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27 de Maio de 2024
  • 1º Grau
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TJES • Procedimento Comum Cível • XXXXX-74.2022.8.08.0024 • Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual,Municipal,RG,MA e Saúde de Vitória do Tribunal de Justiça do Estado do Espírito Santo - Inteiro Teor

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Juízo de Direito da 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual,Municipal,RG,MA e Saúde de Vitória

Assunto

Equilíbrio Financeiro

Juiz

HELOISA CARIELLO
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ESTADO DO ESPÍRITO SANTO
PODER JUDICIÁRIO
Juízo de Vitória - Comarca da Capital - 2ª Vara da Fazenda Pública Estadual e Municipal, Registros Públicos, Meio Ambiente e Saúde
Rua Tenente Mário Francisco Brito, 420, Edifício Vértice - Sala 1903, Enseada do Suá, VITÓRIA - ES - CEP: 29050-555
Telefone:(27) 33574524

PROCESSO Nº XXXXX-74.2022.8.08.0024
PROCEDIMENTO COMUM CÍVEL (7)
AUTOR: DISTRIBUIDORA DE HORTIFRUTIGRANGEIRO BERGER LTDA - EPP

REU: MUNICIPIO DE VITORIA

Advogados do (a) AUTOR: ROBSON LUIZ MARIANI - ES12211, VALCIMAR PAGOTTO RIGO - ES9008

SENTENÇA

Vistos etc.


Trata-se de ação ordinária, com pedido de tutela provisória, proposta pela DISTRIBUIDORA DE HORTIFRUTIGRANGEIRO BERGER LTDA – EPP em face do MUNICÍPIO DE VITÓRIA, por meio da qual pretende a condenação da Municipalidade na obrigação de fazer equivalente ao reequilíbrio financeiro econômico do contrato de fornecimento entabulado entre as partes, e, ainda, que se abstenha o Ente Municipal de rescindir referido contrato, bem como de aplicar qualquer sanção em razão de eventual descumprimento, anulando-se aquelas que eventualmente venham a ser promovidas.

Afirma, para tal desiderato, que: a1.é pessoa jurídica destinada a distribuição de produtos hortifrutigranjeiros, tendo firmado, em 26/01/2022, após sagrar-se vencedora no Pregão Eletrônico n.º 077/2021, o Contrato de Fornecimento n.º 21/2022, que teve como objeto a entrega dos produtos (leite em pó), com preço por quilograma de R$ 24,00 (vinte e quatro reais) e custo unitário de R$ 19,40 (dezenove reais e quarenta centavos); a2.realizado o certame em 2021, fora levado em consideração o preço de mercado naquele período, após o que colheu cotação para a compra dos produtos remanescentes, encontrando o valor de R$ 27,50 (vinte e sete reais e cinquenta centavos); a3.ofereceu pedido de reequilíbrio do preço praticado no contrato ao ente municipal sob a perspectiva do fato superveniente excepcional, notadamente o cenário pandêmico instalado, não acolhido pela Municipalidade sob o fundamento de que a circunstância de terem sido tomados os preços em 2021, mas entregues muitos meses depois em 2022, assim como a pandemia, não são, em si, fatos extraordinários a justificar o reequilíbrio contratual; a4.encontra-se em posição difícil, a uma, porque não tem meios para adquirir os produtos a serem entregues e, a duas, porque, se o fizer, acabará suportando prejuízo de difícil reparação que poderá impedir o prosseguimento de suas atividades; a5.a Municipalidade, além de negar a readequação do contrato, enviou expediente no qual anunciou que pretende aplicar-lhe penalidades, que podem ir desde a expedição de multa em pecúnia, até a proibição de contratar com a Fazenda Pública, o que impedirá a participação da autora em qualquer outra licitação, dada a exigência dos demais órgãos públicos de que não esteja cumprindo sanção; a6.a contratação com o Poder Público sujeita-se aos princípios insertos no art. 37 da CF, não sendo possível que fique ao arbítrio do administrador, ainda que atenda a certas conveniências próprias do poder de império reservado aos entes estatais em busca do interesse da coletividade.; a7.na seara da administração pública, diante da possibilidade de inexecução contratual, seja total, seja parcial, é dado a quem com ela contratou, diante de fato novo, do qual esteja isento de responsabilidade, efetuar proposta para recompor a harmonia econômico-financeira vinculada; a8.no caso, o contrato já fora firmado na pandemia, que teve impacto devastador na sociedade, a começar pelas restrições de atividades, além de circulação de pessoas, devastando a capacidade industrial do País, os transportes, bem como o mercado de fornecimento e consumido; a9.um conjunto de fatores modificou sensivelmente o mercado, merecendo correção a má compreensão dessas sequelas pela Municipalidade ré, inexistindo probabilidade mínima de que, no momento da proposta no processo licitatório, 01 (um) anos antes, fosse previsível o desfecho alcançado; a10.percebendo o acréscimo abrupto dos preços, buscou o reajuste do contrato, nada pedindo em relação ao que já fora entregue e assumindo os prejuízos que a conduta lhe causou; a11.é inegável o seu direito de ver aceita sua proposta de realinhamento; a12.ainda que o ato administrativo ostente presunção de legalidade, não está livre do escrutínio judicial, não havendo ato jurídico, nem mesmo quando beneficiária a Administração Pública, que passe ao largo do alcance dos princípios da razoabilidade, bem como da proporcionalidade

Pugnou, assim, a empresa autora, em trato liminar, concessão de tutela provisória, para que fosse determinado à Municipalidade que se abstivesse de rescindir o Contrato de Fornecimento n.º 21/2022, código PMV n.º 2.16.07.0064-3, bem como que admitisse o seu reequilíbrio econômico financeiro, elevando, quanto a aquisição de gêneros alimentícios (leite em pó), o valor unitário de cada 1 kg (um quilograma) para R$ 34,02 (trinta e quatro reais e dois centavos). No mérito, além do pedido para que fosse tornada definitiva a obrigação de fazer equivalente ao reequilíbrio financeiro econômico do contrato e de que se abstivesse o Ente Municipal de rescindir o contrato de fornecimento em testilha, pretendeu a autora a não aplicação de qualquer sanção por eventual descumprimento contratual e, em ordem sucessiva, o reconhecimento da força maior envolvida a impedir o cumprimento, pela parta autora, de forma a oportunizar a rescisão do contrato sem penalidades, caso negado o reequilíbrio financeiro econômico pleiteado.

