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3 de Maio de 2024
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    A afirmação apresentada pelo autor, ao contrário, apresenta uma dose de verossimilhança significativamente maior

    Publicado por Espaço Vital
    há 16 anos

    Autos nº 037.07.004641 -3

    Ação: Ação Ordinária / Ordinário

    Autor: Flávio Junior Biassi

    Réu: Altamir José da Igreja e outros

    Autos nº 037.07.004221 -3

    Ação: Ação Cautelar Inominada / Cautelar

    Autor: Flávio Junior Biassi

    Réu: Altamir José da Igreja

    SENTENÇA

    Vistos, etc. I – RELATÓRIO (art. 458 , I , do CPC)

    FLÁVIO JUNIOR BIASSI interpôs a presente Ação pelo rito Ordinário, com pedido de Perdas e Danos, fundamentada nos artigos 186 , 927 e 884 do Código Civil , em desfavor de ALTAMIR JOSÉ DA IGREJA, SOLANGE MARTINI, HELIO DA IGREJA, REGINA APARECIDA DA IGREJA BRUGNAGO, GENTILA WOLF PADILHA DA IGREJA e ARTHUR SCHULER DA IGREJA, aduzindo, em larga sustentação, que o autor, acompanhado do primeiro requerido, bem como de Celso Colasso, dirigiu-se à casa lotérica do município de Herval d´Oeste, localizada à Rua Santos Dumont, a fim de realizar aposta no concurso nº 898 da Mega Sena, tendo, para tanto, escolhido os números através dos dígitos do celular que usava, qual seja, 8403-0454, todavia, restou inviabilizado, por ausência de estacionamento no local para o veículo que usavam.

    Refere que em vista da inviabilidade do estacionamento do automóvel, entregou ao primeiro demandado, Altamir da Igreja, em um pedaço de papel, os números a serem apostados, quais seja, 03, 04, 08, 30, 45 e 54, combinação esta extraída do número do telefone móvel que utilizava, bem como o valor da aposta. Afirma que após realizar o procedimento da aposta, Altamir não lhe devolveu o cartão, tendo em vista já encontrar-se encerrada a jornada de trabalho daquele dia.

    Informa que no dia seguinte à aposta (02.09.2007), Altamir ligou para seu genitor, Sr. Artêmio, no telefone (49) 8401-6626, informando que o cartão do autor havia sido premiado, dirigindo-se até a residência deste e confirmando o ocorrido. Todavia, não entregou o bilhete premiado ao seu pai, tampouco para si.

    Relata que Altamir deixou a residência de seu genitor e dirigiu-se até a casa de seu sogro, retornando a ligar para seu pai, informando que não entregaria o bilhete premiado.

    Fundamentou o feito no Código Civil e em entendimentos proferidos por outros órgãos judicantes.

    Ainda, requereu indenização por danos morais frente a conduta de Altamir, a qual, alega, causou-lhe ofensa à reputação. Discorreu acerca do quantum indenizatório.

    Concluiu o ensejo, requerendo: a) a citação dos requeridos; b) a procedência da demanda, para, em conseqüência: b.1) reconhecer o autor como proprietário do bilhete premiado e, conseqüentemente, determinar que os valores bloqueados na cautelar em apenso sejam transferidos para conta corrente do mesmo; b.2) condenar os requeridos a efetuarem a devolução do valor total do prêmio, não bloqueado na cautelar em apenso, no importe de R$ 2.285.000,00 (dois milhões, duzentos e oitenta e cinco mil reais), devidamente corrigido e atualizado de acordo com a legislação; b.3) condenar os requeridos ao pagamento de indenização por danos morais; c) a produção de provas; d) as benesses da gratuidade judiciária.

    Valorou a causa, acostou documentos e arrolou testemunhas.

    Às fls. 224, determinou-se o apensamento do presente feito aos autos cautelares nº 037.07.004221-3, bem como a citação dos requeridos.

    Devidamente citados, os requeridos Altamir José da Igreja, Solange Martini, Hélio da Igreja, Gentila Wolff Padilha da Igreja e Arthur Schuler da Igreja ofertaram contestação às fls. 238/258, afirmando, inicialmente, que os fatos alegados na exordial são diversos dos expostos na cautelar em apenso, uma vez que, naquele feito, o autor afirma que a testemunha Nelci Alves da Silva estava presente na ocorrência do fato, objeto do litígio, bem como do primeiro requerido, Altamir, e de Celso Colasso, todavia, na presente demanda, relata que Nelci Alves da Silva não se encontrava presente no momento dos fatos, mas apenas Celso Colasso. Ademais, que nos autos cautelares o demandante afirma que todos os atos descritos foram presenciados por testemunhas, o que não ocorre na presente lide, uma vez que, o primeiro requerido, Altamir da Igreja, realizou a aposta sozinho.

    Referem que o demandante inventou os fatos e testemunhas a fim de induzir o juízo em erro para que restasse bloqueado o prêmio ora debatido, litigando em plena má-fé.

    Aduzem que o primeiro requerido, Altamir da Igreja, foi quem efetuou o jogo, tendo escolhido os números das três apostas constantes do bilhete vencedor, na seguinte ordem: 02-06-18-21-24-43; 03-04-08-30-45-54 e 13-15-17-39-48-55, restando premiado pela segunda aposta, sendo que, os números sorteados não tem qualquer relação com o palpite do autor, mas sim resultam da combinação da data de nascimento de Altamir e de seu filho (Gillie Pivetta da Igreja).

    Esclarece que Gillie nasceu em 03.04.88, de onde escolheu os três primeiros números, quais sejam, 03-04-08, enquanto que os demais foram retirados da data de nascimento de Altamir, ou seja, 30-54-45, uma vez que este nasceu em 30.09.54.

    Informam que as outras apostas existentes no cartão igualmente possuem relação com datas comemorativas da família de Altamir, como da data de nascimento da outra filha deste, Fabiana, de sua esposa, mãe e pai.

    Argumentam, para tanto, que as afirmações do demandante são inverídicas, não tendo o mesmo entregue qualquer valor ou número de aposta ao primeiro requerido, Altamir, sendo este, até mesmo credor de Altamir referente a dias trabalhados em sua empresa, os quais restaram pagos na segunda-feira seguinte à aposta.

    Relatam que o fato do autor ter sido transportado pelo primeiro requerido no dia da aposta, ocorreu por não haver transporte público até a serraria de Altamir, local de trabalho do demandante, bem como por ter que apanhar o primo deste, Celso, na casa do pai do autor, perfazendo o mesmo trajeto de volta.

    Ainda, que no caminho de volta, por volta de 12h00/12h30m, em direção à residência do autor, comentou ao demandante e seu primo que precisava realizar uma aposta em virtude do acúmulo do prêmio, momento em que o autor comentou que preferia gastar o dinheiro em cerveja, fato este replicado por Altamir, o qual complementou dizendo que se ganhasse a aposta compraria uma moto para o demandante, a fim de não precisar mais transportá-lo para o trabalho.

    Referem que o primeiro requerido, Altamir, em momento algum pretendeu parar na casa lotérica do município de Herval d´Oeste para fazer a aposta, uma vez que, costumeiramente, realizava seus jogos na lotérica do Xico, onde pretendia fazer a aposta, tendo deixado o autor e seu primo no mesmo local onde apanhara-os pela manhã, dando uma carona a Wilson até o centro da cidade, dirigindo-se posteriormente a uma farmácia e a casa lotérica onde fez seus jogos, sozinho.

    Afirmam que na casa lotérica, o primeiro demandado, Altamir, efetuou várias apostas, bem com o pagamento de uma conta de água, não fazendo qualquer aposta para o autor. Sustentam, ao contrário do afirmado na exordial, de que Altamir não teria dado o cartão para o autor eis que encerrada a jornada de trabalho não procede, uma vez que, após ter efetuado o jogo, retornou à casa do demandante a fim de cumprir o combinado com o pai deste, Sr. Artêmio, ou

    seja, transportar algumas peças de metal para um ferro velho da cidade, estando o

    autor em casa, inclusive ajudando este a colocar uma peça mais pesada em sua camionete.

    Asseveram que Altamir realmente ligou para o pai do autor no dia seguinte ao sorteio do prêmio, todavia, ao contrário do alegado à exordial, tal fato se deu apenas para se ter conhecimento do paradeiro de um peão que havia trabalhado na serraria do primeiro requerido e que havia lhe procurado para receber o pagamento dos serviços. Ainda, que não pairam dúvidas sobre tal fato, uma vez que, em declaração acostada à exordial, o pai do autor reconhece que após a ligação, o primeiro requerido, Altamir, esteve em sua casa abriu a carteira, tirou R$ 25,00 que devia para um peão e deu, ou seja, deu o dinheiro para que o pai do demandante entregasse ao peão.

