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30 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Detalhes

Processo

Órgão Julgador

QUARTA TURMA

Julgamento

Relator

CANDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
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Inteiro Teor


APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-19.2013.4.04.7200/SC
RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE
:
COMUNIDADE GUARANI-ÑHANDEVA DA TERRA INDÍGENA M'BIGUAÇU & ASSOCIAÇÃO DE MORADORES YYNN MOROTI WHERÁ
ADVOGADO
:
Thiago Biesus Borsatti
APELANTE
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT
:
OS MESMOS
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

EMENTA


DIREITO CONSTITUCIONAL. DIREITOS INDÍGENAS. COMUNIDADE GUARANI-ÑHANDEVA DA TERRA INDÍGENA M'BIGUAÇU. INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. DUPLICAÇÃO DA BR 101. CONVÊNIO PG - 127/99 - 00 DNER/FUNAI.
A comunidade Indígena sofreu a inconstitucional redução na possibilidade de usufruto de suas terras (art. 231, CF/88), por intervenção direta das obras de duplicação da BR 101 (e a consequente ocupação da área) em seu espaço demarcado. Tal situação revela que houve afronta à dignidade da Comunidade Indígena, o que deve ser compensado com indenização pelos danos morais e materiais sofridos pela comunidade, ora representada pela associação autora.

ACÓRDÃO

Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima indicadas, decide a Egrégia 4a. Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, por unanimidade, negar provimento ao recursos da FUNAI, DNIT, ASSOCIAÇÃO DE MORADORES YYNN MOROTI WHERÁ e do MINISTÉRIO PÚBLICO e dar parcial provimento à remessa oficial, nos termos do relatório, votos e notas de julgamento que ficam fazendo parte integrante do presente julgado.
Porto Alegre, 15 de setembro de 2015.

Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7785921v8 e, se solicitado, do código CRC E57E8CD2.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Cândido Alfredo Silva Leal Junior
Data e Hora: 17/09/2015 18:39

APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-19.2013.4.04.7200/SC
RELATOR
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
APELANTE
:
COMUNIDADE GUARANI-ÑHANDEVA DA TERRA INDÍGENA M'BIGUAÇU & ASSOCIAÇÃO DE MORADORES YYNN MOROTI WHERÁ
ADVOGADO
:
Thiago Biesus Borsatti
APELANTE
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT
:
OS MESMOS
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

RELATÓRIO

Trata-se de recursos de apelação interpostos contra sentença que julgou procedente o pedido formulado nos autos da ação coletiva por meio da qual a Associação de Moradores Yynn Moroti Wherá, da Terra Indígena M'Biguaçu, pretende indenização a título de danos materiais e morais por conta das obras de duplicação do trecho norte Garuva-Palhoça/SC da Rodovia BR 101.
Em sede de razões recursais (APELAÇÃO 85), a FUNAI sustenta que: (1) ilegitimidade ativa da Associação para representar em juízo os indígenas da Comunidade M'Biguaçu; (2) conexão da presente ação com a ACP nº. 2005.72.01.000597-7, que teria a mesma causa de pedir relativa ao Convênio PG nº. 122/97-00; (3) seja afastada a condenação a título de danos morais; (4) seja negada a necessidade de rever, junto ao DNIT, os valores do Convênio em exame.

Em sede de razões recursais (APELAÇÃO 86), o DNIT sustenta que: (1) ilegitimidade ativa da Associação para representar em juízo os indígenas da Comunidade M'Biguaçu; (2) conexão da presente ação com a ACP nº. 2005.72.01.000597-7, que teria a mesma causa de pedir relativa ao Convênio PG nº. 122/97-00; (3) seja afastada a imposição de revisão, junto à FUNAI, dos valores do Convênio em apreço, com a consequente.

Em sede de razões recursais (APELAÇÃO 90), a ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES YYNN MOROTI WHERA DA TERRA INDIGENA MBIGUACU sustenta que: (1) reivindica a realização de novos estudos ou de avaliação de impacto ambiental, apesar da obra já estar pronta; (2) majoração do valor indenizatório definido para o ressarcimento de danos morais; (3) correção da taxa de juros aplicada;

Em sede de razões recursais (APELAÇÃO95), o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL sustenta que: (1) seja majorado o valor fixado a título de danos morais para a Associação, "já que o valor não representa a intensidade do sofrimento suportado pela comunidade representada, durante tantos anos"; (2) seja estipulado valor líquido e certo para a revisão do Convênio PG nº. 122/97-00 ou se encaminhe tal solução à liquidação de sentença; (3) sejam condenados a suportarem as indenizações, solidariamente, a União e o IBAMA, junto ao DNIT e à FUNAI; (4) seja reformada a parte da sentença que determinou a sucumbência em honorários contra a Associação.

Foram apresentadas contrarrazões.
Opinou o Ministério Público Federal pelo provimento das apelações da Comunidade Guarani-Ñhandeva da Terra Indígena M'Biguaçu & Associação de Moradores Yynn Moroti Wherá e do Ministério Público Federal e pelo improvimento das apelações da FUNAI e do DNIT.
É o relatório.
Inclua-se em pauta.

VOTO

A discussão posta nestes autos diz respeito, em essência, à pedido de indenização por danos materiais e morais por conta de obras de duplicação do trecho norte Garuva-Palhoça/SC da Rodovia BR 101 em terras de demarcação indígena.
Mantenho e adoto como razão de decidir a sentença da Juíza Federal Marjorie Cristina Freiberger Ribeiro da Silva, que julgou procedente a ação, transcrevendo os seguintes trechos:
2. FUNDAMENTAÇÃO

O pedido de produção de provas já foi apreciado no despacho saneador de fl. 832, que afastou sua necessidade.

Preliminares

2.1.1. Indeferimento da inicial (Falta de documento indispensável)

A FUNAI requer o indeferimento da inicial em virtude da falta de apresentação da ata de assembléia que autorizou a interposição da demanda, bem como a relação nominal dos associados e indicação dos respectivos endereços, nos termos do art. da Lei 9.494/97, alterado pela MP XXXXX-35 de 24/08/01.

Inicialmente, vale mencionar que as entidades associativas, para representarem em juízo seus filiados, devem ter sido, de fato, expressamente autorizadas para tanto, conforme se lê no art. , inciso XXI, da CRFB/88. O dispositivo fala, tão somente, da necessidade de autorização. Sob a interpretação desse dispositivo constitucional, então, basta que se junte a Ata de Assembléia na qual se deliberou a interposição da ação, já que é fruto de deliberação da associação. A Lei 9.494/97, contudo, além da juntada da ata da assembléia, nos casos em que for proposta contra a União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas autarquias e fundações, agregou a necessidade da apresentação do rol dos associados, bem como dos respectivos endereços. A exigência se justifica quando a ação coletiva tratar de direitos individuais homogêneos, pois nesse caso a execução deverá ser feita individualmente por cada um dos titulares do direito defendido pela Associação.

Contudo, no caso dos autos se trata de ação coletiva que defende interesse coletivo, que se entende entre aqueles "interesses transindividuais indivisíveis de um grupo determinado ou determinável de pessoas, reunidas por uma relação jurídica básica comum", segundo o que preleciona Hugo Nigro Mazzilli (in "A Defesa dos interesses difusos em juízo", 20ª edição, São Paulo: Saraiva, fls. 52). A preocupação em esmiuçar quais os titulares do direito subjetivo defendido em juízo pela Associação-autora afronta o razoável. Como integrantes do grupo das minorias e merecedores de especial atenção, os indígenas reclamam olhar diferenciado, haja vista o regime comunitário como tratam as suas questões. De outro lado, a questão diz respeito à reparação em pecúnia que, se for procedente, será direcionada a toda comunidade indistintamente. Por tal razão, é totalmente despicienda a relação de todos indígenas, pois o grupo é facilmente identificável. Pelo mesmo motivo, inexiste razão para se relacionar os endereços de cada um, já que vivem comunitariamente.

