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24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 anos

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

7ª Câmara de Direito Criminal

Publicação

Julgamento

Relator

Klaus Marouelli Arroyo

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-SP_APR_00005388220168260369_6d4b3.pdf
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Inteiro Teor

Registro: 2022.0000291342

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Criminal nº XXXXX-82.2016.8.26.0369, da Comarca de Monte Aprazível, em que são apelantes LUCIANO CESAR SCALON e JOSÉ DONIZETI SIMÕES CRUZ, é apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.

ACORDAM, em 7a Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Aafastada a matéria preliminar, negaram provimento aos recursos. V.U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores REINALDO CINTRA (Presidente sem voto), FERNANDO SIMÃO E FREITAS FILHO.

São Paulo, 20 de abril de 2022.

KLAUS MAROUELLI ARROYO

RELATOR

Assinatura Eletrônica

APELAÇÃO CRIMINAL n º XXXXX-82.2016.8.26.0369

FORO DE ORIGEM: 1a VARA CRIMINAL DA COMARCA DE MONTE APRAZÍVEL

7a CÂMARA DE DIREITO CRIMINAL

APELANTES: LUCIANO CESAR SCALON e

JOSÉ DONIZETI SIMÕES CRUZ

APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO

Preliminar Conversão do julgamento em diligência para que seja concedido ao Ministério Público oportunidade de oferecimento da Proposta de Não Persecução Penal Impossibilidade Hipótese em que a Lei nº 13.964/2019 entrou em vigor quando já havia sido oferecida a denúncia e encerrada a instrução penal Ausência de confissão Demais disso, acusado que não preenche os requisitos para a celebração do acordo, porque responde a inúmeros processos e ostenta condenações por improbidade administrativa Preliminar afastada.

Apelação criminal Frustração do caráter competitivo de licitação- Recursos defensivos que buscam a absolvição dos acusados Impossibilidade Existência de prova robusta da autoria e materialidade do delito Condenação mantida Recurso não provido.

VOTO Nº 4124

LUCIANO CESAR SCALON e JOSÉ DONIZETI SIMÕES CRUZ foram condenados, pela r. sentença de fls. 1118/1134, cujo relatório adota-se, como incursos no artigo 90 da Lei Federal nº 8.666/1993, cada um, ao cumprimento de dois anos e quatro meses de detenção, em regime aberto e pagamento de onze dias-multa, piso mínimo e absolvidos do crime descrito no artigo , inciso II do Decreto Lei nº 201/67, com amparo no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal.

Inconformados com a condenação, recorreram os acusados.

A defesa de José Donizeti pugna pela sua absolvição, ao argumento de que não restou comprovado que houve fraude na licitação, pelo fato de outras duas empresas terem apresentado propostas com valores superiores ao valor máximo do certame, ou, ainda, pela cessão da marca do acusado Luciano Scalon, Prefeito à época dos fatos, em favor de José, pois esta foi utilizada em festas anteriores realizadas por este apelante, sem que isto demonstre conluiou ou irregularidade nos certames.

Alega, ainda, que o ínclito Magistrado sentenciante não observou que, embora o corréu Luciano tenha sido condenado por improbidade administrativa, foi em razão de ter utilizado o recinto em 07/09/2013, e não por fraude à licitação (fls.

1174/1182).

Luciano Cesar Scalon, em preliminar, pugna pela conversão do julgamento em diligência, para que seja dada oportunidade ao Ministério Público de fazer a proposta de Acordo de Não Persecução Penal, ou, na hipótese de não ser esse o entendimento, que fundamente a recusa na lei e nas especificidades do caso concreto.

Aduz que a necessidade de confissão para viabilizar a proposta é requisito formal que pode ser cumprido a qualquer tempo, desde que oportunizado ao réu o que não ocorreu no caso concreto, sendo argumento inválido a afastar a benesse.

Alega, ainda, que o Acordo de Não Persecução Penal é direito público e não pode ser negado.

Além disso é possível a aplicação da benesse, em casos em que não tenha ocorrido o trânsito em julgado da condenação e, aplica-se o instituto, até mesmo quando remanescer discussão acerca da autoria e materialidade delitiva.

No mérito, pugna pela absolvição, nos termos do artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal, em função da atipicidade formal de sua conduta, diante da inexistência de um fato punível, ou, por ausência de provas da fraude no procedimento licitatório, ou, por afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência.

Alega que não participou de qualquer forma dos atos que compuseram o ato questionado, tendo sido contratados três dias de realização das festividades, sendo o quarto dia custeado pela empresa contratada.

