Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
26 de Maio de 2024
  • 2º Grau
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Apelação: APL XXXXX-58.2017.8.16.0052 Barracão XXXXX-58.2017.8.16.0052 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
ano passado

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

5ª Câmara Cível

Publicação

Julgamento

Relator

Luiz Mateus de Lima

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_APL_00027985820178160052_a187b.pdf
Entre no Jusbrasil para imprimir o conteúdo do Jusbrasil

Acesse: https://www.jusbrasil.com.br/cadastro

Ementa

APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE RESPONSABILIZAÇÃO POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. PROGRAMA DE BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. “VALE ÓCULOS”. ALEGAÇÃO DE DISPENSA INDEVIDA DE LICITAÇÃO E DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO COM BASE EM CRITÉRIOS SUBJETIVOS. VALOR ATUALIZADO QUE AUTORIZA A DISPENSA DO CERTAME LICITATÓRIO. ARTIGO 10, INCISO VIII, DA LEI Nº 8.429/92, COM REDAÇÃO DA LEI Nº 14.230/21. INOCORRÊNCIA DE PREJUÍZO EFETIVO AO ERÁRIO. ARTIGO 11, CAPUT, DA NOVA LIA. TAXATIVIDADE. ATIPICIDADE DA CONDUTA. SENTENÇA REFORMADA INTEGRALMENTE. DEMANDA JULGADA IMPROCEDENTE. RECURSOS CONHECIDOS E PROVIDOS. (TJPR

- 5ª Câmara Cível - XXXXX-58.2017.8.16.0052 - Barracão - Rel.: DESEMBARGADOR LUIZ MATEUS DE LIMA - J. 06.02.2023)

