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1 de Maio de 2024

STF Jun23 - Trancamento de Ação Penal por Inépcia da Denúncia - Sonegação Fiscal, Lavagem de Capitais e Organização Criminosa

há 8 meses


Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 211.853 PA RAÍBA

RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA


DECISÃO

HABEAS CORPUS . DECISÃO INDIVIDUAL DE MINISTRO DO STJ. SUBSTITUTIVO DE AGRAVO REGIMENTAL. SUPERVENIÊNCIA DE DECISÃO COLEGIADA. SONEGAÇÃO FISCAL. INTEGRAÇÃO A ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. LAVAGEM DE DINHEIRO. ALEGAÇÕES DE INÉPCIA DA DENÚNCIA. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. EXCEPCIONALIDADE VERIFICADA. ORDEM CONCEDIDA.

1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra decisão, proferida no Superior Tribunal de Justiça, pela qual a Ministra Relatora indeferiu liminarmente o Habeas Corpus nº 716.990/PB.

2. Extrai-se dos autos que o paciente foi denunciado, juntamente com outros 20 corréus, pela suposta prática dos crimes previstos nos arts. (i) 1º, inc. IV, c/c os arts. 11 e 12, inc. I, da Lei nº 8.137, de 1990 (sonegação fiscal majorada pelo grave dano ocasionado à coletividade), em continuidade delitiva; (ii) 1º, caput , § 1º, inc. I, § 2º, inc. I, e § 4º, da Lei nº 9.613, de 1998 (lavagem de capitais com causa de aumento ante a prática reiterada ou por intermédio de organização criminosa); e, 9.613, de 1998 (lavagem de capitais com causa de aumento ante a prática reiterada ou por intermédio de organização criminosa); e, (iii) 2º, caput , da Lei nº 12.850, de 2013 (integrar organização criminosa). fiscal majorada pelo grave dano ocasionado à coletividade), em continuidade delitiva; Lei nº 12.850, de 2013 (integrar organização criminosa). (ii) 1º, caput , § 1º, inc. I, § 2º, inc. I, e § 4º, da Lei nº 9.613, de 1998 (lavagem de capitais com causa de aumento ante a prática reiterada ou por intermédio de organização criminosa); e, 9.613, de 1998 (lavagem de capitais com causa de aumento ante a prática reiterada ou por intermédio de organização criminosa); e, (iii) 2º, caput , da Lei nº 12.850, de 2013 (integrar organização criminosa). fiscal majorada pelo grave dano ocasionado à coletividade), em continuidade delitiva; Lei nº 12.850, de 2013 (integrar organização criminosa).

(i) 1º, inc. IV, c/c os arts.111 11 e122 2, inc. I, da Lei nº 8.137 7 7 7, de 1990 (sonegação fiscal majorada pelo grave dano ocasionado à coletividade), em continuidade delitiva; (ii) 1º, caput §§ 1ºº, inc. I,§ 2ºº, inc. I, e§ 4ºº, da Lei nº 9.613 3 3 3, de 1998 (lavagem de capitais com causa de aumento ante a prática reiterada ou por intermédio de organização criminosa); e, 9.613, de 1998 (lavagem de capitais com causa de aumento ante a prática reiterada ou por intermédio de organização criminosa); e, (iii) 2º, caput , da Lei nº 12.850, de 2013 (integrar organização criminosa). fiscal majorada pelo grave dano ocasionado à coletividade), em continuidade delitiva; Lei nº 12.850, de 2013 (integrar organização criminosa).

3. O Juízo da 2a Vara Mista da Comarca de Sousa/PB, em 30/09/2021, acolhendo representação da autoridade policial, e após manifestação do Ministério Público no mesmo sentido, determinou, dentre outras

medidas, a prisão preventiva do paciente, bem como o sequestro de bens especificados pela acusação (veículos e imóveis em nome dos investigados). Em 28/10/2021, recebeu a denúncia.

4. Inconformada, a defesa protocolou dois habeas corpus perante o Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba: o primeiro, visando à revogação da custódia provisória, e o segundo, ao trancamento do processo-crime. O Relator indeferiu a liminar em ambos, seguindo-se a impetração no STJ.

5. Neste habeas corpus , os impetrantes sustentam a ausência de fundamentação idônea para a decretação da prisão preventiva. Afirmam não haver contemporaneidade entre o decreto prisional e os fatos objeto da ação penal, porquanto, segundo alegam, a última venda realizada pela empresa do paciente àqueles acusados de integrar organização criminosa foi realizada em janeiro de 2020, tendo sido imposta a custódia somente em setembro de 2021. Ainda, apontam a inépcia da denúncia, ao argumento de que não foram individualizadas as condutas típicas imputadas ao paciente, e a inexistência de justa causa para a ação penal, uma vez embasada a acusação apenas no fato da empresa do paciente ter realizado diversas vendas para empresários paraibanos, estes acusados de sonegação fiscal, além de ter emitido notas fiscais para supostas empresas de fachada.

6. Requereram, em sede liminar, o afastamento da prisão preventiva e a suspensão do processo-crime nº 0803112-60.2020.8.15.2002, da 2a Vara Mista da Comarca de Sousa/PB e, no mérito, pretendem o trancamento da ação penal.

7. Em 07/03/2022, deferi o pedido liminar, em parte, somente para "afastar a prisão preventiva do paciente, determinada nos autos da medida cautelar nº 0804433-42.2021.8.15.0371, até o julgamento do mérito deste habeas corpus, sem prejuízo de imposição, justificada, de medida cautelar diversa, constante do art. 319 do Código de Processo Penal, a ser definida pelo Juízo da Segunda Vara Mista da Comarca de Sousa/PB" .

