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24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

SEXTA TURMA

Julgamento

Relator

JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
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Inteiro Teor


D.E.

Publicado em 26/08/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-75.2014.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
ISAURA ENGSTER
ADVOGADO
:
Fabiano Vuaden

EMENTA

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. TEMA STJ Nº 692. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA POSTERIOMENTE REVOGADA. RESTITUIÇÃO. NÃO CABIMENTO.
Não verificando adequação exata ao pronunciamento do STJ quanto à hipótese de impossibilidade de afirmação de boa-fé objetiva (uma vez que não abordada no repetitivo REsp nº 1.401.560/MT tal especificidade), mantenho o julgado, agregando fundamentos.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 6ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, mantendo o julgamento anterior, julgar prejudicado o agravo retido e negar provimento à apelação do INSS, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 17 de agosto de 2016.

Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 8463581v6 e, se solicitado, do código CRC C6B734C2.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): João Batista Pinto Silveira
Data e Hora: 18/08/2016 12:33

APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-75.2014.4.04.9999/RS
RELATOR
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
ISAURA ENGSTER
ADVOGADO
:
Fabiano Vuaden

RELATÓRIO

Vieram os autos da Vice-Presidência para eventual juízo de retratação, visto que o Tema STJ nº 692 teria pacificado entendimento concernente à obrigatoriedade de devolução dos benefícios previdenciários recebidos caso a decisão que antecipa a tutela seja reformada.

É o relatório.


VOTO

Venho me manifestando no sentido de que o benefício previdenciário recebido de boa-fé pelo segurado em virtude de decisão judicial posteriormente revogada, não está sujeito à repetição de indébito.

Não ignoro o recente Tema 692 do STJ, indicado na decisão da Vice-Presidência, no qual restou firmado o entendimento de que a reforma da decisão de tutela antecipada que concede determinado benefício previdenciário obriga ao segurado devolver os valores recebidos indevidamente.

Tal postura não se trata de não dar efetividade aos balizadores das Cortes Superiores, mas de adotar postura de cautela quanto a alteração decorrente de única manifestação em cotejo com orientação há décadas sedimentada e mais, considerando manifestações posteriores do próprio STJ indicar outros contornos à questão de fundo, dependendo das peculiaridades do caso concreto.

Para melhor elucidar tais afirmações, trago trecho de voto (APELAÇÃO/REEXAME NECESSÁRIO Nº XXXXX-13.2011.4.04.7111/RS), por mim proferido, dando conta dessas particularidades, embora tenha restado vencido na Turma. Me permito tal transcrição, embora um tanto extensa, dada a necessidade, ao menos neste momento inicial de alteração de paradigma, para que se desenvolva debate mais profícuo acerca de tema tão relevante:

(...)
Acerca do tema, venho sustentando a idéia da não devolução de valores recebidos, quando não demonstrada a má-fé.

A Terceira Seção desta Corte já havia sedimentado o entendimento de serem irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé, em face do seu caráter eminentemente alimentar, como se pode extrair dos seguintes precedentes: AR n. 1998.04.01.086994-6, Rel. Des. Federal Celso Kipper, D.E. de XXXXX-04-2010; AR n. 2000.04.01.012087-8, Rel. Des. Federal Victor Luiz dos Santos Laus; AR n. 2006.04.00.031006-4, Rel. Des. Federal João Batista Pinto da Silveira; AR n. 2003.04.01.026468-2, Rel. Des. Federal Celso Kipper; AR n. 2003.04.01.015357-4, Rel. Des. Federal Luiz Alberto D"Azevedo Aurvalle e AR n. 2003.04.01.027831-0, Rel. Des. Federal Rômulo Pizzolatti, todos estes julgados na sessão de XXXXX-08-2008.

Vários são os precedentes do Superior Tribunal de Justiça, ao longo de mais de duas décadas e também em períodos recentes, nesta linha:

AGRAVO REGIMENTAL. DEVOLUÇÃO DE DIFERENÇAS RELATIVAS A PRESTAÇÃO ALIMENTAR. DESCABIDA.
O caráter eminentemente alimentar dos benefícios previdenciários faz com que tais benefícios, quando recebidos a maior em boa-fé, não sejam passíveis de devolução. Agravo regimental a que se nega provimento". (AgRg no Resp nº 705.249/SC, Rel. Ministro Paulo Medina, DJ de 20/02/2006)

EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO. NATUREZA ALIMENTAR. IRREPETIBILIDADE. ALEGAÇÃO DE OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. EMBARGOS REJEITADOS.
1. Os embargos de declaração são cabíveis quando "houver, na sentença ou no acórdão, obscuridade ou contradição;" ou "for omitido ponto sobre o qual devia pronunciar-se o juiz ou tribunal." (artigo 535 do Código de Processo Civil).
2. Não é omissa a decisão fundamentada em que os benefícios previdenciários têm natureza alimentar, sendo, portanto, irrepetíveis.
3. O entendimento que restou consolidado no âmbito da 3ª Seção desta Corte Superior de Justiça no julgamento do Recurso Especial nº 991.030/RS, é no sentido de que a boa-fé do beneficiário e a mudança de entendimento jurisprudencial, por muito controvertido, não deve acarretar a devolução do benefício previdenciário, quando revogada a decisão que o concedeu, devendo-se privilegiar o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
4. Embargos de declaração rejeitados. (EDcl no AgRg no REsp n.º 1.003.743/RS, Sexta Turma, Rel. Ministro Hamilton Carvalhido, julgado em XXXXX-06-2008, DJe de XXXXX-09-2008)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. DESCONTOS NO BENEFÍCIO. CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE.
Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, descabida é a restituição requerida pela Autarquia, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Recurso provido. (REsp n.º 627.808/RS, Quinta Turma, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, julgado em XXXXX-10-2005, DJU, Seção 1, de XXXXX-11-2005, p. 377).

AGRAVO REGIMENTAL. PREVIDENCIÁRIO. VALORES INDEVIDAMENTE PAGOS PELA ADMINISTRAÇÃO. VERBA DE NATUREZA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA-FÉ. RESTITUIÇÃO. IMPOSSIBILIDADE.
1. Os valores percebidos que foram pagos pela Administração Pública em decorrência de interpretação deficiente ou equivocada da lei, ou por força de decisão judicial, ainda que precária, não estão sujeitos à restituição, tendo em vista seu caráter alimentar e a boa-fé do segurado que não contribuiu para a realização do pagamento considerado indevido.
2. Agravo regimental a que se nega provimento.
(STJ, AgRg no AREsp 8433, Rel. Ministro Marco Aurélio Belizze, DJe em XXXXX-04-2012)

PREVIDENCIÁRIO E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECEBIMENTO INDEVIDO DE APOSENTADORIA PELA ESPOSA DO FALECIDO APÓS O ÓBITO. INEXIGIBILIDADE DA DEVOLUÇÃO DOS VALORES RECEBIDOS. INAPLICABILIDADE, NO CASO, DA CLÁUSULA DE RESERVA DE PLENÁRIO. AGRAVO DO INSS DESPROVIDO.
(...).
2. Assim, em face da boa-fé da pensionista que recebeu a aposentadoria do de cujus após o seu óbito, de caráter alimentar da verba, da idade avançada e da hipossuficiência da beneficiária, mostra-se inviável impor a ela a restituição das diferenças recebidas. Não há que falar em declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91 e 273, § 2º e 475-o do CPC, uma vez que, no caso, apenas foi dado ao texto desse dispositivo, interpretação diversa da pretendida pelo INSS.
3. Agravo regimental do INSS desprovido.
(AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.115.362/SC, Rel. Min. Napoleão Nunes Maia Filho, DJ de XXXXX-05-2010)