Aduz que cedeu, gratuitamente, o direito de uso da marca "Scalon & Scalon de Nipoã Ltda" à pessoa jurídica "SS Promoções & Eventos", nome fantasia da microempresa"José Donizeti Simões Cruz ME", que venceu o processo licitatório, e não participava dos atos realizados pela empresa que era dirigida pelo corréu José (fls. 1185/1200).

Recursos tempestivos, bem processados, contrariados (fls. 1205/1211), com parecer da Douta Procuradoria Geral de Justiça pelo desprovimento dos apelos (fls. 1220/1233).

É o relatório.

De proêmio, anota-se que no dia

1º de abril de 2021 foi publicada a Lei Federal nº 14.133/2021, denominada Lei de Licitações e Contratos Administrativos, em vigor desde então.

A novel lei passou a tratar das matérias antes versadas nas Leis Federais nº 8.666/1993, 10.520/2002 e, em parte, na Lei Federal nº 12.462/2011 (artigos 1º ao 47-A).

Em seu artigo 193, inciso I, o novo Texto Legal revogou, expressa e imediatamente "... os arts. 89 a 108 da Lei Federal nº 8.666, de 21 de junho de 1993", ao passo que o inciso II prevê a revogação dos Diplomas Legais antes referidos, após o decurso de dois anos de sua publicação.

Não obstante, a conduta atribuída aos apelantes na denúncia, à época prevista, no ora revogado no artigo 90 caput da Lei Federal nº 8.666/1993, segue prevista como crime, agora tipificada no artigo 337-F do Código Penal, sob a rubrica Frustração do caráter competitivo de licitação, inserido no igualmente novo CAPÍTULO II-B, DOS CRIMES EM LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS, verbis:

"Art. 337-F. Frustrar ou fraudar, com o intuito de obter para si ou para outrem vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação, o caráter competitivo do processo licitatório:

Pena - reclusão, de 4 (quatro) anos a 8 (oito) anos, e multa".

O cotejo deste artigo com o artigo 90, da Lei Federal nº 8.666/1993, revela que não mais se exige para a configuração desse crime, que seja praticado "mediante ajuste, combinação ou qualquer outro expediente".

Observa-se, outrossim, que o novo Texto Legal trouxe severo recrudescimento da reprimenda relativa ao crime sob análise, passando a cominar pena de quatro a oito anos de reclusão, o dobro da pena de detenção antes estabelecida.

No que tange à pena pecuniária, o artigo 337-P, do mesmo Códex, substituto do artigo 99, § 1º da Lei Federal nº 8.666/1993, inova ao determinar que "A pena de multa cominada aos crimes previstos neste Capítulo seguirá a metodologia de cálculo prevista neste Código e não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta" (grifei).

Infere-se, portanto, que a pena de multa cominada ao artigo 337-F do Código Penal, será "calculada em dias-multa", observando-se os limites estabelecidos no artigo 49 do Código Penal, quais sejam, "no mínimo, de 10 (dez) e, no máximo, de

360 (trezentos e sessenta) dias-multa", daí a exclusão do índice máximo de 5% do valor do contrato, previsto no artigo revogado.

Deve ser observada, porém, a ressalva feita pelo Legislador, no sentido de que o montante final da pena pecuniária "não poderá ser inferior a 2% (dois por cento) do valor do contrato licitado ou celebrado com contratação direta".

Claro, portanto, que as penas cominadas ao artigo 337-F do Código Penal, por mais gravosas, impedem a aplicação retroativa da nova norma penal, nos termos do artigo , inciso XL da Constituição Federal.

Anotada a alteração legislativa, passa-se à análise dos recursos.

DENÚNCIA

Segundo consta da denúncia de fls. 828/239, no ano de 2013, em local incerto, na cidade de Nipoã, Comarca de Monte Aprazível, Luciano Cesar Scalon , José Donizeti Simões Cruz , Everaldo Henrique de Lima e Bruna Camila Ribeiro Fonseca, frustraram e fraudaram, mediante ajuste e combinação, o caráter competitivo do Procedimento Licitatório nº 43/2013 (Convite nº 24/2013), com o intuito de obter, para Luciano e José, vantagem decorrente da adjudicação do objeto da licitação.

Noticiam, ainda os autos que, nas mesmas circunstâncias de tempo e de espaço, e mais precisamente no dia 07 de setembro de 2013, Luciano, em concurso com José, utilizou- se, indevidamente, em proveito próprio e de José, de bens, rendas ou serviços públicos.

