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2 de Maio de 2024

STF Abr23 - Dosimetria Irregular - Lavagem de Capitais - Circunstâncias inerente ao Tipo Penal

há 11 meses


Inteiro Teor

RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS 223.334 SÃO PAULO

RELATOR : MIN. EDSON FACHIN

Decisão:

Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus interposto contra acórdão, proferido no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado (AgRg no HC 714.143/SP - eDOC.33, p. 1):

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. LAVAGEM DE CAPITAIS. ABSOLVIÇÃO. VIA ELEITA INADEQUADA. SIGILO BANCÁRIO. NULIDADE. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. MAJORAÇÃO DA PENA- BASE. FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. 1. As instâncias ordinárias, após análise de todo o conjunto de provas, concluíram pela caracterização de condutas descritas no art. , caput, da Lei n. 9.613/98, sendo a via eleita - marcada por cognição sumária e rito célere - inviável para desfazer estas conclusões, sem o revolvimento do conjunto fático-probatório. 2. A alegada nulidade na decretação do sigilo bancário não foi discutida no Tribunal de origem, circunstância que impede o pronunciamento desta Corte a respeito, sob pena de indevida supressão de instância. 3. Foi declinada fundamentação concreta para a majoração da pena-base imposta ao paciente, lastreada nos maus antecedentes e nas circunstâncias do delito.

4. Agravo regimental desprovido."

Busca-se, em síntese: a) o reconhecimento da "nulidade das provas

obtidas mediante quebra do sigilo bancário ilegal do corréu devendo os extratos bancários serem desentranhados dos autos por medida de direito e de lídima Justiça com o consequente retorno dos autos à origem para elaboração de nova sentença/acórdão" b) a absolvição do recorrente "com relação aos fatos a, b, c e parte do d, face a flagrante atipicidade das condutas, com o consequente redimensionamento da pena, em especial na terceira fase em que a pena foi aumentada em 1⁄4 face a continuidade delitiva e imposição de regime condizente com a pena aplicada" ; c) subsidiariamente, o decote da culpabilidade e, consequentemente, a fixação do adequado regime inicial de cumprimento da reprimenda, bem como a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direito.

É o relatório. Decido.

2. No caso dos autos, verifico hipótese de constrangimento ilegal a autorizar a concessão do habeas corpus de ofício, nos termos do art. 654, § 2º, do CPP, contudo em moldes diversos do pugnado pelo recorrente.

2.1. Quanto à tese de nulidade da quebra de sigilo bancário, porquanto decretada com base em fundamentação abstrata, bem como das provas dela decorrentes (extratos bancários), verifico que a matéria não foi previamente examinada pelo Tribunal de origem, tampouco pelo Superior Tribunal de Justiça, de modo que o conhecimento originário por esta Corte configuraria supressão de instância. Calha enfatizar que Supremo não detém competência para revisar, em habeas corpus e diretamente, atos jurisdicionais emanados das instâncias ordinárias:

"Inviável o exame das teses defensivas não analisada pelo Superior Tribunal de Justiça e pela Corte Estadual, sob pena de indevida supressão de instâncias. Precedentes" ( RHC 135560 AgR, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 21.10.2016).

"A inexistência de manifestação do STJ sobre o mérito da impetração impede o exame da matéria por esta Corte, sob pena de incorrer-se em indevida supressão de instância, com evidente extravasamento dos limites de competência descritos no art. 102 da Constituição Federal" ( HC 135949, Relator (a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Segunda Turma, julgado em 04.10.2016).

"A supressão de instância impede o conhecimento de Habeas Corpus impetrado per saltum, porquanto ausente o exame de mérito perante a Corte Superior" (HC 130375 AgR, Relator (a): Min. LUIZ FUX, Primeira Turma, julgado em 13.09.2016).

2.2. No tocante ao pleito de absolvição do agravante quanto aos fatos a, b e c por atipicidade das condutas, não antevejo ilegalidade flagrante na sua condenação.

De plano, ressalto que a jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido de que "ausente a comprovação da ocorrência do crime antecedente, esvazia-se a configuração do elemento normativo do tipo previsto no art. , caput, da Lei 9.613/1998, dada a sua natureza acessória" ( AP 1032, de minha relatoria, Tribunal Pleno, julgada em 22.04.2022).

