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30 de Maio de 2024

Revisão dos contratos de crédito por superendividamento

há 10 anos

Resumo

Este trabalho tem como objetivo discutir o problema do superendividamento do consumidor pessoa física no Brasil, especialmente no que diz respeito as dívidas oriundas dos contratos de crédito. Para discutir este problema será utilizada a visão da doutrina, especialmente civilista e consumerista, e o posicionamento atual dos tribunais sobre o tema. Será estudada a criação de varas especializadas em Direito Bancário e as modificações necessárias no Código de Defesa do Consumidor. Diante da falta de regulação das instituições financeiras poderia o poder público intervir na relação privada existente entre estas e os consumidores, para evitar o crescimento das dívidas?

Palavras chave: Revisão contratual. Relação de consumo. Crédito. Superendividamento.

Introdução

A presente pesquisa visa abordar o tema superendividamento e verificar a possibilidade da revisão dos contratos de crédito, mesmo daqueles em que não se vislumbram qualquer cláusula nula, a fim de manter o equilíbrio contratual na relação entre os consumidores pessoas físicas e as instituições financeiras em geral.

Ao longo da pesquisa se buscará responder a seguinte indagação: O Poder Judiciário pode intervir nos contratos de crédito, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, nos casos de superendividamento do consumidor pessoa física, mesmo que não exista alguma ilegalidade por parte da instituição financeira?

O presente estudo justifica-se pelo crescente endividamento observado por famílias de várias classes sociais, especialmente as classes mais pobres, diante de sua notável vulnerabilidade. Estas “hipnotizadas” pela facilidade do crédito, que se por um lado possibilitou a aquisição de bens de consumo antes não acessíveis para estas famílias, por outro lado causaram (e causam) dívidas que comprometem a própria estrutura familiar.

Diante deste quadro, faz-se necessário a análise da possibilidade de serem revistos os contratos elaborados pelas instituições financeiras, em especial os que envolvem crédito, mantendo assim o equilíbrio contratual nestas relações de consumo.

Para tanto, faz-se necessário uma abordagem sobre os benefícios que a aplicação do Código de Defesa do Consumidor pode trazer para o mercado de consumo, e por outro lado, evitar que o uso incorreto da lei consumerista acarrete um atraso no desenvolvimento da economia do país, partindo-se da premissa que mesmo com o aumento das dívidas, a facilidade do crédito trouxe benefícios incalculáveis, tanto para pessoas físicas, quanto para pessoas jurídicas.

Outro assunto que será abordado, diante da falta de limite dado as instituições financeiras, é a necessidade atual de reforma do Código de Defesa do Consumidor, que desde sua criação datada de 1990, não sofreu grandes mudanças. Esta mudança, que esta sendo estuda por meio do projeto de lei nº 283/2012, de autoria do senador José Sarney, será um grande avanço em busca de uma solução para o problema do superendividamento.

A doutrina que estuda o Direito do Consumidor é pacífica em afirmar que há necessidade de criação de normas específicas que tratem do tema superendividamento, considerando que os problemas das dívidas oriundas de contratos de crédito no Brasil ganharam grandes proporções, ao ponto de merecerem um tratamento especial por parte do ordenamento jurídico brasileiro.

O objetivo principal desta pesquisa é estudar a possibilidade dos poderes públicos, em especial do Poder Judiciário, de intervir nos contratos de crédito, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, nos casos de superendividamento, mesmo que não exista alguma ilegalidade por parte da instituição financeira, com a finalidade de minimizar o problema do superendividamento que afeta grande parte dos consumidores pessoas físicas no Brasil.

Para a compreensão do objetivo principal desta pesquisa, será conceituado o que é relação de consumo, contratos de crédito, instituições financeiras, entre outros assuntos, demonstrando as diferenças entre a insolvência civil e o fenômeno do superendividamento, para ao final, analisar possíveis soluções para o crescente problema do superendividamento.

Como fonte de pesquisa, será utilizada a visão da doutrina e da jurisprudência, verificando o entendimento dos tribunais, tanto estaduais como os superiores, sobre os assuntos envolvendo a possibilidade de revisão dos contratos de crédito devido ao superendividamento, para atender o cunho exploratório da mesma.

Por fim, será utilizada uma interpretação sistemática, principalmente da legislação cível e consumerista, com o objetivo de observar a possibilidade de aplicação de vários ramos do direito para manter o equilíbrio contratual nas relações envolvendo crédito bancário.

1. Teoria Geral dos Contratos

Um dos institutos do Direito Civil, que influência os demais ramos do Direito é o Direito Contratual. O estudo e a compreensão dos contratos são importantes não apenas para as relações cíveis, mas também são imprescindíveis nas relações trabalhistas, administrativas, entre outras, e, em especial, que importa para a presente pesquisa, nas relações consumeristas.

Os contratos são livres manifestações de vontades, externadas por uma ou mais pessoas, podendo versar sobre diferentes objetos, desde que estes sejam lícitos. Estas manifestações de vontade geram direitos e deveres para as partes, que estão disciplinadas, genericamente, nos artigos 421 à 480 do Código Civil de 2002 (BRASIL, 2002).

Para a validade deste negócio jurídico não basta a manifestação da vontade, é preciso que estejam presentes os requisitos dos incisos I à III, do artigo 104, do Código Civil de 2002, quais sejam, agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. (BRASIL, 2002).

