, tendo em vista a parte final do art. 73 do CPM, sobre a atenuação da sanção aquém do mínimo legal.

Na terceira fase, não incide a causa de diminuição prevista no art. 189, inciso I, do CPM, perfazendo 6 (seis) meses de detenção, que se toma definitiva, à míngua de outras causas de aumento ou de diminuição.

Fixo o regime aberto para início do cumprimento da reprimenda, ex vi da alínea c do § 2º do art. 33 do Código Penal comum, e, sendo o réu primário e de bons antecedentes, assiste-lhe o direito de recorrer em liberdade, a teor do art. 527 do CPPM.

No que concerne à concessão do benefício da suspensão condicional da pena, destaco que, embora seja ela vedada àqueles que cometem o crime de deserção, nos termos do art. 88, II, alínea a, do CPM 3 e do art. 617, II, alínea a,

Poder Judiciário

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do CPPM, esta Corte tem relativizado a questão e entende que não se figuraria razoável a manutenção da prisão daquele que não mais ostenta a condição de militar, a fim de evitar que seja ele submetido aos rigores do estabelecimento prisional comum.

Nesse conspecto, havendo o licenciamento do militar em 3/11/2022 (evento 76 da APM), a aplicação do sursis é medida de política criminal que se impõe, nos termos do entendimento deste Tribunal 4 .

Assim, em vista de o acusado não mais ostentar a condição de militar, concedo-lhe o sursis pelo prazo de 2 (dois) anos, nos termos dos arts. 84 do CPM e 606 do CPPM 5 , mediante o aceite das condições previstas no art. 626 do CPPM 6 , excetuada a alínea a, e designo o Juízo da Auditoria da 12a CJM para presidir a audiência admonitória, ex vi do art. 611 do CPPM 7 .

Diante de todo o exposto, rejeitei, por falta de amparo legal, a preliminar, suscitada de ofício pelo Ministro José Coêlho Ferreira, de nulidade processual por ausência de condição de procedibilidade/prosseguibilidade da ação penal militar.

No mérito, acompanhando o Ministro Relator, votei no sentido de conhecer e dar provimento ao Apelo interposto pelo Ministério Público Militar, para reformar a Sentença hostilizada e condenar o ex-Sd Ex PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES à pena de 6 (seis) meses de detenção, como incurso no art. 187 do CPM, detraído o período em que esteve preso, estabelecendo o regime inicial aberto para o eventual cumprimento da pena, nos termos do art. 33, § 2º, alínea c, do CP comum, concedendo-lhe o benefício do sursis pelo prazo de 2 (dois) anos, ex vi do art. 84 do CPM e do art. 606 do CPPM, com as condições previstas no art. 626 do CPPM, excetuada a alínea a, e designando, desde já, o Juízo da Auditoria da 12a CJM para presidir a audiência admonitória, ex vi do art. 611 do CPPM.

Brasília, 22 de junho de 2023.

Documento eletrônico assinado por MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA, Ministra Revisora , na forma do artigo , inciso III, da Lei 11.419. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico https://eproc2g.stm.jus.br/eproc_2g_prod/externo_controlador.php? ação=consulta_autenticidade_documentos, mediante o preenchimento do código verificador XXXXXv4 e do código CRC 19ddced8.

Informações adicionais da assinatura:

Signatário (a): MARIA ELIZABETH GUIMARÃES TEIXEIRA ROCHA

Data e Hora: 1/8/2023, às 16:56:56

1. Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (art. 14, n.5).

2. NEVES, Cícero Robson Coimbra e STREIFINGER, Marcello. Manual de Direito Penal Militar. 4. ed. São

Paulo: Saraiva, 2014. p. 930.

