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29 de Abril de 2024

STF Nov22 - Nulidade absoluta por ausência de defesa técnica - Sum 523 do STF

ano passado

Inteiro Teor

HABEAS CORPUS 221.630 PA RAÍBA

RELATOR : MIN. ANDRÉ MENDONÇA

PACTE.(S) : JERFESSON SILVA DE SOUZA

IMPTE.(S) : DEFENSORIA PÚBLICA DA UNIÃO

ADV.(A/S) : DEFENSOR PÚBLICO-GERAL FEDERAL

COATOR (A/S)(ES) : SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA

DECISÃO

HABEAS CORPUS . TRIBUNAL DO JÚRI. FASE DO SUMÁRIO DA CULPA. AUSÊNCIA DE RESPOSTA À ACUSAÇÃO (ART. 406 DO CPP). VIOLAÇÃO AO ART. 408 DO CPP. AUSÊNCIA DO ACUSADO NA PRIMEIRA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO. FALTA DE DEFESA TÉCNICA: OCORRÊNCIA. DEMONSTRAÇÃO DO PREJUÍZO. NULIDADE: EXISTÊNCIA (ARTS. 563 E 564, INC. III, ALS. C E E, DO CPP). CONCESSÃO DA ORDEM.

1. Trata-se de habeas corpus impetrado contra acórdão mediante o qual a Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao Agravo Regimental no Habeas Corpus nº 772.334/PB.

2. Colhe-se dos autos que o paciente, juntamente com outros corréus, foi pronunciado pelos crimes previstos no art. 121, § 2º, incs. II, III e IV, c/c o art. 155, ambos do CP, e o art. 12 da Lei nº 10.826, de 2003, não tendo sido apresentada resposta à acusação durante a instrução processual, tampouco sido intimado a comparecer na primeira audiência de instrução e julgamento. A sessão do tribunal do júri foi designada para o dia 03/11/2022, às 08h30 (e-doc. 4).

3. Inconformada, a Defensoria Pública do Estado da Paraíba interpôs recurso em sentido estrito no Tribunal de Justiça, que lhe negou provimento.

4. Contra essa decisão, formalizou-se a impetração no STJ. Recurso ordinário em habeas corpus que se seguiu ainda está pendente de julgamento, estando os autos conclusos com o Ministro Vice-Presidente do STJ (e-doc. 2, p. 45-57).

5. Neste habeas corpus , a Defensoria Pública da União informa que, durante a instrução processual, não houve resposta à acusação pelo advogado então constituído pelo paciente, que apenas apresentou um pedido de transferência de unidade prisional e, posteriormente, renunciou ao mandato. Acrescenta que a peça também não foi apresentada, por não ter havido intimação do paciente para constituição de novo patrono, mesmo havendo determinação judicial nesse sentido e estando sob custódia estatal, em desobediência ao disposto no art. 396-A, § 2º, do CPP. Alega que a inexistência de resposta à acusação, prevista no art. 406 do CPP, peça obrigatória para prosseguimento do processo em relação ao rito do Júri, ocasionou a nulidade prevista no art. 564, inc. III, al. c, do mesmo diploma, inviabilizando a possibilidade de "arguir preliminares; alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, sob pena de preclusão". Aduz que, apesar da nulidade, o processo teria prosseguido e realizada audiência de instrução e julgamento sem a presença do paciente e seu defensor, com a intimação realizada apenas ao final da instrução, por carta precatória, quando a instrução processual já havia terminado e pendente apenas oferecimento de alegações finais. Argumenta sobre os prejuízos decorrentes da falta de defesa técnica ao longo da instrução pelos vícios apontados: "não estava presente na primeira audiência; não teve defensor de sua confiança ou que cuidasse especificamente do seu caso durante instrução processual e não teve a oportunidade de produzir prova oral que pudesse implicar na sua absolvição sumária, no afastamento das qualificadoras, na desclassificação, entre outras teses ."

