Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
30 de Abril de 2024

STJ Ago 22 - Homicídio com Dolo Eventual e Incompatibilidade da Qualificadora do Perigo Comum e da impossibilidade de Defesa da Vítima

há 2 anos


HABEAS CORPUS Nº 760904 - MS (2022/0239721-1)

DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado em favor de LEONARDO GUSTAVO DE OLIVEIRA contra acórdãos proferidos pelo Tribunal de Justiça do Estado de Mato Grosso do Sul ( Recurso em Sentido Estrito n. 0000565-31.2017.8.12.0010 e Embargos Infringentes e de Nulidade n. 0000565-31.2017.8.12.0010/50000), assim ementados (e-STJ, fls. 22/23 e 42):

EMENTA - RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - DELITO DE HOMICÍDIO DUPLAMENTE QUALIFICADO - PEDIDO DE ABSOLVIÇÃO SUMÁRIA NEGADO - NEGADO - PLEITO SUBSIDIÁRIO DE DESCLASSIFICAÇÃO PARA OS DELITOS DOS ARTS. 302 OU 306 DO CTB - REJEITADO - PEDIDO DE AFASTAMENTO DAS QUALIFICADORAS DO PERIGO COMUM E DO MEIO CRUEL- NEGADO - RECURSO DESPROVIDO. I - A pronúncia é mero juízo de admissibilidade acusatória e não condenatório. Portanto, após a instrução criminal, se existirem elementos, mesmo que indiciários, a apontar a autoria, provada substancialmente a materialidade (existência do crime), cabe ao juiz remeter a acusação a exame pelos jurados. II - Deve ser levado a julgamento pelo Tribunal do Júri o caso que comporte, de algum modo, conforme a valoração subjetiva das provas, elementos indicadores de autoria a par da materialidade do delito. Rejeitados os pleitos de absolvição sumária e de desclassificação do delito para aquele descrito no artigo 302 do Trânsito Brasileiro. III - E impossível a desclassificação para o delito do artigo 306, do Código de Trânsito Brasileiro, uma vez que não se adequa sua conduta ao tipo penal em questão. IV - Para ocorra o afastamento das qualificadoras decorrentes do perigo comum e do recurso que dificultou a defesa da vítima, em sede de decisão de pronúncia, é necessário que o contexto probatório sinalizasse de maneira clara a não configuração. No caso, existem elementos nas provas a amparar a tese acusatória em relação às referidas qualificadoras. Tratando-se a pronúncia de mero juízo de admissibilidade e viabilidade da pretensão deduzida na denúncia, as provas devem ser levadas à apreciação do Conselho de Sentença, constitucionalmente competente para o julgamento. EMENTA - EMBARGOS INFRINGENTES EM RECURSO EM SENTIDO ESTRITO - HOMICÍDIO QUALIFICADO - PLEITO PELA PREVALÊNCIA DO VOTO VENCIDO QUE EXTIRPOU AS QUALIFICADORAS DO PERIGO COMUM E DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA - INVIABILIDADE - EMBARGOS INFRINGENTES REJEITADOS - COM O PARECER. Em regra, as qualificadoras devem ser levadas ao plenário, só podendo ser suprimidas à apreciação do Júri quando totalmente descabidas e dissociadas do conjunto probatório, o que não ocorreu no caso em apreço. O paciente é réu na ação penal n. 0000565-31.2017.8.12.0010, em que pronunciado pela prática do delito previsto no art. 121, § 2º, III e IV, c/c art. 18, I, todos do Código Penal. Colhe-se dos autos que após a sentença de pronúncia, o paciente interpôs recurso em sentido estrito - improvido -, seguido de embargos infringentes e de nulidade - rejeitados -, com vista à absolvição sumária e, subsidiariamente, desclassificação para os delitos previstos nos arts. 302 ou 306 do CTB e o afastamento das qualificadoras. Aduz que o recurso especial interposto foi inadmitido e o agravo em recurso especial não conhecido. Atualmente, encontra-se o feito na origem aguardando sessão de julgamento designada para o dia 16/9/22. Sustenta a defesa, em síntese, que as qualificadoras são manifestamente improcedentes.