Conforme apurado no Inquérito Civil nº 14.0346.0000637/2013-8 e nos autos da Ação de Improbidade Administrativa nº 0000944-40.2015, em curso perante a 2a Vara da Comarca de Monte Aprazível, Luciano, Prefeito de Nipoã, figura como sócio da empresa Scalon & Scalon de Nipoã Ltda (fl. 20), sendo que o objeto da empresa, entre outros, consiste na "produção de espetáculos de rodeios, vaquejadas e similares" (fl. 18). É certo que no desenvolvimento dessa atividade empresarial Luciano criou o "Circuito Scalon de Rodeios".

No curso do mandato eletivo de Luciano, o "Circuito Scalon de Rodeios" integrou a Festa de Peão de Nipoã de 2013, realizada entre os dias 04 e 07 de setembro daquele ano, sendo certo que nesse período a estrutura do evento sobredito foi custeada com recursos próprios do tesouro municipal (cultura, desporto, lazer e turismo).

Luciano, valendo-se de expediente fraudulento, por meio de José Donizeti , criou artifício ilegal como forma de viabilizar a participação de empresa própria (Scalon & Scalon), no evento público denominado "Festa de Nipoã 2013".

Com efeito, José Donizeti é pessoa de confiança de Luciano, sendo certo que, não obstante a ausência de qualquer vínculo funcional ou empregatício com a Administração Pública Municipal de Nipoã, sempre figurou como agente intermediário (porta-voz) de Luciano nos negócios relacionados ao "Circuito Scalon de Rodeios" e assuntos coetâneos, de interesse público ou privado.

Prova desse fato radica na suposta "cessão gratuita de direitos de uso e exploração da marca Circuito Scalon', em que Luciano foi cedente e José cessionário (contrato de gaveta), não obstante a permanência da titularidade da"marca"por Luciano (fls. 18/20).

Também corrobora a pessoalidade de Luciano no trato da coisa pública o teor da qualificação exarada nos" contratos de locação de serviços de apresentação artística ", entabulados entre diversos cantores e a Prefeitura Municipal de Nipoã para a" Festa de Peão 2013 ", cujo" representante de fato "do ente público (e do Circuito Scalon) foi José.

Isso porque, nos dados relacionados ao contratante, as informações de contato da Prefeitura

Municipal são exatamente aquelas de José (fl. 45).

Nessa simbiose perniciosa entre Luciano e José em detrimento do interesse público primário, foi realizado o direcionamento de licitação (Convite nº 24/2013), cujo objeto, adjudicado fraudulentamente à empresa de José Donizeti, consistiu na contratação de fornecimento de equipamentos de infraestrutura de eventos para a realização da festa do peão de Nipoã (Circuito Scalon de Rodeios) no ano de 2013.

O referido Convite nº 24/2013, amparado no correspondente processo administrativo 43/2013, recebeu forma aparentemente adequada ao trâmite legal estatuído no diploma normativo de regência (Lei Federal nº 8.666/1993), não obstante eivado o motivo de vício congênito insanável, tendo em vista o conluio de todos os requeridos para a simulação de caráter competitivo da licitação com vencedor previamente determinado (José Donizeti Simões Cruz ME) fls. 110/186).

Há dois motivos sobremaneira contundentes acerca do direcionamento no Convite nº 24/2013.

O primeiro, e mais notório, correspondeu ao valor das propostas apresentadas por dois dos três participantes convidados.

Apesar dos inequívocos limites de valores de contratação aplicáveis à modalidade convite, nos termos do artigo 23, inciso II, alínea a (R$80.000,00), da Lei Federal nº 8.666/1993, os requeridos Everaldo Henrique de Lima e Bruna Camila Ribeiro Fonseca ME apresentaram, respectivamente, propostas com valores manifestamente superiores ao limite previsto na lei de regência: R$81.600,00 e R$93.670,00 (fls. 167/169).

O único licitante a apresentar proposta dentro do limite legal ao convite (para compra e serviços diversos) foi justamente a empresa de José Donizeti, que ostenta a condição de longa manus e apaniguado de Luciano.

Como forma de elevar ao máximo o valor da contratação, estando seguro de que os demais licitantes, porque conluiados, apresentariam propostas manifestamente acima dos limites legais, José apresentou a proposta de R$79.900,00 (fl. 214), sagrando-se, assim, vencedor no certame (contrato de fls. 230/239).