3. Art. 88. A suspensão condicional da pena não se aplica:(...) II - em tempo de paz:a) por crime contra a

segurança nacional, de aliciação e incitamento, de violência contra superior, oficial de dia, de serviço ou de

quarto, sentinela, vigia ou plantão, de desrespeito a superior, de insubordinação, ou de deserção;

4. EMENTA: APELAÇÃO. DESERÇÃO. PRELIMINAR DE OFÍCIO. EXCLUSÃO DO SERVIÇO ATIVO.

LICENCIAMENTO DO AGENTE. FALTA DE CONDIÇÃO DE" PROSSEGUIBILIDADE "DA AÇÃO

PENAL MILITAR (APM). REJEIÇÃO. MAIORIA. MÉRITO. AUTORIA E MATERIALIDADE DELITIVA.

COMPROVAÇÃO. ESTADO DE NECESSIDADE EXCULPANTE. INEXIGIBILIDADE DE CONDUTA

DIVERSA. ALEGAÇÕES DE ORDEM PARTICULAR PROBLEMAS FAMILIARES. PERIGO

IMEDIATO. IMPROCEDÊNCIA. PREVALÊNCIA DO SERVIÇO MILITAR. TIPO PENAL DO ART. 187

DO CPM. SÚMULA Nº 3/STM. PENA DE DETENÇÃO. CONDENADO CIVIL. DECISÃO UNÂNIME.

(...). Havendo a exclusão posterior do militar do Serviço Ativo, a pena de detenção prevalece. 7. A

jurisprudência do STM pacificou que avedação ao sursis da pena, estabelecida para o crime de deserção, resta

afastada se o agente for civil. 8. Recurso conhecido e provido parcialmente. Decisão unânime. (Apelação nº

XXXXX-97.2018.7.00.0000. Relator: Ministro MARCO ANTÔNIO DE FARIAS. Julgamento: 21/11/2018.

Publicação: 17/12/2018). (Grifo nosso.)

5. Art. 606. O Conselho de Justiça, o Auditor ou o Tribunal poderão suspender, por tempo não inferior a 2 (dois) anos nem superior a 6 (seis) anos, a execução da pena privativa da liberdade que não exceda a 2 (dois) anos, desde que: (...)

6. Art. 626. Serão normas obrigatórias impostas ao sentenciado que obtiver o livramento condicional:a) tomar ocupação, dentro de prazo razoável, se for apto para o trabalho;b) não se ausentar do território da jurisdição do juiz, sem prévia autorização;c) não portar armas ofensivas ou instrumentos capazes de ofender;d) não frequentar casas de bebidas alcoólicas ou de tavolagem;e) não mudar de habitação, sem aviso prévio à autoridade competente.

7. Art. 611. Quando for concedida a suspensão pela superior instância, a esta caberá estabelecer-lhe as condições, podendo a audiência ser presidida por qualquer membro do Tribunal ou por Auditor designado no

acórdão XXXXX-25.2022.7.00.0000 40001352968 .V4

APELAÇÃO CRIMINAL Nº XXXXX-25.2022.7.00.0000/AM

APELANTE: MINISTÉRIO PÚBLICO MILITAR

APELADO: PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES

DECLARAÇÃO DE VOTO

Na Sessão de Julgamento Virtual de julgamento realizada entre os dias 19 e 22 de junho, o Ministro Dr. José Coelho Ferreira suscitou, de ofício, preliminar prejudicial ao exame do mérito, por ausência da condição de procedibilidade/prosseguibilidade do feito, considerando que o Acusado foi licenciado do Serviço Ativo do Exército.

Ao acompanhar a corrente minoritária, votei, divergindo da maioria de meus pares, pois acolhia a preliminar suscitada pelo Ministro COÊLHO que, tendo em vista a atual condição de civil do Apelado, considerar ausente a condição de procedibilidade/prosseguibilidade para a Apelação nº XXXXX-25.2022.7.00.0000, referente a PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES, ex-Sd Ex, concedia habeas corpus de ofício, para tornar sem efeito a Sentença absolutória, determinando, em definitivo, o arquivamento dos autos, sem renovação, com fulcro no art. 470, parte final, c/c o art. 467, alínea c, ambos do CPPM.

Conforme documentação acostada aos autos (Evento 76 da Ação Penal XXXXX-53.2022.7.12.0012) o ora Apelado PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES foi licenciado do serviço ativo do Exército em 3/11/2022.