Acrescenta-se a teoria geral do contrato, que os contratantes podem pactuar qualquer obrigação, desde que o objeto seja lícito e as obrigações sejam possíveis de ser concretizadas. Dar-se o nome dos contratos não previstos em lei de atípicos.

Entre os contratos atípicos encontram-se os bancários, tendo em vista que estes não estão disciplinados no Código Civil de 2002 e sim em outras leis esparsas.

Para a compreensão do Direito Contratual é preciso o estudo dos princípios que regem este ramo do Direito. No Direito Contratual são aplicados vários princípios, entre os quais podemos destacar o da autonomia da vontade, da obrigatoriedade, da boa-fé (este que se divide em objetiva e subjetiva), supremacia da ordem pública, entre outros dependendo da doutrina que estuda o tema.

Pelo princípio da autonomia as partes têm liberdade para contratar, com quem desejar e o que quiser, sempre nos limites da lei.

O princípio da obrigatoriedade, também denominado de princípio da força obrigatória dos contratos, determina que os contratos foram feitos para serem cumpridos (pacta sunt servanda), não sendo permitido aos contratantes rescindir os pactos sem justa causa.

Outro princípio, que sofreu grande modificação com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), como adiante será demonstrado, é o da boa fé, este que por sua vez se divide em objetiva e subjetiva.

A boa-fé pressupõe a lealdade entre os contratantes. Esta lealdade deve existir antes, durante e após o pacto. Segundo o artigo 422, do Código Civil de 2002, “Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé”. (BRASIL, 2002).

A boa-fé subjetiva esta ligado a elementos psicológicos do contratante, que age com confiança no momento da contratação. Carlos Roberto Gonçalves observa que “diz-se “subjetiva” justamente porque, para a sua aplicação, deve o interprete considerar a intenção do sujeito da relação jurídica, o seu estado psicológico ou íntima convicção” (2009, p. 35).

Por outro lado, a boa-fé objetiva exige que exista transparência nas relações jurídicas, estando os contratantes obrigados a guardar a lealdade contratual antes e após a celebração do pacto. Nesta nova concepção de contrato, os contratantes devem cooperar para que a obrigação seja cumprida da melhor forma possível, evitando uma vantagem excessiva para uma das partes.

Dissertando sobre a aplicação do princípio da boa-fé objetiva, Marielza Brandão Franco, Juíza de Direito Titular da 29.ª Vara de Relações de Consumo, Cível e Comercial da Comarca de Salvador, observa que:

Para se efetivar a função social do contrato, é preciso que as partes contratantes estabeleçam, reciprocamente, certos deveres de conduta, ou seja, dever jurídico de agir corretamente, com transparência, lealdade e confiança e, portanto, com a boa-fé objetiva, deveres estes inaugurados com o advento do Código de Defesa do Consumidor e que se estruturam como princípios dentro do microssistema da lei consumerista, pela qual se protege a confiança de quem acreditou que outra parte procederia de acordo com os patrões de conduta exigíveis. (2010, p. 231)

Por fim, o princípio da ordem pública impõe que os interesses da sociedade devem prevalecer sobre os interesses privados. Não obstante ser o contrato civil uma forma de exteriorização das vontades particulares, toda liberdade deve ser limitada, em defesa de outros bens também importante, como a privacidade, a ordem pública, etc.

Com o advento do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) houve uma grande revolução na interpretação dos princípios contratuais, tendo em vista que em todas as relações jurídicas de consumo será aplicada a lei consumerista, havendo uma sensível diminuição na liberdade de contratar, no entendimento da boa-fé e maior ingerência do poder público nas relações privadas de consumo. (BRASIL, 1990).

Os princípios clássicos dos contratos, especialmente do Código Civil, tiveram de ser revistos, por não atenderem mais a realidade de uma sociedade de consumo, em que o consumo deixou de ser um luxo para as famílias, para ser uma necessidade.

Para a grande parte da doutrina, o Código de Defesa do Consumidor é um microssistema, que alterou a interpretação tradicional de vários ramos do Direito, e para a melhor compreensão desta nova realidade jurídica é preciso que exista um diálogo entre as fontes, ou seja, um estudo coordenado entre os vários ramos do direito.

1.2 Do contrato no Código de Defesa do Consumidor: das relações de consumo

Para que uma determinada situação de fato seja protegida pelo Direito é preciso que exista uma relação jurídica. Esta relação deve ser protegida por uma norma hipotética que obrigue o agente a se comportar de uma determinada maneira, sendo que no caso do descumprindo desta regra o agente sofrerá uma sanção.

Em seu livro Lições Preliminares do Direito, o jurista Miguel Reale, dissertando sobre o tema relação jurídica, observa quais são os requisitos para que a mesma exista, conforme observamos abaixo:

Dois requisitos são, portanto, necessários para que haja uma relação jurídica. Em primeiro lugar, uma relação intersubjetiva, ou seja, um vínculo entre duas ou mais pessoas. Em segundo lugar, que esse vínculo corresponda a uma hipótese normativa, de tal maneira que derivem conseqüências obrigatórias no plano da experiência. (2001, p. 200)

As relações jurídicas podem ser tão diversas quanto forem às relações sociais. Toda vez que existir uma relação social que seja relevante para o Direito o legislador, por meio da lei, pode tutelar esta relação transformando-a em jurídica.

Desta forma, com o desenvolvimento da economia, e o consequente aumento do consumo, tornou-se necessário uma lei que protege o consumidor, por ser este o elo mais fraco da relação de consumo. Para a tutela do direito dos consumidores, foi promulgada em 11 de setembro de 1990 a Lei nº 8.078, intitulada de Código de Defesa do Consumidor (BRASIL, 1990).