8. A Procuradoria-Geral da República juntou parecer, manifestando- se pela denegação da ordem (e-doc. 21).

9. Na Petição STF nº 29.750/2022, os impetrantes informaram que a 6a Turma do STJ negou provimento ao agravo regimental interposto contra a decisão mediante a qual foi declarada a perda superveniente do objeto do HC nº 716.990/PB, em virtude da liminar concedida na presente impetração. Requereram o prosseguimento do feito, com a apreciação do mérito (e-doc. 23).

10. Em seguida, na Petição STF nº 22.727/2023, apresentaram novo aditamento à inicial, desta feita apontando a contrariedade ao enunciado nº 24 da Súmula do STF, a qual teria sido constatada após a obtenção de novos documentos e consistiria, em síntese, no fato de que o paciente não respondeu a qualquer processo administrativo fiscal, nem há lançamento tributário definitivo em seu desfavor ou de empresa a ele pertencente, de modo que nem sequer houve possibilidade de defesa na esfera administrativa. Alegam estar viciado o procedimento fiscal, uma vez que, "[t]endo conhecimento de quem seriam os reais devedores do fisco, a SEFAZ/PB deveria ter instaurado Processo Administrativo Tributário, ofertado defesa e possibilidade do pagamento do tributo, consoante previsão legal inscrita na Lei Estadual n. 10.094/2013 e no art. 142 do Código Tributário Nacional." (e-doc. 35, p. 16). Sustentam que, em face da ilegalidade apontada, deve ser reconhecida a ausência de justa causa para a deflagração da ação penal em relação, também, aos outros crimes imputados na denúncia, pois "o delito central é o tributário", sendo acessórios os demais (e-doc. 35, p. 19).

11. Postulam, com essas considerações, a concessão da ordem para trancar o processo-crime nº 0803112-60.2020.8.15.2002, perante a 2a Vara Mista da Comarca de Sousa/PB, ou, caso assim não se entenda, a reconsideração da decisão liminar, de modo a suspender o curso do processo-crime e a medida cautelar de sequestro de bens nº 0804855- 17.2021.8.15.0371, até a análise do mérito desta impetração pela 2a Turma.

É o relatório.

Decido.

12. O habeas corpus voltava-se, inicialmente, contra decisão individual de Relatora no Superior Tribunal de Justiça, mediante a qual indeferiu liminarmente o HC nº 716.990/PB. Inexistindo pronunciamento colegiado do STJ, não competiria ao Supremo Tribunal Federal examinar a questão de direito versada na impetração ( CRFB, art. 102, inc. I, al. i), por ser substitutiva de agravo regimental, cabível na origem ( HC nº 115.659/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 02/04/2013, p. 25/04/2013; HC nº 197.645-AgR/RJ, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, j. 08/04/2021, p. 16/04/2021; e HC nº 199.029-AgR/MA, Rel. Min. Edson Fachin, Segunda Turma, j. 19/04/2021, p. 29/04/2021).

p. 29/04/2021).

13. Contudo, a par da ilegalidade constatada em juízo perfunctório, por ocasião do exame do pedido liminar, anoto que sobreveio decisão colegiada do STJ, mantendo inalterada a situação do paciente , razão pela qual conheço do presente habeas corpus, "considerados os princípios da instrumentalidade das formas e da economia processual, que também se aplicam a essa ação constitucional penal." ( HC nº 145.792/SP, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, j. 26/09/2017, p. 29/09/2017).

14. Em relação ao mérito, entendo que merecem prosperar as alegações veiculadas por intermédio da Petição STF nº 22.727/2023 , acerca da inépcia da denúncia, considerada a insuficiência na individualização das condutas típicas imputadas ao paciente.

15. Esclareço, previamente, que o fato de não ter havido lançamento definitivo em nome do paciente ou de sua empresa não implicaria, por si só, ofensa ao verbete nº 24 da Súmula do STF, tendo em vista que ocorreu a constituição definitiva de créditos tributários, em valor superior a 200 milhões de reais, em desfavor de várias empresas de fachada ligadas ao grupo criminoso, conforme relação de certidões de dívida ativa constante da peça acusatória (e-doc. 7, p. 52-54).

16. Com efeito, o enunciado sumular não exige que o processo administrativo fiscal conte com a participação de todos os eventuais autores e partícipes da infração penal, tendo em vista que, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.137, de 1990, "quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade ."

17. Tal premissa permanece válida , porquanto é possível, em tese, a prática de crimes contra a ordem tributária por parte de quem não seja, por exemplo, contribuinte ou responsável pelo crédito tributário, reclamando, no entanto, o lançamento definitivo.

18. Contudo, após detida análise dos autos, especialmente do que consta da denúncia formalizada, e à vista dos argumentos trazidos pela defesa, entendo que a hipótese dos autos revela a inviabilidade da acusação com relação ao paciente, ao menos com base no que descrito na peça inicial da ação penal, tendo em vista a ausência de elementos indiciários seguros a respeito das condutas pessoalmente praticadas por André Egidio Farias Parize. Vejamos.

19. O art. 41 do Código de Processo Penal prevê que a denúncia deve conter a exposição dos fatos criminosos, com todas as circunstâncias, a qualificação do agente ou esclarecimentos pelos quais se possa identificá- lo, a classificação dos crimes e, quando necessário, o rol das testemunhas.

20. No caso sob análise, o Ministério Público do Estado da Paraíba, na inicial acusatória (e-doc. 7), imputou ao paciente condutas, por meio da empresa Altomax, supostamente reveladoras dos crimes de integração a organização criminosa, sonegação fiscal e lavagem de dinheiro.