6. Requer, liminarmente, seja suspensa a realização da sessão de julgamento do Tribunal do Júri designada para o dia 03/11/2022. No mérito, seja concedida ordem para anular "o processo desde o início da instrução, em razão da não apresentação da resposta à acusação do réu (peça obrigatória no processo penal), bem como pela ausência de defesa técnica ao longo da instrução com fulcro no art. 564, IV, do CPP c/c art. 406, 396 e 396-A do mesmo código c/c Súmula 523/STF".

É o Relatório.

Decido.

7. Na decisão de pronúncia, a Magistrada de piso anotou, como preliminar, ser incontroversa a falta de resposta à acusação pelo paciente . Entretanto, afirmou inexistir prejuízo à ampla defesa , ressaltando a assistência da defensoria pública em todos os atos . Vejamos trecho pertinente:

"PRELIMINARMENTE

Antes, porém, uma questão merece ser pontuada e dirimida nesta oportunidade. Vejamos.

Emerge dos autos que o terceiro acusado, Jerfesson Silva de Souza, apesar de citado pessoalmente, não apresentou em nenhum momento resposta à acusação, muito embora possuísse advogado constituído, sendo o Bel. Dr. Clebson do Nascimento Bezerra - OAB/PB 23.049 o responsável por patrocinar a defesa do acusado no feito naquela ocasião.

Ademais, vislumbra-se que o constituído somente apresentou à época PEDIDO DE TRANSFERÊNCIA VOLUNTÁRIA para o réu (ID 34064869 - Pág. 99/100), nada se manifestando sobre os fins dos artigos 396 e 396-A, ambos do CPP.

Mais adiante, vê-se que o profissional renunciou ao mandato em 23/01/2019 (ID 34064633 - Pág. 57), oportunidade em que foi determinada a intimação pessoal do réu para constituir novo patrono para ofertar a citada peça defensiva, tendo a ordem sido cumprida em 07/10/2020 (ID 35778940 - Pág. 20), contudo sem manifestação do réu .

É de se notar que, no momento da intimação do acusado para constituir novo defensor, o feito já estava em fase bem adiantada, inclusive findada a instrução processual, pendente tão somente de alegações finais por alguns dos acusados , tendo, para o acusado em questão, os autos sido remetidos à Defensoria Pública para apresentação da citada peça, eis que ficou inerte e não constituiu novo patrono quando intimado para tal finalidade , todavia, é deveras incontroverso que não houve apresentação de resposta à acusação para Jerfesson Silva de Souza.

E apesar de tal deficiência, não é difícil reconhecer que a ausência da citada peça não foi capaz de trazer qualquer prejuízo efetivo para a defesa do ré , de sorte a macular o processo em relação a este de tal forma e se cogitar eventual alegação de nulidade nos autos, mormente quando se sabe que o processo seguiu o seu curso normal, com a participação do denunciado em todos os seus atos, sempre contando com a assistência da Defensoria Pública Estadual, tanto na audiência de instrução quanto por ocasião da apresentação das alegações finais , não havendo registro de que tenha o réu ficando desamparado ou mesmo que tivesse a sua defesa prejudicada.

(...)

Assim, mesmo ausente resposta à acusação para o acusado Jerfesson Silva de Souza, como não declinado qualquer prejuízo efetivo à defesa do réu, de sorte a inviabilizar o seu direito de ampla defesa, prejudicada está eventual alegação de nulidade sobre a supressão do ato , por imperativo dos comandos do art. 563 do CPP e da Súmula n. 523/STF". (e-doc. 2, p. 61-63, grifos nossos).

8. Ao rejeitar a preliminar de nulidade por ausência de defesa técnica, o Tribunal de Justiça anotou a presença de defensora pública na audiência de instrução e julgamento e atuação em favor do paciente , bem como concluiu pela não demonstração de prejuízo diante da ausência de resposta à acusação por inércia do patrono então constituído. Vejamos trecho do acórdão, no ponto que interessa:

"Da Preliminar de Nulidade do Feito pela Ausência de Defesa Técnica

Os recorrentes alegam, como segunda preliminar, a nulidade do feito em razão da ausência de defesa técnica na audiência de instrução . Para o réu Jerfesson, desde a renúncia do seu patrono constituído, tendo sido determinada a intimação do mesmo para constituir novo advogado, mas não foi efetivada a intimação e o réu permaneceu sem defesa técnica desde 23 de janeiro de 2019 .

