Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
6 de Maio de 2024

STJ Jun 22 - Soltura de advogado que levava recado para prisão, independente de fiança

há 2 anos

Esta imagem no pode ser adicionada


HABEAS CORPUS Nº 713689 - CE (2021/0402529-7)

EMENTA HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA, AMEAÇA, DANO QUALIFICADO, RESISTÊNCIA E DESACATO. PRISÃO PREVENTIVA. CONCESSÃO DE LIBERDADE PROVISÓRIA COM A FIXAÇÃO DE MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS. TESE DE INAFIANÇABILIDADE NÃO ACOLHIDA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTOS CONCRETOS E ESPECÍFICOS PARA A IMPOSIÇÃO DE FIANÇA. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. ORDEM CONCEDIDA.

DECISÃO Trata-se de habeas corpus, com pedido liminar, impetrado, em favor de XXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXXX contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado do Ceará proferido no julgamento do HC n. 0636864-14.2021.8.06.0000. Consta que o Paciente teve a prisão preventiva decretada no dia 17/9/2021 em razão da suposta prática dos ilícitos tipificados no art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 12.850/2013 e nos arts. 147, 163, parágrafo único, inciso III, 329 e 331, todos do Código Penal, pois, em tese, atuando como advogado de um dos líderes da facção criminosa XXXXXXXXXXXXXX que se encontrava segregado na Unidade de Segurança Máxima do Estado do Ceará, seria, também, seu informante ("recebendo e levando informações entre os presos e o mundo externo, neste caso, especialmente no que diz respeito aos acontecimentos que envolvem a facção criminosa"; fl. 26).

Inconformada, a Ordem dos Advogados do Brasil - Seção Ceará (OAB/CE) formulou pedidos alternativos ao Juízo de primeiro grau: (1) transferência do Paciente da Unidade Prisional Irmã Imelda Lima Pontes, tendo em vista que naquele estabelecimento não existe Sala de Estado-Maior, encontrando-se o Paciente, advogado, recolhido próximo aos demais detentos; ou (2) concessão da prisão domiciliar. O Magistrado singular deferiu a transferência do Paciente para uma Sala de Estado-Maior nas dependências do Corpo de Bombeiros Militar de Fortaleza/CE (fls. 46-49).

A Defesa, novamente, pleiteou a substituição da custódia cautelar pela prisão domiciliar, o que foi indeferido pelo Juízo primevo (fls. 114-116), e, após, impetrou habeas corpus na Corte de origem, que concedeu a ordem, em acórdão assim ementado (fl. 22): "HABEAS CORPUS. ORGANIZAÇÃO CRIMINOSA ARMADA, AMEAÇA, DANO QUALIFICADO, DESACATO E RESISTÊNCIA. PRISÃO PREVENTIVA. SUFICIÊNCIA DAS MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. Está nítido que, somadas, as penas máximas abstratas cominadas nos tipos penais pelos quais o Paciente foi denunciado (art. , § 2º, da Lei n. 12.850/2013, art. 147, art. 163, parágrafo único, III, art. 329 e art. 331 do Código Penal) ultrapassam em muito quatro anos, encaixando-se a situação na hipótese do art. 313, I, do Código de Processo Penal. Contudo, sem se negar a gravidade concreta das condutas imputadas ao Paciente, que exercia com habitualidade a função de mensageiro da facção criminosa XXXXXXXXXXXXXX, até mesmo para segregados em unidade prisional de segurança máxima, é de se reconhecer que, na ausência de antecedentes criminais ou de demais ações penais em curso, medida cautelar que impeça a entrada do Paciente nos estabelecimentos penais é suficiente para, em relação à conduta aqui perscrutada, minorar sobremaneira o risco à ordem pública. Em vista dessas considerações, no momento, mostra-se suficiente, necessária e adequada a imposição, nos termos do art. 282, § 2º, arts. 325 a 328 e art. 319 do Código de Processo Penal de medidas cautelares diversas da prisão, sem prejuízo das medidas que o Magistrado a quo entender necessárias. ORDEM CONHECIDA E CONCEDIDA."

Neste writ, o Impetrante sustenta, em suma, que: (i) "inexiste prova que possa vincular o Paciente como integrante de suposta organização criminosa" (fl. 8); (ii) o valor arbitrado para a fiança é "impossível de ser pago pelo Paciente, que se encontra preso, e sem trabalhar, há 03 (três) meses, bem como estará impossibilitado, tendo em vista a 2.ª medida cautelar imposta pelo desembargador, que limita sua atuação advocatícia. Tudo isso devidamente corroborado com a declaração de hipossuficiência acostada ao presente mandamus" (fl. 10); (iii) o crime imputado ao Réu ("integrar organização criminosa, quando direcionada à prática de crime hediondo ou equiparado, conforme art. 1.º, inciso V, da Lei n. 8.072/1990)é inafiançável, logo," não só o acórdão colocou valor extremamente desproporcional, como também estabeleceu fiança em crime que se comporta "(fl. 11); e (iv)"a decisão que a Autoridade Coatora proferiu contra o paciente carece de fundamentação nos termos da lei"(fl. 14) . Requer, em medida liminar e no mérito, a dispensa do recolhimento do valor da fiança arbitrada no acórdão impugnado. O pedido liminar foi indeferido às fls. 119-122. As informações foram prestadas pelas instâncias ordinárias (fls. 126-129, 131-133 e 135-137). O Ministério Público Federal manifestou-se às fls. 140-142, opinando pela denegação da ordem. Juntado o Ofício n. 7364/2022, do Supremo Tribunal Federal, solicitando informações sobre o julgamento do presente mandamus (fl. 145). É o relatório.