À inicial foram acostadas os documentos de Ids. XXXXX a 15135720 e 15134750 a 15135446.

Decisão Id. XXXXX, indeferindo o pedido de antecipação dos efeitos da tutela, desafiada por meio do recurso de agravo de instrumento cuja cópia se vê no ID. XXXXX (XXXXX-81.2022.8.08.0000), desprovido.

Por meio da peça de resposta Id. XXXXX, apontou a Municipalidade ré, em trato preliminar, a falta de interesse de agir da empresa autora, na medida em que, conforme se verifica na cópia do Processo Administrativo nº 7547259/2021, já fora realizada a rescisão do contrato, inclusive com publicação no Diário Oficial do Município de Vitória, Edição 1930, do dia 23 de junho de 2022, não havendo, pois, meios de restaurar sua vigência. Quanto à matéria de fundo, disse que: a1.o pedido de reequilíbrio fora negado sob a “perspectiva de que não há fato novo a justificar o aumento dos preços praticados”, tendo partido da própria contratada, ora autora, o pedido de rescisão antecipada do contrato; a2.além disso, de acordo com a manifestação da Coordenadora de Alimentação e Nutrição Escolar juntada na mesma sequência 60, a rescisão do contrato de fornecimento de gêneros alimentícios se deu por culpa exclusiva da empresa autora, que se negou a realizar as entregas no “mês de junho, bem como os meses subsequentes” do ano de 2022; a3.quanto ao reequilíbrio financeiro, não procedem os questionamentos sobre a assunção de riscos de mercado pela contratada, uma vez que a jurisprudência entende que não se pode transferir todo o risco para o contratante público, sendo esse o entendimento do TCU; a4.a autora apresentou, para embasar seu pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, nota fiscal datada de 15/04/2021, ao passo em que a primeira autorização de fornecimento (AF) para que a empresa fornecesse o quantitativo ali especificado (doc. anexo) foi emitida em 15/02/2022, ou seja, 10 (dez) meses depois da aquisição do produto com o valor reclamado como majorado pela empresa. Logo, como não houve o fornecimento do produto (leite em pó) a partir do momento em que a autora passou a vindicar administrativamente a concessão de reequilíbrio econômico contratual, não há qualquer direito à diferença de valor reclamada no presente processo; a5.em tendo a empresa autora se recusado a continuar a fornecer o produto sob a alegação de que o valor de compra deste havia sido substancialmente majorado, o que ocasionou a rescisão do contrato, não há falar em direito à diferença de valor de modo a manter o equilíbrio econômico-financeiro do início do contrato, já que falta, no caso, um dos elementos de presença obrigatória para a concessão do reequilíbrio econômico-financeiro, qual seja, a entrega do produto, ainda que, em tese, se compreendesse a confirmação do segundo, a saber, preço pago pelo fornecedor com elevação extravagante; a6.em relação ao segundo elemento (preço pago pelo fornecedor com elevação extravagante), diante do descompasso entre a data de aquisição pela fornecedora/requerente (15/04/2021) e a da emissão da autorização de fornecimento (15/02/2022), também não restou comprovado que o produto entregue seria derivado daquela aquisição com valor extravagante, sendo manifestamente indevido, por qualquer ângulo, o pedido de reequilíbrio contratual.

Réplica Id. XXXXX, por meio da qual a parte autora reafirma os termos da inicial, requerendo a concessão de tutela provisória, a fim de que sejam suspensas as sanções administrativas aplicadas à parte autora, tanto no que toca à proibição de participar e contratar com ela, bem como ao pagamento de multa em pecúnia no valor de R$ 8.203,20 (oito mil duzentos e três reais), com a autorização para depósito do respectivo valor em conta corrente a disposição desse juízo.

Instadas a manifestarem-se sobre produção de eventuais outras provas (Id. XXXXX), as partes requereram o julgamento antecipado da lide (Id. XXXXX e XXXXX, Municipalidade ré e autora, respectivamente).

É o relatório. Passo a decisão.

Tenciona a autora o reequilíbrio econômico-financeiro do Contrato Administrativo nº 21/22, firmado por ela com o Município de Vitória em 26/01/2022, com prazo de vigência até 31/12/2022, cujo objeto era o fornecimento de gêneros alimentícios (leite em pó) para alunos da Rede Municipal de Ensino, sob a alegação de ocorrência de fato superveniente excepcional.

A inicial destaca que, deparando-se com impactos contratuais difíceis ocasionados pela pandemia do Coronavírus, situação que se ajustaria à hipótese de fatos supervenientes imprevisíveis, ou previsíveis, de consequências incalculáveis e que impediam a execução contratual, articulou, em 20/04/2022, pedido de reequilíbrio do preço praticado no contrato ao ente municipal , por meio do expediente tombado sob o n.º 2229255/2022 (Id XXXXX)

Nada obstante, a Municipalidade negou a readequação do contrato, não reconhecendo a volatilidade dos mercados naquele momento, enfatizando, ainda, que a pandemia, em si, não é fato extraordinário a justificar o reequilíbrio (Id. XXXXX, e-mail encaminhado em 05/05/2022).


PRELIMINAR

FALTA DE INTERESSE DE AGIR



Apontou a Municipalidade ré, em trato preliminar, a falta de interesse de agir da empresa autora, dado que, conforme se verifica na cópia do Processo Administrativo nº 7547259/2021, já fora realizada a rescisão do contrato, inclusive com publicação no Diário Oficial do Município de Vitória, Edição 1930, do dia 23 de junho de 2022, não havendo, pois, meios de restaurar a sua vigência.

Consoante incontroverso nos autos, de fato o contrato aqui tratado foi extinto, tendo a rescisão da avença que visava o fornecimento de gêneros alimentícios se dado por culpa exclusiva e a pedido da empresa autora, que se negou a realizar as entregas no “mês de junho, bem como os meses subsequentes” do ano de 2022.