Nessa senda, a adjudicação do objeto do Convite nº 24/2013 foi resultado de manobra engendrada pelos requeridos Luciano e José, consentida pelos demais participantes da mencionada licitação, para o direcionamento do certamente em favor do" apadrinhado "José Donizeti.

O segundo motivo a desvelar a

fraude na licitação decorre do próprio relacionamento entre Luciano e José. É certo que a empresa José Donizeti Simões Cruz ME ganhou fraudulentamente o Convite nº 24/2013, em razão de" representar "os interesses do próprio prefeito, que pretendia se beneficiar de evento custeado com dinheiro público municipal para favorecer interesses próprios e de terceiros por ele escolhidos no incremento da atividade relacionada ao" Circuito Scalon de Rodeios ". Os documentos de fls. 06, 10, 15 e 17 demonstram claramente os fatos sobreditos.

Sublinhe-se que o objeto do Convite nº 24/2013, consistiu na contratação de fornecimento de equipamentos de infraestrutura de eventos para a realização da Festa de Peão de Nipoã (Circuito Scalon de Rodeios) no ano de 2013.

Conforme esclarecimentos de fl. 26, os recursos utilizados para a referida contratação, nos dias 04 a 06 de setembro de 2013, foram exclusivamente públicos.

Ocorre, porém, que, no dia 07 de setembro de 2013, a Prefeitura Municipal, na pessoa de Luciano, concedeu a título gratuito, sem qualquer critério objetivo e em evidente violação à probidade e impessoalidade na Administração Pública, a exploração do espaço da Festa de Peão de Nipoã à empresa José Donizeti Simões Cruz ME (SS Promoções e Eventos). Nessa ocasião, a empresa privada do apaniguado José cobrou valores para o acesso ao evento (portaria) e aos camarotes, bem como financiou apresentação de grupo musical (fl. 26).

Apesar das informações originárias da Prefeitura Municipal de Nipoã subscritas por Luciano, trilharem no sentido de que não houve recurso público relacionado ao fornecimento de estrutura para o dia 07 de setembro de 2013, é certo que o erário público municipal custeou a exploração do evento por empresa particular, qual seja, a"SS Produções e Eventos", de propriedade de José. Neste ponto, estranhamente, a referida empresa" SS Produções e Eventos "desperta a relação, ainda que mediata, com o nome empresarial vinculado a Scalon, a" S calon & S calon de Nipoã Ltda"(fl. 18).

Nesse passo, gize-se que as propostas de valores oferecidas por todos os licitantes interessados no objeto Convite nº 24/2013., inclusive a empresa vencedora, abrangeram o dia 07 de setembro de 2013, como incluídos nos serviços de fornecimento estabelecidos no edital (fls. 161, 163 e 165), informações homogêneas que despontam indícios de alteração posterior (após investigação) no instrumento convocatório (fls. 112/118) e do contrato administrativos entabulado entre os agentes conluiados (fls. 177/182), para neles constar apenas o período de"04 a 06 de setembro de 2013".

Tendo em vista a vontade viciada na formação daqueles instrumentos (edital e contrato administrativo), desprovidos de qualquer ato de registro público ou vontade externa imparcial que permitisse o controle quanto às modificações indevidas, há de prevalecer o teor das propostas dos licitantes, porquanto uniformes quanto à menção do dia 07 de setembro de 2013 como data abrangida pelos serviços oferecidos.

Verificou-se, por fim, que José Donizeti, na qualidade de representante da empresa" SS produções e Eventos ", e associado em fraude com Luciano enriqueceu-se ilicitamente em prejuízo do erário público, uma vez que no dia 07 de setembro de 2013 também houve aporte de verba pública municipal para a estrutura do evento (fl. 161), bem como cobrou ingressos para acesso ao recinto e ao camarote da Festa do Peão de Nipoã. Neste ponto, oportuno destacar as declarações de José na Promotoria de Justiça." No dia do show de Maria Cecília e Rodolfo (07/09/2013) foi utilizada a mesma estrutura dos outros dias de festa "(fl. 518).

Esclarecendo, a licitante vencedora recebeu o correspondente a R$79.900,00, para o fornecimento de estrutura completa par ao" Rodeio de Nipoã 2013 ", em todos os dias do evento (04 a 07 de setembro), mas, no último dia de festa, 07 de setembro, Luciano atribuiu indevida exploração daquela festa ao acusado José Donizeti.

É o que consta da denúncia.