    Aduzem que no mesmo telefonema acima referido, Altamir disse ao pai do autor que talvez tivesse que dar uma moto para seu filho, tendo em vista o comentário realizado no dia da aposta. Ademais, afirmam que Altamir ligava para o pai do demandante quase todos os dias, uma vez que este arrumava trabalhadores para sua serraria, bem como para saber se o filho deste iria ou não trabalhar.

    Argumentam que o primeiro requerido nunca efetuou qualquer ligação para o celular que o autor afirma ter extraído os números da aposta, sendo que sequer sabia que o mesmo possuía telefone. Impugnam os fatos descritos a inicial, bem como os documentos acostados.

    Afirmam que o primeiro requerido, Altamir, não fugiu da cidade de Joaçaba como comentado pela mídia e pelo autor, apenas o tendo feito a pedido de sua mãe e familiares, por questão de segurança e a fim de evitar o assédio da imprensa, tendo se hospedado na casa de seu irmão Hélio, no município de Toledo, Estado do Paraná.

    Discorrem que a família Igreja tem o hábito de realizar apostas há longo tempo, o que se perpetua mesmo após o sorteio do concurso do prêmio, ora discutido, sendo que, o endosso de todos os réus no verso do bilhete sorteado é fruto de um compromisso de co-participação moral e sentimental de auxílio mútuo e de concessões recíprocas entre os familiares. Que a distribuição do prêmio se deu por necessidades pessoais de Altamir e doença familiar do mesmo.

    Asseveram que o autor se apropriou indevidamente do fato para apresentar-se como vítima perante a sociedade, sendo que, nada restou comentado acerca deste, o qual responde por crime hediondo, falsificação de dinheiro, apreensão de veículo por dirigir embriagado e inquérito policial. Discorreram amplamente acerca das características do jogo de loteria, do Decreto-Lei nº 204 /1967 e nº 6.259 /44, do Código Civil , do Código de Processo Civil , da Lei nº 6.717 /79 e ensinamentos doutrinários. Debateram acerca da inadmissibilidade da prova testemunhal e da inexistência de ato ilícito, nos termos do Código Civil . Por fim, rebateram o pedido de danos morais.

    Concluíram a defesa, pugnando: a) pela reconsideração da liminar concedida nos autos cautelares em apenso; b) pelo julgamento antecipado da lide em conseqüência da inadmissibilidade da prova testemunhal, culminando pela improcedência da demanda e condenação do autor nas verbas de sucumbência; c) na hipótese de não ser reconhecida a inadmissibilidade da prova testemunhal, requerem, então, a produção de prova oral, mediante depoimento pessoal do autor, sob pena de confissão e oitiva das testemunhas a serem arroladas oportunamente.

    Acostaram documentos.

    Às fls. 448/4547, ofertou contestação a requerida Regina Aparecida Brugnago, aduzindo, inicialmente, que igualmente aos demais requeridos, membros da família Igreja, sempre foram assíduos apostadores de concursos, havendo entre si um pacto verbal e moral no sentido de que, em eventual premiação, a importância seria dividida entre estes, o que ocorreu com o concurso nº 898, apostado pelo primeiro requerido, Altamir. Que o endosso existente no verso do bilhete é fruto do acordado entre os requeridos, ou seja, a divisão do prêmio.

    Afirma ser inverídica a versão do autor, comentando as dissonâncias apresentadas à cautelar e a presente demanda já expostas em peça contestatória apresentada pelos demais requeridos, acrescentando, ademais, que ora afirma o autor ser devido para si a totalidade do prêmio, ora que lhe cabe 50% (cinqüenta por cento) do resultado. Se acaso aceita a exposição do autor, a aposta figuraria entre a primeira ou terceira do bilhete premiado e não entre as apostas do primeiro requerido, Altamir.

    Alega, preliminarmente, a impossibilidade jurídica do pedido, tendo em vista a imprestabilidade da prova testemunhal.

    No mérito, aduz que a pretensão do autor não tem sustentação fática, bem como contradiz a lógica e a sistemática de concursos de prognósticos do Brasil. Discorre acerca do Decreto nº 204 /67 e nº 6.259 /44, bem como do Código Civil , entendimentos doutrinários e decisões proferidas por outros órgãos judicantes.

    Assevera que em vista do princípio da eventualidade, caso não declarada improcedente a demanda, o autor deverá ser beneficiado em 50% (cinqüenta por cento) do valor do prêmio, haja vista que afirmou repetidas vezes que o acordo verbal realizado com o primeiro requerido, Altamir, fazia referência a divisão do prêmio. Por fim, rebateu o dano moral pleiteado, levantando, ademais, a litigância de má-fé do demandante.

    Ao final, requereu a reconsideração da liminar concedida nos autos cautelares em apenso, o acolhimento da preliminar e, em caso de transposição desta, o julgamento antecipado da lide, a produção de provas, a improcedência da ação e conseqüente condenação do autor às verbas sucumbenciais. Em caso de procedência do pleito, requer que a pretensão do autor seja parcialmente acolhida, sendo-lhe deferido 50% (cinqüenta por cento) da premiação, a condenação do demandante em litigância de má-fé e a oficiação da Caixa Econômica Federal para que forneça cópia do bilhete premiado. Requereu o autor a juntada de documentos (fls. 463).

    Réplica vazada às fls. 471/497.

    Oficiada a Caixa Econômica Federal para que fornecesse aos autos cópia do bilhete premiado no concurso da mega sena nº 898 , restou a determinação (fls. 533) atendida às fls. 538.

    Determinou este juízo a liberação parcial de valores (fls. 535), frente a decisão proferida em segunda instância, o que não restou cumprido, frente a revogação posterior da concessão pelo mesmo órgão judicante. Às fls. 541/542, informou o demandante a ocorrência de perseguição e ameaça ao seu genitor pelo Sr. Marcos Rosalem, testemunha dos requeridos, acostando Boletim de Ocorrência. Ainda, às fls. 549/550, manifestou-se acerca do bilhete acostado ao feito pela Caixa Econômica Federal.

    Nos termos do artigo 331 do C.P.C. , designou este juízo audiência preliminar por versar a causa sobre direitos que admitem transação.

    Após manifestação dos requeridos reiterando o julgamento antecipado da lide (fls.555), nos termos do artigo 330, inciso I do C.P.C. , vieram-me os autos conclusos.

    É o escorço necessário.

    DECIDO.

    2 – FUNDAMENTAÇÃO (art. 458 , II , do CPC)

    Cuida-se de Ação Ordinária onde as partes disputam o premio de R$ 27.782.053,83 (vinte e sete milhões, setecentos e oitenta e dois mil, cinqüenta e três reais e oitenta e três centavos) da mega sena referente ao concurso nº 898.

    Esclareço inicialmente que, em apenso, tramitou medida Cautelar Inominada (autos nº 037.07.004221 -3), onde restou determinado “o bloqueio do valor de R$ 27.782.053,83 (vinte e sete milhões, setecentos e oitenta e dois mil, cinqüenta e três reais e oitenta e três centavos) referente ao prêmio da Mega Sena, concurso nº 898, de 1º de setembro do corrente ano, junto à Caixa Econômica Federal ou instituições diversas em que esteja disponibilizado o valor em nome do requerido Altamir José da Igreja, cadastrado sob CPF nº 163.650.709-34 e RG nº 293.307.Caso o valor, ou parte dele, tenha sido depositado em favor de terceiros, deve a Caixa Econômica Federal informar à este juízo, o nome dos favorecidos."

    A liminar restou parcialmente cumprida, com o bloqueio da importância de R$ 25.496.219,88 (vinte e cinco milhões, quatrocentos e noventa e seis mil, duzentos e dezenove reais e oitenta e oito centavos), sendo que R$ 285.833,95 (duzentos e oitenta e cinco mil, oitocentos e trinta e três reais e noventa e cinco centavos), foi sacado em espécie no dia 03/09/208, e, R$ 2.000.000,00 (dois milhões de reais), transferida, em 05/09/2008, da agência Toledo da Caixa Econômica Federal para o BRADESCO S/A, através de TED.

    Necessário deixar assentado que os números das contas bancárias serão omitidas neste decisório frente ao sigilo bancário.

    Inicialmente cumpre registrar que o processo de conhecimento possui o escopo precípuo de convencer o magistrado acerca dos fatos alegados e dos fundamentos jurídicos aplicáveis à situação em exame.

    Neste norte, dispõe o art. 330 , I , do Código de Processo Civil que o juiz conhecerá diretamente do pedido, proferindo sentença, quando a questão de mérito for unicamente de direito ou, sendo de direito e de fato, não houver necessidade de se produzir prova.

    É entendimento do Superior Tribunal de Justiça que"o julgamento antecipado da lide (art. 330 , I , do CPC) não implica cerceamento de defesa, se desnecessária a instrução probatória, porquanto o instituto conspira a favor do princípio da celeridade."(REsp n. 436232/ES , rel. Min. Luiz Fux, DJU de 10-3-03, p. 103).

    Ademais, mesmo cabendo às partes o ônus da prova (art. 333 do CPC), é o juiz quem verifica a conveniência de sua produção, selecionando quais as indispensáveis para a instrução e julgamento da lide.