PREVIDENCIÁRIO. BENEFÍCIO PAGO A MAIOR. ERRO ADMINISTRATIVO. RECEBIMENTO DE BOA-FÉ. NATUREZA ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO INDEVIDA.
1. Em face do caráter social das demandas de natureza previdenciária, associada à presença da boa-fé do beneficiário, afasta-se a devolução de parcelas pagas a maior, mormente na hipótese de erro administrativo.
2. Agravo regimental improvido.
(AgRg no Agravo de Instrumento n. 1.318.361/RS, Rel. Ministro Jorge Mussi, DJe XXXXX-12-2010)

PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AFASTADA. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS PAGAS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA FÉ PELA SEGURADA. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.1. A questão da possibilidade da devolução dos valores recebidos por força de antecipação dos efeitos da tutela foi inequivocamente decidida pela Corte Federal, o que exclui a alegada violação do artigo 535 do Código de Processo Civil, eis que os embargos de declaração não se destinam ao prequestionamento explícito.
2. O pagamento realizado a maior, que o INSS pretende ver restituído, foi decorrente de decisão suficientemente motivada, anterior ao pronunciamento definitivo da Suprema Corte, que afastou a aplicação da lei previdenciária mais benéfica a benefício concedido antes da sua vigência. Sendo indiscutível a boa-fé da autora, não é razoável determinar a sua devolução pela mudança do entendimento jurisprudencial por muito tempo controvertido, devendo-se privilegiar, no caso, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
3. Negado provimento ao recurso especial."
(REsp n. XXXXX/RS, Terceira Seção, Rel. Min. Thereza de Assis Moura, DJE de XXXXX-10-2008)

Os parâmetros até então adotados e consolidados foram alterados em julgamento do Recurso Especial Repetitivo nº 1.384.418-SC (rel. Min. Herman Benjamin). Por oportuno, transcrevo a ementa:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp XXXXX/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a" legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio "(AgRg no REsp XXXXX/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp XXXXX/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp XXXXX/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp XXXXX/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp XXXXX/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp XXXXX/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS XXXXX/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo:"quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público."(REsp XXXXX/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012, grifei).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB,"ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. , III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento:
a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991. 12. Recurso Especial provido. (Grifado).

Parte o Relator, em apertada síntese, da ideia de que a boa-fé que isentaria o postulante de devolução de valores recebidos de forma indevida só se verificaria nos pagamentos equivocadamente feitos na via administrativa, pois ali se poderia aferir, de modo objetivo, que recebeu os valores como se fossem seus, em razão da presunção de definitividade, decorrente da possibilidade de averiguação da boa-fé objetiva, não verificável em procedimento judicial, onde esta avaliação se daria apenas de forma subjetiva. Sendo assim, apenas o argumento da irrepetibilidade de alimentos não se sustentaria diante da inviabilidade de consideração da boa-fé subjetiva em provimento precário. Aliado a estes argumentos, sustenta que o princípio da dignidade humana, com a devolução destes alimentos, tampouco restaria ferido, na medida em que realizados com apoio legal no art. 115 da Lei n.º 8.213/91, que estabelece restrição ao percentual de 30% dos valores a que faça jus o segurado.

Deu-se confrontação de tese com o Ministro Arnaldo Esteves Lima, que sustentou a posição até então adotada de não-devolução, dada a natureza previdenciária dos benefícios, pautado em fundamentos que denominou de metajurídicos, mas com consistência social, argumentando ainda que o balizador de 30% seria viável apenas para empréstimos consignados em folha, sendo que nem mesmo para funcionários públicos se admitia tal desconto, em casos idênticos, a configurar evidente tratamento anti-isonômico.

Penso que a compreensão adotada pelo voto divergente deve ser privilegiada.

Segundo Ruy Rosado de Aguiar, para caracterização da boa-fé é indispensável a existência de um princípio de direito envolto em um padrão ético que, além da confiança, impõe um dever de lealdade. Sendo assim, julgo necessário questionar-se se é possível vislumbrar um padrão ético de lealdade a partir da ignorância sobre um erro perpetrado pela Administração. Penso que, no caso de pagamento que vem a se configurar indevido, pode-se, quando muito, falar-se em um princípio de mera confiança, que não está atrelado, necessariamente, a um padrão ético de lealdade.

A boa-fé não é aferível apenas a partir do fato de não haver resistência à pretensão. Seria até questionável que ela estivesse em cheque na descrição trazida pelo relator como passível de não devolução (erro da Administração), na medida em que se pode sustentar que a boa-fé se estabelece numa relação de lealdade (ativa ou passiva) para com terceiro. A boa-fé objetiva, no âmbito processual, de outra parte, se revela pela lealdade processual; a má-fé, em oposição, não pode ser presumida.

E qual seria a extensão dessa afirmação de que a má-fé não pode ser presumida? Pelo que se vê de toda a explanação, o Relator do RE XXXXX/SC trabalha com conceitos relativos à boa-fé, subjetiva e objetiva, que decorreria da consciência da definitividade do que foi deferido.

Há que ponderar primeiro, que em termos de boa-fé podemos sim supô-la, dado que o próprio conceito se presta a tal ilação, porém o inverso, pressupor a má-fé a partir de uma condição que serviria à coletividade, indiscriminadamente, não é possível.

Mutatis mutandis, no Direito Penal é possível, com mais clareza, perceber-se a inviabilidade de presunção para juízo onde há necessidade de comprovação, na medida em que se presume a inocência porém não se presume a culpa.

Sendo assim, não posso afirmar que toda a pessoa que é sucumbente em uma ação agiu de má-fé, ou toda pessoa que teve a antecipação de tutela revogada, agiu de má-fé.

A má-fé é um elemento exterior a esta formulação, não é possível matematizarmos, pressupondo, uma fórmula, no sentido de possibilitar a afirmação (sucumbência na ação = má-fé ou antecipação de tutela revogada = má-fé, ou, dito de outra forma, percepção a título provisório = má-fé). Esta tautologia não existe. Sempre deve ser aferível caso a caso e demonstrada, não suposta.

Impõe considerar, além disso, que as antecipações de tutela, embora precárias, são deferidas mediante a existência de verossimilhança, que mais do que probabilidade do direito, exige comprovação do direito, ainda que não esgotada a cognição. Também não se pode descuidar da circunstância de que, não raras vezes, o direito postulado não é confirmado por mera alteração de orientação jurisprudencial.