Anote-se, por oportuno, que ao final da instrução, Everaldo Henrique de Lima e Bruna Camila Ribeiro Fonseca, foram absolvidos das imputações, sob os seguintes fundamentos:

"Por sua vez, não foi esclarecido de que modo a vantagem experimentada por Luciano e José Donizeti também aproveitaria a Everaldo ou qual interesse teria ao se conluiar com os demais. Consequentemente, o dolo específico ou especial fim de agir, exigido pelo tipo penal, não restou adequadamente demonstrado, o que prejudica a classificação da conduta como criminosa, por isso, tal acusado deve ser absolvido, na forma do artigo 386, inciso VIII, do CPP.

Além disso, não se pode imputar a ré Bruna ter tomado parte na empreitada criminosa, já que, desde abril de 2013, havia outorgado poderes para Kelvin atuar os negócios da empresa e ele próprio destacou que formulou a proposta acima do limite e tem experiência no ramo. Assim, ela deve ser absolvida, na forma do artigo 386, V, do CPP" (fls. 1127/1128).

PRELIMINAR

A defesa de Luciano pugnou, em preliminar, pela conversão do julgamento em diligência para que seja dada oportunidade ao Ministério Público de fazer a proposta de Acordo de Não Persecução Penal, ou, na hipótese de não ser esse o entendimento, que fundamente a recusa na lei e nas especificidades do caso concreto.

No entanto, sua pretensão não encontra guarida jurisdicional.

A Lei Federal nº 13.964/2019, denominada de Pacote Anticrime, entrou em vigor trinta dias após sua publicação, que ocorreu em 24/12/2019.

Referido diploma legal promoveu diversas alterações legislativas entre as quais está a contida no artigo 28- A, do Código de Processo Penal, denominado Acordo de Não Persecução Penal.

Da análise dos autos, observa-se que a instrução penal se encerrou em 16/05/2019 (fl. 1053). Após, foi concedido prazo para apresentação de alegações finais e, posteriormente, foi disponibilizado prazo para o aditamento dessas alegações, com a juntada da mídia de uma das audiências.

Em 22/11/2019, foi apresentado o último memorial das partes (fl. 1116) e a r. sentença condenatória foi publicada, nos autos em 20/02/2020 (fl. 1135).

Portanto, a lei nova entrou em vigor após o oferecimento da denúncia, que foi protocolizada em 08/02/2018 (fls. 828/836) e quando já estava encerrada a instrução criminal.

De qualquer modo, após o recebimento da denúncia, é incabível a aplicação retroativa do artigo 28- A, do Código de Processo Penal.

Isso porque, se o acordo é denominado de" não persecução ", ele somente poderia ser celebrado até o início da persecução, cujo marco seria o recebimento da denúncia.

Nesse sentido a Jurisprudência do

C. Superior Tribunal de Justiça:

"AGRAVO REGIMENTAL NO HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL. NÃO OCORRÊNCIA. RETROATIVIDADE ATÉ O RECEBIMENTO DA DENÚNCIA.

NEGATIVA DE AUTORIA E MATERIALIDADE. AUSÊNCIA DE LAUDO PERICIAL.DISPARO DE ARMA DE FOGO. OUTROS MEIOS DE PROVA. ILEGALIDADE NÃO CONFIGURADA.

1. No julgamento do HC XXXXX/SC, em 9/3/2021, a Sexta Turma, por maioria de votos, alinhando-se ao entendimento da Quinta Turma, firmou compreensão de que, considerada a natureza híbrida da norma, e diante do princípio tempus regit actum em conformação com a retroatividade penal benéfica, o acordo de não persecução penal incide aos fatos ocorridos antes da entrada em vigor da Lei 13.964/2019, desde que ainda não tenha ocorrido o recebimento da denúncia.

2. Tendo o Tribunal decidido pela condenação, reconhecendo a autoria e materialidade, mesmo sem exame pericial, já que existente nos autos outras provas como os depoimentos da vítima e da testemunha, verifica-se que o entendimento encontra-se em consonância com a jurisprudência da Corte, que admite outros meios de prova para atestar a materialidade do delito previsto no artigo 15 da Lei 10.826/2003, além do exame pericial.

3. Agravo regimental improvido". (AgRg no HC XXXXX/SC, Rel. Ministro OLINDO MENEZES (DESEMBARGADOR CONVOCADO DO TRF 1a REGIÃO), SEXTA TURMA, julgado em 07/12/2021, DJe 13/12/2021).

Assim, já se manifestou o E. Supremo Tribunal Federal:

"AGRAVO REGIMENTAL. HABEAS CORPUS. ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL EM RELAÇÃO AO DELITO DE ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO DE DROGAS (ART. 35 DA LEI 11.343/2006). INVIABILIDADE.