De fato, com a devida vênia, entendo que, no caso do delito de deserção, a condição de militar da ativa é pressuposto essencial de procedibilidade e de prosseguibilidade da ação penal militar, de maneira que, não mais ostentando o Acusado a condição de militar da ativa, não há possibilidade jurídica de ser dado prosseguimento à ação penal de deserção.

O atual status do Apelante suprime, de forma inconteste, uma das condições da ação, qual seja, a legitimidade do militar para a causa e para o processo, o que dá ensejo à ausência da condição de prosseguibilidade para a Ação Penal Militar de deserção.

Nesse sentido, já decidiu esta Corte, conforme o Aresto a seguir transcrito:

[...]

Assim é porque, consoante já assentado na pacífica jurisprudência desta Corte, a qualidade de militar constitui inarredável condição de procedibilidade nos crimes de Deserção.

Desse modo, descabe falar em qualquer outro aspecto da quaestio, uma vez que, como é sabido, a superveniente supressão de condição de procedibilidade estanca o prosseguimento do feito, qualquer que seja a fase em que se encontre, inviabilizando, pois, o próprio exercício do direito de ação.

Consequentemente, resta prejudicado o Apelo da Defesa, impondo-se, todavia, a concessão do Habeas Corpus de ofício para trancar a Ação Penal Militar intentada em desfavor do Acusado, determinando-se, afinal, o seu arquivamento. Decisão majoritária.".

(Apelação nº XXXXX-83.2012.7.07.0007/PE. Rel. Min. Gen Ex Luis Carlos Gomes Mattos. Julgamento: 21/10/2014).

Ademais, esse tem sido o entendimento proferido por vários Ministros do E. STF, aplicando-se, inclusive, durante a fase de execução da pena, conforme se observa nas seguintes Decisões emanadas daquela Corte Constitucional:

"Decisão: [...]

1. Trata-se de habeas corpus originário, com pedido de concessão de liminar, impetrado contra acórdão majoritário do Superior Tribunal Militar, (...):

2. Extrai-se dos autos que o paciente, militar à época dos fatos, foi condenado à pena de 6 (seis) meses de prisão, pelo crime previsto no artigo 187 do Código Penal Militar (deserção), sendo concedido o benefício do sursis pelo prazo de 2 (dois) anos e o direito de recorrer em liberdade.

[...]

4. Neste habeas corpus, a parte impetrante afirma que, no curso do processo-crime, o paciente deixou de ostentar a condição de militar, pois licenciado por término do tempo de serviço, em 28.02.2015. Considerando que a qualidade de militar é ‘condição de prosseguibilidade’ para a imputação do crime de deserção, postula a concessão da ordem para que seja extinta a ação penal que resultou na condenação do paciente.

[...]

6. A ordem deve ser concedida.

7. O acórdão impugnado diverge da orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal, no sentido de que ‘a qualidade de militar é elemento estrutural do tipo penal de deserção, de modo que a ausência de tal requisito impede o processamento do feito e, existindo condenação, a execução da reprimenda

XXXXX-25.2022.7.00.0000 40001352911 .V2

imposta’ ( HC 108.197, Rel. Min. Ricardo Lewandowski). Vejam-se, nessa linha, o RHC 120.427, de minha relatoria, o HC 108.160, Rel. Min. Celso de Mello, e o HC 90.838, da relatoria da Min. Cármen Lúcia, assim ementado:

[...]

8. [...], acolho o parecer do Ministério Público Federal para conceder a ordem, julgando extinto o processo-crime instaurado contra o paciente."

(STF. HC nº 130112. Rel. Min. Luís Roberto Barroso. Data da Decisão: 9/12/2015). (Grifos nossos.)

DECISÃO: "[...]

A impetrante narra que o paciente, então no serviço ativo, ausentou-se da unidade militar em que servia, sem autorizacao, em 15/7/2015, tendo sido declarado desertor 8 dias depois e excluído do serviço na mesma data.[...].

Em 28/9/2017, o Conselho Permanente de Justiça para o Exército condenou o paciente à pena de 6 meses de detenção (págs. 31 - 36 do doc. eletrônico 1). A Organização Militar noticiou a desincorporação/licenciamento do paciente a partir de 17/11/2017, comprovada a situação de" arrimo de família ".