Afirma que o paciente possivelmente agiu com dolo eventual ao colidir com a vítima e provocar-lhe os ferimentos que causaram sua morte. Nesse contexto, diz que vige o entendimento jurisprudencial no sentido de incompatibilidade entre o dolo eventual com o recurso que impossibilita a defesa da vítima bem como perigo comum. Requer, liminarmente, a suspensão da sessão de julgamento pelo Tribunal do Júri de Fátima do Sul/MS, até a apreciação do mérito do presente writ.

No mérito, que seja concedida a ordem para afastar as qualificadoras previstas no art. 121, § 2º, III e IV, do CP.

É o relatório. Decido.

Inicialmente, o Superior Tribunal de Justiça, seguindo o entendimento firmado pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, como forma de racionalizar o emprego do habeas corpus e prestigiar o sistema recursal, não admite a sua impetração em substituição ao recurso próprio. Cumpre analisar, contudo, em cada caso, a existência de ameaça ou coação à liberdade de locomoção do paciente, em razão de manifesta ilegalidade, abuso de poder ou teratologia na decisão impugnada, a ensejar a concessão da ordem de ofício.

Na espécie, embora a impetrante não tenha adotado a via processual adequada, para que não haja prejuízo à defesa do paciente, passo à análise da pretensão formulada na inicial, a fim de verificar a existência de eventual constrangimento ilegal. Acerca do rito a ser adotado para o julgamento desta impetração, as disposições previstas nos arts. 64, III, e 202, do Regimento Interno do Superior Tribunal de Justiça não afastam do relator a faculdade de decidir liminarmente, em sede de habeas corpus e de recurso em habeas corpus, a pretensão que se conforme com súmula ou com a jurisprudência consolidada dos Tribunais Superiores ou a contraria ( AgRg no HC 513.993/RJ, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 25/06/2019, DJe 01/07/2019; AgRg no HC 475.293/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 27/11/2018, DJe 03/12/2018; AgRg no HC 499.838/SP, Relator Ministro JORGE MUSSI, Quinta Turma, julgado em 11/04/2019, DJe 22/04/2019; AgRg no HC 426.703/SP, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 18/10/2018, DJe 23/10/2018 e AgRg no RHC 37.622/RN, Relatora Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, Sexta Turma, julgado em 6/6/2013, DJe 14/6/2013).

Nesse diapasão, uma vez verificado que as matérias trazidas a debate por meio do habeas corpus constituem objeto de jurisprudência consolidada neste Superior Tribunal, não há nenhum óbice a que o Relator conceda a ordem liminarmente, sobretudo ante a evidência de manifesto e grave constrangimento ilegal a que estava sendo submetido o paciente, pois a concessão liminar da ordem de habeas corpus apenas consagra a exigência de racionalização do processo decisório e de efetivação do próprio princípio constitucional da razoável duração do processo, previsto no art. , LXXVIII, da Constituição Federal, o qual foi introduzido no ordenamento jurídico brasileiro pela EC n. 45/2004 com status de princípio fundamental ( AgRg no HC 268.099/SP, Relator Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Sexta Turma, julgado em 2/5/2013, DJe 13/5/2013).

Na verdade, a ciência posterior do Parquet, longe de suplantar sua prerrogativa institucional, homenageia o princípio da celeridade processual e inviabiliza a tramitação de ações cujo desfecho, em princípio, já é conhecido ( EDcl no AgRg no HC 324.401/SP, Relator Ministro GURGEL DE FARIA, Quinta Turma, julgado em 2/2/2016, DJe 23/2/2016). Em suma, para conferir maior celeridade aos habeas corpus e garantir a efetividade das decisões judiciais que versam sobre o direito de locomoção, bem como por se tratar de medida necessária para assegurar a viabilidade dos trabalhos das Turmas que compõem a Terceira Seção, a jurisprudência desta Corte admite o julgamento monocrático do writ antes da ouvida do Parquet em casos de jurisprudência pacífica ( AgRg no HC 514.048/RS, Relator Ministro RIBEIRO DANTAS, Quinta Turma, julgado em 06/08/2019, DJe 13/08/2019). Possível, assim, a análise do mérito da impetração, já nesta oportunidade.