1 As condições descritas em lei são requisitos necessários para o oferecimento do Acordo de Não Persecução Penal (ANPP), importante instrumento de política criminal dentro da nova realidade do sistema acusatório brasileiro. Entretanto, não obriga o Ministério Público, nem tampouco garante ao acusado verdadeiro direito subjetivo em realizá-lo. Simplesmente, permite ao Parquet a opção, devidamente fundamentada, entre denunciar ou realizar o acordo, a partir da estratégia de política criminal adotada pela instituição.

2 O Art. 28-A do Código de Processo Penal, alterado pela Lei 13.964/19, foi muito claro nesse aspecto, estabelecendo que o Ministério Público 'poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições'.

3 A finalidade do ANPP é evitar que se inicie o processo, não havendo lógica em se discutir a composição depois da condenação, como pretende a defesa (cf. HC 191.464- AgR/SC, Primeira Turma, Rel. Min. Roberto Barroso, DJe de 26/11/2020).

4 Agravo regimental a que se nega provimento". ( HC 191.124/AgR, Relator Alexandre de Moraes, Primeira Turma, julgado em 08/04/2021, DJe-069 12.04.2021).

A persecução penal encerrou e todos os atos processuais se aperfeiçoaram. Se ainda assim não o fosse, o oferecimento do ANPP não seria cabível, como anotado pelo D. Promotor de Justiça oficiante por ocasião da apresentação das contrarrazões recursais, verbis:

"[...] Ora, a ausência de confissão, mesmo depois de vencida toda a etapa processual, revela a completa ausência de intenção de colaboração por parte do acusado.

Além disso, ainda que fosse aplicável, o recorrente LUCIANO CEZAR SCALON não preenche os requisitos para celebração do acordo, notadamente porque responde a inúmeros processos e ostenta inúmeras condenações por improbidade administrativa, de modo que o acordo não seria necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime".

Nesse aspecto, não há como atender ao pedido feito pela Defesa de Luciano.

Afastada a matéria preliminar, passa-se à análise do mérito dos recursos.

A priori, anote-se que em pesquisa aos autos da Ação Civil nº XXXXX-40.2015.8.26.0369, instaurada para apuração de atos de improbidade administrativa pelos mesmos fatos, ora aqui tratados, verifica-se que ao final, a ação foi julgada parcialmente procedente e os apelantes foram condenados a suspensão dos direitos políticos, pelo prazo de três anos após o trânsito em julgado da sentença; pagamento de multa civil; proibição de contratar com o Poder Público e receber benefícios ou incentivos fiscais, pelo prazo de três aos; Luciano também sofreu a perda de qualquer função pública, que estiver exercendo por ocasião ao trânsito em julgado da sentença. Atualmente o feito está em fase de cumprimento de sentença (autos nº 0000678-.14.2019.8.26.0369).

O Ministério Público apelou para que as partes fossem também condenadas por enriquecimento ilícito e danos ao erário, pelo fato de o prefeito ter possibilitado que José Donizeti explorasse economicamente o evento do dia 07/09/2013, pois a infraestrutura havia sido custeada com dinheiro público, no entanto, foi negado provimento ao seu recurso e também aos apelos de José e Luciano, mantida a condenação dos apelantes, nos termos da sentença de primeiro grau (3a Câmara de Direito Público, julgado em 30/01/2018, Relator José Luiz Gavião de Almeida).

Portanto, verifica-se que, ao contrário do que alega da Defesa de José, os apelantes foram condenados, por improbidade administrativa, (artigo 11 caput, c.c. artigo 12, inciso III da Lei Federal nº 8.429/1992, com redação anterior

às modificações introduzidas pela Lei Federal nº 14.230/2021 1 ) pela fraude em licitação, afastada a condenação por terem utilizado o recinto em 07/09/2013.

Outrossim, a r. sentença, ora recorrida, absolveu Luciano e José da acusação da prática do delito

1 Art. 11 - Constitui ato de improbidade

administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

I praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;

12 Independente das sanções penais, civis e administrativas previstas na legislação específica, está o responsável pelo ato de improbidade sujeito às seguintes cominações, que podem ser aplicadas isolada ou cumulativamente, de acordo com a gravidade do fato:

(...)

III na hipótese do ar. 11, ressarcimento integral do dano, se houver, perda da função pública, suspensão dos direitos políticos por três a cinco anos, pagamento de multa civil de até cem vezes o valor da remuneração percebida pelo agente e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda, que por intermédio de previsto no artigo 1º, inciso II do Decreto-Lei 2012/67, com amparo no artigo 386, inciso III do Código de Processo Penal.