    A respeito, colhe-se da doutrina de Humberto Theodoro Júnior:

    “A liberdade da parte situa-se no campo da propositura da demanda e na fixação do thema decidendum. No que diz respeito, porém, ao andamento do processo e à sua disciplina, amplos devem ser os poderes do juiz, para que se tornem efetivos os benefícios da brevidade processual, da igualdade das partes na demanda e da observância da regra de lealdade processual. O mesmo se passa com a instrução probatória. No que toca à determinação e produção das provas, toda liberdade deve ser outorgada ao juiz, a fim de que possa ele excluir o que se mostrar impertinente ou ocioso, e de seu ofício determinar que se recolham provas pelas partes não provocadas de qualquer natureza” (Curso de Direito Processual Civil, vol. I, Editora Forense, 1998, p. 44).

    A Corte de Justiça Catarinense tece entendimento uníssono nesse sentido:

    “Inexiste cerceamento de defesa quando o juiz, considerando desnecessária a dilação probatória, julga antecipadamente a lide com base nos elementos até então coligidos e as provas requeridas evidentemente não alterariam a solução adotada.” (AC n.º , relator Des. Marcus Tulio Sartorato).

    “Desnecessária a produção de outras provas se as existentes nos autos são suficientes ao convencimento do julgador, não caracterizando cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, quando a questão de mérito for unicamente de direito.” (AC n.º , Des. Wilson Augusto do Nascimento).

    “Não configura cerceamento de defesa o julgamento antecipado da lide, se a prova postulada não influenciaria no desfecho”. (AC n.º 36.749 , Des. Xavier Vieira).

    “Não se caracteriza o cerceamento de defesa quando há nos autos elementos bastantes a formar o convencimento do juiz, permitindo-lhe o julgamento antecipado da lide”. (AC n.º , Des. Sérgio Paladino).

    A propósito, pelo princípio do livre convencimento motivado e pelas provas até então coligidas, não se pode reprimir o entendimento do sentenciante de considerar que a dilação do procedimento não alteraria seu juízo acerca da quaestio.

    Ademais, a audiência conciliatória designada mostra-se agora totalmente despicienda, frente à manifestação dos requeridos (fls.555), informando peremptória e formalmente que não pretendem formular qualquer proposta conciliatória, insistindo, ratificando e reiterando o pedido de julgamento antecipado do feito, valendo transcrever o excerto seguinte daquele petitório:

    “Considerando que os Réus não têm qualquer intenção de formular proposta de acordo e considerando que há vedação expressa da lei para a realização de audiência de instrução para produção de prova exclusivamente testemunhal visando a declaração de relação jurídica de mandato verbal, o que implica na total dispensa da audiência preliminar (artigo 331), consoante foi longamento demonstrado nas razões de contestação, requer-se o pronto julgamento do feito”.

    Registre-se que com tal propósito, os requeridos abriram mão, expressa e conscientemente, de produzir provas no sentido de suas alegações, bem assim, desconstituir aquelas carreadas aos autos pelo Autor.

    Por essa razão, e, sobretudo porque a dissidência aborda questões que já foram esclarecidas suficientemente nos autos, passo ao julgamento do feito, nos termos do artigo 330 , inciso I do Código de Processo Civil .

    Inicialmente cumpre esclarecer que as partes não controvertem em relação aos seguintes pontos:

    Relação de emprego entre o Autor (empregado) e Altamir José da Igreja (empregador);

    Terem conversado sobre o a mega sena acumulada, no trajeto da serraria até a residência do autor; Existência de mútua amizade e confiança entre Altamir, Autor e Artêmio Luiz Biassi (pai do Autor); Comparecimento do requerido Altamir (desacompanhado) à agência lotérica Xico Loterias, de Joaçaba, no dia 01/09/2007, por volta das 13,20 horas, onde efetuou as apostas, entre as quais, a aposta contemplada; Contato telefônico no dia 02/09/2007, às 7:39: horas,

    originado do telefone do Requerido Altamir a Artêmio Luiz Biassi (genitor do Autor)(fls. 503;

    Apresentação, pelo Requerido Altamir, do bilhete premiado à Caixa Econômica Federal, agência de Joaçaba, no dia 03/09/2007, acompanhado de seus familiares, para resgate do prêmio

    da mega sena.

    DOS FATOS

    2.1.- A APOSTA - 01.09.2007 (sábado)

    Segundo a exordial o autor Flávio, acompanhado do requerido Altamir, juntamente com Celso Colasso, dirigiram-se à casa lotérica do município de Herval d´Oeste, localizada à Rua Santos Dumont, a fim de realizar aposta no concurso nº 898 da Mega Sena, tendo, para tanto, escolhido os números através dos dígitos do celular que usava, qual seja, 8403-0454, todavia, restou

    inviabilizado, por ausência de estacionamento no local para o veículo que usavam;

    em vista da inviabilidade do estacionamento do automóvel, entregou ao primeiro

    demandado, Altamir da Igreja, em um pedaço de papel, os números a serem

    apostados, quais seja, 03, 04, 08, 30, 45 e 54, combinação esta extraída do número

    do telefone móvel que utilizava, bem como o valor da aposta.

    Através da declaração de fls. 33, CELSO COLASSO

    confirma esta versão, e, esclarece e dá maiores detalhes:

    “Que o declarante trabalhou junto com Flávio na serraria de

    Altamir da Igreja, na manhã de sábado, até cerca de meio dia e meia. Que, ao sair

    da serraria combinaram de ir na lotérica fazer o jogo da mega sena, que, ao

    ESTADO DE SANTA CATARINA

    PODER JUDICIÁRIO

    Endereço:

    chegar na frente da lotérica, como tinha uma Courier preta impedindo o

    estacionamento, Altamir falou que levaria o declarante e Flávio pra casa e voltaria

    fazer o jogo. Ao chegar em casa o declarante desistiu de jogar, mas Flávio correu

    pegar uma caneta e anotou os números num pedaço de folha do caderno do

    declarante, fez o jogo com base nos números do celular, entregando para Altamir

    com R$ 1,50 (um real e cinquenta centavos), dizendo que, se ganhasse dividiria o

    prêmio com Altamir. O declarante viu Altamir dar carona a outra pessoa ao sair da

    frente da casa de Flávio. Ficou sabendo por vizinhos que, no dia seguinte Altamir

    chegou na frente da casa do pai de Flávio e disse que o cartão com os números

    do celular da esposa de Artemio, mãe de Flávio, tinha sido premiado e que

    voltaria à tarde para acertar com Flávio”.

    NELSI ALVES DA SILVA confirma que “estava na casa do

    Flávio, onde também estava o seu Artêmio, pai de Flávio, no sábado, por volta de

    vinte para às uma (sic) horas da tarde, quando chegaram o Flávio, Celso Colasso e

    Altamir da Igreja (Chico). O declarante viu quando Flávio pegou uma caneta e o

    celular e anotou os números para serem jogados, junto com o papel deu R$ 1,50 (um

    real e cinquenta centavos). Viu, a seguir, quando Flávio disse a Altamir que jogasse e

    que, se ganhasse, eles (Flávio e Altamir) dividiriam o premio. No dia seguinte, ficou

    sabendo por vizinhos que Altamir tinha ido até frente da casa do pai de Flávio e dito

    que o cartão de Flávio tinha sido sorteado com os números do celular da ex-eposa de

    Artêmio, mãe do Flávio e que voltaria à tarde para acertar com Flávio” (fls. 28).

    2.2 - DO RESULTADO DA APOSTA – 02.09.2007

    A pacata Joaçaba (25 000 habitantes segundo dados do

    IBGE), foi despertada no dia acima mencionado, um domingo, com a notícia de que

    um dos dois bilhetes premiados da MEGA SENA teria sido apostada em lotérica desta

    cidade; enquanto isso, exatamente às 7:39:48 horas, ainda segundo a inicial, o

    requerido “Altamir ligou para seu genitor, Sr. Artêmio, no telefone (49) 8401-6626,

    informando que o cartão do autor havia sido premiado, dirigindo-se até a residência

    deste e confirmando o ocorrido. Todavia, não entregou o bilhete premiado ao seu pai,

    tampouco para si”, acrescentando, ainda, que “Altamir deixou a residência de seu

    genitor e dirigiu-se até a casa de seu sogro, retornando a ligar para seu pai,

    informando que não entregaria o bilhete premiado”.