Busca-se, no caso, o afastamento das qualificadoras pelas quais pronunciado o paciente, posto que alegadamente improcedentes. Acerca dos fatos, extrai-se da denúncia a seguinte narrativa (fls. 57): Consta do incluso inquérito policial, que no dia 25 de fevereiro de 2017 (sábado), por volta das 07h35min, na Rua Cristobalina Ruiz Cabelo, nº 1214, centro, nesta cidade de Fátima do Sul/MS, o denunciado Leonardo Gustavo de Oliveira, agindo com inequívoco dolo eventual, pois assumiu o risco de produzir um grave acidente e, tendo a consciência plena deste resultado, valendo-se de meio que resultou perigo comum e tornou difícil a defesa da ofendida, após ingerir bebidas alcoólicas, conduziu o veículo F-1000, placas HPA-5875, ano 1998, cor cinza, com o qual colidiu violentamente na roda traseira da bicicleta marca/modelo Colli GPS, de cor lilás, que era guiada por Renilde Batista Fernandes, causando-lhe traumatismo crânio-encefálico, em decorrência de ação contundente, o que foi a causa eficiente de sua morte, consoante laudo de exame de corpo de delito necroscópico juntado aos autos.

A decisão de pronúncia, quanto às qualificadoras, foi assim proferida (fls. 20/21):
[...] Das qualificadoras: Com relação às qualificadoras imputadas ao acusada, cabe esclarecer que o Ministério Público sustentou que o crime foi cometido mediante recurso que dificultou a defesa da vítima, uma vez que a vítima conduzia regularmente sua bicicleta na sua mão de direção, sendo violentamente atropelada pelo veículo que seguia atrás, o qual era conduzido pelo acusado, de modo que não teve chance alguma de escapar do impacto que ceifou sua vida". Não obstante, o Parquet sustentou que o crime fora"cometido por outro meio que resultou perigo comum, tendo em vista que o acusado conduziu o veículo em via pública estando embriagado, sonolento e em velocidade incompatível para a via, durante o período de festividades carnavalescas, no qual é público e notório o aumento no fluxo de pessoas neste município."Nesse ponto, em respeito ao princípio do juiz natural, deve ser reconhecido que somente é cabível a exclusão de qualificadora na sentença de pronúncia quando manifestamente improcedente e descabida, porquanto a decisão acerca da sua caracterização ou não deve ficar a cargo do Conselho de Sentença. Analisando detidamente as provas produzidas até o momento, não se demonstram teratológicas as circunstâncias qualificadoras apresentadas pelo Ministério Público, até porque há indicativos de que o acusado havia ingerido bebida alcoólica e teria conduzido o seu veículo estando embriagado em via pública, vindo posteriormente a ceifar a vida da vítima, sem esta ter tido a oportunidade de ter visualizado a aproximação do veículo do acusado que trafegava atrás de si, no mesmo sentido da via, sendo plausível, portanto, que o sinistro causado pela acusada tenha surpreendido a vítima. Como já mencionado, não havendo elementos suficientes para afastar pretensa qualificadora na fase da sentença de pronúncia, por não se encontrar claramente divorciada dos fatos narrados nos autos, sua apreciação deve ser submetida ao crivo do Tribunal do Júri. Dispositivo: Posto isso, julgo procedente a denúncia para, nos termos do art. 413, do CPP, pronunciar o acusado Leonardo Gustavo de Oliveira, já qualificado, submetendo-o a julgamento perante o Tribunal do Júri desta comarca, para ser julgado pela suposta prática do crime previsto no artigo 121, § 2º, incisos III e IV, c/c artigo 18, inciso I, ambos do Código Penal.

Por sua vez, o Tribunal de origem, ao julgar o recurso em sentido estrito interposto, fundamentou (fls. 35/36):