Pelo que se verifica nos autos, a citação do réu Jerfesson ocorreu em 22 de outubro de 2018 (Id. 12188661, p. 82). E, em 9 de novembro de 2018, ele constituiu o advogado Clebson do Nascimento Bezerra para sua defesa (Id. 12188662, p. 1), o qual interpôs pedido de transferência de unidade prisional (Id. 12188661, p. 99).

Em 28 de novembro de 2018, foi determinada a intimação do patrono para apresentar a resposta à acusação (Id. 12188662,

p. 12). Foi publicada a respectiva Nota de Foro (Id. 12188662, p.

17) em 13 de dezembro de 2018.

Mas, o advogado apresentou renúncia em 23 de janeiro de 2019 (Id. 12188662, p. 57) sem ter apresentado a respectiva resposta à acusação .

Em 06 de fevereiro de 2019, foi determinada a intimação pessoal do réu para constituir novo patrono (Id. 12188662, p. 73). Mandado expedido em 08 de fevereiro de 2019 (Id. 12188662, p. 99), não cumprido em razão de o réu não estar na cadeia de Mamanguape, pois tinha sido transferido para João Pessoa .

Depois disto, em 19/03/2019, ocorreu a audiência de instrução para oitiva de testemunhas (Id. 12188663, p. 10), na qual não estava presente o recorrente Jerfesson , nem seu advogado particular (que já havia renunciado).

De pronto, afirmo que o Termo de Audiência respectivo se encontra com equívocos. Consta a presença de dois advogados, mas há assinatura de três.

Consta a presença de duas testemunhas arroladas pelo Ministério Público (Sharllon Rennan e Célio Bezerra), mas no resumo dos acontecimentos, consta que foram ouvidas as testemunhas e declarantes arroladas na denúncia, com exceção de Célio, que não foi intimado.

E mais: na oitiva dos depoimentos que constam no Sistema PJe Mídias, é possível constatar-se que, na realidade, a Defensora Pública Maria Silvonete Rodrigues estava presente ao ato, fazendo a defesa técnica de Jerfesson Silva Souza e de Josenildo da Cruz Ferreira.

Em se escutando os depoimentos de Ana Leide, de Sharllon, de Danúbia e de Antonio (Gabi), após as perguntas da representante ministerial, do Advogado Nicácio Ribeiro

(patrono do réu Fabiano da Silva) e do Advogado Walter Batista (patrono do réu Felipe José), a magistrada expressamente menciona que passa a palavra à Dra. Silvonete, a qual faz perguntas em defesa de ambos os recorrentes. Inclusive, expressamente citando os nomes de ambos quando das reperguntas à testemunha Sharllon.

(...)

Em continuação, a audiência marcada para 04/04/2019 , no Id. 12188663, p. 40, restou adiada para 30/04/2019 (Id. 12188663,

p. 76). Esta, realizada com a presença do réu Jerfesson, inclusive tendo sido o mesmo interrogado . Na oportunidade, conforme se verifica da mídia constante no sistema PJe Mídias, sua defesa técnica foi efetuada pela Defensoria Pública , tal qual na audiência anterior.

Portanto, não se vislumbra a alegada ausência de defesa técnica . Outrossim, o entendimento contido no parecer da douta Procuradoria de Justiça caminha no sentido de que houve a ausência de defesa técnica em relação a não apresentação da resposta à acusação de Jerfesson Silva (Id. 12881036, p. 5).

Mas, conforme reconhecido no próprio parecer:

E apesar de tal deficiência, não é difícil reconhecer que a ausência da citada peça não foi capaz de trazer qualquer prejuízo efetivo para a defesa do réu, mormente quando se sabe que processo seguiu o seu curso normal, com a participação do denunciado em todos os seus atos, sempre contando com a assistência da Defensoria Pública Estadual, tanto na audiência de instrução quanto da ocasião das alegações finais, não havendo registro de que tenha o réu ficado desamparado ou mesmo que tivesse a sua defesa prejudicado .