    O genitor do Autor, através do documento de fls. 30,

    declarou:

    “Que viveu em estado de casado com Maria de Lourdes

    Machado e que Flávio é filho deles. Que domingo pela manhã mais ou menos às

    sete horas, recebeu um telefonema de Altamir, no qual ele disse:”Artêmio,

    acertemo (acertamos) a mega sena, é os números do celular da tua ex-esposa, e

    deu uma grande risada, e diga para o teu piá, que o que foi combinado eu vou

    cumprir, e desligou o celular. Depois o declarante levantou e saiu para conversar

    com vizinhos e como o sr. João estava na frente da casa, começaram a

    conversar. Por volta das nove horas e pouco, o Altamir chegou nervoso, tremendo

    tudo, abriu a carteira, tirou R$ 25,00 (vinte e cinco) reais que devia para um pião e

    deu; e disse, ganhamos na mega sena com os números que teu piá deu do

    celular da tua ex-eposa e saiu correndo, dizendo que ia voltar depois e não voltou

    mais”.

    ESTADO DE SANTA CATARINA

    PODER JUDICIÁRIO

    Endereço:

    JOÃO MARIA DA SILVA, através da declaração de fls. 29,

    confirma este fato: “ que o declarante na manhã de domingo, estava na frente de sua

    casa conversando com Artêmio, pai do Flávio, quando o Altamir (Chico) veio todo

    nervoso, tremendo muito e disse: o cartão que o teu filho fez deu uma bolada, e que

    voltaria depois, porque o que foi combinado ele iria cumprir, e não voltou mais”.

    A bem da verdade, as declarações formalizadas pelos

    documentos de fls. 28,29,30 e 33 não passaram pelo crivo do contraditório, mas é

    preciso registrar, também, que as mesmas foram impugnadas genericamente, sendo

    que os Réus abriram mão de desconstituí-las ao insistirem no julgamento antecipado

    do feito.

    2.3.- DO RESGATE DO PREMIO – 03.09.2007

    Enquanto o Autor bradava seu inconformismo através da

    mídia local, com grande repercussão local e regional, alegando o descumprimento do

    acordo por parte do requerido Altamir, este (acompanhado de seus familiares, ora

    requeridos), no dia acima mencionado, uma segunda-feira, comparecia à Caixa

    Econômica Federal para receber o prêmio, e, com a intervenção de economiário (s) da

    CEF, engendraram uma complexa operação-bancário-financeira, para a divisão do

    numerário.

    A alegação de pacto familiar não se mostra razoável e

    verossível, como passo a a analisar:

    A uma: porque a divisão entre os requeridos não foi

    igualitária, tendo o requerido Altamir, de início, separado a metade para si (R$

    8.999.968,58, em conta-conjunta não solidária com sua genitora Gentila Wolf

    Padilha, sabendo-se que este tipo de conta exige a presença dos dois correntistas

    para a movimentação; mais R$ 5.000.000,00, em conta conjunta solidária, com sua

    esposa Solange Martini (esta não se apresentou entre os contemplados), totalizando

    R$ 13.999.968,58;

    A duas: o restante foi dividido, também de forma

    não-igualitária, entre os demais requeridos Hélio da Igreja (R$ 2.499.995,89), Regina

    Aparecida da Igreja Brugnago (R$ 1.000.153,93), e, surpreendentemente, R$

    10.000.011,36, ou seja, 36,00% do prêmio, em favor de Arthur Schuler da Igreja.

    A tres: porque Arthur vem a ser o sobrinho de Altamir, e

    que, segundo os autos, reside com seu pai, o outro beneficiário Hélio da Igreja, irmão

    de Altamir, e, por isso não se podendo alcançar a que título se deve a alegação do

    pacto familiar, pois tal discrepância não foi esclarecida pelos requeridos.

    A quatro: porque o requerido Altamir reconhece a

    existência de inúmeras pendências judiciais (fls. 118 a 164), que foram resgatadas

    após a contemplação, com os valores não bloqueados. Como acreditar em pacto

    familiar, se não recebeu auxílio de qualquer de seus parentes? Como acreditar em

    “compromisso de co-participação moral e sentimental de auxílio mútuo e de

    concessões recíprocas entre seus familiares”, conforme largamente defendido

    nas peças contestatórias?

    Tais evidências e circunstâncias estão a indicar que o que

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    foi “loteado”, na verdade corresponderia, segundo a prova autuada, à metade que

    caberia ao Autor, em face da promessa de divisão do prêmio entre ambos.

    2.4.- MEDIDA CAUTELAR (04.09.2007)

    Na data acima, uma terça-feira, às 17:53 horas foi

    protocolada a Medida Cautelar Inominada nº 037.07.004221-3, aparelhada.

    2.5.- LIMINAR E BLOQUEIO (05.09.2007)

    Na quarta-feira (05.09.2007) foi deferida a liminar

    (fls.15/24) dos autos da cautelar citada, determinando o bloqueio do prêmio, a qual

    restou cumprida, em parte, conforme antes mencionado, seguindo-se com o regular

    processamento.

    Feitas estas anotações, cumpre-me analisar os elementos

    contidos nos autos.

    Os requeridos, pleiteando com insistência o julgamento

    antecipado da lide, sequer interessando-se em contrapor e/ou desconstituir as provas

    existentes nos autos, concentrando toda a sua defesa, seus esforços e argumentos

    na tese da portabilidade do bilhete premiado, e, por conseqüência, o portador seria o

    legítimo e único beneficiado pelo resultado.

    Inicialmente, não há que se falar em prova exclusivamente

    testemunhal, eis que o documento de fls. 28, não impugnado, comprova a aquisição

    do aparelho celular do qual teriam sido extraído os números (84030454) pelo Autor

    para a aposta na mega sena, sendo, portanto, inaplicável à questão posta,

    preliminarmente, o disposto no art. 227 do Código Civil , e, art. 401 , do CPC .

    A sustentar os argumentos dos Requeridos o judicioso e

    bem elaborado parecer de fls. 396/494, firmado pelo Professor Doutor Luiz Edson

    Fachin, o qual, no entanto, não pode ser acatado porque, como parecer que é, usa de

    parâmetros e argumentos não compatíveis com o caso “sub judice”, em conformidade

    com os fundamentos a seguir delineados.

    Os títulos de crédito, aos quais a lei equiparou o bilhete de

    loteria (decreto lei n. 204 /1967), representam no consagrado conceito de Cesare

    Vivante (Tratado di diritto commerciale, 5ª ed., vol. III, Milão, Francesco Vallardi

    Edditrice, pp. 63 e 164) o “documento necessário para o exercício do direito

    literal e autônomo nele mencionado”.

    Da simples apresentação do conceito jurídico do que são

    títulos de crédito é possível verificar o enorme desvio de perspectiva e da própria

    finalidade dos títulos que os co-réus propõem com sua tese de defesa. Dizem eles

    que:

    “a lei, portanto, definiu como titular do direito aquele que

    porta o bilhete de loteria” (fls. 250).

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    Ocorre que toda a doutrina posterior a Vivante fartou-se de

    explicar que o título de crédito não contém em si mesmo um direito, mas meramente

    menciona um direito. Na verdade, essa moderna e inconteste definição de título de

    crédito é fruto, em parte, do mesmo equívoco conceitual trazido pelos co-réus e já

    solucionado pela doutrina há mais de um século e meio.

    Nas palavras do próprio Vivante:

    “diz-se que é título o documento necessário para exercitar

    o direito porque, enquanto o título existe, o credor deve exibi-lo para

    exercitar qualquer direito, principal ou acessório, que ele porta consigo, não

    se podendo fazer nenhuma mudança na posse do título sem anotá-la sobre

    o mesmo. Este é o conceito jurídico, preciso e limitado, de que se deve

    substituir à frase vulgar pela qual se consigna que o direito está

    incorporado no título” (ob. citada, pág. 64).

    Dessa forma, é inegável que a posse do título jurídico

    ‘bilhete de loteria’ não confere ao seu possuidor a “titularidade do direito” nele

    mencionado. Tal posse permite apenas o “exercício desse direito”, qual seja: exigir

    da Caixa Econômica Federal o pagamento do prêmio do concurso 898 da Mega

    Sena. Dentro desse contexto, o fato de o título ser “ao portador” diz apenas que não

    é necessária a aposição do nome de seu portador no título para permitir-lhe o

    exercício do direito ali mencionado. Tal questão, contudo, é irrelevante para a solução

    da presente demanda.

    E isso foi feito e não é objeto de discussão na presente

    demanda.

    De fato, o co-réu Altamir dirigiu-se à agência autorizada

    pela CEF, exigiu o pagamento do prêmio e o recebeu. Com isso, exerceu a faculdade

    legal prevista em lei por ser o portador de um título jurídico ao portador.

    Tal situação em nada se confunde em nada altera a

    questão da titularidade do direito mencionado no título.

    É corolário da necessária segurança jurídica que deve ser

    conferida aos títulos de crédito, a possibilidade de exercer o direito nele mencionado.

    Tal possibilidade, é necessário frisar, não está sendo sequer arranhada pela presente

    demanda. Basta verificar que nada está sendo pedido contra a CEF, nem se afirmou

    que ela pagou o prêmio à pessoa errada.

    O que está sendo discutido aqui é a relação jurídica

    que deu origem à emissão do bilhete de loteria e que gerou obrigações

    descumpridas entre as partes da presente demanda.