No que concerne ao pleito de afastamento das qualificadoras, também razão não assiste à defesa. Conforme se verifica da prova testemunhal, o local em que ocorreu o acidente era muito movimentado, pois além de ficar próximo a uma padaria que já estava aberta, trata-se de rua que liga o bairro BNH ao centro da cidade, com movimentação de várias pessoas. Destaco, ainda, que na época dos fatos a cidade de Fátima do Sul/MS estava festejando o carnaval, o ocasionou um aumento considerável de fluxo de pessoas nessa época. Nessa linha, com base na dinâmica dos fatos até então narrada, tem-se que o reu, em tese, teria agido por meio que resultou perigo comum, causando perigo a um número indeterminado de pessoas, o respalda a manutenção da qualificadora do artigo 121, § 2º, III, do Código Penal. Impende, ainda, salientar, como visto, dada a dinâmica do crime apurada, observa-se que a vítima estava impedida de esboçar toda e qualquer reação visando a sua defesa, haja vista ter sido atropelada inesperadamente na parte traseira da bicicleta. O próprio Leonardo disse que a vítima não o viu, sequer tentou frear ou desviar. Sendo assim, também impõe-se a manutenção da qualificadora prevista no § 2º, inciso IV, do art. 121, do CP. Acrescento, por derradeiro, que não se pode olvidar que com a manutenção da sentença de pronúncia, haverá nova oportunidade para produção de outras provas em plenário, as quais, a seu turno, poderão, eventualmente, aclarar o conhecimento dos jurados acerca dos fatos. Há que ser salientado, ainda, que a decisão pronúncia não tem natureza condenatória, mas meramente admissional. Dessa forma, os elementos de prova colhidos até o presente momento podem fundamentar a submissão dos autos ao Conselho de sentença. Nessa linha, segue recente julgado:"RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO HOMICÍDIO QUALIFICADO PRONÚNCIA ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO DO INQUÉRITO RETIRADA DAS QUALIFICADORAS APRECIAÇÃO PELOS JURADOS LIBERDADE PROVISÓRIA. I. A sentença de pronúncia deve comportar, basicamente, o juízo de admissibilidade da acusação, adstrito à existência de prova da materialidade do ilícito e"RECURSOS EM SENTIDO ESTRITO HOMICÍDIO QUALIFICADO PRONÚNCIA ELEMENTOS DE INFORMAÇÃO DO INQUÉRITO RETIRADA DAS QUALIFICADORAS APRECIAÇÃO PELOS JURADOS LIBERDADE PROVISÓRIA. I. A sentença de pronúncia deve comportar, basicamente, o juízo de admissibilidade da acusação, adstrito à existência de prova da materialidade do ilícito e suficientes indícios de autoria. II. Os ditames do art. 155 do CPP devem ser vistos com ressalva. A pronúncia não tem natureza condenatória, mas meramente admissional. Os elementos de informação do inquérito podem fundamentar a submissão dos autos ao Conselho. Precedentes do TJDFT e STJ. III. As qualificadoras só devem ser refutadas, por ocasião da pronúncia, quando inexistirem indícios que as sustentem ou se mostrem despropositadas e manifestamente incoerentes com o acervo probatório. IV. Inalterada a situação fática que determinou a decretação da prisão, os réus devem ser mantidos acautelados. V. Recursos desprovidos." (TJ-DF - RSE: 20090210000388 , Relator: SANDRA DE SANTIS, Data de Julgamento: 06/08/2015, 1ª Turma Criminal, Data de Publicação: Publicado no DJE : 13/08/2015 . Pág.: 93). Dessa forma, em face da ausência de provas inequívocas do animus laedendi do recorrente neste momento processual, em observância ao princípio do "in dúbio pro societate" impõe-se a manutenção da sentença de pronúncia, a fim de que seja submetido ao julgamento pelo Tribunal do Júri. Ante o exposto, com o parecer, nego provimento ao recurso. É como voto.

Não obstante as fundamentadas decisões proferidas pelas instâncias ordinárias, nos termos do que pretende a defesa, verifica-se a incompatibilidade entre o dolo eventual e as circunstâncias qualificadoras do perigo comum e do recurso que dificultou a defesa da vítima, previstas na parte final dos incisos III e IV do § 2º do artigo 121 do Código Penal, respectivamente, in verbis:

Art. 121. Matar alguém: Pena - reclusão, de seis a vinte anos. [...] Homicídio qualificado § 2º Se o homicídio é cometido: [...] III - com emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum; IV - à traição, de emboscada, ou mediante dissimulação ou outro recurso que dificulte ou torne impossível a defesa do ofendido; [...]

Isso porque, tanto o Supremo Tribunal Federal como este Superior Tribunal de Justiça já pacificaram entendimento no sentido da incompatibilidade da qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima, em razão da surpresa, com o dolo eventual, uma vez que se revela característica da intenção do agente, não podendo ser aceita na forma de homicídio cujo dolo seria o eventual, visto que, a despeito do agravante ter assumido o risco de produzir o resultado, não o desejou.