Com efeito, é possível verificar, por meio do Id. XXXXX, que, em resposta ao Ofício nº 36/33, relativo ao contrato em comento – no bojo da qual fora apontada a recusa no fornecimento do produto “leite em pó” - a parte autora ratificou a impossibilidade de dar continuidade à avença e solicitou que, em não sendo possível obter preço razoável para dar prosseguimento ao que fora contratado, que fosse feita a rescisão do contrato.

Constata-se, ainda, conforme relatado, que, no caso, dirige-se a pretensão da parte autora a dois pontos centrais: a)eventual imposição de obrigação de fazer equivalente ao reequilíbrio financeiro econômico do contrato de fornecimento em foco nos termos do que fora pleiteado – elevação de cada 1 kg (um quilograma) do produto licitado para R$ 34,02 (trinta e quatro reais e dois centavos); b)a possibilidade de rescisão contratual sem a responsabilização da autora, por meio da aplicação de penalidades contratuais ou com as penalidades judicialmente impostas.

Em tais condições, considerando a extinção do referido contrato administrativo, poder-se-ía de fato cogitar da ausência de qualquer efeito prático na pretendida declaração ao reequilíbrio econômico contratual, para a imposição, como visto, de consequente obrigação de fazer, a fim de que a Municipalidade/requerida aquiescesse com a fixação de preço razoável para dar prosseguimento ao que fora contratado.

Nada obstante, como dito, a pretensão contempla, de igual forma, pedido de afastamento de rescisão contratual com responsabilização da autora, por meio da aplicação de penalidades contratuais.

Pelo que se vê, a rescisão do Contrato nº 21/2022, celebrado com a requerente, se deu com fulcro no art. 78, inciso I, e art. 79, I, ambos da Lei nº 8.666/93, que assim dispõem:


Art. 78. Constituem motivo para rescisão do contrato:

I - o não cumprimento de cláusulas contratuais, especificações, projetos ou prazos;



Art. 79. A rescisão do contrato poderá ser:

I - determinada por ato unilateral e escrito da Administração, nos casos enumerados nos incisos I a XII e XVII do artigo anterior;



Ou seja, pretendeu também a autora afastar a aplicação de penalidades consistentes na aplicação de multa em pecúnia até a proibição de contratar com a Fazenda Pública, o que impediria a sua participação em outras licitações, em decorrência da exigência dos demais órgãos públicos de que não esteja a empresa cumprindo sanção.

Daí remanescer o interesse processual no caso em testilha.

Essencial rememorar, aqui, citando abalizada doutrina de Nelson Nery Júnior e Rosa Maria de Andrade Nery, que “existe interesse processual quando a parte tem necessidade de ir a juízo para alcançar a tutela pretendida e, ainda, quando essa tutela jurisdicional pode trazer-lhe alguma utilidade do ponto de vista prático. Verifica-se o interesse processual quando o direito tiver sido ameaçado ou efetivamente violado (...). (In Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Extravagante em Vigor, 8ª edição, Ed. RT, São Paulo, 2004, p. 700)

Com efeito, “o interesse processual está presente sempre que a parte tenha a necessidade de exercer o direito de ação (e, conseqüentemente, instaurar o processo) para alcançar o resultado que se pretende, relativamente à sua pretensão e, ainda mais, sempre que aquilo que se pede no processo (pedido) seja útil sob o aspecto prático. Essa necessidade tanto pode decorrer de imposição legal (separação judicial, por ex.) quanto da negativa do réu em cumprir espontaneamente determinada obrigação ou permitir o alcance de determinado resultado (devedor que não paga o débito no vencimento) (...)
O interesse processual nasce, portanto, da necessidade da tutela jurisdicional do Estado, invocada pelo meio adequado, que determinará o resultado útil pretendido, do ponto de vista processual. É importante esclarecer que a presença do interesse processual não determina a procedência do pedido, mas viabiliza a apreciação do mérito, permitindo que o resultado seja útil, tanto nesse sentido quanto no sentido oposto, de improcedência. A utilidade do resultado se afere diante do tipo de providência requerida. (In Curso Avançado de Processo Civil, vol. 1, Teoria Geral do Processo e Processo de Conhecimento, Luiz Rodrigues Wambier, Flávio Renato Correia de Almeida e Eduardo Talamini, 3ª ed, p. 136/137).

Extrai-se, pois, remanescer o interesse processual da autora, ainda que rescindido o contrato, pelo que REJEITO A ARGUIÇÃO PRELIMINAR EM COMENTO.



M É R I T O



Conforme relatado, pretendeu a empresa autora obter provimento direcionado a impor obrigação à Municipalidade de Vitória de abster-se de rescindir o Contrato de Fornecimento nº 21/2022, código PMV nº 2.16.07.0064-3, bem como a realização de seu reequilíbrio financeiro econômico, a fim de que, relativamente à aquisição de gêneros alimentícios (leite em pó), o valor unitário de cada 1Kg (um quilograma) fosse elevado para R$ 34,02 (trinta e quatro reais e dois centavos).

A inicial destaca que a autora firmou referido contrato pelo compromisso de entrega dos produtos, de modo parcelado, contemplando um preço por quilograma de R$ 24,00 (vinte e quatro reais), sendo seu custo unitário de R$ 19,40 (dezenove reais e quarenta centavos). Nada obstante, em 15/04/2021, segundo o alegado, o mesmo produto fora pela empresa autora adquirido pelo preço de R$ 27,50 (vinte e sete reais e cinquenta centavos), o que significou um incremento de 23,7% em relação àquele tomado em consideração para a participação no certame.

Em adição, afirma que, nesse contexto, entendeu adequado e pertinente articular pedido de reequilíbrio do preço praticado no contrato à Municipalidade ré, em razão de fato superveniente excepcional, não reconhecido, sob a justificativa de que seria irrelevante a apuração dos preços pela contratada em 2021, já que a entrega dar-se-ía muitos meses depois em 2022, ao que aliou a escusa de que a pandemia, por si só, não seria fato extraordinário a justificar o reequilíbrio.

Pois bem.