    Sabe-se que “todos os títulos de crédito são emitidos

    por alguma razão; têm por isso uma causa, a qual, na generalidade dos casos,

    decorre de um negócio, como compra e venda, mútuo etc” (Waldírio Bulgarelli,

    Títulos de Crédito, 15ª ed., São Paulo, Atlas, 1999, p. 59). Ocorre que, em alguns

    casos, a causa de emissão do título de crédito não é nele mencionada. Tais título são

    os chamados títulos abstratos.

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    Tais títulos, contudo, mesmo que não mencionem a relação

    fundamental (Bulgarelli) obviamente não tornam sem efeitos ou impedem a análise

    dessa relação jurídica em juízo:

    “A abstração, como anota a doutrina moderna, foi

    construída não em favor do credor de boa-fé, mas para garantir a

    segurança da circulação. (...) Entre as partes, obviamente, a causa

    dessa emissão ou criação do título poderá ser invocada,

    processualmente, por via do direito pessoal do réu contra o autor, ou

    em decorrência da lei que os criou”. (Waldírio Bulgarelli, ob. citada, pág.

    60).

    Vale lembrar, inclusive, o enorme cuidado que o Poder

    Judiciário deve ter ao analisar questões relacionadas com títulos de crédito, as quais

    exigem atenção para a relação jurídica que deu origem à emissão do título (o

    denominado negócio jurídico subjacente). Isso porque, além de facilitar a circulação

    de riqueza, como vemos, infelizmente os títulos de crédito, especialmente os

    abstratos e ao portador, podem dar causa a inúmeras injustiças.

    “Essa falta de conexão entre o título abstrato e o negócio

    fundamental não raro tem gerado problemas na prática. Por isso vem sendo minada

    na sua pureza, impossível de se aceitar em termos práticos que esse excessivo

    formalismo baseado na aparência jurídicas que, se de um lado dá um grau

    quase absoluto de segurança ao título, por outro lado pode ensejar negócios

    imorais acobertados pela impossibilidade da indagação da causa do título. Por

    isso a jurisprudência, coagida pela necessidade de fazer justiça, afasta muitas

    vezes a abstração para olhar além dela, a causa determinante do título, e o

    próprio legislador vai reduzindo ao mínimo os títulos abstratos (Waldírio

    Bulgarelli, ob. citada, pág. 62/3).

    Trazendo todas essas considerações para o caso em

    análise, vale a pena enfatizar que o Col. Superior Tribunal de Justiça inúmeras vezes

    já teve a oportunidade de apreciar questões relacionadas com apostas na loteria

    federal e com a necessidade ou não de se ter o bilhete para ser considerado titular do

    prêmio. Em todas as oportunidades foi expressamente dito que a posse do bilhete

    não é suficiente para que se considere o possuidor como titular do prêmio:

    “A condição de apostador do bilhete premiado não é

    pressuposto legal ou lógico da condição de legitmiado ao recebimento do

    prêmio ou de propriedade do título ao portador por ele representado. este

    pode ser tranferido voluntariamente ou mesmo apropriado por

    terceiro” (STJ, 3ª T., REsp. n. 824.039-MG, rel. Min. Ari Pargendler, j.

    28.11.06, DJU 19.3.07, p. 345).

    Em função disso, em outra oportunidade assim disse o

    Ministro Castro Filho:

    “Sendo assim, entendo que a exigência de que só existe

    certa prova para a comprovação de fatos relevantes, tornou-se

    ultrapassada na ciência processual, que hoje segue o princípio do livre

    convencimento do juiz.Não estou afastando a relevância da necessidade

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    do bilhete, ou recibo, a fim de garantir o pagamento do prêmio, mas, a meu

    sentir, o sistema do livre convencimento judicial melhor serve ao objetivo

    do sistema jurisdicional contemporâneo, uma vez que permite ao

    magistrado, com base em sua experiência comum e no livre

    convencimento das demais provas carreadas, afastar a necessidade da

    prova exclusivamente prevista para tal situação, permitindo uma

    apreciação eqüitativa, e, quiçá, mais justa do presente caso” (STJ, 3ª T.,

    REsp n. 636.175 , rel. Min Castro Filho, DJU 27.3.06, p. 264).

    A história dos fatos é simples. O autor entregou em um

    pedaço de papel o número do palpite premiado (o qual corresponde ao número de

    seu celular), bem como o valor da aposta ao co-réu Altamir, que havia dito que iria à

    casa lotérica de qualquer forma, pois também tinha a intenção de apostar.

    A subsunção desses fatos às normas jurídicas que tratam

    da aposta e do mandato, por sua vez, é igualmente simples.

    Estabeleceu-se uma relação jurídica de mandato entre o

    autor (mandante) e o co-réu Altamir (mandatário), cujo objeto era a outorga de

    poderes para Altamir realizar a aposta no concurso 898 da Mega Sena.

    Tendo Altamir agido na condição de simples mandatário,

    não adquiriu qualquer direito ou assumiu pessoalmente qualquer obrigação

    decorrente do ato de ter realizado a aposta perante o agente autorizado da CEF.

    Maria Helena Diniz (Tratado Teórico e Prático dos Contratos, 3º vol., 4ª ed., São

    Paulo, Saraiva, 2002, p. 293) explica que o contrato de mandato é:

    “uma representação convencional, em que o representante

    pratica atos que dão origem a direitos e obrigações que repercutem na

    esfera jurídica do representando. Realmente, o mandatário, como

    representante do mandante, fala e age em seu nome e por conta deste.

    Logo, é o mandante quem contrai as obrigações e adquire os direitos como

    se estivesse tomado parte pessoalmente no negócio jurídico”.

    É inegável, portanto, que havendo uma relação de

    mandato entre Flávio e Altamir, pouco importa o fato de o co-réu Altamir ter-se

    dirigido ao caixa do agente autorizado da CEF para realizar a aposta, porque o fez na

    condição de mero representante do autor.

    Com isso, foi o autor e somente ele que adquiriu todos os

    direitos advindos da aposta realizada naquela oportunidade, especialmente a

    propriedade do bilhete e o direito ao recebimento da integralidade do prêmio na

    hipótese configurada dele estar premiado.

    Ocorre que, em uma tentativa de justificar o golpe aplicado

    no autor, além de questionar a existência dessa relação jurídica de mandato

    estabelecida entre autor e réu os co-réus passaram a questionar a validade desse

    mandato.

    Para tanto, firmaram a falsa premissa de que o contrato de

    aposta em concurso de prognóstico teria a forma escrita prescrita em lei.

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    Partindo de tal premissa, disseram os co-réus que por

    força do disposto no art. 657 do Código Civil , o contrato de mandato, que como regra

    tem forma livre, deveria observar a forma escrita do ato a ser praticado (aposta na

    loteria federal).

    Todavia, o contrato de aposta na loteria federal obviamente

    não exige a forma escrita, de modo que o mandato para sua prática também não.

    A forma do contrato de aposta na loteria federal é

    inegavelmente livre. Não há sequer uma voz na doutrina ou na jurisprudência que

    alguma vez tenha negado o princípio da liberdade das formas, bem como que um

    negócio jurídico apenas pode ser considerado nulo caso tenha sido celebrado sem a

    observância de uma forma expressamente prevista na lei ou nela defesa.

    Dessa forma, em uma tentativa de caracterizar o contrato

    de aposta na loteria federal como escrito, os co-réus distorceram o conteúdo do

    dec-lei n. 204 /1967 e, narrando os requisitos legais do bilhete de loteria, concluíram

    que o contrato de aposta seria escrito.

    Todavia, basta mera leitura dos dispositivos legais

    invocados (arts 8 e 9 do dec-lei n. 204 /1967) para constatar que em momento algum

    eles prescrevem qualquer forma para a realização da aposta na loteria federal. Dizem

    tais artigos:

    “Art 8º Cada bilhete ou fração consignará no anverso, além

    de outros dizeres:

    l) - a denominação" Loteria Federal do Brasil ";

    II) - o número que concorrerá ao sorteio;

    III) - em caracteres legíveis, o preço de plano do bilhete

    inteiro e o de cada fração, acrescido da cota de previdência constante do

    Artigo 4º e seu parágrafo único;

    IV) - a declaração de ser inteiro, meio, quarto, décimo,

    vigésimo ou quadragésimo e, sendo fração, o número de ordem desta;

    V) - a indicação da série, se for o caso.”

    “Art 9º Cada bilhete, ou fração consignará no reverso, além

    de outros dizeres:

    I ) o plano de extração, por inteiro ou resumido;

    II - a indicação do lugar, dia e hora do sorteio;

    III) - a assinatura das autoridade responsáveis pela

    emissão;

    IV) - local apropriado para receber o nome e endereço do

    possuidor que desejar o bilhete nominativo”.

    É inegável, portanto, que absolutamente nenhum

    dispositivo legal previu qualquer forma ou solenidade para a realização da aposta. Ao

    contrário, tais dispositivos apenas enumeram os requisitos de validade do bilhete.