21. Narrou que o grupo criminoso estafa estruturado em quatro núcleos: gerencial e operacional, de falsificação, de beneficiários diretos e de beneficiários indiretos . Assim, dita organização constituía empresas de fachada, por meio das quais eram emitidas notas fiscais simuladas de

compras de mercadorias, em especial de empresas dos Estados de Mato Grosso do Sul e Paraná (beneficiárias indiretas) , sendo os reais adquirentes empresas sediadas no Município de São Bento/PB (beneficiários diretos) . Os documentos fiscais, emitidos em nome das empresas de fachada, viabilizaram a ocultação de tais operações de aquisição de bens e a circulação das mercadorias sem o recolhimento dos impostos devidos ao Estado da Paraíba .

22. Os dados que embasaram a acusação foram colhidos mediante investigação criminal, iniciada por meio do Procedimento Investigatório Criminal (PIC) nº 002.2018.024125, instaurado na Promotoria de Justiça de Crimes contra Ordem Tributária em João Pessoa/PB, bem como por intermédio de medidas cautelares de quebra de sigilo fiscal e bancário de vários investigados, além de inquérito policial, do qual resultaram quebras de sigilo telemático e interceptações telefônicas -nº 0808505- 63.2020.8.15.2002 e nº 0810842-25.2020.8.15.2002-, busca e apreensão -nº 0804433-42.2021.8.15.0371- e sequestro de bens -nº 0804855- 17.2021.8.15.0371.

23. Observa-se que, ao discorrer sobre o início das investigações, o Ministério Público esclareceu ter sido identificada possível prática de crime contra a ordem tributária pelos representantes legais da empresa denominada Sedução Única XXXXXXXX EIRELI - ME , sendo constatados fortes indícios de haver atuado como empresa de fachada, com emissão de notas fiscais sem a devida correspondência com operações reais.

24. No tocante ao paciente, proprietário da empresa ALTOMAX, na peça de acusação o Ministério Público afirma ter-se verificado que a ALTOMAX, por meio de sua matriz e filiais em diversos Estados (incluindo a Paraíba), era a principal fornecedora da empresa Sedução Única e de outras semelhantes no Estado da Paraíba, cujo porte dos estabelecimentos não condizia com o valor das operações realizadas, em torno de milhões de reais, com vários destinatários com curto período de atividade ou de atividade não condizente com os produtos adquiridos. (e-

doc. 7, p. 13)

25. As investigações revelaram, consoante opinião do Órgão de acusação, vínculos entre os envolvidos , o que indicaria a existência de organização criminosa atuante no Estado da Paraíba, por meio de abertura de empresas por intermédio de "laranjas", operacionalizando fraude fiscal estruturada.

26. Em tópicos específicos da peça acusatória, o Ministério Público

procurou delimitar as condutas atribuídas ao paciente, identificando-o,

como já dito, como integrante do núcleo de beneficiários indiretos, por

ser a Altomax uma das principais fornecedoras de mercadorias, no

contexto criminoso, aos beneficiários diretos.

Pois bem.

27. De início, refiro as percucientes palavras do eminente Ministro Celso de Mello, proferidas no âmbito do HC nº 70.763/DF:

"O processo penal de tipo acusatório repele, por ofensivas à garantia da plenitude de defesa, quaisquer imputações que se mostrem indeterminadas, vagas, contraditórias, omissas ou ambíguas. Existe, na perspectiva dos princípios constitucionais que regem o processo penal, um nexo de indiscutível vinculação entre a obrigação estatal de oferecer acusação formalmente precisa e juridicamente apta e o direito individual de que dispõe o acusado a ampla defesa. A imputação penal omissa ou deficiente, além de constituir transgressão do dever jurídico que se impõe ao Estado, qualifica-se como causa de nulidade processual absoluta. A denúncia - enquanto instrumento formalmente consubstanciador da acusação penal - constitui peça processual de indiscutível relevo jurídico. Ela, ao delimitar o âmbito temático da imputação penal, define a própria res in judicio deducta . A peça acusatória deve conter a exposição do fato delituoso, em toda a sua essência e com todas as suas circunstâncias. Essa narração, ainda que sucinta, impõe-se ao acusador como exigência derivada do postulado constitucional que assegura ao réu o exercício, em plenitude, do direito de defesa. Denúncia que não descreve adequadamente o fato criminoso é denúncia inepta"

( HC nº 70.763/DF, Rel. Min. Celso de Mello, Primeira Turma, j. 28/06/1994, p. 23/09/1994; grifos nossos).

28. Com efeito, tenho que a narrativa do Ministério Público, apesar de explicitar, de forma concatenada, a suposta existência de esquema estruturado voltado à prática de crimes de sonegação fiscal, não descreve, em seu texto, conduta praticada diretamente pelo paciente , apenas fazendo alusão a atividades executadas no âmbito da própria empresa , no contexto de comercialização de produtos, entregas e trânsito de e-mails . A exigência alusiva à individualização da conduta é elementar para o exercício do direito de defesa, o qual se dirige contra a imputação objetivada na denúncia.

29. Especialmente quanto ao ponto que nos parece fundamental para o deslinde da controvérsia submetida à análise, constata-se, por meio de certidão negativa de débitos tributários perante o Estado da Paraíba, a inexistência de lançamento definitivo em nome da empresa Altomax XXXXXXXXXXXXXX EIRELI (e- doc. 63).

30. Conforme já explicitado, tal circunstância, por si só, não afastaria a viabilidade de imputar-se ao paciente o crime do art. da Lei nº 8.137, de 1990 (sonegação fiscal), uma vez que não se exige que o processo administrativo fiscal conte com a participação de todos os eventuais autores e partícipes da infração penal, tendo em vista que, nos termos do art. 11 da Lei nº 8.137, de 1990, "quem, de qualquer modo, inclusive por meio de pessoa jurídica, concorre para os crimes definidos nesta lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida de sua culpabilidade ."