Cabe frisar que o agente, quando atua imbuído de dolo eventual, não quer o resultado lesivo, não age com a intenção de ofender o bem jurídico tutelado pela norma penal. O resultado, em razão da sua previsibilidade, apenas lhe é indiferente, residindo aí o desvalor da conduta que fez com o que o legislador equiparasse tal indiferença à própria vontade de obtê-lo. No mesmo sentido é o posicionamento desta Corte em relação à qualificadora do perigo comum, a qual incidirá naqueles casos em que o agente atua de maneira direcionada à obtenção do resultado, em que, prevendo a morte da vítima, não só a deseja, como também atua de maneira mais vigorosa, empregando meio hábil a garantir o sucesso da execução.

Com efeito, tal modo de agir evidencia que a incidência da qualificadora em debate pressupõe, por parte do agente, uma percepção bastante clara e definida do resultado almejado, razão pela qual conclui-se pela sua incompatibilidade com a figura do dolo eventual, em que, como já visto, o agente não age direcionado à prática do delito, a despeito de assumir o risco de produzi-lo. A propósito do tema, seguem transcritos os seguintes precedentes jurisprudenciais desta Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. FUNDAMENTOS DO DESPACHO DE INADMISSIBILIDADE INATACADOS. REVISÃO CRIMINAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO (ART. 121, § 2º, INCISOS III E IV, DO CÓDIGO PENAL). ACIDENTE DE TRÂNSITO. DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR SOB EFEITO DE ÁLCOOL. DOLO EVENTUAL E QUALIFICADORAS DESCRITAS NO ART. 121, § 2º, INCISOS III (PERIGO COMUM) E IV (RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA), DO CÓDIGO PENAL. INCOMPATIBILIDADE. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. HABEAS CORPUS, DE OFÍCIO. 1. Como tem reiteradamente decidido esta Corte, os recursos devem impugnar, de maneira específica e pormenorizada, todos os fundamentos da decisão contra a qual se insurgem, sob pena de vê-los mantidos. Não são suficientes meras alegações genéricas sobre as razões que levaram à inadmissão do agravo ou do recurso especial ou a insistência no mérito da controvérsia. 2. Conquanto a incidência da Súm. n. 1289710747/sumulan 182-do-stj"target=" _blank ">182/STJ, verifico a ocorrência de constrangimento ilegal a ensejar a concessão de habeas corpus de ofício, tendo em vista a incompatibilidade entre o dolo eventual e as circunstâncias qualificadoras do perigo comum e do recurso que dificultou a defesa da vítima, previstas na parte final dos incisos III e IV do § 2º do artigo 121 do Código Penal. Precedentes. 3. O agente, quando atua imbuído em dolo eventual, não quer o resultado lesivo, não age com a intenção de ofender o bem jurídico tutelado pela norma penal. O resultado, em razão da sua previsibilidade, apenas lhe é indiferente, residindo aí o desvalor da conduta que fez com o que o legislador equiparasse tal indiferença à própria vontade de obtê-lo. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. Concedido habeas corpus, de ofício, para o fim de determinar a exclusão das qualificadoras previstas nos incs. III e IV, do Código Penal, devendo o Tribunal a quo redimensionar a pena do agravante. ( AgRg no AREsp n. 1.682.533/SP, relator Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 19/5/2020, DJe de 27/5/2020.)
EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO. PRONÚNCIA. DOLO EVENTUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A QUALIFICADORA OBJETIVA DESCRITA NO ART. 121, § 2º, III, DO CÓDIGO PENAL. QUALIFICADORA AFASTADA. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS INFRINGENTES. 1. A qualificadora de natureza objetiva prevista no inciso III do § 2º do art. 121 do Código Penal não se compatibiliza com a figura do dolo eventual, pois enquanto a qualificadora sugere a ideia de premeditação, em que se exige do agente um empenho pessoal, por meio da utilização de meio hábil, como forma de garantia do sucesso da execução, tem-se que o agente que age movido pelo dolo eventual não atua de forma direcionada à obtenção de ofensa ao bem jurídico tutelado, embora, com a sua conduta, assuma o risco de produzi-la. Precedentes. 2. Embargos de declaração acolhidos, com efeitos infringentes, para afastar da pronúncia a qualificadora reconhecida em face do recorrente, desclassificando a conduta para a prevista no art. 121, caput, e § 4º, do Código Penal (por três vezes) e art. 306 do CTB. ( EDcl no REsp n. 1.848.841/MG, relator Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 2/2/2021, DJe de 8/2/2021.)
RECURSO ESPECIAL. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA DIREÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PRONÚNCIA. JUSTA CAUSA. CONDUÇÃO DO VEÍCULO EM ESTADO DE EMBRIAGUEZ, EM ALTA VELOCIDADE, EM ZIQUE-ZAGUE E PELA CONTRAMÃO. PRESENÇA DE INDÍCIOS DE DOLO EVENTUAL. INEXISTÊNCIA DE CERTEZA JURÍDICA DE CULPA CONSCIENTE. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. DOLO EVENTUAL. INCOMPATIBILIDADE COM A QUALIFICADORA OBJETIVA DESCRITA NO ART. 121, § 2º, III, DO CÓDIGO PENAL. QUALIFICADORA AFASTADA. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. 1. Havendo a indicação pelo Tribunal de origem de que o réu conduzia o automóvel embriagado, em alta velocidade e em zigue-zague, pela contramão, tem-se a presença de indícios de dolo eventual do homicídio, com a demonstração de justa causa para a pronúncia, não sendo juridicamente viável a desclassificação do delito, a qual exigiria certeza jurídica sobre a ocorrência de culpa consciente, nos termos do art. 419 do Código de Processo Penal. 