Este raciocínio, ao menos no sentido de que as tutelas antecipadas são possíveis, antes de esgotar-se a realização plena do direito de defesa do demandado, é da essência e é o que inspira as antecipações de tutela, pois esta" verdade "por vezes é tida como não mais" verdadeira ", muitas vezes pela própria alteração de jurisprudência relativamente ao tempo em que deferida a antecipação ou proferida a sentença. Aliás, várias"verdades"balizadoras, são extraídas de interpretação das Cortes Superiores, que, por sua vez e não raras vezes, alteram o entendimento inicial do que seria a vontade da lei.

Sendo assim, ao determinar-se a devolução de valores apenas por se tratar de um juízo provável (embora não definitivo), acabar-se-ia por renovar esta compreensão obsoleta de que o juiz decidiu contra a lei, freando a utilização de um instituto legítimo, por receio de mais prejudicar a parte que faz jus à tutela de urgência do que a socorrer.

Repita-se, ainda, que o cumprimento imediato da tutela é de sua essência de urgência e colocar-se qualquer óbice ao cumprimento imediato da tutela, inclusive de ordem subjetiva, ao inibir indiretamente o juiz de conceder o que é legítimo, por receio do prejuízo ao hipossuficiente, é tentar esvaziar a força destes comandos.

Tem-se a ideia de que quando se concede o benefício previdenciário, em sede de antecipação de tutela, não se está diante de caso de relevância ou urgência a ponto de se dar imediata efetividade à inibição do ilícito (mesmo que aferível de forma provisória), minimizando-se a importância do que se está a tratar, diferentemente do que ocorre nos casos de danos ambientais e concessão de medicamentos, por exemplo, como se fosse menos urgente afastar-se a ilegalidade da não-concessão de uma aposentadoria (seja por invalidez, seja por exposição a agentes insalubres), de auxílio-doença e até mesmo de benefício assistencial.

É necessário ter-se a visão de que, cuidando de tutela de urgência, a exemplo do que acontece com as concessões de medicamentos, o juiz não pode furtar-se à concessão. Ainda, a ideia de que quando o juiz faz isso em cognição sumária, apenas por se tratar de hipótese passível de alteração, o faz de forma contrária a lei, impondo a devolução pelo beneficiário, implica em retirar-se, repito, a força do instituto, pois o juiz não está a proferir juízo menor ou menos"verdadeiro"apenas em razão de não estar esgotado o processo de cognição.

Aliás, fosse o argumento da reforma da decisão o que imporia a devolução, deveria ser aplicado também às sentenças ou acórdãos reformados, pois estes também teriam se revelado não"verdadeiros".

A verossimilhança não é precária, ela é aferível e extreme de dúvida, em dado momento (momento da natureza do instituto), como única forma de afastar a lesão capaz de provocar gravame irreparável ou de difícil reparação. E, como regra, em matéria previdenciária, as prestações são de natureza alimentar e disso decorre o perigo, o dano irreversível. Sendo assim, se a medida é deferida justamente porque não pode a parte, sem ela, ter mantida sua subsistência ou de sua família, como sustentar-se a devolução, quando ela é absolutamente antagônica à segunda condição examinada pelo juiz para deferir a medida?

Aliás, a capacidade de suportar descontos mensais no benefício, sem prejuízo de seu sustento próprio ou da família é questionável neste universo de segurados que, quase na totalidade, desfruta dos benefícios da AJG, por perceber o mínimo legal ou pouco mais que isso.

Desse modo, a grande questão que se impõe não envolve a possibilidade de mudança de orientação jurisprudencial consolidada, mas, sim, a necessidade de debate participativo mais profundo acerca de questão tão relevante, como a que concretamente se verifica, e que tem repercussão na realidade vivida, muitas vezes, por parcela da população que não tem força política e que, uma vez não reconhecido o direito ao benefício, quando muito, teria como responder a tal encargo com o alijamento de seu direito à possibilidade de acesso à aquisição de quaisquer bens, diante de inscrição de seu nome em órgãos de restrição de crédito. É, no mínimo, quanto a esse iter que marca a formação do precedente que devemos atentar e, se as propostas são adequadas à sua conformação.

É importante ressaltar que não estou a rejeitar disposição de adequação à orientação das Cortes Superiores quanto à uniformização vertical. Contudo, a orientação a ser seguida deve ser clara e extreme de dúvidas interpretativas, que possam gerar um descompasso com a harmonização da própria jurisprudência que prevaleceu por tantos anos.

Dessa forma, em atenção ao fato de que as decisões dos Tribunais não devem oscilar a ponto de não preservar um mínimo de estabilidade e credibilidade nas instituições, tenho que toda mudança impõe cautela, mormente quando se está a tolher direitos dessa ordem.

Com essas considerações, entendo deva, por ora, ser mantida a orientação anterior, no sentido de assegurar a não-repetição dos valores havidos de devolução por força de antecipação da tutela, ainda que, posteriormente, ela tenha sido revogada.

Cumpre referir que a Terceira Seção deste Regional, em sessão de XXXXX-08-2013, ratificou o entendimento no sentido de que é descabida a cobrança de valores recebidos em razão de decisão judicial. O acórdão vem assim ementado:

AÇÃO RESCISÓRIA. PREVIDENCIÁRIO. DEVOLUÇÃO DE VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VIOLAÇÃO DO ART. 515 DO CPC. OMISSÃO DO ACÓRDÃO.
1. Omisso o acórdão quanto ao pedido de reforma da sentença para desobrigar a autora da devolução de parcelas do auxílio-doença recebidas por força de antecipação de tutela revogada, admite-se a rescisão com fundamento no art. 485, V, do CPC.
2. O pagamento originado de decisão devidamente motivada à luz das razões de fato e de direito apresentadas, e mediante o permissivo do art. 273 do CPC, tem presunção de legitimidade e assume contornos de definitividade no sentir da segurada, dada a finalidade a que se destina de prover os meios de subsistência.
3. Evidenciada a devolução, o beneficiário não pode ficar jungido à contingência de devolver valores que já foram consumidos, sob pena de inviabilização do instituto da antecipação de tutela no âmbito dos direitos previdenciários.
4. Hipótese em que não se constata a alegada violação do princípio da reserva do plenário por declaração tácita de inconstitucionalidade dos arts. 115 da Lei nº 8.213/91 e 475-O do CPC.
5. Ação rescisória julgada procedente; dispensada a autora da restituição das verbas recebidas durante a vigência da antecipação de tutela.
(Ação Rescisória n.º 0015157-78.2011.404.0000/PR, Rel. Des. Federal Luiz Carlos de Castro Lugon, D.E. em XXXXX-08-2013).

Não fossem estes os argumentos suficientes a, por ora, manter-e a orientação prestigiada há tantos anos, a Suprema Corte já se manifestou nessa linha, de modo expresso, também em período não muito remoto:

A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que o benefício previdenciário recebido de devolução pelo segurado em virtude de decisão judicial não está sujeito a repetição de indébito, dado o seu caráter alimentar. Na hipótese, não importa declaração de inconstitucionalidade do art. 115 da Lei 8.213/91, o reconhecimento, pelo Tribunal de origem, da impossibilidade de desconto dos valores indevidamente percebidos. Agravo regimental conhecido e não provido. (STF, AI XXXXX AgR, Rel. Min. Rosa Weber, Primeira Turma, j. 18.06.2013, DJ 07.08.2013).