Contudo, diversamente do que alega a defesa, o Juízo a quo apontou a ocorrência do delito antecedente ao crime de lavagem de dinheiro, ressaltando que o recorrente "foi condenado por infração ao art. , inciso I, do Decreto-Lei n. 201/67, por 31 (trinta e uma) vezes, na forma do art. 71 do CP (desvio de recursos públicos)" nos autos n. 0000252-40.2017.8.26.0185.

Transitada em julgado a condenação, restou comprovado que o agravante transferia valores de contas oficiais do município para conta bancária diversa, "sacava os valores em espécie" e, em seguida, "desviava (pagamentos ’por fora’ a funcionários) e apropriava-se de parte desses valores".

Quanto ao ponto, reputo correta a conclusão do Magistrado de 1º grau no sentido de que "a par do respeitável argumento levantado no sentido de que a transferência direta (sem saque) não configuraria lavagem, porquanto os crimes antecedentes (processo 252-40) envolveriam essencialmente saques, não há óbice à subsunção da transferência ao tipo penal em questão (lavagem)" .

De fato, o próprio art. , § 1º, II, da Lei n. 9.613/98, que é tipo penal misto alternativo, prevê o ato de transferência de valores, com o objetivo de ocultação ou dissimulação, como uma das formas de praticar o delito, de modo que a inexistência de saque, por si só, não obsta a tipificação da conduta.

Além disso, não antevejo verossimilhança na afirmação de que "o recorrente foi denunciado como incurso no artigo , caput, da Lei nº 9.613/98 e não no artigo , § 1º, II ou artigo , II, da Lei nº 9.613/98" , visto que a inicial acusatória indicou expressamente o art. , § 1º, II, da Lei n. 9.613/98 (eDOC 03, p. 10).

Por fim, no tocante ao especial fim de agir da conduta c, observo que, a partir da análise do conjunto fático-probatório dos autos, o Magistrado de 1º grau concluiu que, in casu, os depósitos em espécie realizados pelo recorrente para a conta bancária do corréu tinham como objetivo final ocultar ou dissimular os valores provenientes do município (eDOC.04, p. 6-9, grifei):

"E, como adiantado, na hipótese dos autos entendemos que há, ao menos em parte das condutas descritas, demonstrativo concreto de atuação específica e eficiente no fito de se conferir roupagem lícita a proveitos de crimes, bem de se dificultar a atuação repressiva estatal, em panorama distinto do mero

" aproveitamento "do delito antecedente. Vejamos. Há nos autos evidências mínimas e suficientes do encetamento de 04 (quatro) condutas delitivas, nas quais, após participação de Mizael, os valores retornaram, direta ou indiretamente," lavados "para José Luiz (atos dos quais foi possível o"rastreamento").

(...)

c) no dia 10/11/2016 (terceiro delito), houve depósito em espécie na conta do corréu Mizael, no valor de R$12.000,00 (doze mil reais; fls. 491 - denuncia às fls. 05); sendo que o próprio réu confirma que sacou referido valor (saque em espécie - confirmado segundo a rubrica" recibo de retirada espécie; 12.000,00 - "; fl. 491) e entregou pessoalmente para o corréu José Luiz.

Vale mencionar, inclusive, que na data deste último depósito aqui narrado, XXXXXXXX haviam se apropriado de R$59.000,00 (cinquenta e nove mil reais; denúncia fls. 327), sendo que tal valor consta na lista de comprovantes apresentado por Natalia na colaboração premiada (autos 551-17.2017; fls. 26), para indicar o destino do dinheiro. Aliás, houve condenação de XXXXXXXXXX por este específico ato de apropriação, cujo trecho da sentença (transitada em julgado - Processo nº 0000252-40.2017.8.26.0185) transcrevo (proc. 252- 40.2017):

(...)

Enfim, também aqui demonstrada a apropriação de rendas públicas, havendo de se CONDENAR XXXXXXXXXX por este fato, conforme imputação esposada pelo Ministério Público."

(...)