2. No dolo eventual, o agente não quer o resultado, mas assume o o risco de produzi-lo (art. 128, I - CP). Prevê o resultado, não o deseja, mas também não recua na conduta, assumindo o risco do resultado. Nos delitos de trânsito, precedentes têm admitido que o binômio embriaguez e velocidade, produzindo resultado danosos, implica dolo eventual, conclusão que não pode ser adotada de forma absoluta, mesmo porque não se garante que a previsão do resultado, pelo agente, dê-lhe a certeza de que também não pereça ou de que não seja lesionado. 3. Mas, de toda forma, a decisão pela ocorrência, dentro das circunstâncias do caso, de culpa consciente - o agente prevê o resultado mas espera que ele não ocorra - ou dolo eventual deve ficar para a definição do Tribunal do Júri, o juízo natural. 4. Conforme a jurisprudência desta Corte Superior, a qualificadora prevista no artigo 121, § 2º, III, do CP, que sugere a ideia de premeditação, com a percepção clara e definida do resultado almejado por parte do agente, não se compatibiliza com a figura do dolo eventual, no qual o agente, embora assuma o risco, não atua de forma direcionada à obtenção da ofensa ao bem jurídico tutelado. 5. Recurso especial parcialmente provido para afastar a qualificadora referente ao perigo comum reconhecida na pronúncia. ( REsp n. 1.922.058/SC, relator Ministro Olindo Menezes (Desembargador Convocado do TRF 1ª Região), Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 21/9/2021.)
HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO NA CONDUÇÃO DE VEÍCULO AUTOMOTOR. PRONÚNCIA. DESCLASSIFICAÇÃO. IMPOSSIBILIDADE. EMBRIAGUEZ. PRESENÇA DE CIRCUNSTÂNCIAS EXCEDENTES. QUALIFICADORA DO RECURSO QUE DIFICULTOU A DEFESA DA VÍTIMA. INCOMPATIBILIDADE COM O DOLO EVENTUAL. HABEAS CORPUS PARCIALMENTE CONCEDIDO. 1. É possível, em crimes de homicídio na direção de veículo automotor, o reconhecimento do dolo eventual na conduta do autor, desde que se justifique tal conclusão excepcional com base em circunstâncias fáticas que, subjacentes ao comportamento delitivo, indiquem haver o agente previsto o resultado morte e a ele anuído. 2. O Tribunal estadual, ao pronunciar o acusado, apontou, além da embriaguez, a existência de outros elementos dos autos a indicar a possibilidade haver o paciente agido com dolo, mesmo que eventual. Com efeito, a referida Corte registrou haver indícios de que o réu conduzia o veículo embriagado, em alta velocidade, na contramão da direção e com faróis desligados. 3." Em razão da competência do Tribunal do Júri e, em especial, pela soberania da qual seus veredictos são dotados, a exclusão do julgamento da causa pelo órgão popular, pela desclassificação da conduta delituosa, poderá ocorrer tão somente quando não houver absolutamente nenhum elemento que indique a presença do dolo de matar, direto ou eventual "( REsp n. 1.245.836/RS, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 27/2/2013). 4. A jurisprudência do STJ firmou-se no sentido de ser incompatível a qualificadora do recurso que dificultou a defesa da vítima com o dolo eventual, pois essa adjetivadora é própria do dolo direto. Precedentes. 5. Habeas corpus parcialmente concedido para afastar da decisão de pronúncia a qualificadora prevista no inciso IV do § 2º do art. 121 do CP. ( HC n. 590.002/SE, relator Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 14/9/2021, DJe de 11/10/2021.)
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS SUBSTITUTIVO DE RECURSO PRÓPRIO. HOMICÍDIO. EXPOR A VIDA OU A SAÚDE DE OUTREM A PERITO DIRETO E IMINENTE. ARTS. 304, 305, 306 E 308 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. INÉPCIA DA DENÚNCIA. INOCORRÊNCIA. OBEDIÊNCIA AO ART. 41 DO CPP. AUSÊNCIA DE JUSTA CAUSA. REVOLVIMENTO DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. DESCLASSIFICAÇÃO DO HOMICÍDIO PARA MODALIDADE CULPOSA. NECESSIDADE DE DILAÇÃO PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INCOMPATIBILIDADE DO DOLO EVENTUAL COM A QUALIFICADORA PREVISTA NO INCISO IV DO PARÁGRAFO 2º DO ART. 121 DO CP. EXCLUSÃO. POSSIBILIDADE. HABEAS CORPUS NÃO CONHECIDO. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 6. Quanto à desclassificação do delito de homicídio doloso para culposo, cumpre ressaltar que este Superior Tribunal de Justiça possui entendimento de que, acolher a tese da defesa de que o paciente não agiu com dolo eventual, demandaria o aprofundado revolvimento do conjunto fático-probatório, providência inviável na via estreita do habeas corpus. Ora, cabe ao Juízo processante primeiramente decidir sobre a existência do dolo, a materialidade do crime e os indícios de autoria da conduta delitiva para submeter o acusado a julgamento pelo Tribunal do Júri, com base nas provas a serem amealhadas na fase do iudicium acusationis. 7. Com efeito, conforme entendimento firmado no âmbito desta Corte, as qualificadoras somente podem ser excluídas na fase do iudicium accusationis se manifestamente improcedentes. Precedentes. 8. Tem prevalecido nesta Corte Superior a tese de incompatibilidade entre o dolo eventual com as circunstâncias qualificadoras do inciso IV do § 2º do art. 121 do Código Penal, pois, tratando-se de crime no trânsito, com dolo eventual, não se poderia concluir que tivesse o agente deliberadamente agido de surpresa, de maneira a dificultar ou impossibilitar a defesa da vítima. 9. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício para afastar a qualificadora do inciso IV do § 2º do art. 121 do Código Penal. ( HC n. 634.637/AC, relator Ministro Ribeiro Dantas, Quinta Turma, julgado em 4/5/2021, DJe de 10/5/2021.)