Embora tenha sido publicado, em 14.05.2012, acórdão da Primeira Turma do STF, de relatoria do Ministro Luiz Fux, que negou provimento a Agravo Regimental interposto pelo INSS contra decisão proferida no Agravo de Instrumento 850.620-RS, ao argumento de que o enfrentamento do tema implicaria interpretação de norma infraconstitucional, chama a atenção o fato de que essa mesma decisão se reporta ao julgamento unânime, pelo Plenário do STF, da Reclamação 6944-DF, Rel. Min. Carmen Lúcia, que entendeu que a não aplicação do dispositivo contido no art. 115, II, da Lei 8.213/91, não violaria a Súmula Vinculante 10 do STF (Viola a cláusula de reserva de plenário ( CF, art. 97) a decisão de órgão fracionário de tribunal que, embora não declare expressamente a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo do poder público, afasta sua incidência, no todo ou em parte). Nas palavras da Ministra Relatora,

"a simples ausência de aplicação de uma dada norma ao caso sob exame não caracteriza, tão somente por si, violação da orientação firmada pelo Supremo Tribunal Federal. Por exemplo, é possível que dada norma não sirva para desate do quadro submetido ao crivo jurisdicional pura e simplesmente porque não há subsunção".
No caso em questão, como esclareceu a Ministra Relatora, a decisão recorrida não havia afastado o art. 115, II, da Lei 8.213/91 com base em norma constitucional.
Nessa mesma Reclamação 6944-DF, a Ministra Carmen Lúcia expressou que, já em outro julgamento do Plenário do STF (MS 26085, DJ 18.04.2008), foi decidido que"os valores recebidos indevidamente devem ser restituídos ao Poder Público somente quando demonstrada a má-fé da parte beneficiária".
A esse respeito, assim leciona o Eminente Juiz Federal Daniel Machado da Rocha (Comentários à Lei de Benefícios da Previdência Social, 11ª edição, fls. 378/379):
Na jurisprudência começa a tomar corpo o entendimento no sentido de que o segurado não precisa devolver os valores recebidos de devolução, hoje pacificado na 3ª S. do STJ, inclusive em decorrência de antecipação de tutela em ação judicial. Mesmo na hipótese de provimento de ação rescisória proposta pelo INSS - como foi o caso das ações que foram julgadas procedentes para determinar a aplicação retroativa da Lei 9.032/95, entendimento modificado após a manifestação do STF - entende o STJ não ser devida a restituição daquilo que foi recebido em face de decisão judicial.
Com isso, foi dado aos segurados tratamento análogo ao que se dá em relação aos valores recebidos indevidamente por servidores públicos, em entendimento cristalizado na Súmula 106 do TCU, chancelado pela jurisprudência. Em outra formulação, encontramos, também, precedente no sentido de que a devolução somente tem lugar quando o segurado concorreu para o pagamento a maior.
Com efeito, não é razoável que se pretenda a restituição de valores recebidos por força da decisão rescindenda, os quais, de caráter alimentar, até então estavam protegidos pelo pálio da coisa julgada..
(...)
Assim, havendo manifestação do STF pela irrepetibilidade, não cabe desconto no benefício do demandante, a título de restituição de valores pagos por antecipação de tutela revogada.

Dessa forma, em consequência do não cabimento de desconto deve, o INSS ressarcir ao autor os valores eventualmente descontados de seus proventos, devidamente corrigidos. Com razão, portanto, a agravante.

Ante o exposto, voto por dar provimento ao agravo."

Não é demasiado lembrar também que em decisão posterior e próxima ao referido repetitivo, examinando os Embargos de Divergência nº 1.086.154 sobre a matéria em questão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça (portanto órgão com representação mais abrangente), em sessão realizada em 20/11/2013, acompanhou voto da Min. Nancy Andrighi (EREsp. 1.086.154-RS - D.J. 19/03/2014) que embora estivesse a defender não devolução em hipóteses de conhecimento não mais precário (o que reforça a ideia de que não é a reforma que implica automático reconhecimento de má-fé), em sua fundamentação, invoca trecho de julgado na linha de não devolução mesmo para decisão precária, a recomendar cautela quanto a alteração da jurisprudência há anos sedimentada no próprio STJ:

(...)
3. A jurisprudência iterativa desta Corte enuncia que os valores que foram pagos pela Administração Pública em decorrência de interpretação deficiente ou equivocada da lei, ou por força de decisão judicial, ainda que precária, não estão sujeitos à restituição, tendo em vista seu caráter alimentar e a boa fé do segurado, que não contribuiu para a realização do pagamento considerado indevido.
(...)
(AR XXXXX/PR, Rel. Min. Marco Aurélio Bellizze, 3ª Seção, DJe de 29/04/2013) (grifou-se)"

Tenho por pertinente, transcrever ainda, trecho de voto da eminente Des. Vânia Hack de Almeida, em ações em que se discute a não devolução, onde sustenta a idéia que venho defendendo, embora se refira, inicialmente, à cognição exauriente. Todavia, seus argumentos valem de forma absolutamente pertinente para as hipóteses de antecipação de tutela revogada:

Embora nesta altura, importa referir que, se é dado ao homem médio criar expectativa legítima (boa-fé objetiva) na irrepetibilidade de verba paga por interpretação errônea ou inadequada da lei por servidor da administração, diga-se, da Autarquia - matéria reconhecida pela União por meio da edição da Súmula nº 34/AGU - com muito mais força se mostra presente a boa-fé objetiva nos casos em que o direito é confirmado por um magistrado em cognição exauriente.

De outro lado, calha mencionar que não se está fazendo letra morta aos artigos 273, §§ 3º e 4º, c/c art 475-O, I e II, que determinam a restituição ao estado anterior das partes em caso de reforma do julgado que ensejou execução provisória ou percepção de tutela antecipada, tampouco ao art. 115, II, da Lei nº 8.213/91, porque tais dispositivos, embora constitucionais, devem ser lidos em interpretação conforme a Constituição, não maculando princípio fundamental da República, insculpido no art. , III, da CF/88, que é a dignidade da pessoa humana, menos ainda afrontando a segurança jurídica consubstanciada na sedimentada jurisprudência que, repito, por anos, assentou a irrepetibilidade da verba alimentar.

Determinar-se a devolução irrestrita de valores previdenciários percebidos provisoriamente, sem qualquer reflexão sobre as consequências sociais que tal medida viria a causar, é, sem sombra de dúvida, ferir o que de mais básico é garantido ao cidadão brasileiro - o direito à vida digna-, pois compromete o direito à alimentação, à moradia, à saúde, enfim, à subsistência da família, deixando ao total desamparo aquele que um dia procurou o Judiciário e confiou seu futuro a este Poder na expectativa legítima de uma proteção. Advirto, ainda, que a insegurança de tal ordem poderia gerar um receio generalizado do segurado recorrer ao Judiciário e de postular medidas antecipadas, ensejando desprestígio ao instituto da antecipação de tutela, e, principalmente, a este Poder.

Com essas considerações, por ora, reputo mais prudente a manutenção da orientação sedimentada até então por esta Corte e pelas próprias Cortes Superiores.
(...)