É sabido que, consoante dispõe o art. 563 do Código de Processo Penal, não se declara a nulidade de ato processual sem que haja efetiva demonstração de prejuízo, em observância ao princípio pas de nullité sans grief.

No mesmo sentido, preconiza o enunciado 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal que, no processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu.

É o caso dos autos, onde verifica-se que, por falha atribuída à defesa (veja-se que tanto o réu foi citado, como seu advogado, regularmente constituído, à época, foi intimado) não foi apresentada a resposta escrita à acusação .

Mas, não há que se falar em falta de defesa. Esta foi suficientemente assumida pela Defensoria Pública como demonstrado acima .

Assim, igualmente rejeito esta preliminar."

(e-doc. 2, p. 51-53, grifos nossos).

9. No STJ, o Ministro Relator adotou a mesma ótica e assentou que aquela "Corte Superior possui pacífico entendimento de que não se declara a nulidade do ato processual - seja ela relativa ou absoluta - se a arguição do vício não vier acompanhada da prova do efetivo prejuízo para a parte, em consonância com o princípio pas de nullité sans grief". Quanto à ausência de resposta à acusação , ressaltou ainda a inexistência de constrangimento ilegal, haja vista que o advogado regularmente constituído deixou transcorrer in albis o prazo , mesmo depois de muito tempo após seu esgotamento, entre a efetiva intimação, em 28/11/2018, e a renúncia ao mandato, em 23/01/2019 (e-doc. 3, p. 12-15).

10. Ao negar provimento ao agravo regimental, por unanimidade, a Quinta Turma do STJ proferiu acórdão assim ementado, destacando o acompanhamento do paciente pela defensoria pública em todos os atos defensivos, de maneira "suficientemente cuidadosa":

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. TRIBUNAL DO JÚRI. CRIMES DOLOSOS CONTRA A VIDA. NULIDADE. ADVOGADO QUE DEIXOU TRANSCORRER IN ALBIS O PRAZO PARA A APRESENTAÇÃO DA RESPOSTA À ACUSAÇÃO. AUSÊNCIA DE DEFESA TÉCNICA. INOCORRÊNCIA. PACIENTE QUE, DEPOIS DA RENÚNCIA DE SEU PATRONO CONSTITUÍDO, PASSA A SER DEFENDIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA, INCLUSIVE QUANDO DA AUDIÊNCIA DE INSTRUÇÃO. DEFENSORIA PÚBLICA PRESENTE E ATUANTE. EFETIVO PREJUÍZO NÃO DEMONSTRADO. PRINCÍPIO DO PAS DE NULLITÉ SANS GRIEF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO.

1. Como é de conhecimento, o Superior Tribunal de Justiça já se pronunciou em diversas ocasiões no sentido de que é imprescindível a demonstração de prejuízo para reconhecimento de eventual nulidade, em decorrência do princípio do pas de nullité sans grief , consagrado no art. 563 do Código de Processo Penal.

2. Além disso, é firme o entendimento jurisprudencial desta Corte de que apenas a ausência de defesa, ou situação equivalente, com prejuízo demonstrado, é apta a macular a prestação jurisdicional, na forma do que preconiza o enunciado n. 523 da Súmula do Supremo Tribunal Federal : No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu .

3. No caso dos autos, não foi demonstrado efetivo prejuízo apto a inquinar de nulidade o processo , pois o Tribunal de origem consignou expressamente que, diante da renúncia do advogado constituído - que, devidamente intimado para a apresentação da resposta à acusação, deixou transcorrer in albis o prazo legal -, o Juízo de primeiro grau determinou a intimação pessoal do paciente para constituir novo patrono, a qual restou infrutífera, de forma que sua defesa foi exercida pela Defensoria Pública, que se fez presente em audiência de instrução e julgamento, formulando perguntas, e o acompanhou em todos os atos defensivos até o final da instrução processual e portou-se de forma suficientemente cuidadosa .