No século XXI o consumo de produtos essenciais e de luxo faz parte não apenas da realidade das famílias de alta renda. As famílias de baixa renda, cada vez mais, adquirem produtos não essenciais, movidos pela forte influência da publicidade de massa e pela facilidade do crédito.

Os problemas que podem ocorrer com o consumo desregrado, especialmente das pessoas de baixa renda, por serem mais vulneráveis, não podem ser tratados de forma amesquinhada pelos estudiosos das diferentes áreas. A renomada doutrinadora Claudia Lima Marques observa que “consumo é igualdade. Hoje, ser cidadão econômico ativo é aproveitar das benesses do mercado liberal e globalizado como agente ativo e consumidor. Consumo é inclusão na sociedade” [...] (2010, p. 25)

O reconhecimento de que em uma determinada relação jurídica é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, mudará sensivelmente a interpretação dos contratos, sempre em vista da melhor proteção da parte hipossuficiente, ou seja, do consumidor.

Segunda a doutrina de Rizzato Nunes “[...] haverá relação jurídica de consumo sempre que se puder identificar num dos pólos da relação o consumidor, no outro, o fornecedor, ambos transacionando produtos e serviços.” (2008, p. 71).

A própria lei consumerista, em seu artigo 2º, cuidou de conceituar consumidor, nos seguintes termos: “consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. (BRASIL, 1990)

Nas relações jurídicas tuteladas pelo Código de Defesa do Consumidor, o consumidor por ser a parte vulnerável deverá ser sempre protegido, especialmente na elaboração dos contratos.

As regras clássicas dos contratos sofreram uma grande modificação, especialmente no que diz respeito a liberdade de contratar. Os fornecedores de produtos e os prestadores de serviço, nas relações de consumo, devem tomar uma série de precação para evitar causar dano ao consumidor.

Não obstante existirem regras gerais aplicáveis à todos os contratos, existem contratos específicos, não tipificados no Código Civil de 2002, mas que são importantíssimos na sociedade atual, como por exemplo, os contratos bancários.

Estes contratos, por suas particularidades, devem ser estudados separadamente, mas sempre levando-se em conta os princípios gerais do Direito Contratual e do Direito, evitando sempre abusos por parte dos contratantes, especialmente dos que detém uma notável superioridade econômica.

Visando melhor compreender a relação jurídica existente entre as instituições financeiras e os consumidores, é preciso conhecer as particularidades dos contratos bancários, em especial dos que envolvem crédito. Estes pactos, por sua própria natureza, são complexos e de difícil conhecimento dos consumidores, que dificilmente possuem os instrumentos necessários para a sua compreensão.

1.3 Conceito de contratos de crédito

Os contratos de crédito, no que diz respeito aos requisitos para a sua validade, devem respeitar as mesmas regras dos contratos em geral. Contudo, esta espécie de contrato difere dos demais no que diz respeito a quem esta autorizado a ser contratante, além de serem regidos por diversas normas esparsas, promulgadas principalmente pelo Banco Central do Brasil (BACEN).

Alguns princípios do Direito Contratual são visivelmente reduzidos nestes contratos. Entre eles, destaca-se o da autonomia da vontade. Em regra, os contratos de crédito são do tipo adesão, ou seja, ao contratado não é dada a oportunidade de discutir as cláusulas do contrato, ou este aceita da forma que está redigido ou não contrata.

Obviamente nos contratos de adesão não são permitidas quaisquer cláusulas, apenas aquelas lícitas, claras e que não gerem mais de uma interpretação, sempre de acordo com a legislação vigente, especialmente em cumprimento ao artigo 423, do Código Civil, o qual preceitua que havendo cláusulas ambíguas, dever-se-á adotar a interpretação mais favorável ao aderente. (BRASIL, 2002)

Outra característica que diferencia este contrato dos demais, é que apenas as instituições financeiras, autorizadas pelo Bacen, podem realizar operações de crédito, por força do inciso X e alíneas, da Lei 4.595, de 31 de dezembro de 1964. (BRASIL, 1964)

Dentre as várias atividades desenvolvidas pelas instituições financeiras a mais frequente é a concessão de crédito, por meio da qual é disponibilizada ao consumidor uma quantia presente (geralmente dinheiro) para ser paga em várias prestações.

Dissertando sobre o crédito, Marcelo M. Bertoldi, observa que o crédito é importante na medida em que disponibiliza para o empresário (a mesma lógica aplica-se ao consumidor pessoa física) uma quantia presente que não lhe pertence, mais que será paga em um momento futuro, viabilizando assim a melhoria de sua atividade empresarial (ou da qualidade de vida, no caso do consumidor pessoa física). (2011, p. 361)

Desta forma, depreende-se que o crédito bancário sempre envolve uma operação presente e uma contraprestação futura. Sendo sempre um contrato de risco, tendo em vista que o consumidor pode vir a não conseguir ressarcir a instituição financeira, tornando-se inadimplente, ou, na pior das hipóteses, pode ficar endividado ao ponto de não conseguir mais pagar o seu débito sem o sacrifício da sua própria subsistência.

Os contratos de crédito são disponibilizados por instituições financeiras, especialmente pelos bancos, estas que são autorizas por lei para disponibilizar ao consumidor este tipo de contrato.