A 6ª Turma vinha admitindo a repetição, com temperamentos, nos casos em que a medida antecipatória/liminar não tivesse sido confirmada em sentença ou em acórdão.

Transcrevo trecho do voto da eminente Des. Vânia Hack de Almeida (AC nº 0002551-76.2015.404.0000), pela pertinência das ponderações e lucidez com que promove uma interpretação da melhor leitura que deve ser retirada do repetitivo a que fiz referência no voto acima transcrito:

(...)
Cinge-se a controvérsia acerca da aplicação ou não, no caso concreto, do princípio da irrepetibilidade ou não-devolução de verba alimentar recebida por força de tutela antecipada, posteriormente revogada.

A Terceira Seção desta Corte firmou entendimento no sentido da irrepetibilidade de benefício previdenciário pago indevidamente, considerando tratar-se de verba alimentar e da percepção ser de boa-fé, conforme ementa que transcrevo:

PREVIDENCIÁRIO. AÇÃO RESCISÓRIA. ART. 58 DO ADCT. DL N.º 2351/87, ART. 4.º, II. UTILIZAÇÃO DO SALÁRIO MÍNIMO DE REFERÊNCIA (SMR) COMO DIVISOR DA RMI. VIOLAÇÃO LITERAL À DISPOSIÇÃO CONSTITUCIONAL. OCORRÊNCIA. INCIDÊNCIA DO PISO NACIONAL DE SALÁRIOS (PNS). PARCELAS RECEBIDAS DE BOA-FÉ. IRREPETIBILIDADE.
(...)
4. Em face de sua natureza eminentemente alimentar, são irrepetíveis as parcelas indevidas de benefícios previdenciários recebidas de boa-fé. (TRF4, AÇÃO RESCISÓRIA Nº 1998.04.01.086994-6, 3ª SEÇÃO, Des. Federal CELSO KIPPER, POR UNANIMIDADE, D.E. 23/04/2010, PUBLICAÇÃO EM 26/04/2010 - grifei)

Tal posição jurisprudencial encontrava eco nos julgamentos proferidos pelo Superior Tribunal de Justiça há longa data:

PREVIDENCIÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. PENSAO POR MORTE. VALORES RECEBIDOS POR FORÇA DE TUTELA ANTECIPADA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇAO. IMPOSSIBILIDADE. ENTENDIMENTO DA TERCEIRA SEÇAO. AGRAVO NAO PROVIDO. 1. O Superior Tribunal de Justiça já pacificou o entendimento quanto à impossibilidade de restituição de valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada.
(...)
(REsp XXXXX/MT, Rel. Min ARNALDO ESTEVES LIMA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 11/12/2012 - grifei)

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PREVIDENCIÁRIO. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA FÉ. IRREPETIBILIDADE.
1. As verbas previdenciárias, de caráter alimentar, percebidas de boa-fé, não são objeto de repetição.
2. Agravo regimental ao qual se nega provimento.
(AgRg no Ag XXXXX/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 20/09/2011, DJe 28/09/2011 - grifei)

"PROCESSO CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL AFASTADA. RESTITUIÇÃO DE PARCELAS PREVIDENCIÁRIAS PAGAS POR FORÇA DE ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. VERBA ALIMENTAR RECEBIDA DE BOA FÉ PELA SEGURADA. RECURSO ESPECIAL AO QUAL SE NEGA PROVIMENTO.2. O pagamento realizado a maior, que o INSS pretende ver restituído, foi decorrente de decisão suficientemente motivada, anterior ao pronunciamento definitivo da Suprema Corte, que afastou a aplicação da lei previdenciária mais benéfica a benefício concedido antes da sua vigência. Sendo indiscutível a boa-fé da autora, não é razoável determinar a sua devolução pela mudança do entendimento jurisprudencial por muito tempo controvertido, devendo-se privilegiar, no caso, o princípio da irrepetibilidade dos alimentos.
3. Negado provimento ao recurso especial."
(REsp. XXXXX - Rel. Min. MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA - TERCEIRA SEÇÃO - DJe 15/10/2008 - grifei)

PREVIDENCIÁRIO. APOSENTADORIA. VALORES RECEBIDOS INDEVIDAMENTE. DESCONTOS NO BENEFÍCIO. CARÁTER ALIMENTAR. RESTITUIÇÃO DOS VALORES. IMPOSSIBILIDADE.
Uma vez reconhecida a natureza alimentar dos benefícios previdenciários, descabida é a restituição requerida pela Autarquia, em razão do princípio da irrepetibilidade dos alimentos. Recurso provido.
(REsp XXXXX/RS, Rel. Ministro JOSÉ ARNALDO DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 04/10/2005, DJ 14/11/2005, p. 377 - grifei)

Contudo, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça, examinando o Recurso Especial nº 1.384.418, propôs entendimento distinto acerca do tema, assentando que benefício percebido por força de antecipação de tutela posteriormente revogada deve ser restituído ao Erário, considerando o caráter precário da medida, não obstante se tratar de verba alimentar e estar presente a boa-fé subjetiva. Segundo o Relator,"não é suficiente, pois, que a verba seja alimentar, mas que o titular do direito o tenha recebido com boa-fé objetiva, que consiste na presunção da definitividade do pagamento", definitividade esta que não estaria presente nas decisões que antecipam os efeitos da tutela.

O Relator definiu, ainda, que, para o ressarcimento, o INSS deve promover execução de sentença e, posteriormente, liquidado e incontroverso o crédito executado, pode a autarquia efetuar o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito.

O acórdão restou ementado nas seguintes letras:

