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3 de Maio de 2024

STF - Nulidade do Aditamento da Denúncia pelo Magistrado

há 2 anos

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Decisão: Trata-se de habeas corpus, com pedido de medida liminar, impetrado por Dora Marzo de Albuquerque Cavalcanti Cordani e outros, em favor de Haller Ramos de Freitas Junior e de Mônica Pereira da Silva Ramos de Freitas, contra decisão da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça que negou provimento ao agravo regimental no RHC 98.743/SP. Ao que consta nos autos, os pacientes foram denunciados como incursos nas sanções do art. da Lei 12.850/2013 e do art. 312, caput, in fine, c/c art. 29, ambos do Código Penal; do art. 90 da Lei 8.666/1993 e do art. 299 c/c art. 297 do Código Penal (eDOC 2). O Juízo de piso, por sua vez, "considerando que a denúncia descreveu a conduta do artigo 288 do Código Penal e tipificou o fato no artigo , § 1º, da Lei nº 12.850/2013", determinou o retorno dos autos ao MPF "para, se entender conveniente, aditar a inicial" (eDOC 3, p. 1), o que foi observado pelo Parquet na sequência. Recebida a exordial aditada, a defesa ofereceu resposta à acusação, requerendo fosse declarada a inépcia da denúncia e a ausência de justa causa para a ação penal. No entanto, o Juízo a quo proferiu decisão por meio da qual determinou o prosseguimento do feito (eDOC 5). Daí a impetração de habeas corpus em face do TRF 3ª Região. Naquela Corte, o pleito liminar foi deferido, ao argumento de que a "apregoada nulidade do aditamento (…) é questão controvertida no âmbito dos Tribunais, o que recomenda a suspensão do curso da ação penal" (eDOC 6, p. 10), mas a ordem ficou denegada no mérito (eDOC 7). Inconformada, a defesa interpôs recurso ordinário em habeas corpus perante o STJ, sobrevindo decisão monocrática que negou provimento à impugnação (eDOC 9). Na oportunidade, consignou-se: "Em consulta realizada ao sistema eletrônico do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, verifica-se que, nos autos n.º 0002350-61.2016.4.03.6181, foi proferida sentença condenatória em desfavor dos recorrentes, édito publicado em 7/10/2019. Também mediante a prévia consulta, verifica-se que a defesa interpôs o recurso de apelação contra a sentença, já remetido ao TRF da 3ª Região e pendente de apreciação. Assim, conforme orientação jurisprudencial desta Corte Superior, estão prejudicadas as pretensões defensivas, relativas ao reconhecimento de nulidade da decisão que recebeu a denúncia, de inépcia da denúncia e ausência de justa causa da ação penal. […] De toda forma, ainda que assim não fosse, imperioso ressaltar que a denúncia em apreço expôs de forma clara e pormenorizada as condutas em tese praticadas pelos recorrentes." (eDOC 9, p. 4, grifei) A esse propósito, cumpre assinalar que o édito condenatório fixou em desfavor dos pacientes Haller e Mônica, respectivamente, as penas de 3 anos e 6 meses de detenção, 11 anos e 5 meses de reclusão, mais 600 dias-multa, e 2 anos e 6 meses de detenção, 7 anos e 6 meses de reclusão, mais 152 dias-multa, pela prática dos delitos de fraude à licitação, integração em organização criminosa e peculato pelo desvio de verbas públicas (eDOC 8). Diante da monocrática que negou provimento ao RHC, os pacientes interpuseram agravo regimental, ao qual também foi negado provimento. Confira-se a ementa: "AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EM HABEAS CORPUS. VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA COLEGIALIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. INÉPCIA DA EXORDIAL ACUSATÓRIA E NULIDADE DA DECISÃO QUE RECEBEU A DENÚNCIA. SUPERVENIÊNCIA DE SENTENÇA CONDENATÓRIA. PRETENSÃO PREJUDICADA. AGRAVO IMPROVIDO. 1. Conforme entendimento pacífico deste Superior Tribunal de Justiça, não ofende o princípio da colegialidade a prolação de decisão monocrática pelo relator, quando estiver em consonância com súmula ou jurisprudência dominante desta Corte ou do Supremo Tribunal Federal. 2. Nos termos da orientação desta Corte Superior, com a superveniente prolação de decisão condenatória, fica superada a alegação de nulidade da decisão que recebeu a denúncia, bem como de inépcia da denúncia ou de ausência de justa causa para a ação penal. Precedentes. 3. De toda forma, tendo o Tribunal a quo destacado a aptidão da denúncia e ressaltado que as demais teses suscitadas demandariam o revolvimento fático-probatório, não admitido na estreita via mandamental, inexiste flagrante ilegalidade a ser reparada. 