4. Agravo regimental a que se nega provimento." (e-doc. 3, p. 27-28, grifos nossos).

11. Diante da incontroversa ausência de apresentação de resposta à acusação , situação não adequadamente enfrentada pelas instâncias anteriores foi a violação do mandamento contido no art. 396- A, § 2º do CPP , com idêntica providência prevista para o rito do Júri, nos arts. 406 e 408, do CPP, in verbis:

"Art. 406. O juiz, ao receber a denúncia ou a queixa, ordenará a citação do acusado para responder a acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias."

"Art. 408. Não apresentada a resposta no prazo legal, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em até 10 (dez) dias , concedendo-lhe vista dos autos ."(grifos nossos).

12. O dispositivo evidencia a obrigatoriedade desta peça , mesmo diante de inércia da defesa, exigindo do Estado-juiz a nomeação de defensor para oferecê-la. Nesse sentido é a lição de Renato Brasileiro de Lima ao concluir que "a não apresentação de resposta à acusação implicará em nulidade absoluta, por força do art. 564, III, e, do CPP".1 Na mesma linha, assevera Gustavo Henrique Badaró, ao indicar que a jurisprudência dos tribunais superiores já havia se pacificado no sentido de considerar nulidade absoluta a ausência de defesa prévia, prevista no antigo art. 38, § 3º, da Lei nº 10.409, de 2022 2 , com a mesma redação do atual art. 396-A, § 2º, do CPP, que determina que a resposta escrita "é uma defesa obrigatória".3 Colacionamos alguns desses precedentes nesta Suprema Corte:

"HABEAS CORPUS. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DO PROCESSO PENAL PELA INOBSERVÂNCIA DO RITO PROCEDIMENTAL PREVISTO NA LEI Nº 10.409/2002. PREJUÍZO CUJA DEMONSTRAÇAO É IMPOSSÍVEL. Suscitado oportunamente o vício, é nulo o processo penal em que não se observa o contraditório prévio estabelecido pela lei nº 10.409/2002. Prejuízo inerente à abertura em si do processo penal , que, in casu , ainda culminou com a condenação. Precedentes: HC 84.835, RHC 86.680. Ordem concedida para determinar a anulação do processo desde o recebimento da denúncia."

(HC nº 55.583/MS, Primeira Turma, Rel. Min. Ayres Britto,

j. 17/10/2006, p. 17/11/2006; grifos nossos)

"PROCESSO PENAL - DENÚNCIA - AUDIÇÃO PRÉVIA DO ACUSADO - FORMALIDADE - NATUREZA. A defesa prévia do acusado, antecedendo o recebimento da denúncia, é

2 Art. 38. Oferecida a denúncia, o juiz, em 24 (vinte e quatro) horas, ordenará a citação do acusado para responder à acusação, por escrito, no prazo de 10 (dez) dias, contado da data da juntada do mandato aos autos ou da primeira publicação do edital de citação, e designará dia e hora para o interrogatório, que se realizará dentro dos 30 (trinta) dias seguintes, se o réu estiver solto, ou em 5 (cinco) dias, se preso.

(...)

§ 3º Se a resposta não for apresentada no prazo, o juiz nomeará defensor para oferecê-la em 10 (dez) dias, concedendo-lhe vista dos autos no ato de nomeação.

formalidade essencial imposta por norma imperativa. PROCESSO PENAL - DENÚNCIA - AUDIÇÃO DO ACUSADO - PREJUÍZO. O simples fato de olvidar-se elemento próprio ao devido processo legal gera a presunção de prejuízo, que, depois de prolatada decisão condenatória, fica certificado mediante instrumento público formalizado pelo Judiciário."