Denota-se que tais operações financeiras não foram realizadas de modo aleatório; ou seja, não se trataram de conduta isolada ou um único "favor" de XXXXXXXXXX. Não. Em verdade, é possível observar a existência de habitualidade no comportamento, apta a conferir contorno de verdadeiro "método" arquitetado para que os valores chegassem "limpos" às mãos XXXXXXXXX. Nesse sentido, é necessária contextualização. Respeitados os entendimentos em contrário, e em raciocínio apenas formal acerca da contabilidade da Prefeitura Municipal, razoável supor, em primeiro plano, que haveria maior "facilidade" na tarefa de "justificar" retiradas em favor do corréu Mizael, sob o argumento de que os valores saíram dos cofres públicos para preciso pagamento de funcionário, e em razão de seus créditos salariais (XXXXXXXXXXX era advogado da Prefeitura à época dos fatos). Por outro lado, seria tarefa dificultosa para José Luiz justificar aos órgãos de controle (ex: Tribunal de Contras) o eventual direcionamento constante de dinheiro público para sua conta pessoal, considerando que os importes extrapolam, e muito, seu subsídio mensal (em 2016, o subsídio mensal do Prefeito era de R$8.883,92, porém, em razão de diversos descontos empréstimos, ações trabalhistas e etc., JXXXXXXXXXz recebia líquido o valor de R$3.216,50; dados públicos obtidos no processo n. 1001533- 77.2018.8.26.0185). Assim, se num primeiro momento José Luiz não poderia direcionar os valores diretamente para sua conta sem justificativa lícita e "auditável", ao transferir o dinheiro público para conta de Mizael, angariava maiores fundamentos para justificar e explicar a sua conduta. No cenário final, quando XXXXXXX recebia de volta parcela dos valores ("devolvidos" por Mizael), a quantia já estava desvinculada formalmente do erário, eis que "perpassada" pelo intermediário, o que lhe conferia ficto aspecto de legitimidade. Enfim, JXXXXXXXX, com o auxílio de Mizael, "limpava" ou, data venia, "lavava" o dinheiro desejado. Portanto, há de se concluir pela existência de elementos suficientes para configuração do delito, com ocultação dos proveitos dos

Com efeito, divergir da conclusão acima, para acolher a tese deduzida pelo recorrente , demandaria a aguda análise do conjunto fático- probatório dos autos, providência que, consabido, é inviável pela estreita via mandamental. Trago à colação a jurisprudência da Corte:

"AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. PROCESSO PENAL. PENAL. CONDENAÇÃO PELOS CRIMES DE LAVAGEM DE DINHEIRO E DE ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA. DOSIMETRIA DA PENA. ABSOLVIÇÃO. NECESSIDADE DE REVOLVIMENTO DE FATOS E PROVAS. INVIABILIDADE. DESPROVIMENTO. 1. A inexistência de argumentação apta a infirmar o julgamento monocrático conduz à manutenção da decisão recorrida. 2. Em tema de aplicação da pena, a atividade do Supremo Tribunal Federal circunscreve-se ‘ao controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades’ ( HC 128.446, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, Dje 29.9.2015), sendo inadmissível a incursão no quadro fático probatório, tampouco a reconstrução da discricionariedade constitucionalmente atribuída às instâncias ordinárias. 3. A pretensão de absolvição demanda revolvimento dos fatos e provas, providência impassível na via estreita do habeas corpus. 4. Agravo regimental não provido."( RHC 175420 AgR, Rel. Edson Fachin, Segunda Turma, DJe 06.04.2020)

"Penal e processual penal. Agravo regimental em habeas

corpus. Tráfico de drogas. Associação para o tráfico de drogas. Condenação transitada em julgado. Inadequação da via eleita. Absolvição. Jurisprudência do supremo tribunal federal. 1. O habeas corpus não se revela instrumento idôneo para impugnar decreto condenatório transitado em julgado. Precedentes. 2. Não é caso de concessão da ordem de ofício. O acolhimento da pretensão defensiva demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório. 3. A orientação jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal (STF) é no sentido de que o habeas corpus não é, considerado o seu rito estreito, a via processual adequada ao reexame de fatos e provas para chegar-se à absolvição. Precedentes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento."( HC 201.144 AgR, Relator (a): Min. ROBERTO BARROSO, Primeira Turma, DJe 20.09.2021)

2.3. Noutro giro, no que tange à valoração negativa da culpabilidade, como bem pondera o impetrante, a dosimetria operada pelas instâncias ordinárias merece parcial reparo, por manifesto descompasso com a jurisprudência desta Corte.