As instituições financeiras e os bancos são empresas, públicas ou privadas, que trabalham com a guarda e distribuição de dinheiro, além de desenvolverem outras atividades secundárias, porém sempre trabalhando com capital.

O grande problema dos consumidores se socorrerem às instituições financeiras é a grande quantidade de encargos financeiros que um empréstimo pode ocasionar, tornando uma pequena dívida, em poucos meses, um grande problema, que compromete a própria existência digna do consumidor.

Ademais, não raramente, ocorrem situações imprevisíveis, ou quando previsíveis, não pensadas, que tornam o consumidor inadimplente perante a instituição financeira.

O problema com o inadimplemento, em grande parte das situações, esta ligado as dívidas oriundas de crédito bancário, por sua própria natureza, ou seja, por ser sempre um contrato de risco.

A inadimplência originada dos contratos de créditos, devida as altas taxas de juros e outros encargos financeiros, torna a dívida que inicialmente era controlável, em um problema financeiro grave, que afeta não apenas aquele que contratou, mas toda a sua estrutura familiar, excluído o consumidor do mercado de consumo e o privando muitas vezes de bens essenciais, pois toda a sua economia será destinada para o pagamento de dívidas.

Esta dívida, que deixa de ser uma mera impontualidade no pagamento, a doutrina convencionou chamar de superendividamento, por ter um reflexo em toda a sociedade e prejudicar inclusive a economia no país, pois sem consumidores adquirindo bens no mercado, o comércio não obtém lucro, causando uma cadeia inimaginável de crises econômicas.

Por este motivo, é preciso que a lei, em especial o Código de Defesa do Consumidor, crie mecanismos legais para coibir as instituições financeiras de concederem crédito sem o mínimo de critério, como ocorre atualmente. Com o auxílio dos princípios contratuais, em especial da boa-fé, os consumidores devem ser protegidos do mercado voraz de consumo, que sem um freio, terá o lucro como única finalidade.

2. Do superendividamento

Antes de conceituar o termo superendividamento e apontar as diferenças entre este tipo de endividamento dos demais tipos, é preciso compreender, mesmo que de forma sucinta, as causas que deram origem a este fenômeno.

Como forma de aumentar o consumo e impulsionar a economia os bancos e demais instituições financeiras, autorizados e incentivados pelo governo, concedem crédito para as pessoas físicas e jurídicas, permitindo que estas tenham um capital que não teriam caso estes empréstimos não existissem.

As dívidas, em especial para as pessoas jurídicas, são aceitáveis e controláveis, sendo uma prática comum no comércio a utilização de crédito para investimentos na melhoria da atividade empresarial. As empresas investem valores no presente para terem lucro no futuro.

No que diz respeito às pessoas naturais, também é comum a utilização de crédito para obter bens de consumos, que caso fossem comprado à vista não poderiam ser adquiridos, ou colocariam em risco a economia familiar.

Dissertando sobre as vantagens da disponibilidade de crédito para o consumidor, Mechele Dickerson aponta as melhorias que podem ocorrer quando o crédito é utilizado de maneira prudente:

Na realidade, o crédito pode ser uma coisa boa, uma vez que permite que as pessoas paguem suas despesas correntes usando seus rendimentos futuros. Altos níveis de endividamento são aceitáveis para as pessoas que tem boas razões de acreditar que seu rendimento irá aumentar no futuro. (2011, p. 154)

Ocorre que muitas vezes o consumidor não consegue controlar os seus gastos e adquire uma dívida muito superior aos seus rendimentos. Este problema, somado com as altas taxas de juros cobrados pelas instituições financeiras, torna o consumidor superendividado.

2.1. Do conceito de superendividamento

Alguns autores, entre os quais se destaca Cláudia Lima Marques, conceitua superendividamento como sendo a “[...] impossibilidade global do devedor-pessoa física, consumidor, leigo e de boa-fé, de pagar todas suas dívidas atuais e futuras de consumo.” (2006, p. 256).

O superendividamento não é apenas a impossibilidade do consumidor de pagar a sua dívida, podemos dizer que até mesmo quando a pessoa paga a dívida, mas compromete a estrutura familiar, este se encontra superendividado.

Importante destacar que o superendividamento e a insolvência civil se distinguem. Segundo o artigo 748, do Código de Processo Civil “dá-se a insolvência toda vez que as dívidas excederem à importância dos bens do devedor”. (BRASIL, 1973)

No caso do superendividamento não há, necessariamente, uma insolvência civil, mas um endividamento que foge ao controle do consumidor, tornado-o inadimplente, ou mesmo quando adimplente, excessivamente prejudicado com as suas dívidas.

Conclui-se que o superendividamento é a impossibilidade do consumidor pessoa física de pagar as suas dívidas sem comprometer a sua existência digna e de sua família.

O superendividamento é um fenômeno que ocorre apenas com as pessoas físicas, nos casos de pessoas jurídicas a denominação correta é estado de falência, tendo em vista que existe uma lei própria para tratar das empresas, qual seja, a lei de recuperação judicial e falência (Lei nº 11.101/05).

Importante destacar que a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem relacionado o problema do superendividamento com a dignidade humana, considerando que o excesso de dívida priva de muitas pessoas o mínimo necessário para a sua sobrevivência.