Assim, não há qualquer irregularidade quanto aos requisitos impostos pela Lei 9.494/97, já que a Ata de Assembléia Extraordinária devidamente juntada com a inicial às fls. 49/50 é suficiente para comprovar a autorização dos indígenas. Ainda que se pudesse exigir a relação dos associados, ela já foi apresentada às fls. 273/277, não havendo mais o que se perquirir a respeito.

2.1.2. Indeferimento da inicial (por Inépcia)

Procede em parte a alegação preliminar levantada pelo IBAMA. Reconheço a inépcia da inicial em relação aos pedidos constantes das letras f, g e h, pois tais pedidos não decorrem dos fatos e fundamentos expressos na petição inicial. Com efeito, a exposição dos fundamentos da inicial (consistentes basicamente em falta de isonomia entre os valores atribuídos a um e outro convênio ante a ausência de estudos ambientais e antropológicos mais profundos em relação ao trecho norte e a inexistência de diferenças entre as comunidades afetadas nos trechos norte e sul da duplicação, por se tratar do mesmo Corredor Etnográfico), não conduzem à conclusão de que há alguma ilegalidade no Edital para a elaboração do projeto de duplicação da BR 101 ou na Licença Ambiental de Instalação já expedida, que possam causar sua suspensão, tampouco à falta de pagamento dos valores estipulados no convênio. Por esse motivo, são ineptos esses pedidos, porque da narração dos fatos não decorre logicamente a conclusão (art. 295, parágrafo único, inciso II, do CPC).

2.2. Litispendência/Conexão

Sobre a conexão, dispõe o art. 105 do CPC que, "havendo conexão ou continência, o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, pode ordenar reunião de ações propostas em separado, a fim de que sejam decididas simultaneamente". Os tribunais brasileiros também vêm se posicionando no sentido de que existe elevado grau de discricionariedade na determinação da reunião de feitos (nesse sentido, RT 677/131).

A despeito dos argumentos deduzidos pelo DNIT, é de se entender que não se trata de hipótese de conexão a ensejar reunião dos feitos para julgamento conjunto. Com efeito, embora haja similitude entre as causas de pedir das demandas, os substituídos são outros. A ação anterior (2005.72.01.000597-7), que tramitou na 4ª. Vara Federal de Joinville, foi promovida pelas Associações das Terras Indígenas Piraí e Pindoty, que correspondem a outras comunidades que também se sentiram lesadas. Não há necessidade, assim, de julgamento conjunto e pelo mesmo juízo, pois não se trata de conexão entre ações, haja vista a diversidade de partes.

Dentro do mesmo raciocínio, não se verifica a litispendência alegada pelo IBAMA. Rejeito, pois, as preliminares de conexão e litispendência.

2.3. Ilegitimidade ativa da associação

Não merece guarida a alegação de ilegitimidade ativa da autora, trazida pelo DNIT. Dentre os objetivos descritos no Estatuto da Associação de Moradores Yynn Moroti Wherá (Capítulo II), encontra-se o da congregação, união entre os associados; o recebimento de doações e a possibilidade de firmar convênios com pessoas físicas e jurídicas e pleitear soluções no âmbito de sua competência (fl. 42). Há pertinência temática, assim, entre os pedidos revelados na inicial e os objetivos associativos, já que o convênio, celebrado com o fim de minimizar os efeitos do alargamento da Rodovia Federal (BR-101), foi dirigido à comunidade indígena ora protegida, entre outras. Não há dúvidas, então, que eventuais desigualdades nos valores decorrentes desse convênio podem ser reclamados pela Associação autora.

Em relação à falta de representatividade da associação, não merecem prosperar os argumentos. Segundo o art. 232 da Constituição Federal, "os índios, suas comunidades e organizações são partes legítimas para ingressar em juízo em defesa de seus direitos e interesses, intervindo o Ministério Público em todos os atos do processo". Em comentário, preleciona Luiz Felipe Bruno Logo (in "Direito Indigenista Brasileiro, São Paulo; LTR, 1996, p. 30) que" no caso dos índios, hoje, a Carta Constitucional confere-lhes capacidade anômala para ingressar em Juízo, sem que haja necessidade de tutor assistindo-os na relação jurídico-processual ". A norma constitucional buscou otimizar o acesso à justiça dessa minoria, deixando de restringir sua capacidade processual. Não poderia ser diferente, já que, na atualidade, a maioria das comunidades indígenas já está quase integrada às cidades. Por essa razão, grande parte se encontra reunida em associações, denotando maior consciência quanto à necessidade de proteção dos seus direitos. Especificamente sobre o grupo de índios em questão, pela contestação apresentada pelo próprio DNIT, percebe-se a existência de sua participação na elaboração do convênio, nas reuniões, na definição das medidas compensatórias (fls. 454/455). Assim, não é exigível que os índios sejam tutelados pela FUNAI para que se legitime sua demanda ao Judiciário. Ainda mais quando a demanda for também movida contra ela (FUNAI), como ocorre nos autos.

De outro lado, o Ministério Público Federal também não detém legitimação exclusiva de defesa dos indígenas, a despeito da norma que prevê tal defesa como uma de suas funções institucionais (art. 129, inciso V, da CF). Não há, em questão, qualquer norma excludente, o que possibilita assim que os direitos indigenistas possam ser defendidos pelas associações correspondentes.

Sobre o art. 232 da CRFB/88, explica Manoel Gonçalves Ferreira Filho ("in Comentários à Constituição Brasileira de 1988, Saraiva, 1995, v. 4, p. 122"), que este autoriza o índio a defender direito seu ou de outro índio. Também há autorização de que sua defesa se faça por organizações. Salienta, contudo, que para tanto" a associação terá de ter como finalidade a defesa do indígena e não poderá ser constituída senão de índios. "Isso porque não se poderá estender a legitimação extraordinária a qualquer associação, incumbindo-se a defesa apenas as que forem integradas por indígenas.

Não há, então, qualquer irregularidade no ajuizamento da presente ação por associação indígena, pois lhe é legalmente permitida a proteção jurídica dos seus associados, todos índios. Decidir-se diferentemente seria desprestigiar a norma constitucional que buscou garantir a defesa dos direitos indígenas de forma plena.

2.4. Ilegitimidade do DNIT:

Segundo o que dispõe o Decreto 4.128/2002, foram transferidos ao DNIT todos os contratos, ajustes e convênios que se relacionam ao DNER:

Art. 4º. Durante o processo de inventariança, serão transferidos:
[...]
§ 2º Serão transferidos, sem solução de continuidade, do DNER para o DNIT, os contratos, ajustes e convênios que se relacionem à execução do Programa de Restauração e Descentralização de Rodovias Federais financiado pelo Banco Mundial e pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, disponibilizando-se, ao mesmo tempo, equipamentos, programas e pessoal necessários à execução do referido Programa.
§ 3º Sem prejuízo da disponibilização do pessoal de que trata o § 2o, a estes poderão ser atribuídos outros serviços e atividades necessários à inventariança, até redistribuição final a ser procedida pelo Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão.
§ 4º Para os efeitos contratuais de que trata o § 2º deste artigo, fica definido que o DNIT se sub-rogará nos direitos e nas obrigações do DNER. Grifou-se.