PROCESSUAL CIVIL E PREVIDENCIÁRIO. REGIME GERAL DE PREVIDÊNCIA SOCIAL. BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO. RECEBIMENTO VIA ANTECIPAÇÃO DE TUTELA POSTERIORMENTE REVOGADA. DEVOLUÇÃO. REALINHAMENTO JURISPRUDENCIAL. HIPÓTESE ANÁLOGA. SERVIDOR PÚBLICO. CRITÉRIOS. CARÁTER ALIMENTAR E BOA-FÉ OBJETIVA. NATUREZA PRECÁRIA DA DECISÃO. RESSARCIMENTO DEVIDO. DESCONTO EM FOLHA. PARÂMETROS.
1. Trata-se, na hipótese, de constatar se há o dever de o segurado da Previdência Social devolver valores de benefício previdenciário recebidos por força de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) posteriormente revogada.
2. Historicamente, a jurisprudência do STJ fundamenta-se no princípio da irrepetibilidade dos alimentos para isentar os segurados do RGPS de restituir valores obtidos por antecipação de tutela que posteriormente é revogada.
3. Essa construção derivou da aplicação do citado princípio em Ações Rescisórias julgadas procedentes para cassar decisão rescindenda que concedeu benefício previdenciário, que, por conseguinte, adveio da construção pretoriana acerca da prestação alimentícia do direito de família. A propósito: REsp XXXXX/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, Quinta Turma, DJ 9.5.2005.
4. Já a jurisprudência que cuida da devolução de valores percebidos indevidamente por servidores públicos evoluiu para considerar não apenas o caráter alimentar da verba, mas também a boa-fé objetiva envolvida in casu.
5. O elemento que evidencia a boa-fé objetiva no caso é a 'legítima confiança ou justificada expectativa, que o beneficiário adquire, de que valores recebidos são legais e de que integraram em definitivo o seu patrimônio' (AgRg no REsp XXXXX/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 9.9.2011, grifei). Na mesma linha quanto à imposição de devolução de valores relativos a servidor público: AgRg no AREsp XXXXX/SC, Rel. Ministro Teori Albino Zavascki, Primeira Turma, DJe 16.4.2012; EDcl nos EDcl no REsp XXXXX/SC, Rel. Ministro Arnaldo Esteves Lima, Primeira Turma, DJe 15.9.2011; AgRg no REsp XXXXX/CE, Rel. Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 28.8.2012; AgRg no REsp XXXXX/PR, Rel. Ministra Alderita Ramos de Oliveira (Desembargador Convocada do TJ/PE), Sexta Turma, DJe 29.4.2013; AgRg no REsp XXXXX/ES, Rel. Ministro Gilson Dipp, Quinta Turma, DJe 1º.8.2012; AgRg no RMS XXXXX/SC, Rel. Ministro Jorge Mussi, Quinta Turma, DJe 14.3.2011.
6. Tal compreensão foi validada pela Primeira Seção em julgado sob o rito do art. 543-C do CPC, em situação na qual se debateu a devolução de valores pagos por erro administrativo: 'quando a Administração Pública interpreta erroneamente uma lei, resultando em pagamento indevido ao servidor, cria-se uma falsa expectativa de que os valores recebidos são legais e definitivos, impedindo, assim, que ocorra desconto dos mesmos, ante a boa-fé do servidor público.' (REsp XXXXX/PB, Rel. Ministro Benedito Gonçalves, Primeira Seção, DJe 19.10.2012).
7. Não há dúvida de que os provimentos oriundos de antecipação de tutela (art. 273 do CPC) preenchem o requisito da boa-fé subjetiva, isto é, enquanto o segurado os obteve existia legitimidade jurídica, apesar de precária.
8. Do ponto de vista objetivo, por sua vez, inviável falar na percepção, pelo segurado, da definitividade do pagamento recebido via tutela antecipatória, não havendo o titular do direito precário como pressupor a incorporação irreversível da verba ao seu patrimônio.
9. Segundo o art. 3º da LINDB,"ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece", o que induz à premissa de que o caráter precário das decisões judiciais liminares é de conhecimento inescusável (art. 273 do CPC).
10. Dentro de uma escala axiológica, mostra-se desproporcional o Poder Judiciário desautorizar a reposição do principal ao Erário em situações como a dos autos, enquanto se permite que o próprio segurado tome empréstimos e consigne descontos em folha pagando, além do principal, juros remuneratórios a instituições financeiras.
11. À luz do princípio da dignidade da pessoa humana (art. , III, da CF) e considerando o dever do segurado de devolver os valores obtidos por força de antecipação de tutela posteriormente revogada, devem ser observados os seguintes parâmetros para o ressarcimento:
a) a execução de sentença declaratória do direito deverá ser promovida; b) liquidado e incontroverso o crédito executado, o INSS poderá fazer o desconto em folha de até 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito, adotado por simetria com o percentual aplicado aos servidores públicos (art. 46, § 1º, da Lei 8.213/1991.
12. Recurso Especial provido.
(REsp XXXXX/SC - Min. Herman Benjamin - DJe. 30/08/2013 - grifei)

Nesta esteira, em sessão realizada em 12/02/2014, sobreveio então o julgamento do REsp nº 1.401.560, ainda pendente de publicação, exarado em regime de recurso repetitivo, cujo Relator para o acórdão foi o Min. Ari Pargendler, que, entendendo ser repetível a verba percebida por força de tutela antecipada posteriormente revogada, em cumprimento ao art. 115, II, da Lei nº 8.213/91, assim argumentou:

"O pressuposto básico do instituto (tutela antecipada) é a reversibilidade da decisão judicial. Havendo perigo de irreversibilidade, não há tutela antecipada ( cpc, art. 273, § 2º). Por isso, quando o juiz antecipa a tutela, está anunciando que seu decisum não é irreversível. Mal sucedida a demanda, o autor da ação responde pelo que recebeu indevidamente. O argumento de que ele confiou no juiz ignora o fato de que a parte, no processo, está representada por advogado, o qual sabe que a antecipação de tutela tem natureza precária.
Para essa solução, há ainda o reforço do direito material. Um dos princípios gerais do direito é o de que não pode haver enriquecimento sem causa. Sendo um princípio geral, ele se aplica ao direito público, e com maior razão neste caso porque o lesado é o patrimônio público. O art. 115, II, da Lei nº 8.213, de 1991, é expresso no sentido de que os benefícios previdenciários pagos indevidamente estão sujeitos à repetição. Uma decisão do Superior Tribunal de Justiça que viesse a desconsiderá-lo estaria, por via transversa, deixando de aplicar norma legal que, a contrario sensu, o Supremo Tribunal Federal declarou constitucional."

Tratando-se de recurso julgado em regime repetitivo, impõe-se a esta Corte render-se aos argumentos do Superior Tribunal de Justiça, entendendo devido o ressarcimento dos valores recebidos por força de tutela antecipada posteriormente revogada.

Ressalto, contudo, que tal interpretação deve ser observada com temperamentos, impondo-se a devolução apenas nos casos em que a medida antecipatória/liminar não tenha sido confirmada em sentença ou em acórdão, porquanto nas demais situações, embora permaneça o caráter precário do provimento, presente se fez uma cognição exauriente acerca das provas e do direito postulado, o que concretiza a boa-fé objetiva do segurado.

Aliás, argumentar que o segurado representado por advogado seria conhecedor de que a improcedência do direito implicaria na devolução dos valores recebidos precariamente, é fechar os olhos para a confiança na segurança das decisões judiciais, porquanto é evidente que o mais diligente advogado também era conhecedor da jurisprudência sufragada pela mais alta Corte infraconstitucional do país, que, por anos, sempre referiu ser irrepetível a verba alimentar, o que, a meu ver, já seria suficiente a configurar a boa-fé objetiva de quem percebe tais valores.

Nesta linha de raciocínio, examinando os Embargos de Divergência nº 1.086.154 sobre a matéria em questão, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, em sessão realizada em 20/11/2013, por maioria, deixou assentado que" Não está sujeito à repetição o valor correspondente a benefício previdenciário recebido por determinação de sentença que, confirmada em segunda instância, vem a ser reformada apenas no julgamento de recurso especial "(EREsp. 1.086.154-RS - Min. Nancy Andrighi - D.J. 19/03/2014).

Sustenta a eminente Relatora que:

"A dupla conformidade entre a sentença e o acórdão gera a estabilização da decisão de primeira instância, de sorte que, de um lado, limita a possibilidade de recurso do vencido, tornando estável a relação jurídica submetida a julgamento; e, de outro, cria no vencedor a legítima expectativa de que é titular do direito reconhecido na sentença e confirmado pelo Tribunal de segunda instância.
Essa expectativa legitima de titularidade do direito, advinda de ordem judicial com força definitiva, é suficiente para caracterizar a boa-fé exigida de quem recebe a verba de natureza alimentar posteriormente cassada, porque, no mínimo, confia - e, de fato, deve confiar - no acerto do duplo julgamento.
(...) a ordem de restituição de tudo o que foi recebido, seguida à perda do respectivo benefício, fere a dignidade da pessoa humana e abala a confiança que se espera haver dos jurisdicionados nas decisões judiciais."