[...] Os descontos, todavia, não podem ultrapassar 30% (trinta por cento) da remuneração percebida pelo devedor. 4. Preservação do mínimo existencial, em consonância com o princípio da dignidade humana. 5. Precedentes específicos da Terceira e da Quarta Turma do STJ. 6. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (BRASIL, STJ, 2012)

A doutrina majoritária reconhece dois tipos de superendividamento, o ativo e o passivo. Esta classificação leva em conta a culpa que o consumidor tem com o endividamento, considerando que mesmo as pessoas vulneráveis possuem o mínimo de discernimento sobre os riscos do consumo descontrolado.

Marielza Brandão Franco observa as diferenças entre as duas espécies de superendividamento:

O superendividamento é ativo quando o consumidor de alguma forma, mesmo agindo de boa-fé, contribui para se colocar nesta situação aflitiva, quer por não ter planejado os seus gastos ou os compromissos assumidos, quer por ter acumulado dívidas acima dos seus rendimentos auferidos ou que esperava auferir. Já o superendividamento passivo se refere àquele em que o consumidor foi surpreendido com um fato externo, não previsível, que o impossibilitou de honrar seus compromissos financeiros, como, por exemplo: doença grave de um membro da família, desemprego, morte do provedor, acidente, desabamento da moradia, enchente com perda de bens móveis e imóveis etc. (2010, p. 236)

Importante observar que seja no superendividamento ativo, seja no passivo, o consumidor sempre deve agir com boa-fé, correndo o risco de, caso haja com má-fé, ser responsabilizado pelos excessos que eventualmente cometer.

A lei por ter o objetivo de alcançar a plena justiça apenas protegerá aquele que agir com boa-fé. Nem sempre o fornecedor do produto ou do serviço é o culpado pelos danos sofridos pelo consumidor. Em alguns casos, fornecedores e consumidores concorrem para a ocorrência do dano.

2.2 Da culpa concorrente e da obrigação de mitigar o próprio prejuízo (duty to mitigate th loss)

Toda vez que uma pessoa sofre um dano causado por outra, nasce para vítima o direito de ser indenizada. Para uma pessoa ser obrigada a indenizar a outra é preciso que exista nexo de causalidade entre o dano e a sua conduta e culpa de sua parte, sem a culpa inexistirá responsabilidade civil.

A culpa é o descumprimento de um dever jurídico, que obriga o ofensor a indenizar o dano causado à vítima. Em regra, toda relação jurídica em que exista o dever de indenizar a vítima, a culpa é exclusiva do ofensor.

Contudo, em alguns casos, além da conduta culposa do agente causador do dano, também há um comportamento culposo da vítima. Neste caso, ocorrerá a uma culpa concorrente, em que ambas as partes concorrerem para o evento danoso.

Quando ocorre a culpa concorrente, ambos os agentes devem responder na proporção do dano. Sérgio Cavalieri Filho, em seu livro Programa de Responsabilidade Civil, observa que “havendo culpa concorrente, a doutrina e a jurisprudência recomendam dividir a indenização, não necessariamente pela metade, como querem alguns, mas proporcionalmente ao grau de culpabilidade de cada um dos envolvidos” (2009, p. 42).

Outra situação que se assemelha a culpa concorrente é quando o credor, mesmo não tendo culpa pelo dano, fica inerte e não busca mitigar o seu prejuízo (duty to mitigate the loss), ou seja, não cobra o seu crédito.

No caso da inadimplência oriunda de concessão de crédito esta inércia do credor pode gerar um aumento significativo da dívida, pois a cada mês que passa sem o crédito ser cobrado, incidirá juros, correção monetária, e outros encargos pactuados. Desta forma, não estaria o credor se beneficiando da sua própria inércia?

A doutrina que estuda o Direito do Consumidor observa que muitas vezes a inércia do credor é proposital, tendo em vista que não existe expressamente no Brasil uma norma específica que obrigue o credor a cobrar o seu crédito. Véra Maria Jacob de Fradera observa que o dever de mitigar o próprio prejuízo esta inserido na boa-fé objetiva, princípio norteador de toda relação contratual. Segundo esta autora

A consideração do dever de mitigar como dever anexo, justificaria, quando violado pelo credor, o pagamento de perdas e danos. Como se trata de um dever e não de obrigação, contratualmente estipulada, a sua violação corresponde a uma culpa delitual. [...] ( 2004, p. 118)

A boa-fé, principalmente nas relações de consumo, diante da vulnerabilidade do consumidor, é um elemento indispensável na concretização do equilíbrio contratual. Se de um lado o consumidor não consegue vislumbrar as consequências do seu inadimplemento, de outro, o fornecedor sabe, que em certas situações, em especial nos contratos de crédito, a demora no pagamento da dívida o beneficiará, diante dos altos encargos embutidos nestes contratos.

Para minimizar os prejuízos que podem surgir da inércia do credor, a doutrina consumerista e a jurisprudência entendem ser cabível a aplicação da máxima duty to mitigate the loss, segunda a qual o credor deve mitigar o seu próprio prejuízo.

Não cumprindo o credor com o seu dever de mitigar o prejuízo, deve ser condenado pela demora, considerando que esta demora causou dano ao devedor, que caso fosse cobrado anteriormente, teria um prejuízo bem menor.

O Superior Tribunal de Justiça, órgão responsável pela interpretação das normas infraconstitucionais, já aplicou o entendimento de que o credor que não busca meios para mitigar o seu prejuízo deve ser punido, pois este deve agir de acordo com a boa-fé, não se beneficiando da sua própria inércia.