Acórdão

Vistos, relatados e discutidos estes autos de apelação cível nº XXXXX-58.2017.8.16.0052, da Vara da Fazenda Pública de Barracão, em que são apelantes Iara de Souza Gnoatto e outro e apelado Ministério Público do Estado do Paraná.Ministério Público do Estado do Paraná ajuizou ação civil pública de responsabilização por ato de improbidade administrativa em face de Marco Aurélio Zandoná, Valdinei Batisti, Iara de Souza Gnoatto e Cardoso & Siviero Ltda. ME., sustentando, em síntese, que: (a) foi instaurado inquérito civil para apurar a concessão de benefícios assistenciais (vale óculos) sem previsão legal, destinados a pessoas que não se enquadram em critérios de baixa renda e aquisição de óculos de grau pelo Município de Barracão, sem realização de certame licitatório; (b) “(...) não há nenhum instrumento normativo discriminando no que consiste o ‘programa’, quais os fundamentos, a quem se destina, quais os critérios de seleção e distribuição etc, fato que permitiu aos gestores e responsáveis distribuir benefícios de forma completamente arbitrária, com pessoalidade, desvirtuando o que seria chamado de programa assistencial destinado a pessoas carentes, eis que, inclusive, servidores públicos municipais do mais baixo ao mais alto escalão foram beneficiados, em prejuízo a outras pessoas não integrantes do ‘grupo político’. Não bastasse, parentes dos administradores (a exemplo da filha da então secretária de saúde) e de outros servidores também receberam ajuda assistencial na aquisição de óculos, inclusive o próprio gestor do ‘programa’. (...) quanto à aquisição de óculos, não havia consulta de preços, os beneficiários apenas se dirigiam ao Posto de Saúde de Barracão-PR e eram encaminhados à Ótica, onde eles próprios (beneficiários) escolhiam a lente ou a armação que melhor lhes conviessem. (...)”; (c) nos anos 2015 e 2016 não houve prévia licitação, sendo que as compras eram direcionadas à Relojoaria e Ótica Safira (Cardoso & Siviero Ltda.); (e) Iara de Souza Gnoatto ocupava o cargo de assistente social e Valdinei Batisti era chefe do Departamento de Saúde do Município de Barracão e foram responsáveis pela política de distribuição de óculos juntamente com o então Prefeito Marco Aurélio Zandoná; (f) os gestores praticaram atos arbitrários de seleção e distribuição do benefício; (g) o próprio gestor Valdinei e a filha da assistente social Iara receberam óculos as custas do erário, além de outros servidores municipais e familiares; (h) pessoas verdadeiramente carentes eram beneficiadas com óculos de baixo custo; (i) houve o fracionamento indevido da despesa (artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92); (j) nos anos de 2015/2016 foi ultrapassado o limite de R$ 8.000,00 (oito mil reais); (k) as aquisições de óculos eram direcionadas à Relojoaria e Ótica Safira, em razão de um suposto convênio que nunca existiu; (l) houve violação aos princípios da legalidade e da impessoalidade (artigo 11 da LIA). Assim, requereu a condenação dos requeridos nas sanções do artigo 12, incisos II e III da LIA.Defesa prévia nas seqs. 19.1, 20.1 e 27.7.A inicial foi recebida na seq. 29.1.Contestação nas seqs. 49.1 e 54.1.Feito saneado na seq. 100.1.Sobreveio a r. sentença (seq. 233.1), tendo o Doutor Juiz julgado parcialmente procedente a demanda, no sentido de: Inconformada com a r. decisão, Iara de Souza Gnoatto interpôs recurso de apelação 1 (seq. 251.1), alegando, em síntese, que: (a) o juízo a quo, de forma genérica, afirmou que restou comprovado o dolo; (b) apenas deu continuidade a um programa que já era desenvolvido na municipalidade há mais de duas décadas; (c) desconhecia a inexistência de lei autorizando o programa; (d) “(...) O benefício foi concedido à filha da Apelante pelo gestor da pasta, ou seja, pelo secretário de saúde, à época, Sr. Valdinei Batisti, em um momento em que a Apelante estava passando por diversos problemas pessoais e financeiros (...)”; (e) “(...) a Apelante somente buscou informações junto ao setor Jurídico do Município de Barracão, após ser empossada secretária de saúde (01/04/2016), em substituição ao então secretário, Sr. Valdinei Bastisti, e perguntou se era necessário fazer licitação para a aquisição de lentes e armações, sendo apenas informada que referido programa ‘não tinha legislação nem critério’ (...)”; (f) o aumento na aquisição de óculos no período de 2015 e 2016 decorreu do trabalho realizado de avaliação visual pedagógica em toda a rede municipal de ensino fundamental; (g) não há prova de dolo ou má-fé, nem de lesão ao patrimônio público; (h) não houve desvio de verba pública, mas apenas atendimento às pessoas hipossuficientes; (i) há servidores públicos e/ou parentes