Quanto à dosimetria da pena, a jurisprudência desta Corte é consolidada no sentido de que "o juízo revisional da dosimetria da pena fica circunscrito à motivação (formalmente idônea) de mérito e à congruência lógico- jurídica entre os motivos declarados e a conclusão" ( HC nº 69.419/MS, Primeira Turma, da relatoria do Ministro Sepúlveda pertence, DJ de 28/8/92).

Não bastasse, merece ponderação o fato de que "é vedado subtrair da instância julgadora a possibilidade de se movimentar com certa discricionariedade nos quadrantes da alternatividade sancionatória" ( HC 97256, Relator (a): Min. AYRES BRITTO, Tribunal Pleno, julgado em 01/09/2010).

Diante desse limite cognitivo, a revisão da dosimetria não permite

incursão no quadro fático-probatório, tampouco a reconstrução da discricionariedade constitucionalmente atribuída às instâncias ordinárias. Quando o assunto consiste em aplicação da pena, a atividade do Supremo Tribunal Federal, em verdade, circunscreve-se "ao controle da legalidade dos critérios utilizados, com a correção de eventuais arbitrariedades" ( HC 128446, Relator (a): Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 15/09/2015).

No caso concreto, o Juízo de origem agravou a pena base nos seguintes termos (eDOC.04, p. 19-20):

"Passo à fixação das penas.

I - JXXXXXXXXXXXXX

Pois bem. Em primeira fase, atento às circunstâncias judiciais previstas no art. 59 CP, entendemos de relevo a majoração da pena no tocante à culpabilidade do agente e os maus antecedentes. Com efeito, e como já mencionado, embora não possa se falar em delito autônomo, também não se pode ignorar que a conversão do produto do crime em ativo lícito (aquisição de veículo, em nome de terceiros) confere maior reprovabilidade ao delito, notadamente ante ao incremento patrimonial e maior dificuldade de rastreamento dos valores. Assim, quanto maiores e mais complexos os atos de ocultação encetados no caso concreto, maior a reprovabilidade penal, sendo este o momento adequado para equiparar os tratamentos. Além disso, conforme amplamente discorrido, houve o trânsito em julgado do Processo nº 0000252-40.2017.8.26.0185 (crimes antecedentes; trânsito em 23/10/2019; certidão de fl. 4602 daqueles autos; já determinada a juntada de certidão), de modo que o réu ostenta condenação anterior, transitada em julgado, a qual não opera os efeitos da reincidência (trânsito em julgado posterior ao fato ora analisado). Assim, por tais razões, fixo a pena-base em 1/3 (um terço) acima do mínimo legal, ou seja, 04 (quatro) ano de reclusão e 13 (treze) dias-multas."

O Tribunal de origem, por sua vez, em recurso exclusivo da defesa, manteve incólume a dosimetria da pena fixada, alterando substancialmente a fundamentação exarada pelo Juízo a quo (eDOC.05, p. 28):

"Passo à análise da pena.

a) para o acusado XXXXXXXX.

Na primeira etapa, as básicas foram estabelecidas 1/3 acima do patamar mínimo, ante a presença de maus antecedentes e pelas circunstâncias do crime, vez que o acusado, conforme bem argumentado na r. sentença"não se pode ignorar que a conversão do produto do crime em ativo lícito (aquisição de veículo, em nome de terceiros) confere maior reprovabilidade ao delito, notadamente ante ao incremento patrimonial e maior dificuldade de rastreamento dos valores. Assim, quanto maiores e mais complexos os atos de ocultação encetados no caso concreto, maior a reprovabilidade penal, sendo este o momento adequado para equiparar os tratamentos."(fl. 1743), perfazendo em 04 anos, de reclusão e 13 dias-multa, no piso.

Nesse ponto, a Defesa busca a fixação da pena-base no mínimo ou o aumento em apenas 1/6.

Sem razão o seu pleito. Anoto que ficou devidamente comprovada a prática de delitos anteriores, cuja condenação sobreveio durante este processo e, ainda, as circunstâncias do delito extrapolam o dolo do tipo, tendo em vista que o erário foi impactado com o delito e, pelo réu ser o Prefeito da cidade à época dos fatos. Assim, mantenho o aumento ."