Desse modo, verifica-se que a recorrente descuidou-se com o seu dever de mitigar o prejuízo sofrido, pois o fato de ter deixado o devedor na posse do imóvel por quase 7 (sete) anos, sem que este cumprisse com o seu dever contratual (pagamento das prestações relativas ao contrato de compra e venda), evidencia a ausência de zelo com o seu patrimônio e o agravamento significativo das perdas, uma vez que a realização mais célere dos atos de defesa possessória diminuiriam a extensão do dano.

[...]

Portanto, a conduta da ora recorrente, inegavelmente, viola o princípio da boa-fé objetiva, circunstância que caracteriza inadimplemento contratual a justificar a penalidade imposta pela Corte originária. (BRASIL, STJ, 2012)

O fornecedor do crédito não pode ser beneficiado por sua própria demora, tendo em vista que este tem ciência que a demora em cobrar uma dívida oriunda de um contrato de crédito aumentará excessivamente a dívida, prejudicando severamente o consumidor.

O mais recomendável é que exista uma previsão legal que obrigue às instituições financeiras a informarem aos consumidores dos riscos do inadimplemento. E quando o consumidor for inadimplente, o fornecedor, pelo princípio da boa-fé, deve procurar o devedor para minimizar o seu próprio prejuízo.

2.3. Aplicação do Código de Defesa nas relações de consumo envolvendo crédito bancário: uma saída para o superendividamento

Atualmente não existe dúvida de que nas relações em que de um lado esteja o consumidor, seja pessoa física ou jurídica, e do outro uma instituição financeira, é aplicável o Código de Defesa do Consumidor, estando a matéria inclusive sumulada por meio do enunciado 297 do Superior Tribunal de Justiça, o qual diz que “o Código de Defesa do Consumidor é aplicável às instituições financeiras” (BRASIL, STJ).

Entretanto, o simples fato de ser aplicável o Código de Defesa do Consumir às instituições financeiras não diminui os riscos do superendividamento, pois falta no Brasil uma política preventiva do endividamento.

Com a revogação do § 3º, do art. 192, da Constituição Federal de 1988, por meio da Emenda Constitucional nº 40, de 2003, não existe mais limitação constitucional para a fixação de juros. Atualmente, cabe a lei infraconstitucional limitar as taxas de juros. Entretanto, pela morosidade do legislativo, esta regulamentação praticamente não existe. (BRASIL, 1988)

Diante desta omissão do legislador infraconstitucional, as instituições financeiras estão autorizadas a praticar qualquer taxa de juros, sem qualquer limitação. Salvo os raros casos em que há limitação por uma lei infraconstitucional.

A Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, como forma de minimizar a insegurança jurídica da ausência de limitação de juros, editou a súmula 296, decidindo que os juros devem ser limitados a taxa média do mercado. (BRASIL, STJ).

Conforme pesquisa realizada pela Associação Nacional dos Executivos de Finanças Administração e Contabilidade, no ano de 2012 a taxa de juros média geral para pessoa física foi de 5,63% ao mês (92,95% ao ano). (PORTAL GPI, [s. D.])

É evidente que estas limitações as taxas de juros e outras decisões esparsas de nossos tribunais são insuficientes para regular as relações entre consumidores e instituições financeiras.

O Código de Defesa do Consumidor, por ser uma norma que visa a proteção da parte mais vulnerável da relação de consumo, ou seja, do consumidor, oferece instrumentos tanto de Direito Material, como de Direito Processual, indispensáveis para a manutenção do equilíbrio contratual das relações de consumo.

Estes instrumentos visam proteger o consumidor antes, durante e depois, da concretização da compra do produto ou da prestação de serviço.

No que diz respeito aos contratos de crédito, deve ser dado ao consumidor todas as informações necessárias sobre o contrato, especialmente sobre as taxas que estão sendo cobradas e o risco da inadimplência.

Outro instrumento previsto na legislação consumerista é a revisão contratual, sendo inclusive um direito básico do consumidor, inserido no inciso V, do artigo , do Código de Defesa do Consumidor, o qual indica que é possível “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas” (BRASIL, 1990).

O Código de Defesa do Consumidor, com o auxílio de outras normas já existentes, pode ser utilizado como forma de equilibrar as relações jurídicas entre instituições financeiras e consumidores, sendo um importante instrumento de justiça social.

Entretanto, a doutrina, entre as quais destacamos Claudia Lima Marques, entende que o Código de Defesa do Consumidor, por si só, é incapaz de resolver o problema do superendividamento das pessoas físicas, sendo preciso a criação de outros mecanismos legais para solucionar este problema.

3. Da importância da intervenção estatal (Legislativo, Executivo e Judiciário) nas relações de envolvendo crédito

A Constituição Federal de 1988 consagrou a liberdade de propriedade e não intervenção do estado na economia. Neste cenário, é permitido que empresas e pessoas físicas concorrerem livremente, sem que o estado intervenha nesta relações entre particulares. Contudo, esta regra sofre limitações, em casos onde a inversão do estado é essencial para o próprio equilíbrio das relações financeiras.

Neste sentido, Alexandre de Moraes, observa que:

Apesar do texto constitucional de 1988 ter consagrado uma economia descentralizada, de mercado, autorizou o Estado a intervir no domínio econômico como agente normativo e regulador, com a finalidade de exercer as funções de fiscalização, incentivo e planejamento indicativo ao setor privado, sempre com fiel observância aos princípios constitucionais da ordem econômica [...] (2003, p. 658)

Nos casos das relações de consumo envolvendo crédito bancário, nota-se que esta intervenção se faz necessária, em virtude do flagrante desequilíbrio econômico existente entre instituições financeiras e consumidores, especialmente as pessoa físicas.