31. Contudo, mostra-se imprescindível, para a viabilidade da acusação, a demonstração do seu efetivo envolvimento na organização

criminosa esquadrinhada na peça acusatória, mediante narrativa de conduta própria, para que, verificada a constituição definitiva de créditos tributários em desfavor de empresas de fachada ligadas ao grupo criminoso, pudesse esse contexto ser acoplado ao paciente (e-doc. 7, p. 52- 54).

32. Conforme se extrai da denúncia, o ponto principal de justificação para tal vínculo, na visão do Ministério Público, seria o fato de a Automax transportar parte das mercadorias por ela vendidas, por intermédio dos veículos da empresa, às supostas reais compradoras, bem como o fato de outra parte das vendas ser transportada diretamente pelos empresários paraibanos reais compradores.

33. Infere o Ministério Público, também, o vínculo do paciente com a organização criminosa, mencionando como "nítida" a participação no grupo, a partir do suposto envio de e-mails para o endereço eletrônico do Escritório ZZZZZZZ (XXXXXXXXXXXb@hotmail.com), alusivo ao núcleo gerencial da organização, mediante os quais haveria a indicação do real destinatário das mercadorias (beneficiários diretos), informando ainda a placa do veículo e o nome do motorista.

34. Observe-se que as referidas condutas, partindo do que consta da denúncia, não são necessariamente afetas ao paciente, sendo imputadas, na verdade, à pessoa jurídica, sem que haja narrativa a respeito da atuação pessoal de André Parize, seja no envio de e-mails , seja na realização de diligência pessoal para viabilizar a entrega das mercadorias em locais específicos, em favor dos beneficiários diretos, fora da logística corriqueira da empresa.

35. Especificamente quanto ao trânsito de e-mails com o "Escritório XXXXXXXXXXXs", suposto núcleo gerencial da organização criminosa, observa-se que a peça de acusação, referindo ao XXXXXXXXXXXXXXXx@gmail (setor de faturamento da empresa), não especifica quem seria o autor da remessa de documentos por via eletrônica, tampouco aponta e-mails lidos, recebidos ou enviados pelo

paciente, apenas presumindo, nos exatos termos da denúncia, que ele "remete as notas fiscais das empresas criadas pelo esquema criminoso para o endereço eletrônico do Escritório XXXXXXXXXXX". De outro lado, colho das peças juntadas ao processo que a autoridade policial, na representação por medidas cautelares (autos nº 0804433- 42.2021.8.15.0371), e o Ministério Público, na denúncia, fazem alusão à pessoa de XXXXXXXXXXX como sendo responsável pelo encaminhamento de notas ficais de saída da Altomax através do endereço "XXXXXXXXXXXXXa@hotmail.com" (e-doc. 9, p. 50). Constata-se a inexistência de notícia a respeito de ter sido essa pessoa ouvida, ou quanto à existência de eventual dado que vincule sua atuação ao comando do paciente.

36. Nesse sentido, destaco os seguintes trechos da peça acusatória:

"Os proprietários das empresas ALTOMAX (XXXXXXXXXX) e TOP LINE (XXXXXXXXXX) são os principais beneficiários indiretos desta ORCRIM, considerando os valores de mercadorias que foram vendidas para o estado da Paraíba, com as notas fiscais emitidas para as empresas de fachada (...)"

"ANDRÉ XXXXXXXXXXXIZE - Altomax Beneficiário indireto da fraude fiscal estruturada para sonegação de impostos na Paraíba . É o principal fornecedor das mercadorias destinadas aos empresários de São Bento, tendo operacionalizado, vendas no montante superior a R$ 225 milhões (até 01/2020). Nítida a sua participação ativa na ORCRIM, vez que, remete as notas fiscais das empresas criadas pelo esquema criminoso para o endereço eletrônico do Escritório ZZZZZZZZZZ (fXXXXXXXXXX@hotmail.com), indicando o real destinatário das mercadorias (beneficiários diretos), informando ainda a placa do veículo e o nome do motorista.

Efetua ainda o transporte destas mercadorias em

veículos próprios, cuja entrega é feita, a destinatários diversos dos constantes nos documentos fiscais ."

"Consoante relatado acima, há uma nítida divisão de tarefas/funções em relação aos membros da organização criminosa, de acordo com sua posição na organização: os beneficiários diretos (os empresários paraibanos, divididos por Núcleos Familiares Chagas XXXXXXXXXXX e Araújo e o empresário, também beneficiário WXXXXXXXX Vieira) solicitam do Núcleo Gerencial (capitaneado por José XXXXXsta), o fornecimento de CNPJs de empresas de fachada para emissão fraudulenta de notas fiscais, seja de venda ou de compra, estas criadas com auxílio do Núcleo de Falsificação, para aquisição de mercadorias junto aos fornecedores (beneficiários indiretos) ALTOMAX (XXXXe) e TOP XXXE (RXXXXXXXXXXdo), que conscientemente emitem notas fiscais destinadas para empresas inexistentes ou laranjas, mas enviando seus produtos a locais diversos dos estabelecidos nos documentos fiscais, promovendo assim, grande volume de circulação de mercadorias sem o recolhimento do ICMS devido ." (grifos nossos).

37. Ausente a mencionada vinculação na narrativa da peça acusatória, entre o paciente e a organização criminosa, fica afastada a viabilidade da acusação quanto ao crime de sonegação fiscal, uma vez observado o verbete nº 24 da Súmula do STF, bem assim a própria acusação referente ao crime do art. da Lei nº 12.850, de 2013, por insubsistência da narrativa lançada na denúncia. Nesse sentido, trago esclarecedor precedente da Corte:

"HABEAS CORPUS. CRIME DE DESCAMINHO. CRIME SOCIETÁRIO. DENÚNCIA. INÉPCIA. RESPONSABILIDADE OBJETIVA. AÇÃO PENAL JÁ TRANCADA QUANTO AOS CO-RÉUS. Não atende às exigências jurisprudenciais e legais

(art. 41 do CPP) a peça de denúncia que extrai a responsabilidade penal do simples exercício do cargo em determinada empresa, sem nenhuma descrição mínima de participação do acusado em eventuais ilícitos societários. Se a responsabilidade de todos os denunciados foi extraída exclusivamente dos cargos por eles ocupados na empresa, então o vício da peça acusatória é de ser alegado em prol de todos os acusados, devendo-se aplicar a regra do art. 580 do CPP. Ordem concedida para fins de trancamento da ação penal."