( RHC nº 95.140/SP, Primeira Turma, Min. Marco Aurélio,

j. 29/09/2009, j. 19/02/2010)

"HABEAS CORPUS" - NULIDADE PROCESSUAL ABSOLUTA RECONHECIDA PELO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA - DIREITO AO CONTRADITÓRIO PRÉVIO (LEI Nº 10.409/2002, ART. 38)- INOBSERVÂNCIA DESSA FASE RITUAL PELO JUÍZO PROCESSANTE - OFENSA AO POSTULADO CONSTITUCIONAL DO "DUE PROCESS OF LAW" - SUBSISTÊNCIA, NO ENTANTO, DA PRISÃO CAUTELAR DECRETADA CONTRA O PACIENTE - CONFIGURAÇÃO, EM TAL HIPÓTESE, DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO - PEDIDO DEFERIDO.

( HC nº 94.276/SC, Segunda Turma, Rel. Min. Celso de Mello, j. 30/09/2008, p. 26/09/2011)

13. Não se poderia, então, atribuir a carência da referida peça à falha da defesa, como assentado pelas instâncias anteriores, pois a exigência legal, no caso de inércia, era de nomeação de defensor para que fosse oferecida em 10 dias.

14. Ao tratar da instrução criminal no processo comum, Renato Brasileiro indica que o escopo principal da resposta à acusação "é uma eventual absolvição sumária , nas hipóteses de atipicidade, excludentes da ilicitude, ou de causa extintiva da punibilidade" .4 Entretanto, ao realizar a diferenciação da providência no procedimento bifásico do Tribunal do Júri , o autor esclarece que "a absolvição sumária também é possível, porém só poderá ocorrer após a audiência de instrução . Nesse sentido o art. 411, § 9º, do CPP estabelece que, encerrados os debates na audiência de instrução, o juiz proferirá sua decisão, ou o fará em 10 (dez) dias, sendo que a absolvição sumária é uma das 4 (quatro) possíveis decisões que pode ser então proferida, além da pronúncia, desclassificação e impronúncia" 5 .

15. Já para Gustavo Henrique Badaró 6 , é admissível a absolvição sumária antes mesmo da designação de audiência de instrução, após a resposta à acusação, na forma do art. 397 do CPP, mesmo no procedimento dos crimes dolosos contra a vida.

16. Nessa peça, são ainda oportunizadas as medidas descritas no art. 396-A, caput , do CPP, mesmas previstas no art. 406, § 3º, do CPP para o procedimento do Júri, quais sejam: "argüir preliminares e alegar tudo que interesse a sua defesa, oferecer documentos e justificações, especificar as provas pretendidas e arrolar testemunhas, até o máximo de 8 (oito), qualificando- as e requerendo sua intimação, quando necessário" . No que tange à preclusão temporal relacionada à produção testemunhal, providência a ser indicada na resposta à acusação, nada impediria, entretanto, a oitiva de testemunhas de defesa como se do juízo o fossem (art. 209, caput , do CP), circunstância não indicada nos autos.

17. Como ensina Guilherme de Souza Nucci, a possibilidade de punição no direito penal exige a garantia do "exercício do direito de ação, com sua consequência, que é o direito ao contraditório e à ampla defesa", regra aplicável às fases do procedimento especial previsto para o Tribunal do Júri, "no juízo de formação da culpa, no juízo de preparação do plenário e no

5 Op. cit., p. 1217-1218, grifos nossos.

juízo de mérito" 7 . O autor ainda nomeia a resposta do réu à acusação como "defesa prévia" e assim a descreve:

"Se a defesa prévia não for apresentada, em função do princípio da plenitude de defesa , o magistrado determinará que o defensor dativo, a ser por ele nomeado, o faça, ou abrirá vista à Defensoria Pública, que cuidará, então, do patrocínio da defesa do acusado. Preceitua o art. 408 do CPP que será aberta vista dos autos, para que, em 10 dias, haja oferecimento da defesa prévia. O importante, no cenário da defesa prévia, é abrir a oportunidade para o defensor se manifestar e que ele o faça, mesmo que não adiante tese alguma, por uma questão de estratégia . Pode reservar o seu direito de expor, ao final, o conteúdo defensivo." 8

18. Ainda que a articulação de outras teses, como a absolvição sumária ou desclassificação, tenha espaço em momento procedimental posterior, conforme estratégia a ser escolhida pela defesa, foi tolhida do paciente a oportunidade de escolher novo advogado , ou mesmo de receber defesa por defensor público em tempo hábil, para escolha da tática defensiva , antes do início da instrução processual, o qual também não foi intimado, mesmo estando sob custódia estatal, em presídio indicado ao juízo da causa .