4. Agravo regimental não provido." (eDOC 12, p. 3) Eis o motivo da presente impetração (eDOC 1). Nesta Corte, a defesa sustenta, em suma, que a atuação da magistrada de piso, "ao direcionar a acusação" (p. 7), ofendeu os princípios da inércia e da imparcialidade do juízo e feriu o sistema acusatório, recaindo em violação ao art. 384 do CPP – a respeito da qual as instâncias inferiores não se manifestaram, perpetuando a nulidade da decisão que recebeu a denúncia aditada. Nesse sentido, requer, liminarmente, seja sobrestado o andamento da ação penal na origem. No mérito, pugna pela concessão da ordem para que seja anulada a decisão que recebeu a inicial acusatória após seu aditamento. É o relatório. Decido. Primeiramente, necessário destacar que a análise do vício processual apontado pelo impetrante, qual seja, o aditamento provocado da denúncia, não restou prejudicada pela superveniência da prolação de sentença condenatória, que em vez de ter reparado a nulidade, a agravou – não se trata aqui de vício formal da denúncia, gerado pela atividade do Ministério Público, que é sanado com a confirmação da pretensão acusatória pelo magistrado na sentença final, mas sim de uma nulidade absoluta provocada e confirmada pelo próprio juiz. É conhecida a jurisprudência desta Corte sobre a prejudicialidade do pedido de falta de justa causa e de reconhecimento de inépcia da denúncia ante a superveniência de sentença penal condenatória: "Cumpre ter presente, neste ponto, que o magistério jurisprudencial de ambas as Turmas do Supremo Tribunal Federal reconhece que ficam superadas as alegações de inépcia da denúncia e/ou de ausência de justa causa com a superveniência da sentença penal condenatória, ainda que tais alegações hajam sido deduzidas em momento anterior ao da prolação do julgado pelo magistrado sentenciante." (STF, AP 975/ AL, Rel. Min. Edson Fachin) "Agravo regimental em recurso ordinário em ‘habeas corpus’. 2. Decisão monocrática do STJ. Não exaurimento da jurisdição e inobservância ao princípio da colegialidade. Precedentes. 3. Alegação de inépcia da denúncia. Superveniência de sentença condenatória. Prejuízo. 4. Denúncia que atende aos requisitos do art. 41 do CPP, inépcia não configurada. 5. Ausência de argumentos capazes de infirmar a decisão agravada. 6. Agravo regimental a que se nega provimento." (STF, RHC 122.465-AgR/SP, de minha relatoria) No entanto, como se observou, não é disso que se cuida aqui. Em análise detida da situação fática em tela, verifica-se que persiste, em desfavor dos pacientes, manifesto prejuízo concreto que não foi sanado na sentença condenatória. Pelo contrário, o prejuízo concreto foi reforçado, já que a sentença foi proferida pelo mesmo juiz que causou o vicio insanável ao provocar deliberadamente a acusação a agir, rompendo assim com o sistema acusatório. O prejuízo concreto é, portanto, a alteração da narrativa fática da acusação, por meio de aditamento da denúncia, em razão de uma provocação direta do magistrado. O fato de haver uma sentença condenatória com base na narrativa fática provocada pelo mesmo juiz que profere a decisão que encerra o processo cognitivo no primeiro grau logicamente não prejudica a verificação do vício, antes demanda a necessidade de tal escrutínio. Em outras palavras, a superveniência de condenação que busca lastro em uma descrição fática suscitada pelo próprio juiz da sentença não torna prescindível a devida verificação da legalidade da provocação, apenas a reforça. Diante da existência de vícios que causam prejuízo manifesto e concreto para os pacientes, o qual persiste – não é sanado – com a superveniência da sentença penal condenatória, outro caminho não há senão analisar a ilegalidade apontada mesmo quando já houver prolação de sentença que julga procedente a pretensão acusatória do Ministério Público. Confira-se julgado recente do Supremo Tribunal que confirma esse entendimento: "HABEAS CORPUS – PREJUÍZO – AUSÊNCIA – PRISÃO PREVENTIVA – SENTENÇA CONDENATÓRIA – SUPERVENIÊNCIA – NEUTRALIDADE. A superveniência de sentença condenatória não prejudica o habeas corpus, no que voltado ao reconhecimento de ilicitude de provas e contra a custódia provisória". (STF, HC 180.482, Rel. Min. Marco Aurélio, Primeira Turma, 4.5.2020) Posto isso, passo à análise da suposta ofensa ao sistema acusatório materializada pelo aditamento da denúncia provocado pelo magistrado. Para tanto, transcreve-se o despacho do juiz da origem, que provoca a atuação do órgão acusatório: "Considerando que a denúncia descreveu a conduta do artigo 288 do Código Penal e tipificou o fato no artigo , § 1º, da Lei nº 12.850/2013", retornem os autos ao MPF para, se entender conveniente, aditar a inicial."