hipossuficientes. Assim, requereu a reforma integral da sentença e, subsidiariamente, que seja condenada apenas à restituição do valor do benefício concedido a sua filha.Por sua vez, Valdinei Batisti também recorreu (apelo 2 – seq. 252.1), sustentando que: (a) ocorreu a prescrição intercorrente; (b) ausência de nexo causal entre a conduta do apelante e o suposto dano ao erário, não sendo admissível a responsabilização objetiva (a entrevista/seleção dos beneficiários era feita pela assistente social da época, o apelante apenas assinava a nota de empenho); (c) inocorrência de fracionamento da licitação, pois os produtos eram contratados de acordo com o surgimento da demanda (não tinha como saber qual seria a demanda ao longo do ano); (d) mera ilegalidade não configura ato de improbidade; (e) não houve dolo/má-fé; (f) inocorreu ato ímprobo que implicou em prejuízo ao erário; (g) mesmo que haja eventual ilegalidade, o enquadramento da conduta no artigo 10 da LIA depende da comprovação efetiva do dano, o que não ocorreu no caso em apreço, até mesmo porque os óculos forma efetivamente entregues ao povo; (h) “(...) Do alto de seus 1,9 salários-mínimos mensais, com um filho autista em nível grave para tratar, e com sua esposa recebendo um mísero salário mínimo, o apelante afirma sem qualquer vergonha que recebeu um óculos do município. (...)”; (i) a razoabilidade da concessão ao povo beneficiário; (i) as penalidades devem observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.Contrarrazões na seq. 278.1.A Douta Procuradoria-Geral de Justiça emitiu parecer (seq. 26.1 – AP), subscrito pela Procuradora de Justiça Maria Lúcia Figueiredo Moreira, manifestando-se pela decretação de nulidade, de ofício, da sentença, com a determinação de retorno dos autos ao juízo de origem, para que seja sanado vício de contradição.É o relatório. II - VOTO E SUA FUNDAMENTAÇÃO. Presentes os pressupostos recursais de admissibilidade, conheço dados recursos de apelação cível e lhes dou provimento.Preliminarmente, afasto o pedido da Douta Procuradoria-Geral de Justiça de reconhecimento de nulidade da sentença, com remessa do feito ao juízo de origem para sanar contradição, haja vista que é perfeitamente possível a apreciação do mérito por este Colegiado, nos termos do artigo 1013, § 3º, CPC/2015 (Teoria da Causa Madura).Por sua vez, rejeita-se a tese de ocorrência de prescrição sustentada no apelo 2, haja vista o julgamento pelo Supremo Tribunal Federal do ARE nº 843.989/PR (18/08/2022), submetido ao rito da repercussão geral (Tema nº 1199), no qual foram fixadas as seguintes teses: “1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se nos artigos , 10 e 11 da LIA a presença do elemento subjetivo dolo;2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa, é irretroativa, em virtude do artigo , inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do tipo culposo, devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente.4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei.” Logo, na hipótese em testilha não há falar em prescrição intercorrente.Superada essas questões, passa-se a apreciação conjunta dos apelos.Infere-se do caderno processual que o Parquet ajuizou a presente ação civil pública por ato de improbidade administrativa em face dos ora apelantes, vez que no exercício dos cargos de assistente social e secretário de saúde concederam benefício assistencial denominado vale-óculos, nos anos de 2013 a 2016, de forma ilegal, o que configuraria ato ímprobo previsto nos artigos 10, inciso VIII e 11 da Lei nº 8.429/92.Por sua vez, o juízo a quo julgou parcialmente procedente a demanda, por entender que restou comprovada a prática de ato ímprobo do artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92, com redação dada pela Lei nº 14.230/21.Foi consignado na sentença (seq. 233.1): “(...) não havia critérios objetivos para a concessão do benefício, não havia parâmetros para fixação do que seria hipossuficiência econômica para fins de fixação dos beneficiários, não havia uniformidade de procedimentos e não havia limite para concessão do benefício. Ambos os requeridos, a todo tempo, justificam a análise da atuação com base na ‘boa-fé do declarante’ e no ‘bom senso’.(...) A ausência de lei regulamentando o benefício, associada aos conceitos extremamente vagos e subjetivos adotados unilateralmente pelos executores, culminaram por permitir a eles um agir de acordo com a própria consciência, em evidente violação ao princípio da legalidade, outorgando-lhes um poder despropositado e injustificável.