É de se concluir, então, que o DNIT responde por eventuais danos materiais ou morais resultantes de contratos, ajustes e convênios celebrados anteriormente pelo extinto DNER, no que diz respeito à restauração de rodovias federais, como ocorreu com a duplicação da BR 101, sentidos norte e sul.

Também dispõe o Decreto 4.803/2002, em seu art. 3º:

O Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes - DNIT e a Agência Nacional de Transportes Terrestres - ANTT ficam sub-rogados:
I - nos direitos e obrigações decorrentes de contratos, ajustes e convênios que lhe tenham sido transferidos, inclusive decorrentes de acervos técnicos, bibliográficos e documentais; (..)

Rejeito, então, essa preliminar.

2.5. Ilegitimidade passiva da FUNAI:

A ilegitimidade alegada pela FUNAI também deve ser afastada, pois, juntamente com o DNIT, assumiu obrigações de forma expressa na Cláusula 2ª do Convênio PG-122/97-00 (fls. 52/56), sendo responsabilizada, por exemplo: a) pela elaboração e implantação de um Programa de Organização Sócio-Econômico e Ambiental para os grupos Guarani do litoral de Santa Catarina; b) instalação de placas de proibição de entrada; c) elaborar programa que verifique as condições e as relações de trabalhos eventuais entre os segmentos da população regional.

A alegação de que suas ações dependiam do DNIT deixa mais em evidência sua legitimidade para a ação. Afasto, assim, a preliminar de ilegitimidade da ré FUNAI.

2.6. Ilegitimidade passiva da União

De fato, procede a preliminar de ilegitimidade argüida pela União, haja vista a autonomia financeira de que é dotado o DNIT, que é autarquia federal com personalidade jurídica e patrimônio próprios. Se assim não fosse, impossível a assunção das obrigações no Convênio firmado pelo DNIT. Sobre a matéria já decidiu o TRF da 4ª Região:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS DECORRENTE DE ACIDENTE DE TRÂNSITO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO. EXCLUSÃO DA LIDE. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. Sendo o DNIT autarquia federal, tem personalidade jurídica e patrimônio próprios e, por isso, sua atuação não implica a responsabilidade da União, cuja administração indireta integra. A verba honorária de 5% do valor da causa, arbitrada em favor da União em virtude da sua exclusão da lide, afigura-se razoável ante os elementos constantes dos autos e reiterados precedentes desta Quarta Turma. Razões pelas quais nega-se provimento ao agravo de instrumento. (TRF4, AGRAVO DE INSTRUMENTO Nº 2005.04.01.012565-4, 4ª Turma, Des. Federal VALDEMAR CAPELETTI, D.J.U. 30/11/2005)

Acolho essa preliminar para excluir a UNIÃO da lide.

2.7. Ilegitimidade passiva do IBAMA :

Em relação ao pedido f, o IBAMA seria, a princípio, parte legítima para responder a ação, já que a expedição da licença ambiental de instalação é de sua responsabilidade. Contudo, tal pedido foi considerado inepto em preliminar. Em relação aos demais pedidos, porém, procede a alegação de ilegitimidade passiva do IBAMA, já que os únicos obrigados frente ao Convênio PG-122/97-00 (fls. 52/56) foram o DNIT e a FUNAI. Acolho também essa preliminar para excluir o IBAMA da lide.

3. MÉRITO

3.1. Prejudicial de mérito - prescrição:

Em análise ao Convênio 122/97-00, verifica-se que sua celebração ocorreu em 28 de agosto de 1997. Na cláusula quinta, parágrafo segundo, fez-se constar que o prazo de duração do convênio seria de cinco anos, tendo finalizado em agosto de 2002. A partir daí inicia-se o prazo prescricional de cinco anos para os eventuais lesados buscarem o Judiciário, nos termos do art. do Decreto 20.910/32, por se tratar de ação contra a fazenda pública. Desse modo, descabe falar em prescrição do direito de ação, já que a ação foi proposta em 2005.

Passo, então, à análise do mérito propriamente dito.

3.2. Mérito

3.2.1.Indenização Material - Fundamentos da Associação

Segundo se depreende da inicial, o fundamento do pedido de indenização é o descumprimento da Cláusula 2ª, § 1º, letra a, Convênio PG 122/97, o qual prevê, entre as obrigações da FUNAI, a de:

" a) Responsabilizar-se pela elaboração e implantação de um Programa de Organização Sócio-Econômico e Ambiental para os grupos Guarani do litoral de Santa Catarina afetados, atendendo às demandas da nova realidade ".

A ausência desse Programa teria resultado na indenização inferior ao devido às comunidades do norte (valor inicial de R$ 204.400,00), muito abaixo do que a arbitrada aos indígenas do sul.

Quanto ao DNER, hoje DNIT, é o descumprimento do Convênio PG - 122/97 - 00 DNER/FUNAI, da Cláusula Segunda - Das Obrigações das Partes -, parágrafo segundo, letra m:

" m) Arcar com os recursos financeiros a serem gastos com o pagamento de consultorias especializadas na elaboração dos Programas a que se referem as letras a e c do PARÁGRAFO PRIMEIRO desta Cláusula ".

No Relatório sobre as áreas e comunidades Guarani afetadas pelas obras de duplicação da BR-101 no Estado de Santa Catarina, trecho norte Garuva-Palhoça (fls. 1.166/1.233), cujo estudo antecedeu e serviu de base ao convênio ora debatido, foram levantadas questões como o histórico, o tipo de organização do grupo indígena guarani, caracterização da fauna e flora lá existentes, as áreas guaranis no trecho norte Garuva-Palhoça, o atendimento da FUNAI quanto aos aspectos de saúde, educação, atividades produtivas e fundiárias. Tal relatório (agosto de 1996) culminou com a sugestão de algumas medidas mitigadoras, entre elas: a) regularização fundiária; b) estabelecimento de um programa agrícola com o tratamento do solo e fornecimento de sementes, fertilizantes e equipamentos; c) programa de recuperação ambiental; d) ampliação e melhoria do açude; e) a construção de passagem subterrânea para travessia da rodovia, bem como de trilhas e pequenas pontes que possibilitem o acesso do centro da comunidade até essa passagem subterrânea; f) a construção de oito casas pré-fabricadas e de uma casa de artesanato indígena.

Dos documentos anexos à contestação do DNIT, juntados em autos apartados pela Secretaria (em três volumes), vê-se que, em reunião celebrada em 15 de abril de 1997 (fls. 108/111 do Apenso I), quando compareceram a FUNAI, o DNER e índios da comunidade guarani, restou estabelecido que: a) a FUNAI entregaria ao DNER o projeto arquitetônico e previsão de custos das oito casas pré-fabricadas e da casa de artesanato a ser construída na comunidade; b) a FUNAI apresentaria os custos financeiros referentes à reidentificação, delimitação física e levantamento da situação fundiária da área de MBiguaçu (item j) e da identificação física e levantamento da situação fundiária das áreas guarani; c) os recursos financeiros referentes ao pagamento de consultores especializados para a elaboração de um Programa de Organização Sócio-Econômico e Ambiental para as Comunidades Guarani ficariam a cargo do DNER.