    Na verdade, ao explicitar os requisitos da validade do

    bilhete, entendo que o legislador apenas ratificou sua natureza de título de crédito.

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    Uma das características mais elementares dos títulos de

    crédito é a tipicidade, ou seja, o título de crédito apenas produz efeito caso preencha

    os requisitos da lei, mais especificamente os descritos no art. 887 do Código Civil .

    É inegável, ao meu sentir, que sendo o bilhete de loteria

    um título como é deve preencher os requisitos legais. Da mesma forma, entretanto, é

    inegável que o título emitido em razão da relação fundamental com ela não se

    confunde.

    Nesse sentido basta uma rápida leitura do Decreto-Lei 207/1967 para verificar a natureza jurídica da relação que se forma a partir e com a

    aposta em loteria. Dispõe o art. 22:

    “art. 22. na sede da Administração do Serviço de Loteria

    Federal haverá lugar apropriado para venda direta de bilhetes ao público e

    pagamento de prêmios”.

    Já o art. 15, parágrafo único, que trata da hipótese de

    cancelamento do concurso, prevê:

    “no primeiro caso, serão recolhidos todos os bilhetes e

    restituídos os respectivos preços e, no segundo avisar-se-á pela imprensa

    o novo dia designado para a extração”.

    Da simples leitura dos dispositivos legais verifica-se que a

    aposta em loteria é um contrato por meio do qual se paga um preço e se recebe um

    bilhete, o qual, nas palavras da lei, é vendido pela casa lotérica.

    É inegável, dessa forma, que a aposta em loteria é feita

    por meio de um contrato de compra e venda, cujo objeto é o bilhete de loteria.

    E sendo um contrato de compra e venda, incide na espécie

    o art. 482 do Código Civil :

    “Art. 482. A compra e venda quando pura, considerar-se-á

    obrigatória e perfeita, desde que as partes acordem no objeto e preço”.

    Assim, da mesma forma que uma compra e venda simples

    pode dar origem à emissão de um cheque, a aposta em loteria dá origem à emissão

    de um bilhete. Tanto o cheque quanto o bilhete devem preencher requisitos legais de

    validade, mas nem por isso a compra e venda (de um bilhete de loteria ou de

    qualquer outro bem ou produto) transmuda-se em contrato solene.

    Em resumo, não se pode transportar os requisitos legais

    dos títulos de crédito para os negócios jurídicos que lhes deram causa.

    E a experiência não permite outra conclusão.

    A adotar o raciocínio dos co-réus todos os contratos de

    compra e venda cujo pagamento seja feito com cheque, por exemplo, seriam solenes

    e escritos. Um simples contrato de compra e venda de uma peça de roupa, ou uma

    compra de supermercado, quando pagos com cheque, seriam contratos solenes e

    escritos. Nesses casos, sempre que alguém realizasse estes negócios jurídicos a

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    pedido de alguém, bastaria que pagasse por ela com um cheque para se desobrigar

    de entregar a mercadoria. Isso porque a compra e venda automaticamente se

    transformaria em um contrato solene e o mandato verbal conseqüentemente se

    tornaria nulo, a teor do raciocínio desenvolvido pela parte ré.

    Entendo, todavia, que não foi esta a intenção do legislador,

    e nem pode o Judiciário negar validade aos mandatos verbais tão presentes no

    cotidiano.

    Além disso, tendo em vista a complexidade e a pluralidade

    de pessoas que podem se relacionar contratualmente, em diversas hipóteses a lei

    não prevê forma alguma para a validade do negócio jurídico, mas exigências de

    ordem prática fazem com que usualmente tais contratos sejam celebrados de forma

    escrita e muitas vezes com a emissão de bilhetes.

    É o que acontece, citando como exemplos, com bilhetes

    para jogos de futebol, teatro, cinema e loteria. A lei não prevê forma alguma para a

    celebração do contrato de compra e venda de bilhetes para assistir cinema ou um

    jogo de futebol, mas seria absolutamente impensável imaginar que milhares de

    pessoas comprem verbalmente seus assentos e na hora da apresentação tudo

    transcorra sem nenhum contratempo.

    Na mesma esteira a legislação (e os costumes comprovam

    isto) não exige que a compra de qualquer um daqueles bilhetes para cinema, jogo de

    futebol e loteria, quando realizado por interposta pessoa, se realize mediante

    mandato por escrito e solene.

    Ao contrário, não há obrigação nenhuma para que o

    mandato nestas hipóteses seja escrito, e nem poderia ser diferente na medida em

    que seria absolutamente incompreensível a obrigatoriedade de elaboração de um

    instrumento de mandato escrito para a aquisição de um bilhete no valor de R$1,50

    (para loteria) ou R$10,00 (para um cinema). Ninguém outorgaria uma procuração a

    outrem para realizar em seu nome um contrato de compra de um bilhete de loteria.

    Reconhecer a impossibilidade de mandatos verbais, ao

    meu ver, é ir de encontro à pratica e os costumes, é violentar a razoabilidade. O que

    vigora em nossa legislação civil é o da liberdade das formas, o qual somente é

    afastado quando a lei expressamente exige uma forma expressa e determinada para

    o ato jurídico.

    Ademais é dever do juiz usar das máximas de experiência

    ao apreciar e julgar as causas.

    É imperioso reconhecer-se a irrestrita validade do contrato

    de mandato verbal celebrado entre o autor Flávio e o co-réu Altamir. O mandato pode

    ter natureza meramente consensual, bastando a formação da vontade para

    legitimá-lo, sendo isto o que, segundo as regras ordinárias de experiência, ocorre

    nestes casos onde alguém pede a outrem para realizar em seu nome a compra de

    bilhetes de loteria, de cinema, de teatro, entre outros.

    Maria Helena Diniz, no Tratado Teórico e Prático dos

    Contratos, ensina que:

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    “sendo um contrato consensual não exige forma especial

    para sua validade ou para a sua prova. O Código Civil (art. 656) permite,

    como regra geral, que o mandato se realize sob a forma expressa ou tácita,

    verbal ou escrita. Daí ser livre a sua forma, salvo em casos excepcionais,

    previstos em lei para os quais se exige sua manifestação por meio de

    poderes especiais e expressos, consignados em instrumentos público ou

    particular”. (p. 301).

    Como se vê o mandato é usual e não exige qualquer

    formalidade para sua validade.

    A interpretação do art. 657 do Código Civil é no sentido de

    que o mandato somente deve ser obrigatoriamente escrito quando o contrato a ser

    celebrado somente admite a forma escrita, o que se verifica somente em casos

    excepcionais como nos mandatos para casamento, compra e venda de imóvel e

    atuação de advogado em juízo. Fora desses casos a forma de sua pactuação é livre.

    E o bom senso autoriza concluir que não há obrigatoriedade e nem há costume em

    celebrar-se por escrito uma operação no irrisório valor de R$1,50.

    O direito não reside somente no que está nas palavras das

    leis ou vem das demais fontes formais do direito. Cada situação jurídica recebe a

    disciplina que lhe dá a lei, mas seu conteúdo substancial está fortemente influenciado

    pelos elementos emanados da realidade que ela visa a regular e das particulares

    conotações de cada fato a ser examinado.

    Miguel Reale chegou inclusive a elaborar sua teoria

    tridimensional do direito onde diz que o direito se compõe do trinômio fato, valor e

    norma. O referido jurista chega a dizer, em seu livro Lições Preliminares de Direito,

    que o processo de interpretação do direito exige “a apreciação dos fatos e valores

    que originariamente a constituíram”, “assim como em função dos fatos e valores

    supervenientes”. (p. 296).

    E a força dos fatos e dos usos e costumes é ainda mais

    intensa no trato dos pequenos negócios jurídicos do dia a dia, como é o caso da

    aposta na loteria federal, negócio jurídico cujo valor foi da ordem de R$1,50. Os

    costumes são fontes do direito, e não deve o juiz fechar os olhos à realidade prática

    presente na sociedade.

    Ao analisar as repercussões jurídicas dos fatos desta

    demanda (pedido verbal que alguém aposte em seu nome na loteria federal) à luz da

    força normativa dos usos e costumes, basta, nas palavras de Tércio Sampaio Ferraz

    Júnior, verificar a reiteração da prática, anotando que “na expectativa de reação

    quando em uso continuado é contrariado, o que provoca uma desaprovação

    acompanhada de sanções sociais difusas ou faz com que se recorra ao juízo de uma

    autoridade” (Introdução ao Estudo do Direito, p. 237).

    No caso concreto é inegável a presença destes dois

    requisitos para considerar o pedido verbal para que alguém aposte em nome na

    loteria federal como sendo uma prática costumeira cujo descumprimento gera (como

    de fato gerou) uma desaprovação generalizada com sanções sociais como uma

    norma “dotada de validade e eficácia, como as normas legais” (p. 238), nos dizeres

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    de Tércio Sampaio Ferraz Júnior, capaz, portanto, de por si só obrigar os co-réus a

    devolverem o prêmio pago pela mega sena no concurso 898.

