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28 de Maio de 2024

Usucapião

Sistematização dos institutos no ordenamento jurídico

Publicado por Valéria Fernandes
há 6 anos

A intenção do presente artigo é esclarecer pontos de divergência e similaridade entre os diversos tipos de usucapião no ordenamento jurídico brasileiro, haja vista tratar de forma específica no Código Civil ou Constituição ou Leis Especiais. Em razão disso, procurou-se reuni-los para melhor compreensão.

1) Introdução

Usucapião é um modo de aquisição originária da propriedade e ou de qualquer direito real que se dá pela posse prolongada da coisa, de acordo com os requisitos legais, sendo também denominada de prescrição aquisitiva.

Também chamada de prescrição aquisitiva (modo originário de aquisição da propriedade e de outros direitos reais suscetível de exercício continuado (servidão e usufruto) pela posse prolongada no tempo) ao lado da prescrição extintiva (perda da pretensão, da ação atribuída a um direito durante determinado espaço de tempo), disciplinada nos arts. 205 e 206 do CC, em ambos aparece o elemento tempo, influindo na aquisição e na extinção de direitos.

2) Espécies

Há usucapião de bens móveis (2) e imóveis (10):

Bens móveis:

· Bens móveis ordinário (art. 1260, CC/02)

o Posse mansa, pacífica, ad usucapionem

o 3 anos

o Justo título e boa-fé

· Bens móveis extraordinário (art. 1261, CC/02)

o Posse mansa, pacífica, ad usucapionem

o 5 anos

o Independe de justo título e boa-fé

Bens imóveis:

· Bens imóveis ordinário (art. 1242, CC/02): comum (caput) e por posse-trabalho (parágrafo único)

o (caput) Posse ad usucapionem por 10 anos

o (caput) Justo título e boa-fé subjetiva (art. 1.201)

o (Parágrafo único) Requisito material: Prazo pode ser reduzido para 5 anos, se o usucapiente fez do imóvel sua morada ou fez obras de caráter relevante

o (Parágrafo único) Requisito formal: um justo título especial, que é a aquisição onerosa que foi cancelada (usucapião tabular).

o (Parágrafo único) Posse ad usucapionem por 5 anos

· Bens imóveis extraordinário (art. 1238, CC/02): comum (caput) e por posse-trabalho/pro-labote/habitacional (parágrafo único)

o (caput) Posse ad usucapionem por 15 anos

o (caput) Justo título e boa-fé presumem-se

o (Parágrafo único) Fez do local moradia habitual, ou nele realizado obras ou serviços de caráter produtivo

o (Parágrafo único) Posse ad usucapionem por 10 anos.

o (Parágrafo único) Não precisa de justo título e boa-fé

· Bens imóveis especial/constitucional urbano coletivo (art. 10, Lei 10.257/2001 - Estatuto da Cidade)

o Posse ad usucapionem por 5 anos

o População de baixa renda. O conceito é vago, mas de acordo com alguns julgados há alguns critérios objetivos: a) renda familiar de até 03 Salários mínimos; b) bolsa-família, quando a renda per capita máxima seja de R$100,00.

o Finalidade: Morada

o O juiz atribuirá uma fração ideal a cada possuidor. A área usucapida passa a ser um condomínio entre os moradores.

o Limitação de área: Tamanho de área inferior a 250m² por possuidor[1]

o Não exige justo título e boa-fé.

o Não pode ser proprietário de outro imóvel urbano ou rural

· Bens imóveis especial/constitucional rural individual (arts. 1239, CC/02; art. 191; Lei nº 6969/1981)

o Posse ad usucapionem por 5 anos

o Não pode ser dono de outro imóvel (nem rural, nem urbano)

o A CF/88 não repete a exigência de que só pode fazer uso dessa usucapião uma única vez, então acredita-se que pode usar novamente esse tipo de usucapião.

o Limitação de área: Até 50 hectares (Lei nº 6.969/81 trata de 25 hectares, mas não foi recepcionada pela Constituição Federal, prevalecendo a regra de 50 hectares)

o Posse direta – morada habitual ou tornou a área produtiva com seu trabalho ou de sua família

o Não exige justo título e boa-fé.