19. Do fato de haver registro da atuação da defensora pública e de ter realizado perguntas às testemunhas, na defesa do paciente e do corréu Josenildo da Cruz Ferreira , não decorre a conclusão lógica de que o vício originado pela ausência de resposta à acusação e de nomeação de defensor dativo previamente não causou prejuízo à sua defesa. Afinal, tampouco houve contato entre o paciente e sua defensora para alinhavar

7 Tribunal do Júri. 9 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2022, p. 50-51

qualquer postura defensiva adequada à condução da prova oral produzida em audiência.

20. Como se depreende do ofício expedido, em 12/09/2022, pela Juíza à Defensoria Pública da Paraíba, quando aprazada data inicial para sessão do Tribunal do Júri, em 26/09/2022, foi solicitada a designação de 3 defensores públicos para patrocinar a defesa de 3 acusados , entre os quais o paciente e Josenildo da Cruz Ferreira , por sustentarem "teses conflituosas entre si" (e-doc. 2, p. 20). Ora, na primeira audiência de instrução e julgamento, em que o paciente estava ausente e Josenildo presente, presumiu-se que a mesma defensora atuou na defesa dos dois , sendo, então, após a pronúncia, indicada a contraposição de suas teses e a necessidade de defensores distintos .

21. Com efeito, a disciplina normativa das nulidades no sistema jurídico brasileiro é regida pelo postulado básico "pas de nullité sans grief" que, nas palavras do eminente Ministro Celso de Mello, "t em por finalidade rejeitar o excesso de formalismo, desde que a eventual preterição de determinada providência legal não tenha causado prejuízo para qualquer das partes" ( HC nº 133.864 AgR/RS, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, j. 04/04/2018, p. 19/04/2018).

22. No mesmo sentido é a diretriz jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal que, "[ à] luz da norma inscrita no art. 563 do CPP e da Súmula 523/STF (...) firmou o entendimento de que, para o reconhecimento de nulidade dos atos processuais, relativa ou absoluta, exige-se a demonstração do efetivo prejuízo causado à parte" ( HC nº 104.648/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, j. 12/11/2013, p. 26/11/2013), devendo "expor, claramente, como o novo ato beneficiaria o acusado" ( HC nº 119.372/MG, Rel. Min. Teori Zavascki, Segunda Turma, j. 04/08/2015, p. 02/02/2016), não se decretando "nulidade processual por mera presunção" ( HC nº 107.769/PR, Rel. Min. Cármen Lúcia, Primeira Turma, j.

18/10/2011, p. 28/11/2011).

23. Não se desconhece, ainda, que a jurisprudência desta Suprema Corte é firme no sentido de que a "ausência do acusado na audiência de instrução não constitui vício insanável apto a ensejar a nulidade absoluta do processo, posto tratar-se de nulidade relativa, exigindo-se, para o seu reconhecimento, a demonstração de prejuízo à defesa ." ( RHC nº 110.056/SP, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, j. 10/04/2012, p. 09/05/2012).

24. O que se percebe, entretanto, é que o paciente, (i) primeiramente, não deu causa aos vícios processuais; (ii) em segundo lugar, não lhe foi atribuída defesa dativa em momento oportuno para condução da instrução processual, inclusive no sentido de considerar teses defensivas coerentes com a pluralidade de acusados; e (iii) finalmente, deixou de ser intimado, mesmo estando sob custódia estatal.

25. Os vícios processuais identificados pela violação ao rito estabelecido para a fase do sumário da culpa, em especial do art. 408 do CPP, implicam a observância do disposto nos arts. 563 e 564, inc. III, als. c e e, do Código de Processo Penal:

"Art. 563. Nenhum ato será declarado nulo, se da nulidade não resultar prejuízo para a acusação ou para a defesa .