O relatório de avaliação de 1998 elaborado pela FUNAI (fls. 146/148 do Apenso I), em relação à cláusula 2ª, parágrafo primeiro, letra a, revela que esse levantamento sócio-econômico, que seria formulado por uma consultoria ligada à Universidade Nacional de Brasília, não se concretizou devido a problemas contratuais. Em conseqüência desse fato, a FUNAI afirmou ter ela mesma se comprometido em executá-lo, por meio de seus funcionários. Pela Ordem de Serviço n. 007/GAB/ERA-CWB foram designados servidores, coordenados por um Sociólogo, que procederiam ao referido levantamento, o qual foi finalizado e entregue em 24/09/98,"retratando de forma satisfatória, uma necessidade da Comunidade Guarani, que habita o litoral de Santa Catarina". Outrossim, em julho de 1999, foi elaborado Relatório Circunstanciado de Estudos Complementares de identificação e delimitação da terra indígena M'Biguaçu.

No Relatório de Prestação de Contas, do período de 27.10.99 a 31.12.99 (fls. 192/200 do Apenso I), a FUNAI descreveu as metas efetivadas, entre elas, a construção das oito casas, da casa de artesanato e passarela, da reidentificação da Terra Indígena Mbiguaçu, da identificação de áreas indígenas e, por último, indicada como a Meta VIII - a realização do Programa Sócio-Econômico e Ambiental. Quanto a essa última, relatou-se que" foi realizado levantamento de dados cadastrais familiares para redefinição e reestrutura do Programa de Organização Sócio-Econômico e Ambiental ". Também ficou expresso que" foi adquirido diversos materiais para a implementação de atividades produtivas e de auto-sustentação nas Aldeias de Mbiguaçu, Tarumã, Piraí, Pindoty e Morro Alto, etc. "

Depreende-se, assim, que, embora inicialmente tenha havido problemas na concretização do Programa consignado na cláusula 2ª, § 1º, letra a, a FUNAI assumiu tal obrigação, efetivando-a com o levantamento de dados e a implementação de medidas mitigadoras.

Além da cláusula específica, pode-se afirmar que, mesmo com atraso, as medidas foram sendo implantadas, nos termos do que havia sido celebrado e estabelecido no convênio (à exceção do"PACIG", que em um primeiro momento seria feito por uma consultoria especializada, mas restou assumido pela FUNAI).

Em relação aos valores fixados para o cumprimento do convênio, esses decorrem diretamente do que deveria ser implementado nas aldeias (materiais, equipamentos, serviços). De fato, em 28 de junho de 1998 (fls. 127/128 do Apenso I), outra reunião foi celebrada sobre a duplicação da BR-101, sendo informada a disponibilização financeira de R$ 129.400,00 para a FUNAI. Também foi referido o valor de R$ 75.000,00, os quais seriam direcionados para a construção das casas (o que totalizaria o valor de R$ 204.400,00, estabelecido no convênio). Em 06 de outubro de 1998, o DNER pediu aditamento ao valor antes indicado para a construção das casas, de R$ 75.000,00 para R$ 146.000,00.

Sob esse aspecto (revisão dos valores indenizatórios por descumprimento do convênio), incabível a equiparação pleiteada pela parte autora, a título de danos materiais, pois as cláusulas foram cumpridas.

No que concerne, contudo, ao argumento da autora de que as comunidades Guarani não poderiam receber tratamento diferenciado significativo porque, na verdade, se tratam do mesmo povo, em um mesmo contexto étnico, que habitam o litoral catarinense, a alegação procede, conforme se verá a seguir.

3.2.2. Indenização por Danos Materiais - Alegações do Ministério Público

Não obstante o Ministério Público Federal não tenha sido admitido como parte na lide e esteja funcionando como" custos legis "nos autos, seu aditamento à inicial e seus argumentos devem ser aceitos e analisados na sentença, em face de sua função institucional de defesa dos indígenas (art. 129, V, da CF). É o que, inclusive, tem entendido os tribunais (STJ, AGP XXXXX, Relatora: Denise Arruda, DJ de 05/11/2007, p. 223).

Contrapondo-se aos fundamentos trazidos na inicial pela Associação-autora, o MPF afirma que o dano"não se origina da simples comparação dos valores dos convênios relativos aos trechos norte e sul da rodovia em Santa Catarina"; mas se deve ao estudo antropológico precário que deu base ao convênio e também porque não houve consulta prévia à comunidade indígena sobre as medidas mitigadoras que deveriam constar do estudo.

Em relação à participação da comunidade indígena, extrai-se dos documentos referentes às reuniões que as comunidades indígenas, representadas por seus caciques, tiveram acesso às informações sobre o convênio.

Quanto aos estudos realizados, o que se percebe é que, à época da construção do trecho norte, optou-se por estudos mais simplificados, sinalizando-se a necessidade de que estudos mais profundos fossem feitos quando da realização dos estudos de impacto ambiental do trecho sul . É o que se lê no Termo de Referência para a Complementação do EIA/RIMA (relativo às obras de duplicação da capacidade rodoviária da BR 101 no Estado de Santa Catarina, afetando comunidades indígenas Guarani - fl. 30 do Apenso III), que expressamente reconheceu a necessidade de que fossem realizados estudos mais profundos em relação à comunidade de Massiambu, Morro dos Cavalos, Praia de Fora I e II, Cambirela e Terra Fraca à época da duplicação do trecho sul (Palhoça/SC-Osório/RS), devido a importância desta região para os Guarani, enquanto espaço geográfico e histórico. Tal fato vem corroborar a alegação do Ministério Público, de que os estudos para o trecho norte foram feitos de forma precária, e esses estudos embasaram o Convênio PG 122/97, resultando em compensação deficiente.

De fato, pela leitura do Convênio PP 0025/2002-00, vê-se que as comunidades do trecho sul receberam, além da aquisição de terras, também a construção de moradias, escolas, postos médicos, instalação de água e esgoto, energia solar, telefones comunitários, plantio de pomares e introdução de atividades produtivas, como chiqueiros, apiários, currais, benefícios estes não contemplados no trecho norte .

E, ao contrário do trecho sul, em que nenhum aldeamento indígena foi diretamente atravessado pelo traçado da rodovia proposto para a duplicação (fl. 934), a Terra Indígena M'biguaçu foi novamente cortada pela BR 101, ficando algumas residências a pouca distância da rodovia, sujeitas ao aumento da poluição sonora, acidentes, entre outros riscos, e os índios sem o usufruto de suas terras .

Sobre a diversidade dos valores impostos nos dois convênios, explicou Maria Dorothea Post Darella (antropóloga que participou da elaboração de ambos os estudos - fls. 137/141 do Volume I), que se deveu primordialmente à eleição da questão fundiária no trecho sul e que, devido à grande mobilidade entre os guaranis, o contingente indígena no trecho sul (em 2000) era superior). Isso, porém, ressalta o fato de que as medidas mitigadoras não foram equânimes, como visto acima.

Também o argumento da associação autora de que as comunidades Guarani não poderiam receber tratamento diferenciado significativo porque, na verdade, se tratam do mesmo povo, em um mesmo contexto étnico, que habitam o litoral catarinense, foi reconhecido pela FUNAI , em manifestação expressa no Relatório e Sugestões para a Duplicação da BR-101 referente ao trecho sul (Florianópolis-sc/Osório/RS - fls. 926/936), elaborado pelo Engenheiro Florestal José Ferreira Campos Júnior, de XXXXX-02-2001. Consta deste Relatório a necessidade de que as medidas mitigadoras observassem as aldeias Guarani em sua totalidade, devido à sua grande mobilidade, e que deveria ocorrer a revisão do Convenio de 1997.

"Sabemos, e o próprio EIA cita que os Guarani, apesar de dispersos, formam um povo que se relaciona, mantém laços sociais e de parentesco em todos os pontos e aldeamentos ao longo da Br-101. Concluímos portanto que as medidas mitigadoras deverão atingir todos os aldeamentos uniformemente.