    Além do co-réu Altamir ter descumprido as normas legais

    que tratam do mandato, bem como ter ofendido os usos e costumes relativos às

    pequenas transações do dia a dia, ofendeu ainda os princípios da boa-fé objetiva

    representados pela quebra da confiança e frustração das expectativas morais e éticas

    que deveriam balizar a conduta das pessoas.

    Ademais é inquestionável que o ordenamento jurídico

    protege a confiança e a boa-fé.

    Feitas estas considerações jurídicas, cumpre-me analisar

    os elementos contidos nos autos.

    A defesa protocolou petição sustentando que não há

    nenhuma prova a ser produzida no processo, e que a causa está pronta para ser

    apreciada e julgada.

    Apesar de ter designado audiência de conciliação, entendo

    que é o caso de julgar-se antecipadamente a lide, não só porque o acordo restou

    infrutífero (a julgar pela petição apresentada) como, também, porque todos os pontos

    já se encontram devidamente esclarecidos e provados.

    Como é notório a prova em audiência somente é

    necessária quando houver ponto controvertido e não provado por documentos pelas

    partes.

    Um fato constitutivo, impeditivo, modificativo ou extintivo de

    direito, alegado pelas partes, constitui meramente um ponto sobre o qual a demanda

    ou a defesa se apóia. Quando esse ponto não é negado pelo adversário de quem o

    invocou não há necessidade de produção probatória, a teor da incidência do ônus de

    impugnação específica de que trata o art. 302 do CPC , e do disposto no art. 334 , III

    também do CPC . Um ponto somente se transforma em uma questão quando for

    controvertida.

    Gerada uma controvérsia sobre um ponto de fato o CPC é

    explícito: ao autor compete provar os fatos constitutivos e o réu os extintivos,

    modificativos ou impeditivos do direito do autor.

    O único ponto de fato que restou controvertido no

    processo, e que portanto deve ser analisado sob a ótica das provas, é a existência de

    um mandato verbal conferido pelo autor ao co-réu Altamir, para que este realizasse a

    aposta ou compra do bilhete na casa lotérica em nome daquele.

    E para a verificação da existência desse fato a presente

    demanda já foi suficientemente instruída e está apta, segundo as regras de

    julgamento e valoração das provas, a formar o convencimento do magistrado.

    É incontroverso nos autos que no dia e no horário

    aproximado da realização da aposta Flávio e Altamir estavam juntos, retornando da

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    serraria deste, após a jornada de trabalho, na companhia de Celso Colasso,

    exatamente no dia da aposta vencedora (fls. 4-5, e 242). Tal fato não depende,

    portanto, de prova.

    Já a origem do número da aposta vencedora é um fato

    controvertido. Segundo o autor, tal número teria origem no número do seu celular (fls.

    4). O co-réu Altamir, por sua vez, sustenta que a aposta teria origem na combinação

    da inversão de números de sua data de nascimento com a data de nascimento de um

    filho que ele próprio não reconhece e não paga pensão, presumindo-se, portanto, que

    por esse filho não nutre grandes sentimentos de amor (fls. 241).

    Apesar da controvérsia, cada uma das partes já produziu

    as provas possíveis para sua demonstração (fls. 14 e 84-91).

    Outro ponto aparentemente controvertido da demanda diz

    respeito à outorga de mandato ao co-réu Altamir e a entrega de R$1,50 para que ele

    realizasse a aposta em nome do autor. A existência da outorga de mandato já

    encontra suporte instrutório suficientemente apreciada, bem como a questão da

    entrega de R$1,50.

    Deve-se ressaltar, inclusive, que os co-réus expressamente

    afirmaram que não têm interesse em produzir mais provas e sequer têm interesse na

    realização de audiência para uma tentativa de composição (fls. 555).

    Diante da falta de interesse dos co-réus para produzir

    outras provas quanto a fatos extintivos, impeditivos ou modificativos do direito do

    autor, entendo que a causa está apta para o julgamento antecipado.

    A nenhum estudioso ou operador do processo passa

    despercebido que o fato se reputa existente e deve como tal ser havido no julgamento

    quando, mesmo não havendo o ônus probatório sido desempenhado pelo sujeito ao

    qual competia, por algum modo tenha chegado aos autos alguma prova que

    demonstre sua ocorrência.

    Os elementos colocados à disposição deste magistrado,

    somados às máximas de experiência, autorizam chegar-se à uma conclusão

    exauriente e definitiva.

    É importante destacar, e como para uma escorreita

    compreensão da decisão, que ao assumir um fato como verdadeiro com base nas

    máximas de experiência o juiz está, tecnicamente, estabelecendo uma presunção de

    veracidade sobre esse fato. Tal presunção, uma vez que não decorre da lei, é

    examinada com maestria por Kazuo Watanabe:

    “examinando as condições de fato com base em máximas

    de experiência, o magistrado parte do curso normal dos acontecimentos e,

    porque o fato é ordinariamente a conseqüência ou o pressuposto de um

    outro fato, em caso de existência deste, admite também aquele como

    existente, a menos que a outra parte demonstre o contrário”. (CDC

    comentado, p. 617).

    Ou seja, segundo a observação do que ordinariamente

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    acontece o juiz pode (e deve) apoiar-se em um determinado fato para que outro seja

    tido como verdadeiro.

    Tal técnica processual é por demais significativa nas

    hipóteses onde os fatos a serem provados estão relacionados aos costumes e aos

    fatos que acontecem ordinariamente todos os dias.

    Sendo o juiz conclamado a decidir segundo o que

    ordinariamente acontece, transgride o art. 335 do CPC a decisão que, em conflito

    com os dados culturais e costumes ao alcance do homem médio, aceita com

    facilidade que as pessoas outorgam procuração por escrito, para a realização de

    pequenos e corriqueiros negócios ou atos jurídicos, mandato para a compra de

    bilhete de loteria no valor de R$1,50.

    Presumindo-se tal ocorrência como verdadeira, por força

    das máximas de experiência e elementos contidos no processo, caberia aos co-réus

    demonstrar o contrário, o que não ocorreu, e nem ocorrerá em razão da manifestação

    de que não há mais nenhuma prova a ser produzida.

    As pessoas costumeiramente celebram mandatos verbais

    para a realização de pequenos e corriqueiros negócios jurídicos, como compra de um

    bilhete no valor de R$1,50.

    Além das máximas de experiência, há provas robustas e

    fatos incontroversos nos presentes autos que apontam exatamente neste sentido.

    Lembre-se que é incontroverso que o autor estava com o

    co-réu Altamir no dia e horário em que a aposta vencedora foi feita. Basta, neste

    sentido, conferir as afirmações feitas pelo próprio réu:

    “naquele sábado, deixou a serraria por volta de

    12h00m/12h30m em direção a residência de Flávio” (fls. 242)

    “na lotérica Altamir efetuou várias apostas, quais sejam,

    um jogo na Lotomania, no valor de R$1,00 às 13h22m37s; dois jogos na

    Quina contendo quatro apostas, no valor de R$2,00 cada, sendo um às

    13h22m41s e o outro às 13h22m44s; e um jogo na Mega-sena, contendo

    três apostas no valor de R$4,50 às 13h22m53s” (fls. 242).

    Ou seja, em pouco mais de meia hora após ter saído da

    serraria em direção à residência de Flavio o co-réu Altamir realizou a aposta

    vencedora.

    Além disso, uma análise das provas produzidas pelas

    partes acerca da origem dos números do bilhete premiado é suficiente para verificar a

    plausibilidade da versão do autor e o absurdo da versão proposta pelos réus,

    segundo a qual:

    “o filho do 1º réu (Sr.Altamir) nasceu em 03.04.88, de onde

    escolheu os três primeiros números, quais sejam, 03, 04 e 08, enquanto

    este nasceu em 30.09.54, de onde escolheu os três últimos números, quais

    sejam, 30, 54 e 45 (inversão do ano do nascimento). O número 09 foi

    desprezado porque já hava apostado em três números abaixo de uma

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    dezena.” (fls. 241).

    Vale ressaltar que o filho do co-réu Altamir, que teria

    inspirado o palpite, foipor ele praticamente abandonado moral e materialmente, uma

    vez que a pensão não era paga, o que deu ensejo à propositura de ação de alimentos

    mencionada na presente demanda. O próprio Altamir reconhece que 49 precatórias

    foram expedidas pelo Juízo de Tangará sendo deprecado o Juízo de Joaçaba

    objetivando o cumprimento do julgado (fls. 247).

    Qual a grande influência de um filho não querido sobre a

    escolha de parte dos números de uma aposta em loteria? Presumo que nenhuma,

    porque isso contrariaria o bom senso e não é nenhum pouco provável de ser verdade,

    o que ocorre também quanto à justificativa de inversão de um dos números e

    desprezo de outro para formar a aposta vencedora.