Ante o exposto, não conheço do habeas corpus. Todavia, concedo habeas corpus, de ofício, para o fim de determinar a exclusão, d a decisão de pronúncia, das qualificadoras previstas nos incisos III e IV do § 2º do art. 121 do Código Penal. Comunique-se, com urgência. Intimem-se. Brasília, 08 de agosto de 2022. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA Relator

👉👉👉👉 Meu Whatsaap de Jurisprudências, Formulação de HC eREsp - https://chat.whatsapp.com/FlHlXjhZPVP30cY0elYa10

👉👉👉👉 ME SIGA INSTAGRAM @carlosguilhermepagiola.adv

(STJ - HC: 760904 MS 2022/0239721-1, Relator: Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, Data de Publicação: DJ 10/08/2022)

  • Publicações1082
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações161
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-ago-22-homicidio-com-dolo-eventual-e-incompatibilidade-da-qualificadora-do-perigo-comum-e-da-impossibilidade-de-defesa-da-vitima/1627346231

Informações relacionadas

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 4 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL: AgRg no AREsp XXXXX SP XXXX/XXXXX-4

ContratoRecurso Blog, Advogado
Modeloshá 4 anos

Modelo De Ação De Cobrança De Honorários Advocatícios

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 3 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS: AgRg no HC XXXXX SC XXXX/XXXXX-0

Supremo Tribunal Federal
Jurisprudênciahá 8 meses

Supremo Tribunal Federal STF - HABEAS CORPUS: HC XXXXX PR

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 5 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX RS XXXX/XXXXX-1

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)