Os autos dão conta de que foi emitida Autorização de Fornecimento e Nutrição Escolar em 15/02/2022 (Autorização de Fornecimento 221/2022), conforme Id. XXXXX, bem assim que deixou a empresa autora de realizar as entregas no mês de junho e subsequentes do ano de 2022, sem qualquer justificativa por parte da empresa autora.

Em 27/05/2022, foi enviado e-mail à então empresa contratada, aqui requerente, com advertência de que o Contrato nº 21/2022 ainda estava vigente - com destaque para a cláusula 6ª, que estabelecia o dever de entrega dos gêneros alimentícios no prazo preestabelecido e conforme as especificações-, e, ainda, para a possibilidade de adoção das providências administrativas previstas, em caso de inação por parte da autora.

Na forma do que indica o Id. XXXXX, a empresa autora, em 08/06/2022, ratificou a impossibilidade de dar continuidade ao contrato em referência, em razão da negativa de reequilíbrio contratual e de reajuste, pugnando pela rescisão do contrato.

É possível extrair, nesse cenário, que a contratação aqui tratada se deu através de processo licitatório (Pregão eletrônico n.º 077/2021, do tipo menor preço, iniciado em 28/04/2021 pela municipalidade por meio de sua Secretaria Municipal de Educação), voltada à seleção da proposta apta a possibilitar uma contratação mais vantajosa para a Administração Pública.

Como se sabe, sob tal perspectiva, quando das cotações, as propostas apresentadas devem observar os preços reais dos insumos, sendo ofertado valor compatível com o quadro fático e a realidade a ser verificada quando da sua execução, ou seja, à vista das condições existentes no instante da apresentação das propostas, nunca, por certo, com foco ou consideração de possibilidades futuras que podem ou não se concretizarem.

Nada obstante, e conquanto visem os contratos oriundos de procedimento licitatório a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, de rigor sejam eles constituídos de forma equilibrada entre o serviço prestado e a remuneração paga ao vencedor do certame, sob pena de enriquecimento ilícito do órgão governamental. Sob tal perspectiva, é plenamente factível a revisão e reajuste dos contratos, no decorrer de sua execução, por vontade unilateral ou deliberação conjunta das partes envolvidas, de forma a resguardar o equilíbrio da avença.

Disso extrai-se não ser dado à Administração Pública violar a equação econômica inicialmente ajustada entre as partes, encontrando respaldo o direito ao equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo no art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal de 1988, in litteris:

Art. 37-

(...)

XXI - ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.


Portanto, a legislação não deixa de considerar e agasalhar situações em que, após a apresentação da proposta, eventualmente e de forma excepcional, os preços dos insumos venham a sofrer elevações que induzam a um desiquilíbrio contratual, garantindo, inclusive, a Carta Federal, de forma expressa, o restabelecimento do equilíbrio econômico e financeiro a todos os contratos administrativos, em atenção às condições originais da proposta no processo de licitação.

Além disso, a Lei de Licitações, em seu art. 65, inc. II, alínea d, contempla, também expressamente, o direito ao reequilíbrio econômico-financeiro:



Art. 65. Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos:

[...]

II - por acordo das partes:

[...]

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Destacou-se).



Trata-se aqui, como se sabe, da cognominada teoria da imprevisão que, como visto, tem assento constitucional e infraconstitucional. Quanto a referida teoria, essencial destacar, parafraseando Maria Sylvia Zanella Di Pietro que o fato conjuntural econômico dá azo à aplicação da teoria da imprevisão “é todo acontecimento externo ao contrato, estranho à vontade das partes, imprevisível e inevitável, que causa um desequilíbrio muito grande, tornando a execução do contrato excessivamente onerosa para o contratado. (...) pode-se afirmar que são requisitos para restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro do contrato, pela aplicação da teoria da imprevisão, que o fato seja: 1. imprevisível quanto à sua ocorrência ou quanto às suas consequências; 2. estranho à vontade das partes; 3. inevitável; 4. causa de desequilíbrio muito grande no contrato. Se for fato previsível e de consequências calculáveis, ele é suportável pelo contratado, constituindo álea econômica ordinária; a mesma conclusão, se se tratar de fato que o particular pudesse evitar, pois não será justo que a Administração responda pela desídia do contratado; só o desequilíbrio muito grande, que torne excessivamente onerosa a execução para o contratado, justifica a aplicação da teoria da imprevisão, pois os pequenos prejuízos, decorrentes de má previsão, constituem álea ordinária não suportável pela Administração. Além disso, tem que ser fato estranho à vontade das partes: se decorrer da vontade do particular, responde sozinho pelas consequências de seu ato; se decorrer da vontade da Administração, cai-se nas regras referentes à álea administrativa (alteração unilateral e fato do príncipe).(…) Ainda com relação à álea econômica, que justifica a aplicação da teoria da imprevisão, cumpre distingui-la da força maior. Nesta estão presentes os mesmos elementos: fato estranho à vontade das partes, inevitável, imprevisível; a diferença está em que, na teoria da imprevisão, ocorre apenas um desequilíbrio econômico, que não impede a execução do contrato; e na força maior, verifica-se a impossibilidade absoluta de dar prosseguimento ao contrato. As consequências são também diversas: no primeiro caso, a Administração pode aplicar a teoria da imprevisão, revendo as cláusulas financeiras do contrato, para permitir a sua continuidade, se esta for conveniente para o interesse público; no segundo caso, ambas as partes são liberadas, sem qualquer responsabilidade por inadimplemento, como consequência da norma do artigo 393 do Código Civil. Pela Lei n"8.666/93, aforça maior constitui um dos fundamentos para a rescisão do contrato (art. 78, XVII, tendo esta efeito meramente declaratório de uma situação de fato impeditiva da execução. ”(In DIREITO ADMINISTRATIVO , 29ª Ed. pags. 329 e 331).

Na hipótese em comento, sustentou a empresa requerente resultar a impossibilidade de entregas remanescentes do produto contratado do inesperado e significativo aumento do seu custo, o que tornaria inviável, em termos econômicos, a mantença do ajustado fornecimento. Alega, nesse passo, que um conjunto de fatores modificou sensivelmente esse mercado, dentre eles a pandemia da Covid-19, que causou consequências incalculáveis, onerando excessivamente a execução contratual, tudo a justificar o pretendido, e não acolhido, pleito de reequilíbrio econômico-financeiro do ajuste entabulado.