Luciano e José foram denunciados pela prática de tal crime, porque em 07/09/2013, data não prevista no edital, houve apresentação da dupla sertaneja Maria Cecília & Rodolfo.

Luciano cedeu gratuitamente o uso de bem público municipal para José Donizeti promover o referido show , não por acaso, dos cantores mais famosos dentre os que se apresentaram no rodeio, mediante cobrança de ingresso, sendo que para tal finalidade era necessária prévia licitação, uma vez que não se trata de hipótese em que a lei admite dispensa do procedimento (artigo 17 da Lei Federal nº 8.666/1993).

No entanto, a conduta não se amolda ao crime de responsabilidade descrito na denúncia porque não houve apropriação ou desvio de bens, mas sim uma dispensa indevida de licitação por Luciano em benefício de José Donizeti, o que configuraria o delito previsto no artigo 89 da lei 8666/93, se houvesse demonstração do dolo específico de causar danos ao erário e do efetivo prejuízo.

Inexistentes provas nesse sentido e porque os réus sofreram condenação, no âmbito cível pela prática de ato de improbidade que violou princípios da administração pública, o fato não alcança tipicidade, motivo pelo qual foram absolvidos pela ínclita Magistrada sentenciante.

MÉRITO

Não há como absolver os apelantes pela prática do crime descrito na inicial, pois cabalmente demonstrada a efetiva frustração do caráter competitivo da licitação descrita na denúncia.

Restou comprovado que Luciano, valendo-se de expediente fraudulento, por meio de José Donizeti, criou artifício ilegal como forma de viabilizar a participação de empresa própria (Scalon & Scalon de Nipoã Ltda.), no evento público denominado" Festa de Nipoã 2013 ".

A modalidade de licitação pela carta convite é uma das mais comuns em pequenos municípios, uma vez que não se exige publicação na imprensa oficial, bastando o envio da carta-convite diretamente a, no mínimo, três interessados e afixação de cópia em local apropriado, limitado o certamente ao valor de R$80.000,00 (artigo 23, §§ 3º, e da Lei Federal nº 8.666/1993, alterada pela Lei Federal nº 9.648/1998).

Assim, foram convidados para a licitação, por meio de carta-convite, para fornecimento de infraestrutura para a Festa de Nipoã de 2013, realizada pela Prefeitura, as empresas de titularidade de José Donizeti (fls. 178/179 e 184/186), Everaldo Henrique (200/201 e 211/213) e Bruna Camila (Fls. 190/193), que representada por procuração pelo Kelvin Rezen Pastore, seu marido, à época dos fatos.

Todos foram considerados habilitados, mas, na fase de abertura apenas a proposta apresentada pela empresa SS Promoções & Eventos de José Donizeti respeitou o limite legal (R$80.000,00).

As empresas de Everaldo e Bruna apresentaram proposta nos valores de R$81.600,00 e R$93.670,00, respectivamente (fls. 214 e 220/222), de modo que a empresa de José foi sagrada vencedora do certame.

Interrogados, Luciano e José, negaram terem fraudado o caráter competitivo da licitação.

No entanto, suas negativas não convencem.

Luciano, antes de ser eleito Prefeito, já promovia circuitos de rodeio, utilizando o nome"Circuito

Scalon de Rodeio", conhecido em toda região.

Como não poderia promover os rodeios do município, por meio de sua empresa, em 17/05/2012 cedeu, gratuitamente, o direito de uso da referida marca para a SS Promoções & Eventos, nome fantasia de José Donizeti (fls. 309/310).

Tal circunstância revela que ao contrário do que eles afirmaram, José e Luciano eram próximos, e a cessão de uso da marca, de forma gratuita, revela que a relação existente entre eles era de grande confiança e proximidade.

E foi a empresa SS Promoções & Eventos que venceu a licitação para fornecimento de equipamentos e infraestrutura para a Festa do Peão de Nipoã, de 2013, ano seguinte a cessão de uso.

Não se pode considerar mera coincidência que a própria empresa que um ano antes adquiriu o direito de uso de uma marca de rodeios, pertencente a um prefeito e com ela passou a atuar em vários rodeios municipais, também veio a vencer, já no ano seguinte, a licitação para organizar o rodeio do município comanda justamente pelo mesmo prefeito.

Inegável que a finalidade do então Prefeito era participar da licitação com sua marca"Circuito Scalon de

Rodeio", porém por meio de José.