Conforme referido linhas acima, tenho que o mesmo raciocínio deve ser conferido aos casos em que, embora não presente a dupla conformidade, haja confirmação do direito em sentença ou concessão do benefício em acórdão, por força da aplicação do art. 461 do CPC, eis que examinada a prova e o direito em cognição exauriente por magistrado.

Neste altura, importa referir que, se é dado ao homem médio criar expectativa legítima (boa-fé objetiva) na irrepetibilidade de verba paga por interpretação errônea ou inadequada da lei por servidor da administração, diga-se, da Autarquia - matéria reconhecida pela União por meio da edição da Súmula nº 34/AGU - com muito mais força se mostra presente a boa-fé objetiva nos casos em que o direito é confirmado por um magistrado em cognição exauriente.

De outro lado, calha mencionar que não se está fazendo letra morta aos artigos 273, §§ 3º e 4º, c/c art 475-O, I e II, que determinam a restituição ao estado anterior das partes em caso de reforma do julgado que ensejou execução provisória ou percepção de tutela antecipada, tampouco ao art. 115, II, da Lei nº 8.213/91, porque tais dispositivos, embora constitucionais, devem ser lidos em interpretação conforme a Constituição, não maculando princípio fundamental da República, insculpido no art. , III, da CF/88, que é a dignidade da pessoa humana, menos ainda afrontando a segurança jurídica consubstanciada na sedimentada jurisprudência que, repito, por anos, assentou a irrepetibilidade da verba alimentar.

Determinar-se a devolução irrestrita de valores previdenciários percebidos provisoriamente, sem qualquer reflexão sobre as consequências sociais que tal medida viria a causar, é, sem sombra de dúvida, ferir o que de mais básico é garantido ao cidadão brasileiro - o direito à vida digna-, pois compromete o direito à alimentação, à moradia, à saúde, enfim, à subsistência da família, deixando ao total desamparo aquele que um dia procurou o Judiciário e confiou seu futuro a este Poder na expectativa legítima de uma proteção. Advirto, ainda, que a insegurança de tal ordem poderia gerar um receio generalizado do segurado recorrer ao Judiciário e de postular medidas antecipadas, ensejando desprestígio ao instituto da antecipação de tutela, e, principalmente, a este Poder.

Assim, sopesando todas as questões acima delineadas, tenho que a melhor interpretação a ser conferida aos casos em que se discute a (ir) repetibilidade da verba alimentar previdenciária, deve ser a seguinte:

a) deferida a liminar/tutela antecipada no curso do processo, posteriormente não ratificada em sentença, forçoso é a devolução da verba recebida precariamente;

b) deferida a liminar/tutela antecipada no curso do processo e ratificada em sentença, ou deferida na própria sentença, tem-se por irrepetível o montante percebido;

c) deferido o benefício em sede recursal, por força do art. 461 do CPC, igualmente tem-se por irrepetível a verba.

Para os casos em que a devolução se impõe e permaneça o autor como titular de benefício previdenciário, eventual desconto em folha deverá ser limitado a 10% da remuneração dos benefícios previdenciários em manutenção até a satisfação do crédito.

Por fim, apenas ressalto que"À míngua de lei expressa, a inscrição em dívida ativa não é a forma de cobrança adequada para os valores indevidamente recebidos a título de benefício previdenciário previstos no art. 115, II, da Lei n. 8.213/91 que devem submeter-se a ação de cobrança por enriquecimento ilícito. (...) Sendo assim, o art. 154, § 4º, II, do Decreto n. 3.048/99 que determina a inscrição em dívida ativa de benefício previdenciário pago indevidamente não encontra amparo legal."(REsp Repetitivo XXXXX/RS - Rel. Min. MAURO CAMPBELL MARQUES - Dje 28/06/2013). Portanto, inviável a inscrição em dívida ativa e, por consequencia, a propositura de execução fiscal, na esteira de precedente do STJ.

(...)

Creio que há ainda particularidades, a ensejar também temperamentos na aplicação dos balizadores do STJ, nas hipóteses em que se esta a tratar de benefícios por incapacidade ou de valor mínimo, dado que nesses casos existem particulares que não podem ser olvidadas, como passarei a discorrer.

Primeiramente, a de se atentar para as peculiaridades das hipóteses em que se esta a tratar de benefícios por incapacidade, onde podem se verificar alterações dos estados incapacitantes, considerada a época dos requerimentos administrativos ou dos ajuizamentos relativamente ao momento posterior, quando da realização da perícia judicial.

Em casos onde há prova de incapacidade, mesmo que temporária, lastreada em documentos emitidos por profissionais da área médica, cuja idoneidade não foi questionada, confortada por exames ou outros documentos que atestem o estado incapacitante, é possível se afirmar a existência de boa-fé objetiva, não podendo o postulante, após verificada a situação de moléstia incapacitante, inicialmente atestada e chancelada pelo judiciário - ser taxado de litigante de má-fé com a condenação ao ressarcimento de valores, o que não se ajusta aos postulados constitucionais do direito à saúde e dignidade da pessoa humana, próprios do estado social em que vivemos e fruto da opção garantista do legislador constitucional originário.

Se é dado ao homem médio criar expectativa legítima (boa-fé objetiva) na irrepetibilidade de verba paga por interpretação errônea ou inadequada da lei por servidor da administração, com muito mais força se mostra presente a boa-fé objetiva nos casos em que o direito é confirmado por um magistrado, mesmo em cognição provisória, pautado em informação médica idônea, que categoricamente afirma a moléstia incapacitante, mesmo que sujeita a avaliação médica posterior em sentido oposto, quando, eventualmente, poderá haver alteração do estado incapacitante. Nesta hipótese, é possível afirmar expectativa legítima, ou boa-fé objetiva no momento em que propõe a demanda.

No caso concreto a tutela foi deferida, justamente lastreada em conclusões médicas que atestavam o estado incapacitante, razão pela qual não deve se inserir naquelas hipóteses em que se poderia determinar a devolução irrestrita pelo simples fato da não confirmação em juízo exauriente.

Deve-se analisar as circunstâncias em que deferido o benefício em questão. A autora teria problemas oftalmológicos, inclusive com indicação de transplante de córnea, a indicar não se tratar da hipótese em que é possível afirmar a inexistência de boa-fé objetiva.

Por fim, penso que determinar-se a devolução irrestrita de valores previdenciários percebidos provisoriamente, sem qualquer reflexão sobre as consequências sociais que tal medida viria a causar (nas hipóteses de incapacidades atestadas no momento do deferimento da tutela), é, sem sombra de dúvida, ferir o que de mais básico é garantido ao cidadão brasileiro - o direito à vida digna-, pois compromete o direito à saúde, enfim, à subsistência da família, deixando ao total desamparo aquele que um dia procurou o Judiciário e confiou seu futuro a este Poder na expectativa legítima de uma proteção. Advirto, ainda, que a insegurança de tal ordem poderia gerar um receio generalizado do segurado recorrer ao Judiciário e de postular medidas antecipadas, ensejando desprestígio ao instituto da antecipação de tutela, e, principalmente, a este Poder.

