Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
2 de Maio de 2024

STJ 2022 - Peculato e Atipicidade - Funcionário Fantasma

há 2 anos

AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL Nº 2073825 - RS (2022/0049018-1) DECISÃO Trata-se de agravos contra a decisão que inadmitiu os recurso especiais interpostos por VIVIANE SIMON MARTINS COSTA e MARCIO FERREIRA BINS ELY, com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional, em oposição a acórdão proferido pelo TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL, assim ementado (e-STJ, fls. 991-1.014): "APELAÇÃO CRIMINAL. PECULATO. PRELIMINAR. NULIDADE POR VIOLAÇÃO AO PRÍNCÍPÍO DA IDENTIDADE FÍSICA DO JUIZ. AFASTAMENTO. MÉRITO. SENTENÇA ABSOLUTÓRIA. ATIPICIDADE FORMAL DAS CONDUTAS. NECESSIDADE DE REFORMA DO DECIDIR DEMONSTRADA PELO PARQUET RECURSO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO.' Os sucessivos embargos de declaração foram rejeitados (e-STJ, fls. 1.053-1.058, 1.074-21.078 e 1.091-1.094), Em suas razões recursais (e-STJ, fls. 1.097-1.114 e 1.117-1.131), VIVIANE SIMON MARTINS COSTA aponta violação do art. 386, incisos III, do CPP e do art. 312 do CP. Aduz para tanto, em síntese, que: (I) é"totalmente descabido, especialmente em relação à ora recorrente, o argumento deduzido no r. acórdão fustigado no sentido de que a r. sentença não poderia decidir com base no inciso II do art. 386 do CPC, 'não constituir o fato infração penal' em face de anterior exame, em tese, da questão em sede de habeas corpus impetrado exclusivamente em favor do correu Marcio Bins Ely, para fins de trancamento da ação penal."(e-STJ, fl. 1.107); e (II) o fato imputado à ré é atípico. De outro lado, MARCIO FERREIRA BINS ELY suscita, além de divergência jurisprudencial, ofensa aos arts. 315, § 2º, inciso IV, 381, inciso III, 619, do CPP, aos arts. 489, § 1º, incisos III e IV, 502 e 506 do CPC e ao art. 312 do CP; argumentando que: (I) ausência de fundamentação do acórdão recorrido, o qual limitou aos exatos termos do parecer do Ministério Público, sendo vedado fundamentação per relationem; (II) houve negativa de prestação jurisdicional, (III)"ao invocar a decisão do referido habeas corpus, (...), procura estabelecer a obrigatoriedade da observância pelo juiz de primeiro grau do entendimento manifestado naquela ação mandamental, o habeas corpus, ainda que em momento distinto, qual seja, a sentença"(e-STJ, fl. 1.153); e (IV) a conduta do réu não se enquadra no crime de peculato. Com contrarrazões (e-STJ, fls. 1.188-1.196 e 1.198-1.205), os recursos especiais foram inadmitidos na origem (e-STJ, fls. 1.212-1.238), ao que se seguiu a interposição dos agravos (e-STJ, fls. 1.242-1.238 e 1.268-1.284). Remetidos os autos a esta Corte Superior, o MPF manifestou-se pelo não conhecimento dos agravos e, caso conhecidos, pelo seu desprovimento (e-STJ, fls. 1.314-1.324).

É o relatório. Decido. Os agravos impugnam adequadamente os fundamentos da decisão agravada, devendo ser conhecidos. Passo, portanto, ao exame do recurso especial propriamente dito, primeiramente da VIVIANE SIMON MARTINS COSTA. Como se colhe da denúncia (e-STJ, fls. 1-5), a conduta imputada à parte recorrente e ao corréu é a nomeação de VIVIANE SIMON MARTINS COSTA para o exercício de cargo na Câmara Municipal de Porto Alegre, no gabinete do vereador MARCIO FERREIRA BINS ELY (corréu).