A 1a Auditoria da 11a Circunscrição Judiciária Militar, então, determinou a extinção da execução da pena, por ausência de condição de prosseguibilidade, em razão da desincorporação do paciente (págs. 43 - 44 do doc. eletrônico 1).

O Superior Tribunal Militar - STM deu provimento ao recurso interposto pelo Ministério Público Militar para reformar a decisão e determinar o prosseguimento da execução [...].

[...]

O caso é de concessão da ordem.

A jurisprudência desta Suprema Corte consolidou-se no sentido de que a qualidade de militar é elemento estrutural do tipo penal de deserção, de modo que a ausência de tal requisito impede o processamento da ação penal e, existindo condenação, a execução da reprimenda imposta.

Nessa esteira, colaciono, entre outros, os seguintes julgados:

[...]

Ve-se, portanto, que a decisão ora atacada destoa da jurisprudência desta Suprema Corte, pois ausente a condição de procedibilidade para o prosseguimento da ação penal por suposta prática do crime de deserção.

XXXXX-25.2022.7.00.0000 40001352911 .V2

Isso posto, com fundamento no art. 192 do RISTF, concedo a ordem de habeas corpus, para cassar o acórdão prolatado pelo Superior Tribunal Militar, restabelecendo-se a decisão da 1a Auditoria da 11a Circunscrição Judiciária Militar."

(STF. Habeas Corpus nº 164781. Rel. Min. Ricardo Lewandowski. Data da Decisão: 21/11/2018). (Grifos nossos).

"DECISÃO: Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão proferido no âmbito do STM [...].

Como se vê, o retorno à condição de militar ativo é pressuposto para a persecução penal. Nesse contexto, a jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que ‘a qualidade de militar é elemento estrutural do tipo penal de deserção, de modo que a ausência de tal requisito impede o processamento do feito’ ( HC 115.754, Relator Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, DJe 11.04.2013).

Com efeito, por se tratar de crime propriamente militar (cometidos por militares e previstos somente na legislação castrense), o Supremo considera que o licenciamento das Forças Armadas também implica a falta de justa causa para o prosseguimento da ação penal em que se imputa ao acusado a prática do crime de deserção. Ora, se não interessa ao Estado punir aquele que desertou e não foi reincluído no quadro como militar, tampouco deve interessar a punição daquele que perde essa condição no curso do processo criminal. Vejamos:

[...]

Desse modo, considerando que o paciente perdeu a condição de militar no curso do processo, ante o seu licenciamento das fileiras da Força Aérea Brasileira, cumpre levar a efeito o entendimento desta Suprema Corte para declarar extinta a ação penal.

2. Diante do exposto, com fulcro no art. 192 do RISTF, concedo a ordem para o fim de declarar a extinção definitiva da ação penal militar XXXXX- 45.2021.7.04.0004, por falta de condição de prosseguibilidade."

(STF. Habeas Corpus nº 225.664/MG. Rel. Min. Edson Fachin. Data da Decisão: 14/3/2023). (Grifo no original.)

Conclui-se, pois, que a condição de militar da ativa nos delitos de deserção deve estar presente não só para a instauração da ação penal, como também para seu prosseguimento.

Por tais motivos, acolhia a preliminar suscitada pelo Ministro COÊLHO que, tendo em vista a atual condição de civil do Apelado, considerar ausente a condição de procedibilidade/prosseguibilidade para a Apelação nº XXXXX-25.2022.7.00.0000, referente a PAULO VICTOR DOS SANTOS GOMES,

XXXXX-25.2022.7.00.0000 40001352911 .V2

ex-Sd Ex, concedia habeas corpus de ofício, para tornar sem efeito a Sentença absolutória, determinando, em definitivo, o arquivamento dos autos, sem renovação, com fulcro no art. 470, parte final, c/c o art. 467, alínea c, ambos do CPPM.

Min. Gen Ex LÚCIO MÁRIO DE BARROS GÓES

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