A segunda particularidade diz respeito aquelas hipóteses em que se esta diante de benefício de valor mínimo.

Partindo-se da premissa de que, em face do princípio da dignidade da pessoa, não se admite qualquer desconto, conquanto decorrente do recebimento de parcelas indevidas, que implique a redução do benefício à quantia inferior ao salário mínimo, é lógico concluir que também é vedado o desconto que corresponda à totalidade do benefício de valor mínimo, situação análoga à cassação desse benefício, pois com ainda mais razão se atenta contra a dignidade daquele que conta com o valor considerado mínimo para garantir a subsistência.

Esta a orientação desta Corte, há muito consolidada. Confira-se:

PREVIDENCIÁRIO. PAGAMENTOS A MAIOR. BENEFÍCIO DE VALOR MÍNIMO. DESCONTO. IMPOSSIBILIDADE. DEVOLUÇÃO DOS VALORES DESCONTADOS INDEVIDAMENTE.
1. Os descontos que diminuam os proventos do segurado à quantia inferior ao salário mínimo ferem a. 2. Consoante orientação das Turmas componentes da 3ª Seção desta Corte não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução à quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal. 3. Em consequência, os valores descontados indevidamente administrativamente pelo INSS no benefício da autora devem ser devolvidos a ela.

Se este valor a ser devolvido decorre de fato relativo a outro benefício ou débito distinto ou ao próprio benefício, por exemplo, no caso de valores pagos em duplicidade, isso é irrelevante e o próprio STJ não admite qualquer cobrança que implique redução do mínimo legal.

A propósito trago à consideração, parte final da decisão do Ministro Paulo Medina no RESP XXXXX, DJ de 14.04.2005, onde conclui pela negativa de seguimento do Recurso Especial, porém trazendo em seu bojo a preocupação com o descontos nas hipóteses de benefício de valor mínimo:

(...)

Ademais, a repetição efetuada através de descontos em benefício previdenciário tem grande risco de provocar o surgimento de benefícios com valor inferior ao do salário mínimo, o que é expressamente vedado pelo § 2º do art. 201 da CF/88.
Desta forma, haja vista que o acórdão combatido encontra-se em sintonia com o entendimento desta Corte acerca da matéria, deve ser mantido nos termos em que foi proferido.
Posto isso, NEGO SEGUIMENTO ao recurso especial, com espeque no caput do art. 557 do Estatuto Processual Civil.

(...)

Trago ainda trecho da decisão da Ministra Assusete Magalhães no AREsp XXXXX, DJ de 21.05.2015, onde faz referência expressa ao fato de o INSS não atacar todos os fundamentos que lastrearam a decisão que manifestou-se pela não devolução de valores recebidos, especificamente a questão relativa às hipóteses de benefício de valor mínimo.

Em seu relatório aponta as razões de recurso do INSS :" Sustenta, em síntese, "que, independentemente da boa-fé no recebimento dos valores por erro administrativo e do caráter alimentar dos valores, é direito da Autarquia reaver os valores irregularmente recebidos e dever do segurado devolvê-los" (fl. 152e). Acrescenta que "o acórdão recorrido está, por via transversa, a repristinar o conteúdo de norma já declarada inconstitucional pelo STF, na ADI XXXXX-4/DF, qual seja, o parágrafo único, do artigo 130, da Lei nº 8.213/91 (redação original), que dispensava os segurados da Previdência de restituir os valores que fossem recebidos por força de decisão judicial que viesse a ser revertida"(fl. 157e)".

Conclui em sua decisão que :

"Como se vê, ao analisar a questão posta nos autos, especificamente quanto à impossibilidade de devolução, pelo segurado, de valores recebidos indevidamente, de boa-fé, por erro da Administração, a Corte Regional fundamentou-se no entendimento de que: a) os benefícios previdenciários possuem caráter alimentar; e, b) não é possível o desconto de valores na renda mensal do benefício previdenciário se isso implicar redução a quantia inferior ao salário-mínimo, em atenção aos termos do artigo 201, § 2º, da Constituição Federal.
Ocorre que o recorrente, nas razões do Recurso Especial não ataca especificamente, o fundamento adotado pela Corte Regional. Assim, é de se ver que a parte, ao recorrer, deve buscar demonstrar o desacerto do julgamento contra o qual se insurge, refutando todos os óbices por ele levantados, sob pena de vê-lo mantido.
Diante desse quadro, sendo o fundamento suficiente, por si só, para manter o julgado, fica inviabilizado o recurso, nos termos da Súmula 283/STF, aplicável por analogia, a seguir reproduzida:
"É inadmissível o Recurso Extraordinário, quando a decisão recorrida assenta em mais de um fundamento suficiente e o recurso não abrange todos eles."

Fixados tais parâmetros, tampouco seria demasiado sustentar a vedação de determinação de devolução, mesmo que se entenda legítima, de valores nas hipóteses de se estar diante de percepção de benefício de valor mínimo, pois o que se buscaria proteger, da mesma forma (análoga), seria o princípio do respeito à dignidade da pessoa que se valeu, para sua subsistência, apenas do mínimo legal.

Assim, não verificando adequação exata ao pronunciamento do STJ quanto à hipótese de impossibilidade de afirmação de boa-fé objetiva (uma vez que não abordada no repetitivo REsp nº 1.401.560/MT tal especificidade), mantenho o julgado, agregando tais fundamentos.

Ademais, mais recentemente restou pacificado o entendimento pela não devolução tendo em conta precedentes do STF.

Ante o exposto, voto por, mantendo o julgamento anterior, julgar prejudicado o agravo retido e negar provimento à apelação do INSS.


Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
Relator

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EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 17/08/2016
APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-75.2014.4.04.9999/RS
ORIGEM: RS XXXXX20088210044

INCIDENTE
:
QUESTÃO DE ORDEM
RELATOR
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PRESIDENTE
:
Desembargador Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
PROCURADOR
:
Procurador Regional da República Sérgio Cruz Arenhardt
APELANTE
:
INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS
ADVOGADO
:
Procuradoria Regional da PFE-INSS
APELADO
:
ISAURA ENGSTER
ADVOGADO
:
Fabiano Vuaden

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 17/08/2016, na seqüência 46, disponibilizada no DE de 02/08/2016, da qual foi intimado (a) INSTITUTO NACIONAL DO SEGURO SOCIAL - INSS, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o (a) 6ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU MANTENDO O JULGAMENTO ANTERIOR, JULGAR PREJUDICADO O AGRAVO RETIDO E NEGAR PROVIMENTO À APELAÇÃO DO INSS.

RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
VOTANTE (S)
:
Des. Federal JOÃO BATISTA PINTO SILVEIRA
:
Juíza Federal MARINA VASQUES DUARTE DE BARROS FALCÃO
:
Des. Federal SALISE MONTEIRO SANCHOTENE

Gilberto Flores do Nascimento
Diretor de Secretaria


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