Quando analisamos o Convênio com o DNER para o trecho Garuva-Florianópolis, verificamos que o mesmo tem prazo para duração (05 anos) e um valor previamente estipulado. O que dá entender que findo o prazo ou o valor, encerrou o Convênio. Como vimos anteriormente os impactos aos Guarani são permanentes e irreversíveis (citação do EIA). Ora, então, o acompanhamento e apoio aos Guarani, deverão também ter caráter permanente, e não com prazo e valores pré-estipulados.

Dado ao exposto, sugerimos as seguintes providências para salvaguardar os interesses dos Guarani do litoral de Santa Catarina: - Revisão do Convênio FUNAI/DNER assinado em 28 de agosto de 1997; referente ao trecho Garuva-Palhoça. Pois os Impactos relacionados no EIA-RIMA indicam para impactos em todas as fases do empreendimento, pré-implantação, construção e operação. Se as medidas mitigadoras dos impactos deverão ser equânimes com relação aos Aldeamentos Guarani, não poderemos ter convênios diferentes para mitigação de impactos provenientes de um mesmo empreendimento.

A opção na época foi a de aprofundar os estudos dos índios Guarani dos Aldeamentos do norte do Estado com a realização da segunda parte da duplicação da BR 101, o que inclusive constou do Relatório da FUNAI. A partir desse novo estudo, seriam estabelecidas as medidas mitigadoras que englobariam todos os índios guarani e se revisaria o Convênio anterior .

Dita revisão, todavia, nunca se operou, do que resultou a discrepância nos valores despendidos nos convênios.

3.2.3. Pedido de revisão

Deve-se concluir, pois, que houve um aspecto desconsiderado em relação aos convênios realizados, o de revisão do convênio do trecho norte (de XXXXX-2002). Mesmo após proposta expressa da FUNAI (Relatório e Sugestões para a Duplicação da BR-101 referente ao trecho sul - fls. 926/936), de XXXXX-02-2001, a revisão não foi objeto do Plano Básico Ambiental e do Estudo de Impacto Ambiental. Os indígenas, representados pela Associação Autora, também reclamaram expressamente à FUNAI (23/04/2003 -fl. 301 do Apenso III), requerendo a revisão dos valores indenizatórios, nada sendo feito.

Trata-se aqui de responsabilidade objetiva com base no art. 37, § 6º, da CF, pois a falta de revisão foi originada pela atitude omissiva da FUNAI que, mesmo tendo consciência da indicação (tempestiva) de revisão e após reclamação dos indígenas, nada fez para remediar a situação.

A FUNAI tem, dentre outras funções institucionais, o dever de promover o respeito à pessoa do índio e às instituições e comunidades tribais (art. , inciso I, letra a da Lei 5.371/67), garantindo sua dignidade. Por esse motivo, tem o dever de tutelar seus interesses (art. 1º, inciso I, da Portaria n. 542, de XXXXX-12-1993), patrocinando, quando preciso, a defesa dos seus direitos e interesses (art. 2º, Inciso VIII, da mencionada Portaria). Incumbida da tarefa de promover a proteção das comunidades indígenas e de seus interesses, a FUNAI deveria ter insistido na revisão do convênio do trecho norte, já que também integrou o convênio do trecho sul. O DNIT, por sua vez, também compôs ambos os convênios e poderia ter providenciado a revisão, em face da sua sugestão, nos estudos preliminares, bem como na qualidade de empreendedor para a construção da rodovia e gestor dos recursos financeiros

A respeito da responsabilidade do Estado, preceitua a Constituição Federal que "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa (art. 37, § 6º). Washington de Barros Monteiro, em comentário ao art. 37, § 6º, leciona:

A Constituição Federal alargou, pois, consideravelmente, o conceito de responsabilidade civil, de modo a abranger aspectos concretos que o direito anterior não conhecia, ou não levava em conta para conceder indenização. Presentemente, para que o Estado responda civilmente, basta a existência do dano e do nexo causal com o ato do funcionário, ainda que lícito, ainda que regular. A idéia de causalidade do ato veio substituir o da culpabilidade do agente. Por outras palavras, é o acolhimento da teoria do risco integral, iterativamente consagrado pela jurisprudência. (Monteiro, Washington de Barros, Curso de Direito Civil, 28.ed. Saraiva, 1989, v. I)

Os requisitos assentados na Constituição fundamentam a responsabilidade objetiva do Estado, ou teoria do risco administrativo, conforme adotado pela doutrina nacional.

Maria Sylvia Zanella Di Pietro, sobre a teoria do risco administrativo como fundamento para a responsabilidade objetiva do Estado, ensina:

Essa teoria baseia-se no princípio da igualdade de ônus e encargos sociais: assim como os benefícios decorrentes da atuação estatal repartem-se por todos, também os prejuízos sofridos por alguns membros da sociedade devem ser repartidos. Quando uma pessoa sofre um ônus maior do que o suportado pelas demais, rompe-se o equilíbrio que necessariamente deve haver entre os encargos sociais; para restabelecer esse equilíbrio, o Estado deve indenizar o prejudicado, utilizando recursos do erário público.
Nessa teoria, a idéia de culpa é substituída pela de nexo de causalidade entre o funcionamento do serviço público e o prejuízo sofrido pelo administrado. É indiferente que o serviço tenha funcionado bem ou mal, de forma regular ou irregular (Direito Administrativo. 12.ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 504).

Portanto, comprovado o dano sofrido, resultante de ação ou omissão atribuída ao Poder Público, a responsabilidade estatal só é afastada quando se evidenciar culpa exclusiva da vítima ou ocorrência de caso fortuito ou força maior, que são causas excludentes do dever de indenizar.

No caso dos autos, não há dúvida de que a omissão estatal trouxe prejuízos à comunidade Guarani, pois se a revisão tivesse sido implementada, poderiam ter sido complementados os valores já recebidos à época do trecho norte, conforme sinalizado pelo órgão convenente.

A correção desse prejuízo, todavia, não se perfaz pela via da indenização judicial, mas sim pela efetiva revisão do convênio, a qual, embora requerida administrativamente, não se concretizou. Diante do exposto, restam os réus condenados em obrigação de fazer, consistente na revisão do convênio. A revisão administrativa deve ser providenciada pela FUNAI e DNIT, mediante a realização de estudos específicos que contemplem análise de todas as questões de importância para a comunidade indígena, como, aliás, era o propósito inicial do Convênio. Daí se estabelecerá, pois, o valor correto representativo da compensação devida aos indígenas em face da duplicação da BR 101.

3.2.4.Indenização por Dano Moral

A falta de revisão importou também mácula à comunidade Guarani, no que diz respeito à sua dignidade e seu reconhecimento como cidadão brasileiro que também merece proteção. De fato, a Constituição Brasileira de 1988, ao ultrapassar o modelo integracionista das constituições liberais, teve por objetivo resguardar a comunidade indígena e a sua diversidade cultural, protegendo-os dos impactos civilizatórios, sobretudo do inevitável desenvolvimento econômico do país. Sem desejar imprimir o modo de vida" civilizado ", o legislador constituinte procurou cercar os indígenas das condições necessárias para preservar sua identidade.