( HC nº 85.618/AM, Rel. Min. Carlos Britto, Primeira Turma, j. 17/05/2005, p. 29/06/2007; grifos nossos).

38. Chama atenção, ainda, por utilizar-se de fundamentos similares aos constantes da denúncia, o pronunciamento pelo qual imposta a prisão preventiva, igualmente inferindo a participação em grave conjunto de fatos delitivos a partir de premissa que, por si só, não revela sustentação à acusação, qual seja, o fato de o paciente ser proprietário de empresa fornecedora de produtos a outras empresas supostamente envolvidas em esquema delitivo. Veja-se:

"Restam também fortes indícios de que os alvos André XXXXXXXXXXXXXXXXXXXX do fazem parte da Orcrim, uma vez que são os proprietários das empresas fornecedoras no sul do país e vendem mercadorias para os grupos empresariais citados , faturando as notas fiscais com a venda para empresas diversas, mesmo ciente de quem são os verdadeiros compradores, com a finalidade de que todo o grupo fraude a fiscalização tributária, tudo descrito nos relatórios confeccionados pela órgãos investigadores." (e-doc. 10, p. 63; grifos nossos).

39. A acusação, a pretexto de demonstrar o envolvimento direto do paciente no grupo criminoso, também faz referência a conteúdo de interceptação telefônica autorizada judicialmente, apontando diálogo entre o investigado Francisco dXXXXXXXXXXXXXXa com pessoa não

identificada. No trecho captado há menção, por um dos interlocutores, a um motorista ("o outro lá do André"), ao que o investigado responde "André disse que depois via como iria ajudar" . Eis o trecho constante da denúncia:

"HNI pergunta se resolveu o negócio lá.

CHAGAS diz que resolveu pagando 120 e como que não resolve.

UNI: 120 mil cara?

CHAGAS diz que está doidinho e que de ontem pra cá. tanta burrice.... o motorista era pra ter olhado a nota e o outro lá de ANDRÉ não era pra ter colocado uma nota de São Paulo misturado com as minhas.

HNI diz que isso lasca o cara. uma nota de São Paulo na Paraíba.

CHAGAS diz que aí vem mais uma nota aí. e vai puxando e o menino lá devia ter trocado uma nota e não trocou. e unia coisa chama a outra e está tudo errado, e se entrar na justiça é pior e fica tudo parado, e fica com advogado e não sei mais.

HNI diz que não adianta não.

CHAGAS diz que ANDRÉ disse que depois via como iria ajudar ." (e-doc. 7, p. 70; grifos nossos).

40. No ponto, com a devida vênia, entendo que a simples menção ao nome "André", sem qualquer outro dado que possa vincular o paciente a alguma atividade delitiva, não é elemento válido ao embasamento da acusação. Percebe-se a inexistência de clareza sobre os contornos do diálogo, não havendo também qualquer elemento de corroboração de que o tal "André" estivesse ciente da situação em jogo na conversa. Ademais, ao que tudo indica, o diálogo se referia a nota concernente ao Estado de São Paulo, e não de empresas apenas da Paraíba (onde, segundo consta da denúncia, estavam instaladas as empresas que operavam as condutas ilícitas). Frise-se, não há na denúncia qualquer outra indicação de áudios captados envolvendo o próprio paciente ou terceiros que pudessem

41. A análise da peça inicial da ação penal revela que a acusação se baseia em suposições desvinculadas de narrativa específica de conduta praticada pelo paciente, a revelar a pretensão de responsabilidade penal objetiva, entendida como responsabilidade criminal independentemente da existência de comprovação de culpa ou dolo por parte do acusado.

42. Em relação à imputação do crime de lavagem de dinheiro , a acusação aponta a autoria direta do crime de lavagem de dinheiro pelos chamados "beneficiários diretos" (empresários paraibanos) , os quais teriam praticado condutas voltadas à "ocultar valores indevidamente não repassados ao erário, relativos ao pagamento dos impostos devidos ao Estado da Paraíba pelas empresas beneficiárias do esqueleto criminoso, principalmente pela utilização de empresas de fachada e de pessoas interpostas, no intuito de reinserir na atividade econômica os valores sonegados, bem como converter em ativos lícitos" , a evidenciar ação de branqueamento que capitais. (e-doc. 7, p. 58)

43. Em seguida, no ponto em que faz alusão específica ao paciente, o Ministério Público justifica a acusação de cometimento do crime do art. , § 2º, da Lei nº 9.613, de 1998, alcançando a conclusão de que o branqueamento se deu com auxílio e participação de toda a organização criminosa , da qual entende ser André Egídio Farias Parize integrante. Alega-se que as movimentações financeiras atípicas, sem correspondência com operações regulares, entre os núcleos da organização criminosa, indicam a presença do delito previsto no art. , § 2º, inciso II, da Lei nº 9.613, de 1998, mediante a aquisição, recebimento, negócio, movimento ou transferência no intuito de ocultar valores provenientes com a sonegação fiscal e os "serviços" ligados à falsidade material e ideológica. (e-doc. 7, p. 58-59)

