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6 de Maio de 2024

STJ 2023 - Funcionário Fantasma - Peculato - Liminar para Suspender o Processo por Atipicidade

há 8 meses

HABEAS CORPUS Nº 825034 - SP (2023/0171398-3) RELATOR : MINISTRO ROGERIO SCHIETTI CRUZ

DECISÃO

XXXXXXXX alega sofrer coação ilegal em decorrência de decisão do Desembargador relator do writ originário que indeferiu o pedido liminar. A defesa pleiteia, liminarmente, a suspensão da execução da pena até o julgamento deste writ em favor do paciente – condenado à pena de 6 anos e 8 meses de reclusão, em regime inicial semiaberto, por infração ao art. 312, caput, c/c o art. 327, § 2º, ambos do Código Penal –, sob o argumento de que a atipicidade da conduta (imputação de peculato à “funcionário fantasma”) demanda a absolvição. Decido. De acordo com o explicitado na Constituição Federal (art. 105, I, c), não compete a este Superior Tribunal conhecer de habeas corpus impetrado contra decisão denegatória de liminar, por desembargador, antes de prévio pronunciamento do órgão colegiado de segundo grau.

Em verdade, o remédio heroico, em que pesem sua altivez e sua grandeza como garantia constitucional de proteção da liberdade humana, não deve servir de instrumento para que se afastem as regras de competência e se submetam à apreciação das mais altas Cortes do país decisões de primeiro grau às quais se atribui suposta ilegalidade, salvo se evidenciada, sem necessidade de exame mais vertical, a apontada violação ao direito de liberdade do paciente, o que se verifica na espécie. A sentença, ratificada em segunda instância, condenou o paciente nos seguintes termos:

[...] Conjugando a análise do referido tipo legal com as provas produzidas nos autos, podemos afirmar sem qualquer dúvida que restou cabalmente configurado o delito em questão. Em primeiro lugar, é importante salientar que a denúncia narrou que os réus Mauricio e Sylvio falsificavam a presença do réu Israel permitindo que o mesmo recebesse da prefeitura sem sequer ter comparecido para trabalhar, gerando prejuízos aos cofres públicos. Tal falsificação permitiria o recebimento e a apropriação de valores sem qualquer justificativa legal. [...] Por fim, o réu Israel disse que as frequências eram assinadas pelos administradores, disse que chegou a ligar para o segundo administrador. Falou que não fazia relatório e que fazia alguns bilhetes e entregava para Sylvio. Sylvio queria que levantasse problemas da região e que não aparecesse para os outros funcionários, para melhor fiscalização. De plano, alguns pontos chamam a atenção nos depoimentos dos acusados. Os acusados insistem em narrar que a função pública do réu Israel era sigilosa, tão sigilosa que ninguém poderia descobrir que o mesmo assessorava o réu Sylvio. [...] No mais, o réu Mauricio afirmou que assim que percebeu que Israel não trabalhava suspendeu as frequências. Porém, analisando os autos, verificamos que por sete vezes o réu Mauricio (fls. 114 e seguintes) assinou a presença de Israel. Será que somente depois disso é que pode perceber a ilegalidade? Conforme veremos, o depoimento da testemunha Deborah é contundente em dizer que Maurício mandou verificar os fatos, porém, não se recorda se foi após a explosão do escândalo na imprensa (o que certamente ocorreu). [...] Entende-se que os réus Sylvio, Israel e Maurício violaram bem jurídico penalmente tutelado que, na hipótese, é o dever de lealdade à administração, ou seja, a probidade e fidelidade do funcionário público no desenvolvimento de suas atividades. Esse dano já seria suficiente para a configuração do crime, pois é inerente à violação do dever de fidelidade para com a mesma administração, quer associado, quer não, ao patrimonial. Dessa forma a assertiva da defesa de que a documentação de fls. 528 e 529 impede a condenação dos réus, pois os valores atrelados na denúncia não corresponde aos valores pagos não procede. Do mesmo modo, não há que se falar em ausência de dolo por parte de Maurício. Ora, a situação do réu Israel como funcionário fantasma era evidente. Tal fato tinha sido comunicado pro Deborah, conforme por ela narrado, porém, providências só foram tomadas após sete meses. O dolo, ao menos eventual, é evidenciado a partir das circunstâncias listadas. [...] No mais, os réus Sylvio, Maurício e Israel cometeram o crime de peculato por várias vezes em continuidade, sendo que enquanto o réu Sylvio praticou por quatro vezes o delito em questão no período de fevereiro a maio do ano de 2007 (fls. 110-113), o réu Israel praticou o crime por onze vezes (fls. 110-121), O réu Maurício cometeu o crime por 7 vezes (fls. 114-121). [...] Ante o exposto, e por tudo mais que conta dos autos, JULGO PARCIALMENTE PROCEDENTE o pedido formulado na denúncia, para: 1 - CONDENAR os réus:1) XXXXXXXXXXXXXXX como incurso no artigo 312, c. c artigo 327 § 2º, por onze vezes na forma do artigo 29 e 71 e para ABSOLVE-LO do artigo 299 § único por onze vezes com fundamento no artigo 386, VII do CPP. [...] (fls. 74-85)