Além das terras ocupadas por eles, deu-se proteção constitucional ao direito de manter a própria língua materna (art. 201, § 2ª), suas tradições, costumes (art. 231), evidenciando a atenção que se deve ter sempre que se estiver frente a um interesse indígena. A Constituição inclusive vai ao encontro da Declaração da ONU sobre direitos dos povos indígenas (de 2007), em que se reconhece aos indígenas o"desfrute pleno de todos os direitos humanos e liberdades fundamentais reconhecidos pela Carta das Nações Unidas, pela Declaração Universal de Direitos Humanos e o direito internacional relativo aos direitos humanos".

Se, então, era afeta à FUNAI a função de proteger os direitos dos indígenas e ela se omitiu nessa missão, está presente o nexo causal necessário ao deferimento do pedido de indenização por danos morais. Ressalte-se que não é necessária a produção da prova do dano, por ser inerente à situação:

"a afirmação de que o dano ocorre in re ipsa repousa na consideração de que a concretização do prejuízo anímico suficiente para responsabilizar o praticante de ato ofensivo, ocorre por força do simples fato da violação de modo a tornar-se desnecessária a prova do prejuízo em concreto"(in SANTOS, Antônio Jeová. Dano Moral Indenizável. 4ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 519)

A sensação de abandono, de desrespeito, de menos-valia a que possa ter sido submetida toda a comunidade Guarani pelo fato de terem sido ignorados em seu pedido de revisão decorre da omissão do órgão a quem se incumbe legalmente sua proteção e não precisa ser comprovado. Desse modo, ainda que a Associação autora tenha enviado cartas pedindo revisão ao DNIT e ao BID, somente a FUNAI deve ser condenada pelo ressarcimento de danos morais, já que, sendo o órgão responsável em tutelar o interesse e direito dos indígenas, não agiu quando deveria.

Sobre o valor indenizatório, pontue-se que, enquanto os danos materiais exigem uma reparação integral e que a indenização se equipare ao valor perdido pela vítima, os danos extrapatrimoniais exigem apenas uma estimativa. Consoante Clayton Reis (in" Os novos rumos da indenização do dano moral ". Forense: Rio de Janeiro, 2003, p. 115):" o dinheiro seria apenas uma forma de a vítima alcançar uma compensação da dor vivenciada em face da ação antijurídica, não mais do que isso ". Dentro dessa lógica, ao magistrado compete, com razoabilidade, fixar valor para compensação do dano moral sofrido pela vítima, sem que isso signifique enriquecimento ilícito:

ADMINISTRATIVO. PROCESSO CIVIL. ACIDENTE AUTOMOBILÍSTICO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DA UNIÃO. DANO MORAL E MATERIAL. CRITÉRIOS DE ARBITRAMENTO. 1. Considerando que a responsabilidade da Administração Pública no processo em tela é objetiva, merecem prosperar os pedidos reparatórios materiais e morais. 2. O ressarcimento pelo dano moral tem como objetivo recompensar a pessoa pelas dores sofridas em razão da conduta do causador do dano, mas essa indenização não corresponde a um preço para a dor, mas apenas um lenitivo que atenue o sofrimento causado pelo dano. Assim, o valor arbitrado a título de danos morais não pode culminar com o enriquecimento sem causa ou injustificado da parte atingida pelo ato ilícito. (TRF4, APELREEX 5024796-12.2010.404.7100, Terceira Turma, Relatora p/ Acórdão Maria Lúcia Luz Leiria, D.E. 27/04/2011)

No caso dos autos, diante da hipossuficiência dos indígenas (social e econômica) e considerando a natureza e a magnitude da obra (ampliação da rodovia BR-101), arbitro o valor de R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais) a título de indenização por danos morais.

Os valores deverão ser corrigidos monetariamente a partir desta data, obedecendo-se aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (nos termos da Tabela da Justiça Federal) e computando-se, também, juros de mora de 0,5% ao mês a partir do evento danoso (23-04-2003 fls. 115 do Volume I) até 29.6.2009.

- Dos honorários advocatícios

A autora formulou pedidos variados contra réus diversos: União, IBAMA, DNIT e FUNAI. A União e o IBAMA foram excluídos da lide e foi também considerado inepto o pedido formulado contra o IBAMA (item f), bem assim os pedidos dos itens g e h, que eram dirigidos contra o DNIT.

Diante disso, caberá à autora o pagamento de honorários a eles, posto que, embora não se possa falar em sucumbência propriamente dita, a instauração do processo contra esses réus (IBAMA e União) deu-se por fato atribuível tão somente à autora (STJ, REsp n. 664.475, rel. Min. Teori Zavaski, 1ª T., DJU de 16.5.05).

Quanto ao DNIT, os pedidos extintos não tinham representação monetária que justifiquem a fixação de honorários em seu favor. Também não foram apenas eles que deram causam à sua presença na lide, mas outras questões, pelas quais acabou sendo condenado. De todo o modo, fosse para condenar a autora sucumbente (o que, na verdade não ocorreu), seria de parte mínima e mesmo assim não seriam devidos honorários (art. 21, parágrafo único, do CPC).

Assim, a autora arcará com honorários em favor do IBAMA e União, conforme fixados ao final.

Os réus FUNAI e DNIT pagarão à autora honorários, que serão fixados adiante, na parte dispositiva.

3. Dispositivo

Ante o exposto:

[a] reconheço a inépcia da inicial em relação aos pedidos dos itens f, g e h, nos termos dos arts. 295 5,parágrafo únicoo, II, e 267 7, I, do Código de Processo Civil l, extinguindo o processo sem exame do mérito em relação a eles;
[b] acolho a preliminar de ilegitimidade passiva da UNIÃO e do IBAMA, extinguindo o feito sem julgamento de mérito em relação a eles, nos termos do artigo 267 7, VI, do Código de Processo Civil l; e

[c] julgo PROCEDENTES os demais pedidos formulados na inicial, com base no artigo 269 9, I, do CPC C, para: [b.1] condenar o DNIT e a FUNAI a promoverem a revisão dos valores do Convênio PG n.1222/97-00 no prazo de até 180 dias após o trânsito em julgado da sentença; [b.2] condenar a FUNAI ao pagamento de indenização por danos morais à Associação autora no valor de R$ 360.000,00 (trezentos e sessenta mil reais), corrigidos monetariamente a partir desta data (nos termos da Tabela da justiça Federal) e computando-se juros de mora de 0,5% ao mês a partir do evento danoso (23/04/2003- fls. 115 do Volume I) até 29-6-2009.

Condeno os réus DNIT e FUNAI ao pagamento de honorários advocatícios em favor da autora, os quais fixo, [a] quanto à obrigação do item b.1, a ser suportada pro rata, pelos réus, em R$ 60.000,00 (sessenta mil reais), nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil; e [b] quanto à obrigação do item b.2, cujo ônus será apenas da FUNAI, em 10% (dez por cento) sobre o valor da indenização fixada, de acordo com art. 20, § 3º, do mesmo Estatuto Processual.

Condeno a autora ao pagamento de honorários advocatícios em favor dos réus IBAMA e UNIÃO, que fixo em R$ 10.000,00 (dez mil reais), nos termos do art. 20, §§ 3º e 4º, do Código de Processo Civil. Fica, todavia, suspensa a execução em virtude de ser beneficiária de assistência judiciária gratuita, enquanto perdurar o fato que lhe deu causa (art. 10, § 2º, da Lei n. 1.060/50).

As custas processuais devem ser suportadas pela FUNAI e o DNIT, mas estão dispensadas em virtude de serem beneficiários de isenção.

Publique-se. Intimem-se as partes, inclusive de que na hipótese de eventual"subida do processo ao TRF4 os autos serão digitalizados, passando a tramitar no meio eletrônico (sistema e-Proc) [...], sendo obrigatório o cadastramento dos advogados na forma do art. da Lei n. 11.419/2006"(Resolução TRF - 4ªR. n. 49/2010).