44. De fato, com base em relatórios de inteligência financeira (RIFs), em dados enviados pela Secretaria da Receita Federal do Brasil e em dados bancários (medida cautelar de nº 0001526-98.2019.8.15.0371), há na denúncia narrativa demonstrando a incompatibilidade de faturamentos

declarados com a efetiva movimentação bancária de outros investigados (e-doc. 7, p. 59). No mesmo giro, a acusação faz referência a transações financeiras em favor da empresa Altomax , oriundas de alguns dos investigados, pessoas físicas e jurídicas, como FXXXXXXXXXXXéas (R$ 672.987,00; e-doc. 7, p. 61), Raúl XXXXXXXXXXXlva (R$ 1.000.000,00; e-doc. 7, p. 62), Manoel XXXXXXXXXXXXXXva, e de sua empresa MME da XXXXXXXX-ME (R$ 704.000,00; e-doc. 7, p. 63), Thasmania XXXXXXXXXXXXéas (R$ 8.668.000,00; e-doc. 7, p. 63), Alberoneide XXXXXXXXXX (R$ 2.700.000,00; e-doc. 7, p. 64), bem como Alberoni XXXXXXXXXXXXXXraújo (sem indicação específica de valores).

45. Contudo, a narrativa desenvolvida na denúncia seguiu a mesma linha das imputações de sonegação fiscal e organização criminosa, ou seja, descreveu fatos referentes à pessoa jurídica Altomax e ao suposto desvirtuamento da respectiva atividade empresarial, sem apontar dados concretos que impliquem o ora paciente na trama criminosa, a não ser a sua condição de proprietário da sociedade empresarial e o depósito de valores em conta vinculada à empresa.

46. Assim posta a questão, no tocante aos requisitos para imputação do crime de lavagem de lavagem de dinheiro a título de autoria ou participação, assim leciona a abalizada doutrina:

"Definir como autor aquele que tem domínio dos fatos e partícipe aquele que colabora moral ou materialmente com a prática de lavagem de dinheiro diz muito pouco sobre os critérios de imputação do delito. A configuração da tipicidade exige que o mascaramento seja imputável ao agente - requisito que ganha contornos importantes quando se trata de um tipo penal com condutas tão abertas como ocultar, dissimular, e quando o processo delitivo se dá com a participação de inúmeros intervenientes, como gerentes de banco, contadores, advogados e outros profissionais." (BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro, 4a ed., São Paulo: Thompson Reuters, 2019; p. 176).

47. Observo que a peça acusatória, ainda que faça referência a valores depositados na conta da empresa Altomax, oriundos de outros investigados, não narra de que forma o paciente, pessoalmente, estaria tentando camuflar a origem de valores provenientes das infrações penais imputadas aos corréus. E mais, não traz qualquer elemento de que tais valores não correspondiam ao pagamento regular das vendas de mercadorias efetivamente realizadas pela Altomax. Verifica-se, na verdade, a ausência de narrativa quanto ao elemento subjetivo consistente na peculiar finalidade do agente de, praticando tal ação, atingir o propósito de ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes da prática de crimes. Relevante frisar que os valores foram depositados na própria conta da Altomax, conforme consta da denúncia, ao passo que nenhuma conduta é especificada quanto à forma de encobrimento da origem, de dissimulação do dinheiro por crimes prévios obtidos, a justificar a imputação por lavagem de dinheiro. O quadro exposto não conduz à conclusão sobre o ciclo criminoso necessário ao branqueamento.

48. Nesse sentido, volto a referir aos ensinamentos da doutrina:

"Assim, em relação ao crime de lavagem de dinheiro, não basta apenas repetir os termos da lei, como, por exemplo, que o acusado ‘Ocultou ou dissimulou a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal’. Em tal caso, a denúncia permanece no campo abstrato do preceito penal incriminador, esquecendo-se que o fato processual penal é um fato, um acontecimento histórico, e não um tipo penal ideal.

É necessário que a denúncia descreva, concretamente, no que consistiu o processo de branqueamento, indicando as ações concretas por meio das quais se ocultou (i.e.: tornou oculto, escondido) ou dissimulou (p.ex.: disfarço, fez parecer com o que não era), a origem, localização, disposição ou movimentação dos bens, ou dos direitos, ou dos valores, de origem ilícita. Por exemplo, o STJ considerou que"Não é inepta a exordial que descreve, com clareza, a participação de determinado agente nas inúmeras alterações contratuais de diversas empresas (inclusive com a inserção de dados falsos quanto à propriedade de uma delas) com o objetivo precípuo de ‘blindar’ ou impossibilitar eventual execução de elevado passivo fiscal. O vínculo existente entre o acusado e o evento delituoso reside justamente na promoção das referidas alterações contratuais que seriam entabuladas com interpostas pessoas para dificultar, ocultar ou dissimular o capital das empresas"(BADARÓ, Gustavo Henrique; BOTTINI, Pierpaolo Cruz. Lavagem de Dinheiro, 4a ed., São Paulo: Thompson Reuters, 2019; p. 339-340).