Não viceja, contudo, a pretensão.

Em primeira plana, por não se revelar factível que a empresa, ciente que é – ou deveria ser- do preço corrente dos insumos da sua prestação de serviços – registre-se, contratada em pleno período pandêmico - tenha ofertado proposta com a cogitada substancial defasagem, tencionando, somente após a celebração do contrato administrativo, e sem estivesse o pedido lastreado em provas cabais do alegado desequilíbrio econômico-financeiro, receber valores superiores ao da proposta vencedora, sob a justificativa de acentuado aumento de preço dos insumos.

Lado outro, os argumentos articulados com a finalidade de obter o reequilíbrio contratual envolvem circunstâncias fáticas que deveriam ter sido analisadas criteriosamente pela empresa autora quando se habilitou no certame licitatório, não podendo ser aqui desconsiderado que os riscos inerentes à atividade mercantil obriga os proponentes, quando da elaboração de suas propostas, a incluir, em seus cálculos, uma margem mínima de reserva, de forma a se acautelarem quanto a possíveis mudanças no cenário econômico.

Essencial destacar que, no caso, o edital alusivo ao processo licitatório foi publicado na data de 28/04/2021, sendo o contrato assinado na data de 26/01/2022. É possível extrair, pois, sem qualquer complexidade, que, quando da publicação do edital e subsequente oferecimento de proposta, a situação pandêmica, noticiada desde o final de 2019, de há muito já estava instalada, datando a decretação do estado de calamidade de 20/03/2020 (Decreto Legislativo nº 06/2020).

É certo que o direito à revisão dos preços constantes do pregão presencial (licitação) tem assento nos arts. 78, inciso XVII, da Lei 8.666/93, desde que, contudo, devidamente demonstrada e comprovada a alteração substancial das condições insertas no contrato administrativo.

No caso, conquanto tenha havido uma alteração no quadro fático subjacente à contratação e à modelagem referencial de distribuição dos riscos em razão da superveniência do estado pandêmico causado pela Covid-19, não foram acostados elementos de prova hígidos das assertivas ofertadas pela parte autora, notadamente do inesperado e extraordinário aumento dos preços, após a assinatura a apresentação das propostas e assinatura do contrato, que, registre-se, se deu em plena pandemia, não traduzindo assim motivos suficientes ao reconhecimento da pretensão. Ou seja, quando da apresentação das propostas e formalização do contrato o cenário global já se encontrava imerso na situação de pandemia, não se revelando factível assimilar que desconhecia a empresa autora as dificuldades advindas da aquisição de gêneros alimentícios – no caso, leite em pó -, sendo certo que deveria ter considerado essa circunstância já quando da apresentação das propostas e, ao depois, quando da celebração do contrato, antes de anuir com os termos e condições deste. Daí não ser possível extrair, dentro desse contexto fático, a existência de acontecimentos supervenientes, extraordinários e imprevisíveis que tenham onerado excessivamente a prestação para a autora, de forma a autorizar a pretendida readequação do seu valor, devendo ser reeditado que à empresa autora incumbia comprovar os fatos constitutivos de seus direitos.

Oportuno frisar que a jurisprudência do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA consagra entendimento segundo o qual a Teoria da Imprevisão, como justificativa para a revisão judicial de contratos somente será aplicada quando ficar demonstrada a ocorrência, após o início da vigência do contrato, de evento imprevisível e extraordinário que diga respeito à contratação considerada e que onere excessivamente uma das partes contratantes. Colha-se, a propósito:

AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. DEFICIÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO. ART. 489 DO CPC. NÃO CONFIGURADA. DIREITO CIVIL. AÇÃO REVISIONAL DE ALUGUÉIS E OUTROS ENCARGOS. EQUILÍBRIO ECONÔMICO CONTRATUAL. ARTS. 317, 397 E 478, TODOS DO CÓDIGO CIVIL. GRAVE CRISE EM DECORRÊNCIA DA PANDEMIA DA COVID. MOTIVO INSUFICIENTE. CONCESSÃO ANTERIOR DE ISENÇÕES E PARCELAMENTOS. INEXISTÊNCIA DE DESEQUILÍBRIO CONTRATUAL, CONFORME TRIBUNAL DE ORIGEM. SÚMULA 7 DO STJ. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO. 1. Em síntese, na origem, trata-se de ação declaratória com pedido de consignação de valores, visando à redução temporária dos aluguéis e encargos de locação, em razão da pandemia da Covid-19.2. Não incorre em negativa de prestação jurisdicional o acórdão que, mesmo sem ter examinado individualmente cada um dos argumentos trazidos pelo vencido, adota fundamentação suficiente para decidir de modo integral a controvérsia, apenas não acatando a tese defendida pela recorrente.3. As vertentes revisionistas no âmbito das relações privadas, embora encontrem fundamento em bases normativas diversas, a exemplo da teoria da onerosidade excessiva (art. 478 do CC) ou da quebra da base objetiva (art. , inciso V, do CDC), apresentam como requisito necessário a ocorrência de fato superveniente capaz de alterar - de maneira concreta e imoderada - o equilíbrio econômico e financeiro da avença, situação não evidenciada no caso concreto. Precedentes.4. Por mais grave que seja a pandemia decorrente da Covid-19, com inequívoca interferência na vida patrimonial de grande parte dos brasileiros, esse fato, por si só, não importa na alteração da balança do contrato, ainda mais se a parte contratada se comprometeu a reequilibrar o contrato, como aconteceu no caso em questão.5. Nesse contexto, a revisão dos contratos em razão da pandemia não constitui decorrência lógica ou automática, devendo ser analisadas a natureza do contrato e a conduta das partes - tanto no âmbito material como na esfera processual.6. Na hipótese, o Tribunal recorrido demonstrou que não existiu o desequilíbrio contratual alegado até mesmo em decorrência do êxito da parte em mitigar os efeitos da pandemia, ao reduzir e até mesmo isentar o valor do aluguel em determinados meses.7. Não se mostra razoável em sede de recurso especial ocorrer a intervenção do Poder Judiciário para revisar o contrato firmado entre as partes, sob a justificativa de" motivos imprevisíveis "e" eventual onerosidade excessiva ", se nem ao menos houve essa comprovação pela agravante em instâncias inferiores.8. Modificar tal conclusão, portanto, demandaria reexame de matéria fático-probatória, o que seria inviável em sede de recurso especial, nos termos da Súmula 7 do Superior Tribunal de Justiça. 9. Agravo interno a que se nega provimento.(STJ - AgInt nos EDcl no AREsp: XXXXX SP 2022/XXXXX-9, Relator: MARIA ISABEL GALLOTTI, Data de Julgamento: 22/05/2023, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/05/2023)