A fundamentação do Juízo sentenciante decorre da conclusão de que a conduta do paciente apresenta elevado grau de reprovabilidade, em razão da "conversão do produto do crime em ativo lícito (aquisição de veículo, em nome de terceiros)" , o que resultou em "incremento patrimonial e maior dificuldade de rastreamento dos valores".

Como se vê, a valoração da culpabilidade assenta-se em aspectos ínsitos a própria tipologia do art. , caput e § 1º, da Lei n. 9.613/98, ao qual o paciente restou denunciado, do que decorre a ilegalidade da motivação que agrava a pena no caso concreto.

Nesse ponto, destaco que, em que pese o Magistrado de origem ter entendido corretamente "pela ocorrência de delito único, notadamente por se tratar de tipo misto alternativo" , agravou a pena-base em razão de conduta reconhecidamente como etapa do branqueamento de capitais, qual seja, "a conversão de valores provenientes da infração penal em ativos lícitos" (art. , § 1º, I, da Lei n. 9.613/98), configurando bis in idem.

Com efeito, no julgamento dos décimos segundos embargos infringentes na AP 470, de relatoria do Ministro Luiz Fux, ocorrido em 13.03.2014, esta Suprema Corte adotou a doutrina norte-americana (money laudering) e assentou que o branqueamento de capitais pode ser dividido três etapas: i) colocação (placement); ii) encobrimento, circulação ou transformação (layering); iii) integração (integration).

Conforme explicitou o relator, "a primeira é a da"colocação"(placement) dos recursos derivados de uma atividade ilegal em um mecanismo de dissimulação da sua origem, que pode ser realizado por instituições financeiras, casas de câmbio, leilões de obras de arte, dentre outros negócios aparentemente lícitos. Após, inicia-se a segunda fase, de" encobrimento "," circulação "ou" transformação "(layering), cujo objetivo é tornar mais difícil a detecção da manobra dissimuladora e o descobrimento da lavagem. Por fim, dá-se a" integração "(integration) dos recursos".

Nessa linha, André Luíz Callegari Callegari e Ariel Barazzetti Weber destacam que o ato de conversão do produto de crime em ativo lícito faz parte da fase de integração do capital:

"2.5.3 Fase de integração ou reinversão

(...)

É a última etapa do processo de lavagem de dinheiro, onde o dinheiro proveniente de atividades ilícitas é utilizado em operações financeiras, dando a aparência de operações legítimas. Durante esta etapa são realizadas inversões de negócios, empréstimos a indivíduos, compram-se bens e todo o tipo de transação através de registros contábeis e tributários, os quais justificam o capital de forma legal, dificultando o controle contábil e financeiro. Aqui, o dinheiro é colocado novamente na economia, com aparência de legalidade." (CALLEGARI, André Luís Callegari; WEBER, Ariel Barazzetti. Lavagem de Dinheiro, 2a edição. São Paulo: Grupo GEN, 2017)

Além disso, embora a doutrina também aponte a dificuldade, na fase da integração, de "as autoridades conseguirem detectar os fundos de origem ilícita" (MENDRONI, Marcelo Batlouni. Crime de Lavagem de Dinheiro, 4a edição. São Paulo: Grupo GEN, 2018), a legislação não previu agravamento da reprimenda para quem percorre o delito nessa modalidade:

"Art. 1º Ocultar ou dissimular a natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de infração penal. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

Pena: reclusão, de 3 (três) a 10 (dez) anos, e multa. (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

§ 1º Incorre na mesma pena quem, para ocultar ou dissimular a utilização de bens, direitos ou valores provenientes de infração penal: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - os converte em ativos lícitos;

II - os adquire, recebe, troca, negocia, dá ou recebe em garantia, guarda, tem em depósito, movimenta ou transfere;

III - importa ou exporta bens com valores não correspondentes aos verdadeiros.

§ 2º Incorre, ainda, na mesma pena quem: (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores que sabe serem provenientes de qualquer dos crimes antecedentes referidos neste artigo;

I - utiliza, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal; (Redação dada pela Lei nº 12.683, de 2012)

II - participa de grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei.