Vista ao Ministério Público Federal.
A sentença deve ser mantida.

Argumentos dos recursos:

(a) ilegitimidade ativa da associação de Moradores Yynn Moroti Wherá

A FUNAI e o DNIT sustentam pela ilegitimidade ativa da Associação de Moradores Yynn Moroti Wherá.

As entidades associativas, para representarem em juízo seus filiados, devem ter sido, de fato, expressamente autorizadas para tanto, conforme se lê no art. , inciso XXI, da CRFB/88.

No caso, dentre os objetivos descritos no Estatuto da Associação de Moradores Yynn Moroti Wherá (evento 2, ANEXOS PET5) encontra-se o da congregação, união entre os associados; o recebimento de doações e a possibilidade de firmar convênios com pessoas físicas e jurídicas e pleitear soluções no âmbito de sua competência.

Não há dúvidas, então, que eventuais desigualdades nos valores decorrentes do convênio podem ser reclamados pela Associação autora, devendo ser mantida no pólo ativo da lide.

Improvidos os recursos da FUNAI e DNIT neste ponto.

(b) conexão

A FUNAI e o DNIT defendem a existência de conexão da presente ação com a ACP nº. 2005.72.01.000597-7, que teria a mesma causa de pedir, relativa ao Convênio PG nº.1222/97-00.

Não se trata de conexão entre esta ação e a anterior (2005.72.01.000597-7), porque os substituídos são outros. A ação anterior, que tramitou na 4ª. Vara Federal de Joinville, foi promovida pelas Associações das Terras Indígenas Piraí e Pindoty, que correspondem a outras comunidades que também se sentiram lesadas.

Logo, não há necessidade de julgamento conjunto e pelo mesmo juízo, porque há diversidade de partes.

Improvidos os recursos da FUNAI e DNIT neste ponto

(c) danos morais

Na presente situação, a comunidade Indígena sofreu a inconstitucional redução na possibilidade de usufruto de suas terras (art. 231, CF/88), por intervenção direta das obras de duplicação da BR 101 (e a consequente ocupação da área) em seu espaço demarcado. Tal situação revela que houve afronta à dignidade da Comunidade Indígena, o que deve ser compensado com indenização pelos danos morais sofridos pela comunidade, ora representada pela associação autora.

Improvido recurso da FUNAI quanto a este tópico.

(d) Valor da indenização por dano moral

O Ministério Público Federal e a Associação sustentam que deve ser majorado o valor da indenização por dano moral, que foi fixada em R$ 360.000,00(trezentos e sessenta mil reais). Ambos defendem que o valor deve ser majorado para o valor de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais).

Deve ser mantida a sentença que, na data de 22 de junho de 2012, concluiu ser adequado o valor de R$ 360.000, 00 de indenização.

Tenho que o valor fixado em sentença está de acordo com os princípios da razoabilidade e proporcionalidade. Ainda, deve ser considerado que o juízo de origem está próximo das provas e dos fatos, devendo ser privilegiados os critérios adotados pelo juiz da causa. Ademais, os recorrentes não trazem critérios concretos que justifiquem alterar o valor da indenização.

Improvidos os recursos da Associação e do Ministério Público Federal neste tópico.

(e) novos estudos antropológicos e ambientais na região

A Associação sustenta que devem ser elaborados novos estudos antropológicos e ambientais na região e que os danos devem ser indenizados de forma efetiva.

A sentença concluiu corretamente a questão, quando definiu que" A revisão administrativa deve ser providenciada pela FUNAI e DNIT, mediante a realização de estudos específicos que contemplem análise de todas as questões de importância para a comunidade indígena, como, aliás, era o propósito inicial do Convênio. Daí se estabelecerá, pois, o valor correto representativo da compensação devida aos indígenas em face da duplicação da BR 101."

Tenho que devem ser mantidos os critérios da sentença quanto ao dano material e à revisão dos valores, remetendo-os para liquidação de sentença, nos termos dos fundamentos da sentença.

Deve ser indeferido o recurso da Associação .

(f) condenação solidária entre União, IBAMA, DNIT e FUNAI

O Ministério Público Federal defende a condenação solidária, ou seja, visa condenar a União e o IBAMA, solidariamente à FUNAI e ao DNIT, ao pagamento das indenizações a título de danos materiais e morais.

Apenas a FUNAI e o DNIT devem ser condenados pelo ressarcimento de danos morais e materiais, uma vez que a causação dos danos não parece ter sido solidária nem de responsabilidade comum. No caso dos autos, cada um dos réus desempenha papéis distintos, tendo a responsabilidade sido distribuída pela sentença segundo os critérios que correspondiam ao nexo causal e à responsabilidade de cada condenado. Assim, não se pode condenar outros réus de forma genérica ou abstratamente, apenas com base em deveres previstos na legislação vigente. Seria preciso demonstração concreta de responsabilidade e prática (ou omissão) de atos relevantes para a causação dos danos, o que não ocorreu.

Improvido recurso do Ministério Público Federal quanto a este tópico.

(g) correção monetária e juros

A Associação quer a revisão da sentença. Para tanto, busca o recebimento da taxa de juros de 1% ao mês desde o evento danoso. Ainda, quer a aplicação da Lei nº 9.494/97.

A sentença determinou que os valores deverão ser corrigidos monetariamente a partir da fixação do valor, obedecendo-se aos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança (nos termos da Tabela da Justiça Federal) e computando-se, também, juros de mora de 0,5% ao mês a partir do evento danoso (23-04-2003 fls. 115 do Volume I) até 29.6.2009.