No que diz respeito ao problema do superendividamento, esta intervenção deve ocorrer por este problema afetar não apenas aqueles que têm dívidas, mas diretamente os seus familiares e indiretamente toda a sociedade.

A solução para o crescente número de pessoas endividadas não é a limitação do crédito por parte das instituições financeiras, tendo em vista, que, conforme já exposto, o crédito é uma forma de auxílio para as pessoas adquirirem produtos e contratarem serviços que não teriam condições de ter acesso caso o pagamento fosse à vista.

A intervenção deve existir para que as regras dos contratos sejam claras e evitar que as instituições financeiras tenham vantagens indevidas, considerando que os consumidores, em regra, são vulneráveis e propícios a contraírem obrigações que não terão condições de cumprir sem afetar sua estrutura familiar.

É preciso a inversão de todos os poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário), para minimizar o problema das pessoas superendividadas, cada qual em seu campo de atuação.

Tendo em vista que o objetivo da presente pesquisa é analisar a possibilidade de revisão dos contratos de crédito devido ao superendividamento, será analisado a importância da intervenção do Poder Judiciário na relação privada existente entre instituições financeiras e consumidores pessoas físicas.

O inciso III, do artigo 52, do Código de Defesa do Consumidor, impõe as instituições financeiras o dever informar aos consumidores o montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros, nos fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor. (BRASIL, 1990)

Desta forma, verifica-se que não há qualquer impedimento as instituições financeiras de fixarem juros abusivos, que em poucos meses oneram o consumidor, chegando-se muitas vezes a dobrar a dívida inicial.

Com vistas a solucionar ou minimizar o problema do superendividamento tramita no Senado Federal o projeto de Lei nº 283 de 2012, de autoria do Senador Jóse Sarney, que visa modificar o Código de Defesa do Consumidor, inserindo regulamentação sobre o superendividamento. (BRASIL, 2012)

Segundo este projeto, serão inseridos vários dispositivos para prevenir o superendividamento, com uma política de concessão de crédito conscientes, além de limitação de várias práticas hoje corriqueira das instituições financeiras.

Esta mudança acrescentaria vários dispositivos para tratar especificamente do problema do superendividamento, como por exemplo, o inciso VI, do art. , do Código de Defesa do Consumidor, que teria a seguinte redação: “instituição de mecanismos de prevenção e tratamento extrajudicial do superendividamento e de proteção do consumidor pessoa física, visando garantir o mínimo existencial e a dignidade humana”. (BRASIL, 2012)

Caso aprovado este projeto, será uma grande evolução da legislação brasileira, em busca de uma solução para o problema presente e crescente do superendividamento, que tem afetado um incontável número de consumidores no Brasil.

Entretanto, há necessidade de ponderar o direito do consumidor de se ver livre das dívidas, com o direito das instituições de obterem lucro com a sua atividade, tendo em vista que mesmo quando ocorre o superendividamento do consumidor, não há uma ilicitude na conduta das instituições financeiras, pois estas estão legalmente permitidas a conceder crédito, independente da capacidade econômica do consumidor.

Não são todos os casos em que é possível a intervenção judicial nas relações privadas existentes entre consumidores e instituições financeiras. Para o Judiciário modificar ou anular um contrato de crédito há necessidade de um motivo relevante, devendo ser a exceção e não a regra.

A revisão contratual, de forma geral, pode ser motivada por dois motivos. O primeiro, denominado de teoria da imprevisão, inserido no Código Civil de 2002, e outro motivo são os entabulados no Código de Defesa do Consumidor.

Quando ocorrem eventos não previsíveis ou de difícil previsão, pode a parte prejudicada recorrer ao Poder Judiciário com a finalidade de pedir a resolução do contrato ou a revisão das cláusulas para evitar a onerosidade excessiva. Esta possibilidade esta previstas nos artigos 478 à 480 do Código Civil. (BRASIL, 2002).

Segunda a doutrina de Nelson Abrão [...] imprevisão deve ser vista a ótica de um fato novo, absolutamente inesperado diante da conjuntura, e na esteira que se reporta à data da contratação”. (2010, p. 500)

O artigo 478, do Código Civil, permite esta resolução ou revisão nos contratos de execução continuada, sendo plenamente aplicável nos casos dos contratos de crédito bancário, posto que estes são típicos contratos de execução continuada. (BRASIL, 2002).

Por outro lado, nas relações de consumo, os motivos para a revisão do contrato são bem menos regidos, evidentemente pela vulnerabilidade do consumidor.

Segundo o inciso V, do art. , do Código de Defesa do Consumidor, são direitos do consumidor, “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”. (BRASIL, 1990)

Valiosa é a lição de Nelson Abrão sobre a revisão dos contratos bancários, para quem:

Os procedimentos revisionais atinentes aos contratos bancários devem obedecer alguns pressupostos, no aspecto a onerosidade, lesividade, desequilíbrio, para efeito de atender à função social nele previsto em comunhão com o espírito ético delineado pelo Código Civil vigente. (2010, p. 502)

Não obstante a existência de instrumentos que possibilitem a revisão dos contratos pelo Poder Judiciário, é notável a inexperiência deste órgão para tratar as relações jurídicas envolvendo Direito Bancário, além da falta de varas especializadas neste assunto.