Dessa forma, promoveria seu nome, sem despertar qualquer suspeita de utilização da máquina pública em seu favor.

No mais, não é crível que Everaldo e Kelvin, que estavam cientes de que do limite legal (R$80.000,00), para realização do evento, em tal modalidade (carta- convite), tenham oferecido, por equívoco, propostas acima do patamar permitido.

A prova indica que já estava acordado entre as partes que José Donizeti seria o vencedor, pois, se assim, não fosse, tanto Everaldo, quanto Kelvin teriam oferecido proposta mais vantajosa, de modo a derrotá-lo.

A vitória de José era certa, por diversos outros atos praticados por ele, antes da retirada do edital referente ao processo licitatório (fl. 172)

Restou provado que José, muito antes de vencer a licitação, já organizava Festa do Peão, em nome da Prefeitura, pois consta no contrato de fls. 91/95, datado de 18/07/2013, na contratação de show do artista Juliano Cézar, no campo relacionado ao e mail do contratante e ao telefone, constam o endereço eletrônico simoeseventos@ig.com.br e o número do próprio José, fato que demonstra sua ligação com a realização de eventos da Prefeitura.

Em publicação feita no Jornal a Voz do Povo na Região, edição de 17 a 23 de agosto de 2013, consta o cartaz com as atrações da grande"Final do Circuito Scalon/2013", e o número do telefone de José era o indicado para informações a respeito de camarotes e ingressos (fls. 55/56), para referida festa.

Além disso, na referida publicação, já constava que a dupla Maria Cecília & Rodolfo se apresentaria no dia 07/09/2013, com cobrança de ingressos.

E a contratação da referida dupla foi feita pela empresa de José, em 17/06/2013 (fls. 311/319), ou seja, muito antes da publicação do edital, para contratação da infraestrutura para realização do evento.

Tais situações justificam o fato de as outras empresas terem apresentado proposta com valores superiores.

Em um contexto em que um dos supostos licitantes já assumiu a tarefa delegada antes mesmo da disputa, os outros dois concorrentes adotaram a melhor medida para se evitar qualquer possibilidade de modificação, oferecendo proposta que seriam desqualificadas.

Por razões óbvias nunca se lograria produzir prova direta do conluio entre os licitantes e o Prefeito, conjuntura, todavia, deduzida com segurança dos fatos descritos.

A prova oral colhida não foi capaz de afastar a responsabilidade dos acusados pela prática do crime descrito na denúncia.

É certo que as testemunhas negaram que Luciano, enquanto Prefeito, teria direcionado a licitação do rodeio para José Donizete; no entanto, a prova documental é suficientemente elucidativa a esse respeito, como demonstrado.

Assim, restou incontroverso que, com a finalidade de autopromoção do então prefeito e de favorecimento de Luciano e José, foram realizados expedientes fraudulentos.

Destarte, Luciano e José incorreram na conduta típica prevista no artigo 90 da Lei federal nº 8.666/1993, uma vez que se ajustaram para fraudar o caráter competitivo da licitação, visando obter vantagem para eles, com a divulgação da marca"Circuito Scalon de Rodeio", evento de grande apelo social e político nas cidades do noroeste paulista.

Nesse contexto, a condenação lançada na r. sentença deve ser mantida, afastada a possibilidade de absolvição, seja por insuficiência de provas ou por atipicidade da conduta.

As penas não comportam reparo.

Luciano teve a pena-base fixada no mínimo legal, agravada, na segunda fase, nos termos do artigo 61, inciso II, alínea f do Código Penal, pois se aproveitou da posição de Prefeito e violou dever inerente ao cargo público que ocupava.

José Donizeti, reincidente, teve a pena-base fixada no patamar mínimo para a espécie, aumentada em 1/6.

As penas dos acusados se tornaram definitivas em dois anos e quatro meses de detenção e pagamento de onze dias-multa, ausentes causas que justificassem a redução ou o aumento da reprimenda.

Os apelantes não fizeram jus à substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos, ou a suspensão condicional da pena, pois tais benesse seriam insuficientes para a prevenção e reprovação do crime.

Além disso, José é reincidente e Luciano praticou crime no exercício de cargo público e ambos sofreram condenação por improbidade administrativa em decorrência dos fatos, circunstâncias que revelam a necessidade de maior rigor na aplicação da pena.

Assim sendo, afastada a matéria preliminar, nega-se provimento aos recursos.

KLAUS MAROUELLI ARROYO

RELATOR

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