Ainda a propósito:

Ação monitória. Embargos rejeitados. Débito reconhecido. Alegação de impossibilidade de pagamento em razão da pandemia da COVID-19. Pretensão de reconhecimento da teoria da imprevisão. Inadmissibilidade. A aplicação da teoria da imprevisão exige, não somente a verificação de fato extraordinário que tenha desencadeado o desequilíbrio contratual, mas também que seja evidenciada, necessariamente, uma situação de desvantagem excessiva a uma das partes, com vantagem extrema para a parte contrária, inocorrente na hipótese. Sentença de procedência da ação monitória. Apelo da ré improvido.(TJ-SP - AC: XXXXX20208260333 SP XXXXX-34.2020.8.26.0333, Relator: Ruy Coppola, Data de Julgamento: 19/04/2021, 32ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 19/04/2021)

Oportuno destacar que de fato a grave situação instalada em todo o mundo, resultante da pandemia da Covid-19, deu azo a um estado de calamidade pública nacional reconhecida pelo Decreto Legislativo n.º 06, de 20 de março de 2020, que ocasionou nefastos reflexos na economia e afetou tanto o poder público quanto o privada, ocasionando desequilíbrio na equação econômico-financeira de alguns contratos administrativos.

A concretização do reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos, contudo, em situações que tais, deve estar necessariamente pautada em uma circunstância fática ou fator que de fato retratem uma álea econômica extraordinária, verificada à vista de situações imprevisíveis, ou previsíveis porém de consequências incalculáveis, a teor do que dispõe o art. 65, inc. III, da Lei Federal n.º 8.666/93.

Nada obstante, conquanto de fato constitua a situação pandêmica causada pela Covid-19 um fato superveniente e imprevisível, não há cogitar de reequilíbrio econômico-financeiro em todo contrato administrativo em vigor nesse período, e sim naqueles casos em que seja possível extrair, sem qualquer adminículo de dúvida, a esterita e necessária relação do aumento dos custos com a situação de calamidade, ao que se alia a existência de recursos financeiros por parte da administração para suportar esses aumentos.

É importante ressaltar, ainda, que não se discute ter a pandemia da Covid-19 gerado um desequilíbrio econômico nos contratos fixados anteriormente a esse período, o que de fato recomendou, em situações pontuais, uma nova equalização, em consideração à possibilidade de serem os prejuízos verificados rateados entre as partes.

No caso, contudo, além de não restar configurada a contemporaneidade da álea econômica extraordinária com surgimento da pandemia da COVID-19, na medida em que as propostas foram apresentados em plena pandemia, nesse mesmo período sendo celebrado o contrato, não produziu a parte autora prova robusta da alegada elevação de encargos particulares que teriam desequilibrado a equivalência dos encargos do contratado e a sua respectiva remuneração. Mais precisamente, não há elemento de prova suficiente da ocorrência de fatos novos, imprevistos e imprevisíveis pela parte autora e a ela não imputáveis, que atingem a economia ou a execução do contrato, gerando-lhe um ônus excessivo de forma a retratar vantagem desmedida para a Administração Pública.

Sob tal perspectiva, resta desautorizada a revisão pretendida, na forma do art. 65, inciso II, alínea ‘d’ da Lei nº 8.666/93, devendo o contrato ser preservado intangível.

Já sobre a alegada assunção de riscos de mercado pela contratada, aliada ao fato de não ser factível, como bem destacou a Municipalidade ré, atribuir ao ente público todo o risco inerente ao negócio entabulado, não passa despercebida a circunstância de que a NF nº 000023963 – Fornecedor Milk Vitta (Id. XXXXX) , apresentada para embasar seu pedido de reequilíbrio econômico-financeiro, é de 15/04/2021, ao passo em que a primeira autorização de fornecimento (AF) para que a empresa fornecesse o quantitativo ali especificado (doc. anexo) foi emitida em 15/02/2022, ou seja 10 (dez) meses depois da aquisição do produto com o valor reclamado como majorado pela empresa. De fato, considerando não ter havido fornecimento do produto (leite em pó) a partir do momento em que a autora passou a vindicar administrativamente a concessão de reequilíbrio econômico contratual, não há qualquer direito à diferença de valor reclamada no presente processo. Afinal, se a empresa então contratada recusou-se a continuar a fornecer o produto sob a alegação de que o valor de compra deste havia sido substancialmente majorado, vindo o contrato inclusive ser rescindido, não há que se falar em direito à diferença de valor de modo a manter o equilíbrio econômico financeiro do início do contrato.

Saliente-se que a pretensão de reequilíbrio contratual articulado pela empresa autora na seara administrativa foi devidamente analisado e sopesado, tendo assim, se manifestado o Controlador Geral, conforme aprovação dos fundamentos do PARECER TÉCNICO Nº 412/2021/CGM/GACC:

(...)já é conhecida pela SEGES a posição deste órgão de controle a respeito de solicitações de reequilíbrio econômico financeiro oriundas de variação de preços normais de mercado. A licitação ocorreu durante a pandemia, de forma que não se pode falar em “pandemia” como fato extraordinária para se justificar um reequilíbrio. E a jurisprudência é clara quanto à assunção de riscos de mercado pela contratada, não se transferindo a totalidade do risco para o contratante público. Os prejuízos advindos das intercorrências gerenciais existentes na relação da empresa com os seus respectivos fornecedores não podem ser transferidos à Administração, que não concorreu para o aumento do preço. A esse respeito, cumpre trazer a lume o entendimento do TCU: O valor do contrato abaixo do de mercado não é causa suficiente para justificar seu reequilíbrio econômico-financeiro, uma vez que essa situação pode decorrer, por exemplo, de estratégia empresarial, de condições oferecidas na licitação ou de aumento de custos provocado pela variação normal de mercado, não se inserindo na álea econômica extraordinária e extracontratual exigida pelo art. 65, inciso II, alínea d, da Lei 8.666/93. (Acórdão 2.795/2013 – Plenário). [...].”