Por ocasião da interposição do apelo, a defesa de Israel cingiu-se a sustentar a “nulidade processual por inobservância à regra do artigo 514 do Código de Processo Penal; [...] em face do aditamento à denúncia, que, no seu dizer, ocorreu sem que existissem “fatos novos” justificadores de nova capitulação jurídica dada aos fatos; [...] [bem como] a absolvição ou a redução da pena”. A defesa, então, ajuizou, revisão criminal, requerendo, liminarmente, a suspensão da execução da pena até o julgamento da presente ação.

Indeferida a liminar, a defesa impetrou este writ, em que pede a superação da Súmula n. 691 do STF. Os elementos dos autos atestam a plausibilidade do direito tido por violado, visto que o paciente foi condenado por peculato em decorrência da sua condição de "funcionário fantasma", o que afronta o entendimento desta Corte Superior, visto que "o pagamento de salário não configura apropriação ou desvio de verba pública", "pois remuneração devida" ( REsp n. 1.633.248/SE, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, DJe de 4/2/2019). Nesse mesmo sentido:


PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PECULATO (ART. 312, CAPUT, DO CP). ACESSO A AUTOS VINCULADOS AO PROCESSO EM ANÁLISE. RETIRADA DO SIGILO. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE. NOMEAÇÃO DE "FUNCIONÁRIOS FANTASMAS". ATIPICIDADE DA CONDUTA. NÃO RECONHECIDA. RECURSO IMPROVIDO. 1. Não há falar em violação ao contraditório e ampla defesa, ao argumento de que a defesa não tem acesso a autos vinculados à presente ação penal, tendo em vista que a Corte de origem expressamente consignou que foi apresentada resposta à acusação sem mencionar qualquer violação a tais princípios, além de afirmar que foi proferido despacho determinando a retirada do sigilo. 2. O trancamento da ação penal por ausência de justa causa exige comprovação, de plano, da atipicidade da conduta, da ocorrência de causa de extinção da punibilidade, da ausência de lastro probatório mínimo de autoria ou de materialidade. 3. No presente caso, não se verifica atipicidade da conduta, uma vez que consta dos autos que o recorrente nomeou terceiros para cargos em comissão em seu gabinete, sabendo que tais pessoas não exerciam a função para as quais foram nomeadas, caracterizando, assim, "funcionários fantasmas". 4. Destaco que o presente caso é diverso do decidido na Ação Penal n. 475/MT, na qual foi considerado que "servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta o serviço, não comete peculato" (Apn n. 475/MT, relatora Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/5/2007, DJ 6/8/2007), uma vez que não se trata de apropriação de salário próprio, mas de nomeação de terceiros para os cargos em comissão. 5. Recurso improvido. ( RHC n. 142.803/SE, relator Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 8/11/2022, DJe de 11/11/2022.)
HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ATIPICIDADE DA CONDUTA. ART. , I, DO DECRETO-LEI N. 201/1967. FUNCIONÁRIO FANTASMA. SUPERVENIENTE DECLINAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL ESTADUAL AO JUÍZO DE DIREITO PARA PROCESSAR E JULGAR O CASO. PRESERVAÇÃO DOS ATOS E DAS DECISÕES TOMADAS. DENÚNCIA JÁ RECEBIDA. PERDA DO OBJETO. NÃO OCORRÊNCIA. 1. O trancamento de ação penal no âmbito do habeas corpus é procedimento excepcionalíssimo, que merece a mais cuidadosa apreciação para que se evite, tanto quanto possível, a supressão da instância naturalmente competente para o deslinde da causa na sua inteireza. 2. Caso em que o Ministério Público estadual ofereceu denúncia contra prefeito municipal e contra o ora paciente, ambos pela prática do crime previsto no art. , I, do Decreto-Lei n. 201/1967, por doze vezes (art. 71 do CP). Segundo a peça, no período de 2/1/2015 a 30/12/2015, apesar de o primeiro réu ter nomeado o segundo para exercer cargo em comissão, este, mesmo tendo recebido as remunerações correspondentes ao período mencionado, jamais desempenhou qualquer serviço público para o Município. 