Nesse sentido, o Ministro Joel Ilan Paciornik, Relator do HC 708.959/SP no STJ, afastou a culpabilidade da dosimetria da pena do corréu Mizael, a qual estava fundamentada nos mesmos termos da dosimetria do ora recorrente.Vejamos:

" Como visto, a majoração da pena-base em decorrência do vetor culpabilidade mostra-se indevida, por ter sido usado elementos do próprio tipo penal, pois a tentativa de lavagem de dinheiro, ocultando a origem ilícita do mesmo, faz parte do crime pelo qual o paciente foi condenado. "(AgRg no HC m. 708.959/SP)

Nessa medida, tendo em vista que não se especificou, no decisum , motivos idôneos e concretos que levariam à convicção de que a ação do recorrente excedeu a culpabilidade normal para o tipo penal praticado - já que a mera conversão do produto do crime em ativo lícito, por meio de aquisição de veículo, não apresenta reprovabilidade acentuada -, deve essa circunstância ser decotada, por constituir valoração abstrata, incompatível com o princípio de individualização da pena.

À vista de tais considerações, resta claro que a fundamentação exarada para o agravamento da pena-base , especificamente quanto à culpabilidade, deve ser afastada por lastrear-se em circunstâncias abstratas, as quais já foram devidamente consideradas pelo legislador no tipo previsto no art. , caput e § 1º, da Lei n. 9.613/98 do Código Penal.

Nesse particular, merece reprodução o emblemático precedente em que se assentou que"a melhor prova da ausência de motivação válida de uma decisão judicial - que deve ser a demonstração da adequação do dispositivo a um caso concreto e singular - é que ela sirva a qualquer julgado, o que vale por dizer que não serve a nenhum."( HC 78013, Relator (a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Primeira Turma, julgado em 24.11.1998).

Por fim, observo que o TJSP, ao analisar recurso interposto exclusivamente pela defesa, deu parcial provimento para modificar o regime inicial para o semiaberto e, no tocante à culpabilidade, manteve o desvalor dessa circunstância judicial acrescentando fundamentação -"o erário foi impactado com o delito e, pelo réu ser o Prefeito da cidade à época dos fatos"-, em evidente violação ao princípio da non reformatio in pejus (eDOC 5).

Em que pese a alteração empreendida pelo Tribunal de Origem não tenha repercutido negativamente ao réu de forma quantitativa , - tanto é que a sua pena se manteve incólume - o fez de forma qualitativa , pois substitui argumento reconhecidamente considerado ilegal (circunstância ínsita ao tipo penal) por fundamento não constante na decisão de 1º grau e que não foi objeto de recurso pela defesa (a qualidade de prefeito do recorrente à época dos fatos).

Nessa linha:

"HABEAS CORPUS. CONSTITUCIONAL. PENAL.

TRÁFICO DE ENTORPECENTE. SENTENÇA CONDENATÓRIA. PEDIDO DE APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO EM PATAMAR MÁXIMO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO NA SENTENÇA. PROCEDÊNCIA. SUBSTITUIÇÃO DA PENA PRIVATIVA DE LIBERDADE POR RESTRITIVA DE DIREITOS: POSSIBILIDADE. ORDEM CONCEDIDA. 1. Na terceira fase de aplicação da pena, o juízo de primeiro grau reduziu a reprimenda em seu patamar intermediário, um meio, sem qualquer fundamentação, razão pela qual se deve aplicar a causa de diminuição em seu patamar máximo, ou seja, dois terços. 2. Não competia ao Tribunal de Justiça de Minas Gerais, em recurso exclusivo da defesa, complementar a sentença para acrescentar fundamento novo, não utilizado pelo juízo de primeiro grau, a fim de justificar a menor diminuição da pena. Essa decisão acabou por gerar reformatio in pejus. 3. O Supremo Tribunal Federal assentou serem inconstitucionais os arts. 33, § 4º, e 44, caput, da Lei n. 11.343/2006, na parte em que vedavam a substituição da pena privativa de liberdade por restritiva de direitos em condenação pelo crime de tráfico de entorpecentes ( HC 97.256, Rel. Min. Ayres Britto, sessão de julgamento de 1º.9.2010, Informativo/STF 598). 4. Ordem concedida."( HC 105768, Rel. Cármen Lúcia, Primeira Turma, DJe 01.06.2011).