49. A menção isolada a um cheque ao portador, que teria sido descontado diretamente pelo paciente, no valor de R$ 25.516,00 (e-doc. 7, p. 64), com a devida vênia, não constitui, isoladamente, suporte idôneo para embasar a denúncia, sobretudo em contexto que envolve, segundo a acusação,"R$ 880.000.000,00 (oitocentos e oitenta milhões de reais) em mercadorias e nota fiscais inidôneas no Estado da Paraíba, o que significa, um prejuízo ao erário, de R$ 228.314.412,32 (duzentos e vinte e oito milhões, trezentos e quatorze mil, quatrocentos e doze reais e trinta e dois centavos) já contabilizados, sabendo-se, no entanto, que os números são ainda maiores."mercadorias e nota fiscais inidôneas no Estado da Paraíba, o que significa, um prejuízo ao erário, de R$ 228.314.412,32 (duzentos e vinte e oito milhões, trezentos e quatorze mil, quatrocentos e doze reais e trinta e dois centavos) já contabilizados, sabendo-se, no entanto, que os números são ainda maiores."(e- doc. 7, p. 10) para embasar a denúncia, sobretudo em contexto que envolve, segundo a acusação, doc. 7, p. 10)"R$ 880.000.000,00 (oitocentos e oitenta milhões de reais) em mercadorias e nota fiscais inidôneas no Estado da Paraíba, o que significa, um prejuízo ao erário, de R$ 228.314.412,32 (duzentos e vinte e oito milhões, trezentos e quatorze mil, quatrocentos e doze reais e trinta e dois centavos) já contabilizados, sabendo-se, no entanto, que os números são ainda maiores."mercadorias e nota fiscais inidôneas no Estado da Paraíba, o que significa, um prejuízo ao erário, de R$ 228.314.412,32 (duzentos e vinte e oito milhões, trezentos e quatorze mil, quatrocentos e doze reais e trinta e dois centavos) já contabilizados, sabendo-se, no entanto, que os números são ainda maiores."(e- doc. 7, p. 10) para embasar a denúncia, sobretudo em contexto que envolve, segundo a acusação, doc. 7, p. 10)

p. 64), com a devida vênia, não constitui, isoladamente, suporte idôneo para embasar a denúncia, sobretudo em contexto que envolve, segundo a acusação,"R$ 880.000.000,00 (oitocentos e oitenta milhões de reais) em mercadorias e nota fiscais inidôneas no Estado da Paraíba, o que significa, um prejuízo ao erário, de R$ 228.314.412,32 (duzentos e vinte e oito milhões, trezentos e quatorze mil, quatrocentos e doze reais e trinta e dois centavos) já contabilizados, sabendo-se, no entanto, que os números são ainda maiores."mercadorias e nota fiscais inidôneas no Estado da Paraíba, o que significa, um prejuízo ao erário, de R$ 228.314.412,32 (duzentos e vinte e oito milhões, trezentos e quatorze mil, quatrocentos e doze reais e trinta e dois centavos) já contabilizados, sabendo-se, no entanto, que os números são ainda maiores." (e- doc. 7, p. 10) para embasar a denúncia, sobretudo em contexto que envolve, segundo a acusação, doc. 7, p. 10)

50. Deveras, extraio dos autos que a Altomax teria recolhido corretamente os tributos relacionados às vendas por ela realizadas , tanto que a defesa fez juntar, como já mencionado, certidão reveladora de situação regular perante a Fazenda Pública do Estado da Paraíba (e-doc. 63) . Entendo que a empresa fornecedora (ou seu proprietário), salvo hipóteses legais de substituição tributária, não pode ser responsável pelo pagamento (ou não pagamento) dos tributos afetos às empresas adquirentes de suas mercadorias. Tampouco tem-se como viável, nesse mesmo contexto,a atribuição de práticas delitivas mediante participação, ao menos que se tenha efetiva demonstração de conduta que extrapola

ilicitamente o âmbito regular da atividade empresarial desempenhada, criando risco não permitido de afetação do bem jurídico objeto da norma penal, sob pena de estabelecer-se responsabilidade penal objetiva em matéria de crimes tributários, considerada toda a cadeia produtiva e comercial.

51. Ainda com relação aos termos da denúncia, menciono relevante contribuição doutrinária da Professora Ada Pellegrini Grinover e dos professores Antonio Scarance Fernandes e Antonio Magalhães Gomes Filho, assinalando que:

"A imputação omissa ou deficiente, que impeça ou dificulte o exercício da defesa, é causa de nulidade absoluta, não podendo ser sanada porque infringe os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa:

(...)

Em hipóteses de co-autoria, a peça acusatória deve historiar a participação de cada um dos acusados; a fim de que possam individualmente responder à imputação. É o que se deflui do sistema penal brasileiro que, por imposições de ordem constitucional não admite a responsabilidade objetiva e acolhe o princípio da personalidade. Não se exige a descrição pormenorizada, mas a suficiente para que o acusado possa exercer com plenitude a sua defesa (GRINOVER, Ada Pellegrini; FERNANDES, Antonio Scarance; FILHO, Antonio Magalhães Gomes. As Nulidades no Processo Penal. 12a ed. São Paulo: RT, 2011, p. 93-94).

52. É certo que não se confundem os requisitos para o recebimento da denúncia -providência baseada em juízo de mera delibação, jamais de cognição exauriente-, com o juízo de procedência da imputação criminal, realizado tão somente ao final do processo-crime, após encerrada a instrução criminal. Contudo, a submissão do paciente ao processo-crime, sem que haja narrativa embasada no respectivo suporte probatório mínimo, acarreta, para além do constrangimento ilegal da

inclusão em polo passivo de ação penal, efeitos negativos sobre a personalidade da pessoa acusada, implicando dúvidas a respeito, por exemplo, da própria reputação, do nome e da imagem, elementos que compõem o patrimônio inalienável do ser humano.

53. Vale destacar, sobre a questão, a seguinte passagem do pronunciamento do e. Ministro Celso de Mello no HC nº 80.812/PA:

"É preciso insistir na circunstância de que a ‘responsabilidade penal pelos eventos delituosos praticados no plano societário, em nome e em favor de organismos empresariais, deve resolver-se - consoante adverte Manoel Pedro Pimentel (‘Crimes Contra o Sistema Financeiro Nacional,

p. 172, 1987, RT) - na responsabilidade individual dos mandatários, uma vez comprovada sua participação nos fatos’ (grifei), eis que, tal como salienta o saudoso Professor da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, o princípio hoje dominante da responsabilidade por culpa - que não se confunde com o postulado da responsabilidade por risco - revela-se incompatível com a concepção do versari in re illicita , banida do domínio do direito penal da culpa. É que - tal como já decidiu o Supremo Tribunal Federal - a circunstância de alguém meramente ostentar a condição de sócio de uma empresa não pode justificar a formulação de qualquer juízo acusatório fundado numa inaceitável presunção de culpa ". ( HC nº 80.812/PA, Rel. Min. Celso de Mello, Red. do Acórdão, Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 27/08/2002,

p. 05/03/2004; grifos nossos).