· Bens imóveis especial/constitucional urbana individual (arts. 1240, CC/02; arts. 183 e 191)

o Posse ad usucapionem por 5 anos

o Não pode ser dono de outro imóvel (nem rural, nem urbano)

o Só pode fazer uso dessa usucapião uma única vez

o Limitação de área: Tamanho de área não superior a 250m²

o Deve utilizar para sua moradia ou de sua família

· Bens imóveis especial/constitucional urbano familiar (art. 1240-A, CC/02)

o 2 anos, contando-se a partir da separação de fato, corpos, divórcio ou separação judicial

o Não pode ser dono de outro imóvel (nem rural, nem urbano)

o Propriedade que dividia com o ex-conjuge ou ex-companheiro que abandonou o lar (copropriedade)

o Se a saída do lar tiver sido determinadas judicialmente (exemplo: uso de medidas previstas no art. 22 da Lei Maria da Penha) não está caracterizado o abandono

o Limitação de área: Até 250m²

o Competência: na vara cível e não na de família.

o Só pode fazer uso dessa usucapião uma única vez

· Bens imóveis urbana administrativa (Lei 11.977/2009 - Programa Minha Casa, Minha Vida – PMCMV)

o Ocupação pacífica por mais de 5 anos;

o Só se aplica em casos de regularização fundiária para interesse social (ZEIS) ou interesse específico, prevista em lei municipal ou no plano diretor;

o Limitação de área: Até 250m²

o Utilizadas como única moradia;

o Não pode ser dono de outro imóvel (nem rural, nem urbano)

o Administração Pública, mediante impulso próprio, assim como de interessados e entidades privadas (art. 50), prerrogativas para, através da demarcação e da legitimação de posse – instrumentos voltados à outorga da titulação dominial – , declarar o direito de propriedade privada beneficiando população de baixa renda.

o A área a ser demarcada esteja situada em zona de interesse social – ZEIS, assim prevista em lei municipal ou no plano diretor.

o Áreas declaradas pelo Poder Público (ato administrativo) de interesse para implantação de projetos de regularização fundiária de interesse social.

· Bens imóveis urbana extrajudicial (art. 1.071, NCPC; art. 216-A, Lei 6.015/73 – lei de registros públicos)

o Depende da espécie (imóvel) aplicável, com exceção da regularização fundiária de interesse social, que segue rito próprio

o É o Oficial de Registro de Imóveis que irá presidir o procedimento, bem como formar sua convicção para decidir se defere ou não o pedido de reconhecimento da aquisição pela usucapião extrajudicial.

o É possível optar pela via extrajudicial da usucapião quando o requerente reúne todos os documentos elencados nos incisos do art. 216-A, com exceção do inciso IV, que trata do justo título.

o De acordo com o § 15 do art. 216-A da Lei de Registros Publicos (incluído pela Lei 13.465/2017), caso não exista justo título, a posse e os demais dados necessários poderão ser comprovados por meio de um procedimento de Justificação Administrativa perante o próprio Cartório

· Bens imóveis rural indígena (art. 33, Lei 6001/73 – Estatuto do índio)

o 10 anos

o Tem que ser índio ou silvícola, integrado ou não. Os índios ficam sujeitos a tutela da União até se adaptarem a civilização. Eles são incapazes desde o nascimento até que preencha os requisitos do art. 9º e seja liberado por ato judicial ou ato da Funai homologado pelo órgão judicial.

o A Fundação Nacional do Índio exerce a tutela dos índios em nome da União.

o Limitação de área: inferior a 50 hectares

· Bens imóveis especial de quilombolas (art. 68, ADCT; Decreto nº 4.887/03)

o Não há prazo. Se, em 5 de outubro de 1988, existia a posse dos remanescentes sobre as terras que na época imperial constituíam quilombos, o constituinte considerou aquela posse centenária, pacífica e transmitida ininterruptamente de geração em geração até aquele momento.

o Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins do Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida.

o Já a palavra quilombo tem o significado de comunidade existente na época escravagista formada por escravos fugidos. Pode-se dizer, a princípio, que remanescentes das comunidades dos quilombos são os moradores das comunidades formadas por escravos fugidos ao tempo da escravidão que subsistiram após a promulgação da Lei Áurea.

o Não há limitação de área.

o Diferentemente do que acontece com as terras de reservas indígenas, que pertencem à União, mas são ocupadas pelos índios, os terrenos ocupados pelos quilombolas são de sua titularidade.

Observação importante! Há diversos autores que colocam como sinônimos usucapião administrativa e a extrajudicial. Entendo que são diferentes, embora a primeira siga também um procedimento administrativo extrajudicial pelo Poder Público. É importante diferenciar porque a extrajudicial se aplica a todos as espécies modificando o CPC e a Lei de Registros Publicos, exceto a do rito da Lei 11.977/2009 (a administrativa, de regularização e interesse social). Na extrajudicial, vale ressaltar, criou-se a possibilidade do reconhecimento extrajudicial da usucapião, ou seja, sem precisar de um processo judicial. Saliento que este procedimento é opcional e, se a parte quiser, pode optar pela via judicial. No caso da administrativa (Minha Casa, Minha Vida), não existe a opção judicial.