    A combinação trazida pelos réus parece inverossímil e

    dispensa maiores comentários.

    Além disso, em entrevista o próprio co-réu Altamir deu

    uma explicação completamente diferente para a combinação:

    “meu filho nasceu no dia 3 do mês 4. meus pais se

    casaram num dia 30. Eu nasci em 54. E o número 45 é o 54 de trás para

    frente.” (fls. 114).

    A afirmação apresentada pelo autor, ao contrário,

    apresenta uma dose de verossimilhança significativamente maior.

    Eis o número da aposta premiada: 3, 4, 8, 30, 45 e 54.

    Eis o número da aposta na ordem em que realizada: 8, 4, 3, 30, 45 e 54.

    Eis o número do celular do autor: 84030454

    Eis o número do celular do autor: 84030454

    Eis o número do celular do autor: 84030454

    Eis o número do celular do autor: 84030454

    Eis o número do celular do autor: 84030454

    Eis o número do celular do autor: 84030454

    Registre-se que o Autor desde o primeiro momento sempre

    afirmou que o bilhete premiado foi apostado com base nos números do celular,

    enquanto que o Réu Altamir teve bastante tempo para consultar dados familiares e

    assim formular uma combinação, e, mesmo assim tendo que socorrer-se da data de

    nascimento de um filho abandonado moral e materialmente.

    O mesmo raciocínio que se aplica à outorga do mandato

    vale para a entrega do valor de R$ 1,50. É inegável que não se pega recibo do valor

    de R$ 1,50, especialmente de seu patrão. Para desmentir a entrega desse valor, o

    co-réu Altamir chegou ao absurdo de afirmar que o autor não teria entregado o valor

    de R$ 1,50 para a realização da aposta pois ainda não havia recebido seu salário (fls.

    241-242). E desde quando é preciso ter recebido o salário para ter R$ 1,50

    disponíveis?

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    Por fim, todos os fatos que se seguem a isso apenas

    margeiam a presente controvérsia, servindo, de qualquer forma, como fortes

    elementos probatórios para reforçar a versão dos fatos narrada pelo autor.

    É o que acontece com o suposto sumiço de Altamir da

    cidade e com a explicação do bolão por ele supostamente feito com sua família.

    Curiosamente, os réus não juntaram contrato escrito do

    bolão, mas dizem que esse contrato formal e por escrito seria exigível do autor.

    Dois pesos e duas medidas!!!.

    Na verdade, entretanto, todo o dinheiro sempre ficou com o

    Altamir, uma vez que as contas nas quais o prêmio foi dado a seus familiares apenas

    podem ser movimentadas em conjunto com ele (Altamir). Ele é co-titular em todas as

    contas, o que, dentro daquilo que ordinariamente acontece, não é nem um pouco

    comum.

    Quem tem conta-conjunta com a sogra, o cunhado, o

    irmão?

    Isso é absolutamente inverossímil e apenas demonstra a

    tentativa de forjar a existência desse pseudo-bolão. Tanto que as contas-correntes

    foram abertas somente depois do recebimento do dinheiro.

    Oportuno registrar ainda que não haveria necessidade de

    ser co-titular de todas as contas se houvesse pacto verbal e moral da divisão do

    prêmio, conforme afirmado na contestação; vê-se que não ocorreu divisão mas sim

    disfarce para a construção da defesa.

    É evidente, portanto, a tentativa de fraudar o autor

    mediante a simulação desse inexistente bolão, para usufruir sozinho o premio.

    É exatamente seguindo tais regras de julgamento

    (possibilidade de valer-se das máximas da experiência e do próprio bom senso) que o

    Col. Superior Tribunal de Justiça reconheceu o direito ao pagamento de um prêmio da

    loteria federal a quem não era portador do respectivo bilhete de aposta:

    “Sendo assim, entendo que a exigência de que só existe

    certa prova para a comprovação de fatos relevantes, tornou-se

    ultrapassada na ciência processual, que hoje segue o princípio do livre

    convencimento motivado do juiz.

    “Não estou afastando a relevância da necessidade do

    bilhete, ou recibo, a fim de garantir o pagamento do prêmio, mas, a meu

    sentir, o sistema do livre convencimento judicial melhor serve ao objetivo

    do sistema jurisdicional contemporâneo, uma vez que permite ao

    magistrado, com base em sua experiência comum e no livre

    convencimento das demais provas carreadas, afastar a necessidade da

    prova exclusivamente prevista para tal situação, permitindo uma

    apreciação eqüitativa, e quiçá, mais justa do presente caso”(STJ, 3ª T.,

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    Endereço:

    REsp n. 636.175 , rel. Min Castro Filho, DJU 27.3.06, p. 264).

    Tal forma de convencimento do magistrado e de

    julgamento da demanda, conforme disse o próprio Colendo Superior Tribunal de

    Justiça, é o que permite a apreciação mais próxima da realidade e, por conseqüência,

    a mais justa.

    Impor ao autor o encargo de uma probatio diabólica, como

    é a prova do mandato verbal no caso concreto, fechando os olhos para as máximas

    da experiência e para as técnicas das praesumptiones hominis seria, na prática,

    impedir-lhe o próprio acesso ao Poder Judiciário.

    É necessário, portanto, que a presente demanda seja

    apreciada à luz de tais princípios e sob tais regras de julgamento para que não se

    distancie da garantia constitucional do acesso à justiça e da necessidade de

    realização da justiça imposta ao Poder Judiciário.

    No entanto, assiste razão aos requeridos quando alegam

    ter o Autor clamado na mídia a divisão do prêmio, fato também confirmado nos

    depoimentos antes transcritos. Por isso, por coerência e eqüidade, os mesmos

    parâmetros e fundamentos devem ser adotados para reconhecer somente em parte o

    direito do Autor.

    Neste norte, deve se dar crédito, também, às declarações

    prestadas nos autos, no sentido da promessa de divisão do prêmio.

    Em conseqüência, isso tem o condão de infirmar,

    obviamente, o direito do autor à integralidade do prêmio.

    Por fim, quanto à pretensão apresentada acerca da condenação por danos morais,

    entendo incabível na espécie, porquanto o eventual sofrimento, em tese, imposto ao

    autor é próprio e decorre da pretensão resistida, que deu origem à presente lide. Os

    dissabores enfrentados, portanto, se encontram submetidos aos efeitos da contenda,

    não havendo dano moral a ser reparado.

    DA LIMINAR – CONTINUIDADE DO BLOQUEIO

    Diante da procedência parcial da demanda deve ser

    mantido o bloqueio dos valores, à vista da necessidade de implementar alterações na

    divisão do prêmio, mormente em relação à situação dos Requeridos, transferindo-se

    os valores à conta única administrada pelo Egrégio Tribunal de Justiça.

    Em face da decisão do feito, por óbvio, fica prejudicada a

    audiência conciliatória designada. III – DISPOSITIVO (ART. 458 , III , do CPC)

    Diante do exposto, resolvo o mérito da presente Ação

    Ordinária, JULGANDO PARCIALMENTE PROCEDENTE o feito, na forma do art. 269, I, do CPC , para, em conseqüência, reconhecer ao autor FLÁVIO JUNIOR

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    Endereço:

    BIASSI o direito à percepção da metade relativa ao prêmio do concurso 898 da Mega

    Sena e condenar os co-réus a restituírem o valor de R$ 13.891.026,91 (treze milhões,

    oitocentos e noventa e um mil, vinte e seis reais e noventa e um centavos),

    atualizados monetariamente pelo INPC e acrescidos de juros de mora de 1% ao mês,

    a partir da citação.

    Em face da sucumbência recíproca, o Autor arcará com

    50% das custas processuais e honorários advocatícios dos patronos dos

    Requeridos, ficando revogado, após o trânsito em julgado desta decisão, o benefício

    da assistência judiciária gratuita que lhe foi concedido, provisoriamente (fls. 224). Por

    sua vez os Requeridos arcarão com 50 % das custas processuais e honorários

    advocatícios dos patronos do Autor, arbitrados em 10% (dez por cento) sobre o valor

    atualizado da causa (art. 20 , §§ 3º e c/c art. 21 , ambos do CPC).

    Em ambos os casos os honorários advocatícios fixados e

    as despesas processuais abrangem tanto a ação principal quanto a cautelar

    aparelhada.

    Por conseqüência, julgo procedente a ação cautelar

    aparelhada (Nº 037.07.004221-3) para tornar definitivo o bloqueio dos valores

    decretado liminarmente, determinando a transferência dos valores, com seus

    eventuais acréscimos, para a Conta Única do Poder Judiciário de Santa Catarina,

    providência que deverá ser adotada pela Sra. Escrivã, em caso de apelação por

    qualquer das partes; não havendo recurso, os requeridos deverão informar em 5

    (cinco) dias de quais contas serão sacados valores da condenação, para o

    conseqüente levantamento do bloqueio.

    Publique-se. Registre-se. Intime-se.

    (SC),

    Edemar Gruber, juiz de Direito.

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