Segundo a narrativa do Parquet, essa conduta configurou o crime de peculato-desvio porque VIVIANE SIMON MARTINS COSTA apenas comparecia ao trabalho, para assinar o ponto sem, contudo exercer suas atribuições do cargo, assim não faria jus à remuneração percebida. Concluiu que houve comunhão de esforços, a partir de janeiro de 2016 e teriam desviado, em proveito próprio, R$ 478.419,09, referentes aos vencimentos mensais da de VIVIANE SIMON. Isso porque a ora recorrente, embora cedida para trabalhar no gabinete do coréu na Câmara de Vereadores, desempenhava outras funções, não cumprindo com a carga horária semanal de 40 horas. Ou seja: não há imputação de que MARCIO FERREIRA tomasse para si os vencimentos de VIVIANE SIMON, mas somente que a referida servidora não desempenhava, efetivamente, as funções para as quais foi nomeado. Tampouco o acórdão recorrido registra, em qualquer momento, que as verbas remuneratórias fossem destinadas a qualquer pessoa, além da própria VIVIANE. Aliás, o TJ/PR não deixa dúvidas: o enquadramento típico do peculato restaria satisfeito porque" muito embora Viviane estivesse cedida e lotada ao gabinete do paciente Márcio Ferreira Bins Ely, na Câmara de Vereadores de Porto Alegre, onde registrava ponto eletrônico, a fim de perceber remuneração pelo cargo, ao que tudo indica - matéria a ser instruída nos autos do processo - se ausentava para exercer atividades diversas, junto ao CRECI/RS, Conselho este que era presidido pelo próprio paciente à época dos fatos "(e-STJ, fl. 1.012; grifei).

Todavia, nos termos da jurisprudência deste STJ, não é típico o ato do servidor que se apropria de valores que já lhe pertenceriam, em razão do cargo por ele ocupado. Assim, a conduta da parte ora agravante poderia ter repercussões disciplinares ou mesmo no âmbito da improbidade administrativa, mas não se ajusta ao delito de peculato, porque seus vencimentos efetivamente lhe pertenciam. Se o servidor merecia perceber a remuneração, à luz da ausência da contraprestação respectiva, é questão a ser discutida na esfera administrativo-sancionadora, mas não na instância penal, por falta de tipicidade.

O tema já foi enfrentado pela Quinta Turma deste STJ de forma idêntica, como mostra o julgado a seguir:"PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. MEDIDA EXCEPCIONAL. PECULATO. ATIPICIDADE. OFENSA AO PRINCÍPIO IN DUBIO PRO SOCIETATE. AUSÊNCIA. AGRAVO NÃO PROVIDO. 1. Segundo o Ministério Público do Estado do Rio Grande do Norte, a agravada obteve atestados falsos de frequência, percebendo a remuneração do cargo de Agente Legislativo sem a devida prestação de serviços. Em razão disso, foi denunciada pela suposta prática do crime de peculato, descrito nos art. 312, caput, c/c art. 327, § 1º, do Código Penal. 2. Contudo, o respectivo Tribunal de Justiça verificou a inexistência de tipicidade formal na imputação atribuída à agravada, trancando a ação penal 3. O trancamento da ação penal - especialmente em habeas corpus, como se fez na instância de origem - é medida excepcional, que somente deve ser adotada quando houver inequívoca comprovação da atipicidade da conduta, da incidência de causa de extinção da punibilidade ou da ausência de indícios de autoria ou de prova sobre a materialidade do delito. 4. A servidora em questão não se apropriou de verba ou dinheiro do Estado, porquanto a remuneração do cargo público lhe pertencia. Apenas, segundo a acusação, não efetuou a devida contraprestação de serviços. 5. Quanto ao elemento subjetivo, cumpre ressaltar o entendimento da Corte estadual, segundo a qual 'o fato de a funcionária não comparecer ao trabalho (mesmo percebendo a remuneração devida ao cargo) não parece configurar a vontade deliberada, a vontade consciente em apropriar-se, desviar ou subtrair dinheiro público, em proveito próprio ou alheio, mas tão somente de não exercer as funções inerentes ao cargo'. 6. A Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça considera que 'servidor público que se apropria dos salários que lhe foram pagos e não presta os serviços, não comete peculato' (Apn 475/MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, CORTE ESPECIAL, julgado em 16/5/2007, DJ 6/8/2007, p. 444). No mesmo sentido: RHC 60.601/SP, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 9/8/2016, DJe 19/8/2016. 7. O Supremo Tribunal Federal, no Inq 3.006, Rel. Ministro DIAS TOFFOLI, PRIMEIRA TURMA, julgado em 24/6/2014, DJe 22/9/2014, distinguiu, de um lado, os casos em que o objeto material da conduta reside na apropriação ou no desvio de valores pecuniários consistentes na remuneração de funcionário "fantasma" (p.ex. Inq 1.926, Rel. Ministra ELLEN GRACIE, TRIBUNAL PLENO, julgado em 9/10/2008, DJe 21/11/2008; e Inq 2.449, Rel. Ministro AYRES BRITTO, TRIBUNAL PLENO, julgado em 2/12/2010, DJe 18/2/2011) e, de outro lado, a situações análogas às destes autos, nas quais o fato imputado à servidora consiste em se apoderar de sua própria remuneração, embora sem prestar os serviços atinentes ao cargo que ocupava na Assembleia Legislativa, o que poderia, em tese, configurar infração disciplinar ou ato de improbidade administrativa, mas não configura fato típico. 8. A mesma distinção feita pela Suprema Corte é necessária entre o caso destes autos e a APn 702/AP, Rel. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, CORTE ESPECIAL, julgado em 3/6/2015, DJe 1º/7/2015, porquanto, na referida APn, Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado do Amapá e um Membro do Ministério Público atuante junto àquela Corte desviaram recursos públicos, entre os quais verbas de ajuda de custo, despesas médicas e outras, de funcionários 'fantasmas'. Na espécie em julgamento, em vez disso, trata-se de servidora pública que, segundo consta, embora apresentasse ausências sem justificativa, continuava a perceber seus vencimentos. 9. Sendo correto o fundamento utilizado pela Corte estadual para encerrar a persecução penal - isto é, a 'inequívoca comprovação da atipicidade da conduta' -, não há falar em trancamento prematuro da ação penal nem em ofensa ao princípio in dubio pro societate ou de violação dos arts. 41, 395 e 651 do Código de Processo Penal. 10. Agravo regimental a que se nega provimento". ( AgRg no AREsp 1244170/RN, de minha relatoria, QUINTA TURMA, julgado em 02/08/2018, DJe 22/08/2018)