(...) Portanto, as provas produzidas nos autos demonstram que nos anos de 2015 e 2016 houve o indevido fracionamento das compras de lentes e armações de óculos para o programa ‘vale-óculos’, havendo compras parciais desses materiais em valores muito inferiores aos oito mil reais, todavia, que, em seu conjunto ultrapassavam em muito esse limite legal no decorrer do ano e da execução do orçamento municipal anual. O fracionamento indevido das compras implicou na indevida dispensa da licitação, em manifesto prejuízo ao erário municipal, que, nesse caso, é presumido.(...) Todavia, o Ministério Público não chegou a quantificar o prejuízo efetivamente sofrido pelo Município de Barracão com a dispensa indevida de licitação. Calha registrar que, nesse caso, o dano resume-se o valor que o ente público deixou de economizar com a ausência do procedimento licitatório. (...)”. Registre-se que de referida decisão, o Ministério Público do Estado do Paraná não interpôs recurso de apelação, ou seja, conformou-se com a condenação dos apelantes pela prática de ato ímprobo previsto no artigo 10, inciso VIII, da LIA, sem recorrer visando eventual a aplicação do artigo 11 da LIA.Nesse contexto, a meu ver, não restou configurada a prática de ato ímprobo previsto no artigo 10, inciso VIII, da LIA (com redação da Lei nº 14.230/21), haja vista a inexistência de comprovação do efetivo prejuízo ao erário.Registre-se que o artigo 10, inciso VIII, da Lei nº 8.429/92, com a redação dada pela Lei nº 14.230/2021, exige o prejuízo efetivo, senão vejamos: Artigo 10 – “(...) VIII – frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando a perda patrimonial efetiva; (...)” No mesmo sentido, a atual redação do artigo 21, inciso I:Artigo 21 – “A aplicação das sanções previstas neste lei independe:I – da efetiva ocorrência de dano ao patrimônio público, salvo quanto à pena de ressarcimento e às condutas previstas no art. 10 desta Lei; (...)” Na hipótese em testilha, na própria exordial, o Parquet nem sequer apontou qual o valor do prejuízo sofrido pelos cofres municipais com a concessão do benefício assistencial. Além disso, não se pode admitir a adoção do prejuízo presumido, considerado pelo douto magistrado, haja vista o teor da nova redação legal.Ademais, embora o benefício tenha sido concedido de forma irregular, ante a inexistência de critérios objetivos para sua concessão, não se vislumbra que houve a dispensa indevida da licitação.Conforme apontado na inicial, o ente municipal gastou os seguintes valores com o programa assistencial:Portanto, em quatro anos foi gasto o montante total de R$ 36.483,50 (trinta e seis mil, quatrocentos e oitenta e três reais e cinquenta centavos).Enfatiza-se que nos anos de 2013 e 2014, o valor nem sequer extrapolou os R$ 8.000,00 (oito mil reais), o qual autorizaria eventual dispensa do certame licitatório, conforme artigos 23, inciso II, alínea a cumulado com o artigo 24, inciso II, da Lei nº 8.666/93.Ademais, deve ser considerada a atualização de referido valor.Nesse aspecto, bem ponderou o Desembargador Carlos Mansur Arida, quando do julgamento dos autos de Apelação Cível nº 1456764-7 (DJ nº 1844, publicado em 19/07/2016, Quinta Câmara Cível): “APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA.IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA. REMESSA OFICIAL. AUSÊNCIA CABIMENTO. PREVISÃO NO ART. 19 DA LEI Nº 4.717/65 NÃO SUFICIENTE. SENTENÇA NÃO SUJEITA AO REEXAME NECESSÁRIO. AUSÊNCIA DE LICITAÇÃO OU PRÉVIA DISPENSA PARA COMPRA DE PRODUTO DE GÊNERO ALIMENTÍCIO NOS ANOS DE 2005 A 2007. MUNICÍPIO DE TAMBOARA/PR. FRACIONAMENTO DE LICITAÇÃO.NÃO CARACTERIZADO. VIOLAÇÃO AO ART. 10, VIII, DA LIA. AUSÊNCIA. INEXISTÊNCIA DANO AO ERÁRIO. VIOLAÇÃO AOS PRINCÍPIOS DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA (ART. 11, DA LIA). AUSÊNCIA. NECESSIDADE DE VERIFICAÇÃO DE DOLO OU MÁ-FÉ. ATO NÃO QUALIFICADO. SENTENÇA DE IMPROCEDÊNCIA MANTIDA. CONDENAÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO EM HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. INCABÍVEL. AUSÊNCIA DE MÁ-FÉ. REEXAME NECESSÁRIO NÃO CONHECIDO. RECURSOS DE AMBAS AS PARTES CONHECIDOS E DESPROVIDOS.(...) Ademais, importante destacar que o valor limite para fins de dispensa de licitação, estabelecido no art. 23, inciso II, a, da Lei de Licitações, cuja redação atual se deu através da Lei Federal nº 9.648/98. Ou seja, o montante limite à dispensa do processo licitatório foi definido, pela última vez, por lei editada há mais de 15 (quinze) anos e permanece sendo aplicado sem que seus valores sejam devidamente atualizados. Desse modo, numa análise formal, evidencia-se que o valor máximo para efeitos de dispensa de licitação é de R$ 8.000,00 (oito mil reais), desde o ano de 1998, quando da vigência da Lei Federal nº 9.648/98. Todavia, do ponto de vista material, o valor de R$ 8.000,00 (oito mil reais) não