Do cotejo dos elementos materiais coligidos aos autos infere-se, oportuno destacar, que a própria autora manifestou impossibilidade de dar continuidade ao Contrato nº 21/22, por meio da Notificação inserta no Ofício nº 36/22, ocasião em que, renovando os argumentos sobre a impossibilidade de realizar as entregas remanescentes do produto “leite em pó” para a Municipalidade contratante sem a pretendida revisão contratual, pugnou pela rescisão do contrato.

Em assim sendo, tendo em conta, como suso destacado, não ter havido fornecimento do produto (leite em pó) em oportunidade anterior à pretensão, na seara administrativa, pela concessão de reequilíbrio econômico contratual, não se antevê qualquer diferença de valor a ser a ela pago. Em tendo a empresa, repita-se, descontinuado o fornecimento do produto objeto do contrato entabulado sob a justificativa de majoração substancial do valor de compra - o que resultou na rescisão da avença-, não há cogitar-se de dispêndio de valores voltado a preservar o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, até mesmo porque, à luz da teoria da imprevisão, aliada à existência de um fato extraordinário que acarrete desequilíbrio contratual, a evidência de vantagem exagerada para uma das partes em detrimento da outra é de rigor, o que resta afastado em razão da coincidência da apresentação das propostas e da celebração do contrato com o período de pandência e, ainda, da subsequente postura adotada pela empresa autora.

Conjugando-se, então, tais dados, à luz das premissas maiores estabelecidas, chega-se à conclusão de que a pretensão autoral não deve vicejar.

Nunca é demais rememorar, outrossim, já ter a Corte Superior de Justiça sufragado, há muito, o entendimento de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, pressupõe a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva). Veja-se:


PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE ALUGUEL ENTRE SHOPPING CENTER E LOJISTA. SUPERVENIÊNCIA DA PANDEMIA DECORRENTE DA COVID-19. CONTRATOS PARITÁRIOS. REGRA GERAL. PRINCÍPIO DO PACTA SUNT SERVANDA. POSSIBILIDADE DE REVISÃO. HIPÓTESES EXCEPCIONAIS. PREVISÃO DO ART. 317 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA IMPREVISÃO. ART. 478 DO CÓDIGO CIVIL. TEORIA DA ONEROSIDADE EXCESSIVA. RESOLUÇÃO. INTERPRETAÇÃO SISTEMÁTICA E TELEOLÓGICA DO DISPOSITIVO QUE AUTORIZA TAMBÉM A REVISÃO. PANDEMIA DA COVID-19 QUE CONFIGURA, EM TESE, EVENTO IMPREVISÍVEL E EXTRAORDINÁRIO APTO A POSSIBILITAR A REVISÃO DO CONTRATO DE ALUGUEL, DESDE QUE PREENCHIDOS OS DEMAIS REQUISITOS LEGAIS. HIPÓTESE DOS AUTOS. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO. MANUTENÇÃO DA DECISÃO RECORRIDA. 1. Ação revisional de contrato de aluguel entre shopping center e lojista, ajuizada em 20/4/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 30/8/2022 e concluso ao gabinete em 20/10/2022.2. O propósito recursal consiste em decidir se é cabível a revisão de contrato de aluguel firmado entre shopping center e lojista, com fundamento nas teorias da imprevisão (art. 317 do CC) e onerosidade excessiva (art. 478 do CC), em razão da superveniência da pandemia do coronavírus.3. Nos contratos empresariais deve ser conferido especial prestígio aos princípios da liberdade contratual e do pacta sunt servanda, diretrizes positivadas no art. 421, caput, e 421-A do Código Civil, incluídas pela Lei nº 13.874/2019.4. Nada obstante, o próprio diploma legal consolidou hipóteses de revisão e resolução dos contratos ( 317, 478, 479 e 480 do CC). Com amparo doutrinário, verifica-se que o art. 317 configura cláusula geral de revisão da prestação contratual e que a interpretação sistêmica e teleológica dos arts. 478, 479 e 480 autorizam também a revisão judicial do pactuado.5. A Teoria da Imprevisão (art. 317 do CC), de matriz francesa, exige a comprovação dos seguintes requisitos: (I) obrigação a ser adimplida em momento posterior ao de sua origem; (II) superveniência de evento imprevisível; (III) que acarrete desproporção manifesta entre o valor da prestação devida e o do momento de sua execução. A pedido da parte, o juiz poderá corrigir o valor da prestação, de modo a assegurar, quanto possível, o seu valor real.6. A Teoria da Onerosidade Excessiva (art. 478 do CC), de origem italiana, pressupõe (I) contratos de execução continuada ou diferida; (II) superveniência de acontecimento extraordinário e imprevisível; (III) que acarrete prestação excessivamente onerosa para uma das partes; (IV) extrema vantagem para a outra; e (V) inimputabilidade da excessiva onerosidade da prestação ao lesado. Possibilidade de flexibilização da" extrema vantagem ".7. A pandemia da Covid-19 configura crise sanitária sem precedentes, que não apenas colocou em risco, mas também resultou, lamentavelmente, na perda de incontáveis vidas. Diante do cenário emergencial, garantiu-se às autoridades públicas, no âmbito de suas competências, a adoção de medidas necessárias para tentar preservar, ao máximo, a saúde e a vida das pessoas (Lei nº 13.979/2020). Nesse contexto, entes da Federação decretaram a suspensão de atividades e do funcionamento de estabelecimentos comerciais e industriais (lockdown), entre os quais se destacam, por exemplo, o atendimento ao público em shopping centers - excepcionados, muitas vezes, os supermercados, laboratórios, clínicas de saúde e farmácias neles existentes.8. A situação de pandemia não constitui, por si só, justificativa para o inadimplemento da obrigação, mas é circunstância que, por sua imprevisibilidade, extraordinariedade e por seu grave impacto na situação socioeconômica mundial, não pode ser desprezada pelos contratantes, tampouco pelo Poder Judiciário. Desse modo, a revisão de contratos paritários com fulcro nos eventos decorrentes da pandemia não pode ser concebida de maneira abstrata, mas depende, sempre, da análise da relação contratual estabelecida entre as partes, sendo imprescindível que a pandemia tenha interferido de forma substancial e prejudicial na relação negocial.9. A superveniência de doença disseminada mundialmente, que, na tentativa de sua contenção, ocasionou verdadeiro lockdown econômico e isolamento social, qualifica-se como evento imprevisível, porquanto não foi prevista, conhecida ou examinada pelos contratantes quando da celebração do negócio jurídico, e extraordinário, pois distante da álea e das consequências ínsitas e objetivamente vinculadas ao contrato.10. Conclui-se que a pandemia ocasionada pela Covid-19 pode ser qualificada como evento imprevisível e extraordinário apto a autorizar a revisão dos aluguéis em contratos estabelecidos pelo shopping center e seus lojistas, desde que verificados os demais requisitos legais estabelecidos pelo art. 317 ou 478 do Código Civil.11. Na mesma linha de raciocínio, esta Corte permitiu a revisão proporcional de aluguel em razão das consequências particulares da pandemia da Covid-19 em relação à empresa de coworking, cujo faturamento foi drasticamente reduzido no período pandêmico (REsp XXXXX/DF, Quarta Turma, DJe 9/9/2022).12. Hipótese em que o contexto fático delineado pelo Tribunal de origem, soberano no exame do acervo fático-probatório, demostra não estar caracterizado o desequilíbrio na relação locatícia no contrato estabelecido entre o shopping center (recorrido) e o lojista (recorrente), pois não verificada a desproporção (art. 317) ou a excessiva onerosidade (art. 478) na prestação in concreto. Ao contrário, o acórdão estadual afirma que o recorrido concedeu desconto substancial no valor do aluguel em razão do cenário pandêmico de suspensão das atividades econômicas. Ausentes os requisitos legais, não há possibilidade de revisão do contrato. Necessidade de manutenção da decisão.13. Recurso especial conhecido e desprovido.(STJ, REsp: XXXXX GO 2022/XXXXX-3, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 18/04/2023, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 20/04/2023)


AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL ( CPC/73). AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO DE LOCAÇÃO. JULGAMENTO MONOCRÁTICO. POSSIBILIDADE. MANUTENÇÃO DO EQUILÍBRIO ECONÔMICO CONTRATUAL. ONEROSIDADE EXCESSIVA. REVISÃO CONTRATUAL. CABIMENTO. 1. O relator está autorizado a decidir monocraticamente recurso especial, pois eventual nulidade da decisão singular fica superada com a apreciação do tema pelo órgão colegiado em agravo regimental. 2."Os comandos dos arts. 18 e 19 da Lei n.º 8.245/1991 autorizam que tanto o locador quanto o locatário, passados 3 (três) anos da vigência do contrato de locação ou de acordo por eles anteriormente celebrado a respeito do valor do aluguel, promovam ação objetivando a revisão judicial da referida verba, com o propósito de ajustá-la ao preço de mercado, servindo, assim, como instrumento jurídico para a manutenção do equilíbrio contratual e o afastamento de eventual situação de enriquecimento sem causa dos contratantes."( REsp XXXXX/PE, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 01/03/2016, DJe 07/03/2016). 3. O Superior Tribunal de Justiça possui entendimento firme no sentido de que a intervenção do Poder Judiciário nos contratos, à luz da teoria da imprevisão ou da teoria da onerosidade excessiva, exige a demonstração de mudanças supervenientes nas circunstâncias iniciais vigentes à época da realização do negócio, oriundas de evento imprevisível (teoria da imprevisão) ou de evento imprevisível e extraordinário (teoria da onerosidade excessiva). 4. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 5. AGRAVO INTERNO DESPROVIDO.(STJ, AgInt no REsp XXXXX/SC 2015/XXXXX-2, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 27/06/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 03/08/2017).

Em suma, deve ser mantida, no caso, a equação econômico-financeira, assim considerada como a relação entre as obrigações assumidas e a perspectiva de remuneração pretendida voltada à preservação das condições efetivas da proposta, tem fundamento constitucional (CF, art. 37, XXI). A empresa autora, frise-se, aderiu a todas as condições originalmente licitadas e pactuadas, aferindo-se inoportuna, sob a justificativa de recomposição do preço contratado para preservação do equilíbrio econômico-financeiro, subsequente pretensão voltada a alterar as condições antes estabelecidas, com base nas quais sagrou-se vencedora no processo seletivo licitatório ao oferecer a melhor proposta.

Nessa ordem de ideias, o não acolhimento do pleito é medida que se impõe, não obstante todos os seus argumentos.

Sob tais considerações, JULGO IMPROCEDENTE (S) o (s) pedido (s) formulado (s) e, por conseguinte, DECLARO EXTINTO O PROCESSO COM RESOLUÇÃO DE MÉRITO, na forma do art. 487, inc. I do Código de Processo Civil.

Em razão da sucumbência, CONDENO a parte autora em custas processuais, acaso existentes, e em honorários advocatícios, os quais fixo no valor de R$ 5.000,00 (cinco reais), com correção monetária, pelo INPC, a partir desta data, mais juros de mora de 1% (um por cento) ao mês, a partir do trânsito em julgado, na forma do art. 85, § 8º e 16, CPC/2015.

Publique-se. Registre-se. Intime (m)-se.

Transitada em julgado e não havendo pendências, arquivem-se, com as cautelas de estilo.

Sentença não sujeita ao duplo grau de jurisdição obrigatório.

VITÓRIA-ES, 11 de setembro de 2023.


HELOISA CARIELLO

Juiz (a) de Direito

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