Dessarte, sendo atípica a conduta de VIVIANE SIMON, também é atípica a do co autor MARCIO FERREIRA, porque este concorreu, apenas, para que aquela servidora recebesse a remuneração do seu cargo. Se e ste sabia da inassiduidade (ou mesmo abandono das funções) de VIVIANE SIMON, como afirma o TJ/RS, é até discutível sua responsabilidade civil ou administrativa, mas não há delito de peculato na espécie. Ante o exposto, com fundamento no art. 253, parágrafo único, II, c, do RISTJ, conheço do agravo para dar provimento ao recurso especial de VIVIANE SIMON MARTINS COSTA, a fim de absolvê-la da imputação do art. 312 do CP. Com espeque no art. 580 do CPP, estendo os efeitos da absolvição ao réu MARCIO FERREIRA BINS ELY Fica prejudicado o recurso especial de fls. 1.117-1.131, em razão do princípio da unirrecorribilidade . Publique-se. Intimem-se. Brasília, 27 de junho de 2022. Ministro Ribeiro Dantas Relator

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 INSTAGRAM @geracaopenal


(STJ - AREsp: 2073825 RS 2022/0049018-1, Relator: Ministro RIBEIRO DANTAS, Data de Publicação: DJ 29/06/2022)

  • Publicações1082
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações169
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-2022-peculato-e-atipicidade-funcionario-fantasma/1624821585

Informações relacionadas

Carlos Guilherme Pagiola , Advogado
Notíciashá 8 meses

STJ 2023 - Funcionário Fantasma - Peculato - Liminar para Suspender o Processo por Atipicidade

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 8 meses

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgRg no AREsp XXXXX RN XXXX/XXXXX-7

Supremo Tribunal Federal
Jurisprudênciahá 9 anos

Supremo Tribunal Federal STF - INQUÉRITO: Inq 3776 TO

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 8 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS: RHC XXXXX SP XXXX/XXXXX-5

Editora Revista dos Tribunais
Doutrinahá 2 anos

2.2.3.2 A distinção entre voluntariedade, dolo e culpa

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)