se coaduna com a realidade atual, uma vez que, considerando o processo econômico inflacionário, tal montante encontra-se desatualizado. A título exemplificativo, para elucidar a questão, importante demonstrar a inflação nos exercícios financeiros em questão, considerando o limite de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para a dispensa de licitação previsto na Lei Federal nº 9.648/98:Maio/1998 R$ 8.000,00 Data Valor Correção / IPCA 01/2005 R$ 13.147,43 1,643428 01/2006 R$ 13.895,48 1,736935 01/2007 R$ 14.332,04 1,791505. Muito embora na lei, repise-se, editada há mais de 15 (quinze) anos, continue constando o valor-teto de R$ 8.000,00 (oito mil reais) para dispensa de licitação, importante notar que tal parâmetro desconsidera a inflação havida desde 1998, o que, se observado, acarretaria numa majoração do valor limite. Isso porque, a legislação considerou como limite à dispensa de licitação um valor fixo, porém, para a data de 27/05/1998, quando da sua entrada em vigor no ordenamento jurídico pátrio. Ora, ainda que se possa decidir por não realizar a atualização anual, conforme faculta o art. 120 da Lei nº 8.666/93, é preciso reconhecer que uma década e meia sem nenhuma atualização é tempo demais. Disso tudo é possível concluir que a não observância ao limite legal configura apenas atipicidade formal, uma vez que a norma só pode ser considerada como violada se houver a aquisição de despesas sem licitação, em quantia superior a R$ 8.000,00 (oito mil reais), devidamente atualizada, de maio de 1998 até a data da realização da despesa. (...)”. O descumprimento dos limites de dispensa de licitação em razão do valor deve ser apreciado com cautela, porque os agentes públicos são severamente punidos por limite fixado em 1998, sendo que o art. 120 da Lei 8.666/93 incentivava a revisão anual dos valores.Registre-se que a temática ganhou nova feição com a edição do Decreto nº 9.412/2019, que elevou os valores das modalidades de licitação, ao ampliar os limites para dispensa (R$ 17.600,00 para serviços e compras e R$ 33.000,00 para obras e serviços de engenharia). De igual forma, o art. 75 da Lei 14.133/2021 promoveu alteração mais expressiva, ampliando significativamente os limites de dispensa (R$ 100.000,00 para obras e serviços de engenharia e R$ 50.000,00 para serviços e compras).Desse modo, não é possível auferir a lesão sofrida pelo erário municipal pela dispensa do certame licitatório, não se subsumindo os fatos ao ato ímprobo disposto no art. 10, inciso VIII, da LIA.Logo, é ister reconhecer que não há subsunção dos fatos à norma, ante a ausência de prova do efetivo dano suportado pela municipalidade, não se admitindo mais a figura do dano in re ipsa, sobretudo na hipótese de pleito de ressarcimento ao erário.Por derradeiro, apenas a título de argumentação, verifica-se que o Parquet enquadrou a conduta dos apelantes também no artigo 11, caput, da Lei nº 8.429/92, cuja redação anterior dispunha: Artigo 11 – “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente: (...)” Com a edição da Lei nº 14.230/2021, houve a revogação de vários incisos do artigo 11, bem como seu rol passou a ser taxativo, conforme se observa da atual redação do caput, verbis: Artigo 11 – “Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, imparcialidade e legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas: I - Revogado. (...)” A respeito da taxatividade do artigo 11 com a nova redação dada pela Lei nº 14.230/21, cita-se os seguintes precedentes:“APELAÇÃO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. CARGO EM COMISSÃO. NOMEAÇÃO IRREGULAR. (...) 2. Improbidade. Condenação por ofensa a princípios da Administração. Hipótese em que o rol de casos previstos na Lei nº 8.429/92 para a configuração de ato de improbidade passou a ser taxativa. Ausência de correspondência entre os fatos tratados nos autos e qualquer das modalidades de conduta previstas no art. 11 da Lei de Improbidade. Ausência superveniente de interesse de agir 3. Recurso de José Sebastião dos Reis não conhecido; Apelo dos demais réus provido, para julgar a ação extinta, sem julgamento de mérito, com atribuição de efeito expansivo (art. 1005, caput, do CPC). Recurso do Ministério Público prejudicado.” (TJSP; Apelação/Remessa Necessária XXXXX-52.2017.8.26.0655; Relator (a): Bandeira Lins; Órgão Julgador: 8ª Câmara de Direito Público; Foro de Várzea Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 18/02/2022; Data de Registro: 18/02/2022) “APELAÇÕES E REMESSA NECESSÁRIA – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA (...) VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS – Apelado que imputou ao 1º apelante a prática de atos de improbidade