Art. 564. A nulidade ocorrerá nos seguintes casos:

III - por falta das fórmulas ou dos termos seguintes:

c) a nomeação de defensor ao réu presente, que o não tiver , ou ao ausente, e de curador ao menor de 21 anos;

(...)

e) a citação do réu para ver-se processar, o seu interrogatório, quando presente, e os prazos concedidos à acusação e à defesa;" (grifos nossos).

26. Já a primeira parte do verbete nº 523 da Súmula do STF consubstancia a situação do paciente, no sentido de que "[n]o processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta , mas a sua deficiência só o anulará se houver prova do prejuízo para o réu", já que não houve mera deficiência, e sim ausência de defesa técnica na sua plenitude.

27. Depreendemos ainda do ensinamento de Antônio Scarance Fernandes, que reflete sobre a defesa efetiva, o seguinte:

"Além de necessária, indeclinável, plena, a defesa deve ser efetiva, não sendo suficiente a aparência de defesa.

(...)

Com a mesma finalidade de se garantir defesa efetiva, não se pode admitir um mesmo advogado para patrocinar em juízo a defesa de dois réus quando as teses são colidentes. Não poderá ele, de forma satisfatória, sustentar teses antagônicas. Um dos dois acusados sairá prejudicado.

Em face da preocupação com a defesa eficiente em todo o desenvolvimento da relação jurídica processual, deve ser dado defensor ao réu logo após a citação, para apresentação de resposta, caso não tenha constituído defensor (art. 396 e 396-A), e, na audiência, garantir-lhe, ainda, o direito de manter contato com o advogado nomeado antes de ela ser iniciada."

(FERNANDES, Antônio Scarance. Processo penal constitucional. 7 ed. rev. atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, p. 260-261.)

28. A doutrina pátria sobre o sistema de nulidades no processo penal, em especial a regência dos princípios do prejuízo e da causalidade como critérios para decretação da nulidade assim registra:

"a desobediência às formalidades estabelecidas pelo legislador só deve conduzir ao reconhecimento da invalidade do ato quando a própria finalidade pela qual a forma foi instituída estiver comprometida pelo vício".

(GRINOVER, Ada Pellegrini; GOMES FILHO, Antônio Magalhães; FERNANDES, Antônio Scarance. As nulidades no processo penal. 12 ed. Rev. e atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2011, p. 27)

29. Portanto, nesse contexto, configurada nulidade absoluta por ausência de defesa técnica, reputo inidônea a afirmação de inocorrência de prejuízo para o paciente, considerando a sequência de violações ao direito de ampla defesa insanáveis, desde a citação para oferecimento de resposta à acusação, que deixou de ser ofertada.

30. Assim, entendo ocorridos relevantes prejuízos ao paciente, pois, a partir da inobservância ao art. 408 do CPP, ficou impossibilitada sua defesa técnica, resultando, ainda, na ausência de sua intimação para comparecimento em audiência de instrução e julgamento, mesmo com informação ao juízo do estabelecimento prisional em que se encontrava, e consequente inviabilidade de articulação apropriada de estratégia defensiva diante de teses conflitantes entre os múltiplos réus.

31. Ante o exposto, concedo a ordem , com fundamento no art. 192 do RISTF, para reconhecer a nulidade dos atos processuais desde a primeira audiência de instrução e julgamento , devendo, o Juiz da 1a Vara Mista de Mamanguape/PB, nos autos do processo nº 0001106- 62.2018.8.15.0231, abrir vista à Defensoria Pública para apresentar resposta à acusação, na forma do art. 408 do CPP .

32. Comunique-se, com urgência, ao Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba e ao Juiz da 1a Vara Mista de Mamanguape/PB.

Publique-se.

Brasília, 28 de outubro de 2022.

Ministro ANDRÉ MENDONÇA

Relator

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(STF - HC: 221630 PB, Relator: ANDRÉ MENDONÇA, Data de Julgamento: 28/10/2022, Data de Publicação: PROCESSO ELETRÔNICO DJe-s/n DIVULG 28/10/2022 PUBLIC 03/11/2022)

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