54. Por todo o exposto, entendo que a peça acusatória, no que se refere ao ora paciente, revela-se em desconformidade com os requisitos do art. 41 do CPP, tendo em vista a ausência de descrição, de forma individualizada, da sua participação nos fatos tidos como delituosos, inviabilizando o exercício pleno do contraditório e da ampla defesa.

55. Com efeito, a jurisprudência do Supremo Tribunal é pacífica no sentido de que o trancamento de ação penal, pela via estreita do habeas corpus , é excepcional, admissível apenas em situações de manifesta atipicidade da conduta, de inegável presença de causa de extinção da punibilidade e de ausência de elementos mínimos da autoria e da materialidade. HC nº 136.823-AgR/BA, Rel. Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, p. 25/04/2017, p. 08/05/2017; RHC nº 140.008/PR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 04/04/2017, p. 26/04/2017.

56. Colho dos autos elementos suficientes para concluir tratar-se de hipótese em que o Órgão de acusação, a par de inúmeros procedimentos de investigação, incluídas interceptações telefônicas, quebras de sigilo telemático e medidas de busca e apreensão , não logrou inserir na peça acusatória a explanação das condutas delitivas do próprio paciente, trabalhando o prognóstico incriminatório com base em ilações. Nesse sentido, menciono diversos precedentes em que a Corte, em face de delitos societários e ante imputação alusiva a crime previsto na Lei nº 8.137, de 1990, assentando a imprescindibilidade de demonstração de liame entre o acusado e a conduta a ele imputada:

"INQUÉRITO. LEI Nº 8.137/90, ARTS. E 2º. DENÚNCIA. REQUISITOS. CPP, ART. 41. CRIME SOCIETÁRIO. 1. O entendimento jurisprudencial, segundo o qual a peça acusatória, nos crimes societários, pode ser oferecida sem que haja descrição pormenorizada da conduta de cada sócio, não autoriza o oferecimento de denúncia genérica. 2. Denúncia que, ao narrar os fatos, deixa de demonstrar qualquer liame entre o acusado e a conduta a ele imputada, torna impossível o exercício do direito à ampla defesa. Imprescindível a descrição da ação ou omissão delituosa praticada pelo acusado, sobretudo por não ocupar qualquer cargo administrativo na associação e ostentar posição de um, dentre muitos, de seus integrantes. 3. O sistema jurídico penal brasileiro não admite imputação por responsabilidade penal objetiva . 4. Denúncia rejeitada."

( Inq nº 1.578/SP, Rel. Min. Ellen Gracie, Tribunal Pleno, j. 18/12/2003, p. 23/04/2004; grifos nossos).

"HABEAS CORPUS . PROCESSUAL PENAL. WRIT SUBSTITUTO DE RECURSO EXTRAORDINÁRIO: ADMISSIBILIDADE. CRIME SOCIETÁRIO. DENÚNCIA GENÉRICA FUNDAMENTADA NA TEORIA DO DOMÍNIO DO FATO: ACUSAÇÃO INÉPTA. ORDEM DE HABEAS CORPUS CONCEDIDA. I - Embora o presente habeas corpus tenha sido impetrado em substituição a recurso extraordinário, esta Segunda Turma não opõe óbice ao seu conhecimento. II - A denúncia que se ampara em mera conjectura inviabiliza a compreensão da acusação e, por conseguinte, o exercício da ampla defesa. III - As atividades da indigitada empresa de telefonia não estão direcionadas à prática de ilícitos, por isso, inaplicável a teoria do domínio do fato como fundamento único a embasar a acusação . IV - Ordem de habeas corpus concedida."

( HC nº 136.250/PE, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, j. 23/05/2017, p. 22/08/2017; grifos nossos).

"Habeas corpus . Penal. Processo Penal. 2. Denúncia genérica. Crime societário. Art. , inciso I, da Lei 8.137/1990 (Crimes contra a ordem tributária, econômica e contra as relações de consumo). É fundamental que o mínimo de individualização da conduta esteja contido na denúncia para permitir o recebimento. Caso que apresenta peculiaridades, que demonstram que um esforço de identificação da contribuição dos envolvidos para o suposto crime seria particularmente relevante. 3. Ordem concedida, para extinguir a ação penal, por inépcia da denúncia."

( HC nº 127.415/SP, Rel. Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, j. 13/09/2016, p. 27/09/2016).

57. Diante do exposto, com base no art. 192 do RISTF, concedo a ordem para determinar o trancamento do processo-crime nº 0803112- 60.2020.8.15.2002, da 2a Vara Mista da Comarca de Sousa/PB , exclusivamente com relação ao paciente, AXXXXXXXXXXXXXXXe, tornando insubsistentes, ainda, as medidas cautelares implementadas contra a sua pessoa e em face da empresa AltomaxXXXXXXXXXXI, nos autos das medidas cautelares nº 0804433-42.2021.8.15.0371 (prisão preventiva) e nº 0804855- 17.2021.8.15.0371 (sequestro de bens).

58. Fica ressalvada a possibilidade de que o Ministério Público ofereça nova denúncia contra o paciente, se, havendo novos elementos, preenchidos os requisitos mínimos do art. 41 do Código de Processo Penal.

Comunique-se, com urgência. Publique-se. Brasília, 2 de junho de 2023.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA

Relator

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(STF - HC: 211853 PB, Relator: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 02/06/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 02/06/2023 PUBLIC 05/06/2023)

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