administrativa consistente na violação dos princípios do direito administrativo, tipificado pelo art. 11, "caput", da Lei Fed. nº 8.429, de 02/06/1.992, anterior às alterações promovidas pela Lei Fed. nº 14.230, de 25/10/2.021 – Lei Fed. nº 14.230, de 25/10/2.021 entrou em vigor dia 22/10/2.021, promovendo nova redação ao "caput" do art. 11, que agora exige a prática de uma das condutas tipificadas pelos seus incisos, de forma taxativa, para configuração de ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública – Princípio da retroatividade da lei sancionadora mais benéfica é aplicado para todo o direito sancionador, seja ele administrativo ou penal – Ausência de tipicidade legal entre a conduta praticada pelo 1º apelante e a nova redação da Lei de Improbidade Administrativa (Lei Fed. nº 8.429, de 02/06/1.992), com as alterações promovidas pela Lei Fed. nº 14.230, de 25/10/2.021, diante da perda do caráter exemplificativo do "caput" – Penalidades restritas ao ato ímprobo que causou dano ao erário – (...).” (TJSP; Apelação / Remessa Necessária XXXXX-82.2015.8.26.0417; Relator (a): Kleber Leyser de Aquino; Órgão Julgador: 3ª Câmara de Direito Público; Foro de Paraguaçu Paulista - 1ª Vara; Data do Julgamento: 15/02/2022; Data de Registro: 15/02/2022) Assim, com o advento da Lei nº 14.230/2021, a conduta apontada na exordial no tocante ao artigo 11, caput, passou a ser atípica, não havendo correspondência entre os fatos tratados nos autos (ausência de critérios objetivos para concessão do benefício assistencial) e qualquer das modalidades de conduta previstas no art. 11 da LIA, o que deve ser observado.A propósito, já decidiu o TJSP: “APELAÇÃO – IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA – Pretensão do Autor Ministério Público do Estado de São Paulo à condenação do requerido por atos de improbidade administrativa por lesão ao Erário e por ofensa aos princípios da Administração Pública – Alegação de que o Requerido teria realizado indevido programa social de distribuição gratuita de produtos de café da manhã para trabalhadores rurais em ano eleitoral, com a aquisição de bens sem licitação – Alterações legislativas realizadas pela Lei nº 14.230/2021 – Aplicação retroativa das normas mais benéficas ao Requerido – Art. , § 4º, da Lei de Improbidade Administrativa – Art. , XL, da CF – Revogação do art. 11, inciso I, da Lei de Improbidade Administrativa, aplicada retroativamente ao Requerido – Necessidade de dolo para configuração de ato de improbidade por lesão ao Erário – Nova redação do artigo 10, caput, da Lei de Improbidade Administrativa – Ausência de demonstração concreta do dolo – Sentença de procedência reformada para julgar improcedente a ação – Apelação provida.” (TJSP; Apelação Cível XXXXX-26.2018.8.26.0204; Relator (a): Ana Liarte; Órgão Julgador: 4ª Câmara de Direito Público; Foro de General Salgado - Vara Única; Data do Julgamento: 21/02/2022; Data de Registro: 21/02/2022) Desse modo, também se deve considerar a atipicidade da conduta à luz do artigo 11, da LIA, considerada a nova redação dada pela Lei nº 14.230/21.Embora reprovável a concessão dos benefícios sem critérios objetivos, inclusive sem parâmetros relativos ao que seria hipossuficiência econômica para fins de definição dos beneficiários, a própria falta de uniformidade do procedimento, até mesmo pela ausência de normativa regulamentado o programa, levando em consideração a nova redação atribuída pela Lei nº 14.230/21, entendo que não restou configurada a prática de ato ímprobo, como explicitado na fundamentação. Portanto, pelos motivos expostos, conheço dos recursos de apelação e lhes dou provimento, no sentido de reformar integralmente a sentença, a fim de julgar improcedente a demanda, pelos motivos acima expostos.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/tj-pr/1755693294

Informações relacionadas

Tribunal Regional Federal da 5ª Região
Jurisprudênciahá 8 meses

Tribunal Regional Federal da 5ª Região TRF-5 - APELAÇÃO CÍVEL: XXXXX-08.2018.4.05.8203

Tribunal de Justiça de Minas Gerais
Jurisprudênciahá 6 meses

Tribunal de Justiça de Minas Gerais TJ-MG - Apelação Cível: XXXXX-63.2013.8.13.0708

Tribunal Regional Federal da 1ª Região
Jurisprudênciaano passado

Tribunal Regional Federal da 1ª Região TRF-1 - APELAÇÃO CIVEL: AC XXXXX-18.2017.4.01.4003

Tribunal de Justiça de São Paulo
Jurisprudênciahá 2 anos

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP - Apelação/Remessa Necessária: APL XXXXX-52.2017.8.26.0655 SP XXXXX-52.2017.8.26.0655

Supremo Tribunal Federal
Jurisprudênciahá 2 anos

Supremo Tribunal Federal STF - REPERCUSSÃO GERAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO: ARE XXXXX PR XXXXX-20.2006.4.04.7006