(eDOC 3) Como pode ser observado, o MPF narrou conduta adequada a ser capitulada no art. 288 do CP (associação criminosa; pena: 1 a 3 anos), entretanto, tipificou a conduta no artigo da Lei 12.850 (participação em organização criminosa; pena: 3 a 8 anos). Em face de tal inadequação inicial entre fatos e direito apresentados na denúncia, o magistrado tinha fundamentalmente dois caminhos legais a tomar: (1) assumir inicialmente os fatos narrados na peça acusatória como o substrato empírico que fundamenta a hipótese incriminadora, aguardar a instrução e, ao fim desta, na sentença, capitular os fatos corretamente como entender (emendatio libelli, prevista no art. 383 do CPP); (2) assumir inicialmente os fatos narrados na peça acusatória como o substrato empírico que fundamenta a hipótese incriminadora, aguardar a instrução e, ao fim desta, não havendo aditamento espontâneo por parte da acusação e entendendo ser este o caso, provocar então o aditamento nos termos do art. 28 do CPP (mutatio libelli, prevista no art. 384, § 1º, do CPP). Para além das discussões acerca de em que medida a alteração do art. 28 do CPP, pela Lei 13.964/2019 (Pacote Anticrime), alterou a interpretação da mutatio libelli provocada pelo juiz, ao fim da instrução, prevista no CPP, art. 384, § 1º, fato é que não existe qualquer sombra de previsão legal para um aditamento provocado pelo juiz, no início da instrução, por meio de despacho e com relação a narrativa fática mais gravosa. Considerando que o magistrado penal está vinculado aos fatos, e não à capitulação dos fatos, e levando em conta que, no caso concreto, o MPF narrou situação fática com pena menos gravosa do que a que foi capitulada, a provocação do Juiz por uma narrativa mais gravosa, prontamente atendida pelo Parquet, representa explícita quebra do sistema acusatório. No ponto, confira-se a doutrina:"A iniciativa do aditamento deve ser inteiramente do Ministério Público, não cabendo ao juiz (como costumavam fazer, a partir de uma míope leitura do antigo artigo 384) ‘invocar’ o acusador para que aditasse. À luz do sistema acusatório constitucional, não cabe ao juiz invocar a atuação do MP, sob pena de completa subversão da lógica processual regida pela inércia do juiz. O juiz é quem sempre deve ser invocado a atuar, jamais ter ele uma postura ativa de pedir para o promotor acusar e ele poder julgar."(LOPES JUNIOR, Aury, Direito Processual Penal, 2019, p. 227)"Aditamento da denúncia é atribuição exclusiva do Ministério Público, não podendo o juiz aditar a peça acusatória ou impor seu aditamento ao acusador". (BADARÓ, Gustavo Henrique, Processo Penal, 2015, p. 536) Na mesma linha argumentativa, a própria Desembargadora Federal Cecília Melo concedeu a liminar monocraticamente, em favor dos pacientes, para suspender a ação penal. Copila-se excerto da referida decisão:"De fato, oferecida a denúncia, tanto a defesa como a acusação têm o direito subjetivo processual ao exame e pronunciamento acerca de sua viabilidade da forma em que foi formulada. É dizer, deve o Magistrado rejeitar a denúncia ou queixa, nos casos do art. 395 do CPP (...) Não se verificando nenhumas das hipóteses do artigo 395 do CPP, o magistrado deverá receber a denúncia ou queixa, inexistindo previsão legal para provocação do seu aditamento."(eDOC 7) No caso concreto, verifica-se que o aditamento da denúncia pelo MPF, trazendo nova narrativa dos fatos, mais gravosa aos pacientes, ocorreu no início da instrução e por incitação do magistrado via despacho. Diante disso, cristalina é a ilegalidade. Nessa linha de fundamentação, importante ressaltar que o aditamento provocado, sobretudo no início da instrução, revela uma prática inquisitória, não prevista pelo legislador e que deve ser expurgada de nosso sistema processual penal. Pelo exposto, concedo parcialmente a ordem, para anular o recebimento da denúncia oferecida pelo Ministério Público Federal em desfavor dos pacientes, somente com relação ao delito tipificado no art. da Lei 12.850/2013. Publique-se. Intime-se. Brasília, 23 de junho de 2020. Ministro Gilmar Mendes Relator Documento assinado digitalmente

(STF - HC: 187260 SP - SÃO PAULO 0095749-57.2020.1.00.0000, Relator: Min. GILMAR MENDES, Data de Julgamento: 23/06/2020, Data de Publicação: DJe-161 26/06/2020)

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