Nelson Abrão observa que

[...] quase 50% dos processos em tramitação dizem respeito direta ou indiretamente à questão bancárias, envolvendo execuções comuns, hipotecárias, cédula de crédito industrial, cheque especial, afora outras, em maior número, promovidas pela clientela consumerista, a exemplo da revisão, discussão de cláusulas e condições, a comprovar onerosidade e também lesividade” (2010, p. 604)

Diante de tantas ações envolvendo questões de Direito Bancário, surge a questão de estudar a necessidade de criação de varas especializadas nestas matérias, com serventuários devidamente treinados.

Nelson Abrão observa que os Estados de Santa Catarina e Rio de Janeiro tiveram boas experiências na criação de varas especializadas na solução de conflitos envolvendo a área bancária. (2010, p. 604)

O crescimento da concessão de crédito no Brasil e as várias políticas envolvendo planos econômicos exigem que o tema seja tratado de forma diferenciado pelo judiciário nacional.

Obviamente que a criação de varas especializadas em Direito Bancário, nos âmbitos estaduais e federais, por si só, não resolverão o problema da morosidade da justiça brasileira e do superendividamento, mas é uma medida extremamente útil, além de dar uma melhor qualidade as decisões judiciais.

Conclusões

O problema do superendividamento já faz parte dos recentes estudos sobre o Direito do Consumidor, sendo abordado de forma séria pela doutrina e pela jurisprudência.

Entretanto, devido à falta de uma legislação específica sobre o tema, esta necessária devido as especificidades do problema, não existe atualmente um método legal para prevenir o superendividamento.

Por esta omissão na legislação atual, o consumidor prejudicado com as suas dívidas muitas vezes se vê obrigado a recorrer para o Poder Judiciário, na esperança de ver reduzido seu débito, por meio da revisão do contrato ou por meio de um acordo com a instituição financeira.

No entanto, ao recorrer ao Judiciário, os consumidores têm enfrentado uma longa demora devido a lentidão do tramite processual, além de se deparar a inexperiência dos funcionários mal preparado para resolver questões envolvendo Direito Bancário.

Diante deste quadro caótico que se encontra o consumidor superendividado no Brasil, é essencial que os três poderes se adaptem a nova realidade da economia brasileira.

Se de um lado a facilidade do crédito trouxe benefícios antes não imagináveis para as populações de baixa renda, que hoje tem a possibilidade de adquirem produtos e serviços antes inacessíveis, de outro lado fez crescer o endividamento destas famílias, devido a falta de uma política de crédito consciente.

Caso aprovado o Projeto de Lei nº 283/2012, muitas podem ser as mudanças benéficas para o consumidor superendividado, que terão uma proteção específica da legislação consumerista, hoje inexistente. (BRASIL, 2012)

Lado outro, é necessária o estudo da criação de varas específicas para dirimir os conflitos oriundos de Direito Bancários, tendo em vista a complexidade desta matéria e a falta de preparo dos juízes e serventuários das varas cíveis comuns.

A solução para o problema do superendividamento apenas ocorrerá com um trabalho conjunto dos poderes públicos, com políticas eficazes e criação de setores específicos para cuidar do tema.

Este trabalho conjunto é uma necessidade atual, que vem sendo postergado devido a falta de comunicação entre os três poderes, que trata o tema do superendividamento como algo pontual, quando na verdade é um problema macro, que vem prejudicando toda a população brasileira, seja de forma direita ou indireta.

Conclui-se que, pelo fato do superendividamento afetar toda a coletividade, os poderes públicos, em especial o Poder Judiciário, podem intervirem nos contratos de crédito, aplicando-se o Código de Defesa do Consumidor, nos casos de superendividamento do consumidor, mesmo que não exista alguma ilegalidade por parte da instituição financeira.

REFERÊNCIAS

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12 Comentários

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Perfeita sua abordagem, caro colega.
Também entendo que o superendividamento deve ser regulado e tratado pelo Judiciário, principalmente, com mais cautela.
Entretanto o Direito Bancário sempre enfrentou e enfrenta muita resistência no Legislativo ou no Judiciário. Os temas são polêmicos, e envolvem muito "jogo" de interesse.
Mas, nós como operadores do Direito, e nossa busca por justiça incessante, não podemos desistir de defender aqueles que estão em situação de vulnerabilidade.
Bons trabalhos.
Hebert Giesteira
Maringá PR continuar lendo

Brilhante a explanação do colega...Parabens. continuar lendo

Parabéns pelo conteúdo.

Solidarizo com a ideia de que haja um limite para as instituições financeiras e uma reforma no CDC, especialmente sobre o assunto.
Limites ao crédito, respeito, direito de "comprar" também respeito, mas tudo com uma disciplina consciente de ambas as partes.
Acreditem, existem "aqueles" que a função do advogado é dispensável.
abraços continuar lendo

Esta revisão se faz necessário, se as instituições financeiras praticassem uma política de juros justa não teríamos tantos devedores cadastrados no SERASA e SCPC. A taxa de juros permitida pelo Banco Central é de 12% ao ano, mas quem fiscaliza? Ninguem, por que o maior interessado é o governo, quanto mais juros se cobra maior é o imposto sobre as operações financeiras. Quando um consumidor entra com uma revisão de contrato no judiciário os juízes julgam improcedente.
Fica a pergunta para os juízes refletir;
Pra que vale o código de defesa do consumidor??? continuar lendo