Com relação à correção monetária e aos juros, apesar de haver uma série de entendimentos consolidados na jurisprudência, e que são inafastáveis, há ainda intensa controvérsia nos Tribunais quanto à aplicação da regra do artigo 1º-F da Lei 9.494/97, com a redação dada pelo art. da Lei 11.960/2009, que previu a aplicação dos índices oficiais de remuneração básica e juros aplicados à caderneta de poupança aos débitos judiciais.
Com efeito, o entendimento até então pacífico na jurisprudência pela aplicação da regra da Lei 11.960/2009 restou abalado com a decisão do STF no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425, que declarou a inconstitucionalidade, por arrastamento, da expressão"índice oficial de remuneração básica da caderneta de poupança"contida no art. 5º da lei. Essa decisão, que criou aparente lacuna normativa relativamente à atualização de débitos judiciais, foi seguida de decisão do STJ que, em sede de recurso especial repetitivo, preconizou a aplicação, no período em foco, dos critérios de remuneração e juros aplicáveis à caderneta de poupança apenas a título de juros moratórios, concomitantemente à aplicação da variação do IPCA como índice de atualização monetária ( REsp XXXXX/PR, Rel. Ministro Castro Meira, Primeira Seção, julgado em 26/06/2013, DJe 02/08/2013).
Ainda que os acórdãos proferidos no julgamento das ADIs 4.357 e 4.425 (inclusive quanto à modulação de seus efeitos, decidida na sessão de 25 de março de 2015) tenham sido largamente utilizados como fundamento para inúmeras decisões judiciais versando sobre atualização e juros de débitos judiciais no período anterior à sua inscrição em precatório (inclusive do Superior Tribunal de Justiça em sede de recurso especial repetitivo), sobreveio nova decisão do STF no julgamento da Repercussão Geral no RE 870.947, em 14 de abril de 2015, no sentido de que aquelas decisões se referiam, em verdade, apenas ao período posterior à expedição do requisitório, e não ao período anterior, no qual a controvérsia sobre a constitucionalidade da atualização pela variação da TR permanecia em aberto. Dessa forma, o"Plenário virtual"do STF reconheceu a repercussão geral da controvérsia sobre"a validade jurídico-constitucional da correção monetária e dos juros moratórios incidentes sobre condenações impostas à Fazenda Pública segundo os índices oficiais de remuneração básica da caderneta de poupança (Taxa Referencial - TR), conforme determina o art. 1º-F da Lei nº 9.494/97, com redação dada pela Lei nº 11.960/09", de forma que essa questão deverá ser objeto de apreciação futura do Pleno do STF.
Diante deste quadro de incerteza quanto ao tópico e considerando que a discussão envolve apenas questão acessória da lide, entendo ser o caso de relegar para a fase de execução a decisão acerca dos critérios de atualização monetária e juros a serem aplicados no período posterior à entrada em vigor da Lei 11.960/2009 (período a partir de julho de 2009, inclusive), quando provavelmente a questão já terá sido dirimida pelos tribunais superiores, entendimento ao qual a decisão muito provavelmente teria de se adequar ao final e ao cabo, tendo em vista a sistemática dos recursos extraordinários e especiais repetitivos prevista nos arts. 543-B e 543-C do CPC. Evita-se, assim, que o processo fique paralisado, ou que seja submetido a sucessivos recursos e juízos de retratação, com comprometimento do princípio da celeridade processual, apenas para resolver questão acessória, quando a questão principal ainda não foi inteiramente solvida.
Nessa perspectiva, quanto aos juros e à correção monetária, restam fixados os seguintes balizamentos:
(a) dado tratar-se de entendimento pacificado, fica desde já estabelecido que os juros moratórios e a correção monetária relativos a cada período são regulados pela lei então em vigor, conforme o princípio tempus regit actum; consequentemente, sobrevindo nova lei que altere os respectivos critérios, a nova disciplina legal tem aplicação imediata, inclusive aos processos já em curso. Ressalto, contudo, que essa aplicação não tem efeito retroativo, ou seja, não alcança o período de tempo anterior à lei nova, que permanece regido pela lei então vigente, nos termos do que foi decidido pelo Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1.205.946/SP (02/02/2012);
(b) da mesma forma, por não comportar mais controvérsias, até junho de 2009, inclusive, a correção monetária e os juros devem ser calculados conforme os critérios previstos no Manual de Orientação de Procedimentos para os Cálculos na Justiça Federal, aprovado pela Resolução nº 1344 4/2010 do Conselho da Justiça Federal e modificado pela Resolução2677/2013 do mesmo órgão, respeitada a natureza do débito;
(c) com relação aos danos materiais, é devida a correção monetária desde a data do evento; relativamente aos danos morais, o termo inicial da correção monetária é a data do arbitramento do valor (Súmula 362 do STJ);
(d) os juros de mora, em se tratado de responsabilidade extracontratual, incidem a partir do evento danoso, nos termos da Súmula nº5444 do STJ;
(e) quanto ao período a partir da entrada em vigor da Lei1196000/2009 (julho de 2009), conforme antes afirmado, a decisão acerca dos critérios aplicáveis a título de juros e correção monetária fica relegada para quando da execução do julgado, à luz do entendimento pacificado que porventura já tenha já emanado dos tribunais superiores, sem prejuízo, obviamente, da aplicação de eventual legislação superveniente que trate da matéria, sem efeitos retroativos.
Portando, quanto a este tópico a sentença merece reforma, apenas para determinar que, quanto ao período a partir da entrada em vigor da Lei 11.960/2009 (julho de 2009), a decisão acerca dos critérios aplicáveis a título de juros e correção monetária fica relegada para quando da execução do julgado, no que se dá parcial provimento à remessa oficial e se nega provimento ao recurso da Associação.

(h) sucumbência

Tendo em vista que a sentença foi mantida no que diz respeito ao pedido de indenização por danos materiais e morais e, também, quanto à ausência de solidariedade passiva, também deve ser mantida a sentença no que diz respeito à distribuição da condenação em honorários.

.

Conclusão
A sentença merece reforma apenas no que diz respeito à correção monetária e juros, na forma da fundamentação, no que se dá parcial provimento à remessa oficial.

Ante o exposto, voto por negar provimento ao recursos da FUNAI, DNIT, ASSOCIAÇÃO DE MORADORES YYNN MOROTI WHERÁ e do MINISTÉRIO PÚBLICO e dar parcial provimento à remessa oficial.


Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
Relator

Documento eletrônico assinado por Desembargador Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR, Relator, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7785920v7 e, se solicitado, do código CRC A2C97E91.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Cândido Alfredo Silva Leal Junior
Data e Hora: 17/09/2015 18:39

EXTRATO DE ATA DA SESSÃO DE 15/09/2015
APELAÇÃO CÍVEL Nº XXXXX-19.2013.4.04.7200/SC
ORIGEM: SC XXXXX20134047200

RELATOR
:
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR
PRESIDENTE
:
CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JUNIOR
PROCURADOR
:
Dr. Fábio Nesi Venzon
APELANTE
:
COMUNIDADE GUARANI-ÑHANDEVA DA TERRA INDÍGENA M'BIGUAÇU & ASSOCIAÇÃO DE MORADORES YYNN MOROTI WHERÁ
ADVOGADO
:
Thiago Biesus Borsatti
APELANTE
:
FUNDAÇÃO NACIONAL DO ÍNDIO - FUNAI
:
MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL
APELADO
:
DEPARTAMENTO NACIONAL DE INFRA-ESTRUTURA DE TRANSPORTES - DNIT
:
OS MESMOS
:
INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS - IBAMA
:
UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO

Certifico que este processo foi incluído na Pauta do dia 15/09/2015, na seqüência 21, disponibilizada no DE de 03/09/2015, da qual foi intimado (a) UNIÃO - ADVOCACIA GERAL DA UNIÃO, o MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL, a DEFENSORIA PÚBLICA e as demais PROCURADORIAS FEDERAIS.

Certifico que o (a) 4ª TURMA, ao apreciar os autos do processo em epígrafe, em sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
A TURMA, POR UNANIMIDADE, DECIDIU NEGAR PROVIMENTO AO RECURSOS DA FUNAI, DNIT, ASSOCIAÇÃO DE MORADORES YYNN MOROTI WHERÁ E DO MINISTÉRIO PÚBLICO E DAR PARCIAL PROVIMENTO À REMESSA OFICIAL.

RELATOR ACÓRDÃO
:
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR
VOTANTE (S)
:
Des. Federal CÂNDIDO ALFREDO SILVA LEAL JÚNIOR
:
Des. Federal VIVIAN JOSETE PANTALEÃO CAMINHA
:
Des. Federal LUÍS ALBERTO D AZEVEDO AURVALLE

Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Diretor de Secretaria


Documento eletrônico assinado por Luiz Felipe Oliveira dos Santos, Diretor de Secretaria, na forma do artigo 1º, inciso III, da Lei 11.419, de 19 de dezembro de 2006 e Resolução TRF 4ª Região nº 17, de 26 de março de 2010. A conferência da autenticidade do documento está disponível no endereço eletrônico http://www.trf4.jus.br/trf4/processos/verifica.php, mediante o preenchimento do código verificador 7833853v1 e, se solicitado, do código CRC 23C62E48.
Informações adicionais da assinatura:
Signatário (a): Luiz Felipe Oliveira dos Santos
Data e Hora: 15/09/2015 13:59

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