3) Requisitos

· Coisa hábil

Atenção! Se forem bens naturalmente indisponíveis, legalmente indisponíveis e indisponíveis por vontade humana então não podem ser usucapidos.

- Bens naturalmente indisponíveis: são aqueles insuscetíveis de apropriação pelo homem (ex.: a totalidade do ar atmosférico, as águas dos mares, o sol, etc.).

- Bens legalmente indisponíveis – são aqueles que normalmente poderiam ser alienados, mas a lei proíbe (ex.: bens públicos de uso comum do povo, os bens públicos de uso especial, os bens de incapazes, etc.).

- Bens indisponíveis pela vontade humana – são aqueles bens aos quais se apõe a cláusula de inalienabilidade, em virtude de doações ou testamentos.

· Posse

Atenção! Ânimo de dono, posse mansa e pacífica, sem oposição, posse contínua (sucessio possessionis) e soma de posses (acessio possessionis) serão considerados para fins de usucapião.

- Ânimo de dono: não tem animo o locatário, comodatário, arrendatário e todos aqueles que exercem posse direta sobre a coisa, sabendo que não lhe pertence e com reconhecimento do direito dominial de outrem, obrigando-se a devolve-la.

- Posse mansa/pacífica/sem oposição: Exercida sem oposição. Todavia, se este tomou alguma providência na área judicial visando a quebrar a continuidade, fica descaracterizada. Providencias extrajudiciais e judiciais improcedentes não significam oposição. Citação não interrompe a prescrição aquisitiva.

- Posse contínua: é a continuidade do exercício da mesma posse por pessoas diferentes, não temos aqui somas de posses, mas a continuidade do exercício de uma posse por uma pessoa cujo exercício fora iniciado por outra.

- Soma de posses: é a possibilidades de somar o tempo de posses diferentes, mas essas posses precisam ser semelhantes exercidas por pessoas diferentes. (Art. 1.243)

· Justo título e Boa-fé

Atenção! São considerados para algumas espécies de usucapião.

- Justo título: conceito de justo título é empregado não como documento ou instrumento, mas como fato gerador do qual a posse deriva. Configura estado de aparência que permite concluir estar o sujeito gozando de boa posse. Justo título é o que seria hábil para transmitir o domínio e a posse se não contivesse nenhum vício. Ex.: Escritura de compra e venda devidamente registrada é um título hábil para transmissão de imóvel, embora possa ser anulada se o vendedor não era o verdadeiro dono.

- Boa-fé: quando o possuidor ignora um obstáculo para aquisição da propriedade (Boa fé real) ou tem o justo título (boa fé presumida).

· Ação de Usucapião

- A ação de usucapião é uma ação declaratória que tem por finalidade o reconhecimento judicial da aquisição de um direito real por usucapião. A depender da natureza do bem usucapido a ação pode ser mobiliária ou imobiliária.

- Competência internacional exclusiva: art. 23, CPC

- Competência territorial: regra geral no art. 46 e foro especial no art. 47

- Competência da Justiça Federal: art. 109, I, II e VIII, CF (pessoa); art. 109, V-A, CF (matéria); art. 109, XI, CF (indígenas); art. 109, § 1º, CF e 51, CPC // art. 109, § 2º, CF e art. 51, parágrafo único, CPC (territorial).


[1] A Lei nº. 10.257/2001 (Estatuto da Cidade) em seu art. 10 disciplinava que as áreas urbanas com mais de 250 m², ocupada por população de baixa renda para sua moradia, por 5 (cinco) anos, ininterruptamente e sem oposição, onde não for possível identificar os terrenos ocupados por cada um dos possuidores, são suscetíveis de serem usucapidas coletivamente desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural.

Lei nº 13.465, de 11 de julho de 2017: Art. 1o Esta Lei dispõe sobre a regularização fundiária rural e urbana, sobre a liquidação de créditos concedidos aos assentados da reforma agrária e sobre a regularização fundiária no âmbito da Amazônia Legal; institui mecanismos para aprimorar a eficiência dos procedimentos de alienação de imóveis da União; e dá outras providências.

[...]

Art. 10. Os núcleos urbanos informais existentes sem oposição há mais de cinco anos e cuja área total dividida pelo número de possuidores seja inferior a duzentos e cinquenta metros quadrados por possuidor são suscetíveis de serem usucapidos coletivamente, desde que os possuidores não sejam proprietários de outro imóvel urbano ou rural. (Redação dada pela lei nº 13.465, de 2017)


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