3. Muito embora a Corte estadual, após o recebimento da denúncia, tenha, em decisão superveniente à impetração deste writ, declinado da competência e determinado o encaminhamento do feito ao Juízo local, em razão de o suposto crime atribuído na denúncia aos acusados não ter sido cometido no exercício do atual mandato do Prefeito (2017-2020), este habeas corpus não está prejudicado. Isso porque foi preservada a validade de todos os atos praticados e decisões proferidas até então. 4. No caso, a conduta do paciente não se subsume à do art. , I, do Decreto-Lei n. 201/1967, pois a não prestação de serviços pelo servidor público não configura o crime indicado. A descrição apresentada na denúncia contra o paciente não poderia condizer - em uma eventual emendatio libelli - nem com o tipo do art. 312 do Código Penal. Afinal, está pacificado o entendimento de que servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços atinentes ao cargo que ocupa não comete peculato. Configuração, em tese, de falta disciplinar ou de ato de improbidade administrativa. Precedentes. 5. Ordem concedida para trancar a ação penal em relação ao paciente e excluir o seu nome do polo passivo da demanda. ( HC n. 466.378/SE, relator Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 22/10/2019, DJe de 4/11/2019.)
PROCESSO PENAL. RECURSO EM HABEAS CORPUS. PECULATO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. ATIPICIDADE. DENÚNCIA. REQUISITOS DO ART. 41 DO CPP PREENCHIDOS. INÉPCIA. INOCORRÊNCIA. RECURSO NÃO PROVIDO. 1. Nos termos do entendimento consolidado desta Corte, o trancamento da ação penal por meio do habeas corpus é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito 2. No caso em exame, da simples leitura da exordial acusatória, percebe-se o preenchimento dos requisitos exigidos pelo art. 41 do CPP, porquanto descreve a conduta atribuída ao recorrente, que, nos termos da inicial, na condição de mandatário do Município de Mondaí/SC, nomeou o corréu para ocupar cargo em comissão por ele nunca exercido, narradas todas as circunstâncias a respeito da acusação a permitir a efetiva ampla defesa dos acusados pelo crime de peculato. 3. A orientação desta Corte Superior de Justiça, segundo a qual "servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços, não comete peculato" (Apn 475/MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/5/2007, DJ 6/8/2007, p. 444), não é aplicável ao caso em análise. 4. Hipótese em que a denúncia narra, em tese, desvio de valores pecuniários consistentes na remuneração de funcionário "fantasma", nomeado para cargo em comissão pelo recorrente, há, a princípio, justa causa a configurar a conduta delituosa estampada no art. 312, caput - primeira parte -, do Código Penal (peculatoapropriação), conjuntura fática distinta à do servidor público. Precedentes do STF e do STJ. 5. Recurso em habeas corpus não provido. ( RHC n. 115.058/SC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 10/9/2019, DJe de 16/9/2019.)

À vista do exposto, defiro a liminar para suspender a execução da pena imposta ao paciente nos Autos n. 0003799-97.2023.8.26.0502 até o julgamento deste writ. Comunique-se, com urgência, o inteiro teor dessa decisão ao Juízo de primeiro grau e à autoridade apontada como coatora. Dispenso as informações. Encaminhem-se os autos ao Ministério Público Federal. Publique-se e intimem-se. Brasília (DF), 29 de maio de 2023. Ministro ROGERIO SCHIETTI CRUZ Relator

( Edição nº 0 - Brasília, Publicação: quarta-feira, 31 de maio de 2023 Documento eletrônico VDA37000327 assinado eletronicamente nos termos do Art. § 2º inciso III da Lei 11.419/2006 Signatário (a): MINISTRO Rogerio Schietti Cruz Assinado em: 29/05/2023 21:15:05 Publicação no DJe/STJ nº 3645 de 31/05/2023. Código de Controle do Documento: 54f190dc-f062-447c-a9ce-3ef50d14da40)

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