"HABEAS CORPUS. PENAL. TRÁFICO DE DROGAS. PENAL. CIRCUNSTÂNCIAS JUDICIAIS DO ART. 59 DO CP. FUNDAMENTAÇÃO GENÉRICA. INVIABILIDADE. APLICAÇÃO DA CAUSA DE DIMINUIÇÃO DE PENA PREVISTA NO ART. 33, § 4º, DA LEI DE DROGAS NA FRAÇÃO DE 1/6. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. REGIME PRISIONAL A SER EXAMINADO COM A FIXAÇÃO DA NOVA REPRIMENDA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A jurisprudência desta Corte já afirmou, reiteradas vezes, a inviabilidade jurídica de se proceder, na via estreita do habeas corpus, ao reexame dos elementos de convicção considerados pelo magistrado sentenciante na avaliação das circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do

Código Penal, sendo autorizada "apenas o controle da legalidade e da constitucionalidade dos critérios empregados, com a correção de eventuais discrepâncias, se gritantes e arbitrárias, nas frações de aumento ou diminuição adotadas pelas instâncias anteriores" ( HC 105802, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Primeira Turma, DJe de 04-12-2012). Precedentes. 2. No caso, o magistrado sentenciante, ao estabelecer a pena-base acima do mínimo legal, considerou desfavoráveis ao paciente três das oito circunstâncias judiciais previstas no art. 59 do Código Penal, sem fundamentação adequada. 3. Esta Corte possui entendimento consagrado no sentido de que configura constrangimento ilegal a imposição da fração mínima de redução ( § 4º do art. 33 da Lei 11.343/2006) sem a devida motivação, não sendo permitido ao Tribunal de segunda instância, em recurso exclusivo da defesa, o acréscimo de fundamentos não utilizados na sentença condenatória, sob pena de incorrer-se em reformatio in pejus. Precedentes. 4. O regime prisional deverá ser estabelecido depois de fixada nova reprimenda ao paciente, à luz do art. 33 do CP. 5. Ordem concedida para determinar ao juízo competente que proceda à nova fixação da pena imposta ao paciente, com o estabelecimento do novo regime prisional, à luz do art. 33 do Código Penal."( HC 110356, Rel. Teori Zavaski, Segunda Turma, DJe 27.11.2013, grifei).

Dessarte, a motivação do Tribunal local também não poderia sustentar a valoração negativa da circunstância judicial da culpabilidade.

Nesses termos, refaço a dosimetria da pena. Na primeira fase, afastada a culpabilidade, aumento a pena-base em 1/6 em decorrência dos maus antecedentes, totalizando 03 (três) anos e 06 (seis) meses de reclusão e 11 (onze) dias-multa.

Na segunda fase, incide a agravante prevista no art. 62, inciso I, do Código Penal, razão pela qual mantenho a majoração de 1/6, alcançando a pena de 04 (quatro) anos e 01 (um) mês de reclusão e 12 (doze) dias- multa.

Na terceira fase, mantenho o aumento na razão de 1/4 relativa à

continuidade delitiva (art. 71, caput, do CP).

Dessa forma, fixo a pena definitiva em 5 (cinco) anos, 1 (um) mês e 07 (sete) dias de reclusão e 15 (quinze) dias-multa, mantido o regime semiaberto fixado pelo Tribunal local.

2. Diante do exposto, com fulcro nos arts. 192 e 312 do RISTF, dou provimento parcial ao recurso ordinário em habeas corpus , a fim de decotar a"culpabilidade"da dosimetria da pena e fixar a pena privativa de liberdade final em 5 (cinco) anos, 1 (um) mês e 7 (sete) dias de reclusão em regime inicial semiaberto e 15 (quinze) dias-multa, nos termos do art. 33, § 2º, b, do CP.

Comunique-se, com urgência, ao TJSP, a fim de que dê cumprimento a esta decisão.

Oficie-se ao STJ com o inteiro teor desta decisão, para ciência.

Publique-se. Intime-se.

Brasília, 10 de abril de 2021.

Ministro EDSON FACHIN

Relator

Documento assinado digitalmente

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(STF - RHC: 223334 SP, Relator: EDSON FACHIN, Data de Julgamento: 10/04/2023, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 10/04/2023 PUBLIC 11/04/2023)

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Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stf-abr23-dosimetria-irregular-lavagem-de-capitais-circunstancias-inerente-ao-tipo-penal/1845151300

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