Decido. Inicialmente, conforme a orientação estabelecida no âmbito desta Corte," [a] tese de insuficiência das provas de autoria e materialidade quanto ao tipo penal imputado consiste em alegação de inocência, a qual não encontra espaço de análise na estreita via do habeas corpus ou do recurso ordinário, por demandar exame do contexto fático-probatório "( HC n. 635.702/RJ, Rel. Ministro Reynaldo Soares da Fonseca, Quinta Turma, julgado em 23/2/2021, DJe de 1/3/2021).

No mais, o Tribunal a quo, ao substituir a prisão preventiva do Paciente por medidas cautelares alternativas, consignou o que segue (fls. 29-31):"[...] Cediço que, havendo prova da existência do crime, indícios suficientes de autoria e perigo gerado pelo estado de liberdade do imputado, a prisão preventiva, nos termos do art. 312 do Código de Processo Penal, poderá ser decretada para garantia da ordem pública, da ordem econômica, por conveniência da instrução criminal ou para assegurar a aplicação da lei penal, observadas as hipóteses trazidas no art. 313 do mesmo Diploma. Está nítido que, somadas, as penas máximas abstratas cominadas nos tipos penais pelos quais o Paciente foi denunciado (art. , § 2º, da Lei n. 12.850/2013, art. 147, art. 163, parágrafo único, III, art. 329 e art. 331 do Código Penal) ultrapassam em muito quatro anos, encaixando-se a situação na hipótese do art. 313, I, do Código de Processo Penal. Contudo, sem se negar a gravidade concreta das condutas imputadas ao Paciente, que exercia com habitualidade a função de mensageiro da facção criminosa XXXXXXXXXXXX, até mesmo para segregados em unidade prisional de segurança máxima, é de se reconhecer que, na ausência de antecedentes criminais ou de demais ações penais em curso, medida cautelar que impeça a entrada do Paciente nos estabelecimentos penais é suficiente para, em relação à conduta aqui perscrutada, minorar sobremaneira o risco à ordem pública. Em vista dessas considerações, no momento, mostra-se suficiente, necessária e adequada a imposição, nos termos do art. 282, § 2º, arts. 325 a 328 e art. 319 do Código de Processo Penal das seguintes medidas cautelares diversas da prisão, sem prejuízo das medidas que o Magistrado a quo entender necessárias: - Recolhimento de fiança no valor de 50 (cinquenta) salários-mínimos, nos termos do art. 325, II, do CPP; - Proibição de ingresso como advogado ou visitante em qualquer unidade prisional, devendo manter uma distância mínima de 2 km (dois quilômetros) de todos os estabelecimentos penais; - Recolhimento domiciliar noturno; - Monitoramento eletrônico. As condições cautelares devem ser fielmente cumpridas, sob pena de aplicação de medidas mais graves, dentre elas a decretação de prisão preventiva. Em cumprimento ao disposto no art. 9º da Resolução nº 213/2015 do CNJ, estipulo um prazo de 06 (seis) meses para cumprimento das medidas cautelares acima estabelecidas, ficando a cargo do juízo processante, a reavaliação da necessidade de sua manutenção. Ante o exposto, conheço parcialmente e, na parte cognoscível, concedo a ordem, substituindo a prisão preventiva decretada em desfavor do Paciente nos autos n. 0263909-55.2021.8.06.0001 por medidas cautelares diversas da prisão, assim como arbitrando fiança. "Como se vê, além do delito tipificado no art. 2.º, § 2.º, da Lei n. 12.850/2013, o Paciente ainda foi denunciado pela suposta prática de outros crimes - ameaça, dano qualificado, resistência e desacato - que admitem o arbitramento de fiança, de modo que não há como acolher a tese de inafiançabilidade suscitada pela Defesa. Contudo, entendo que a imposição de fiança para a soltura do Paciente deva ser afastada, no caso. Isso porque, embora o Tribunal local tenha demonstrado, a priori, a necessidade das demais medidas cautelares alternativas fixadas, não houve fundamentação concreta para o estabelecimento da referida garantia patrimonial. Com efeito,"[é] cediço nesta Corte que, tanto para a decretação da prisão preventiva quanto para a aplicação das medidas previstas no art. 319 do Código de Processo Penal, faz-se necessária a demonstração, no caso concreto, da imprescindibilidade da providência de exceção"( RHC n. 138.467/RJ, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 25/5/2021, DJe de 2/6/2021) Ocorre que as circunstâncias delineadas no acórdão impugnado a respeito das funções do Paciente no âmbito da organização criminosa não constituem fundamentos idôneos para justificar a necessidade e a adequação da garantia real na concessão da liberdade provisória. Ademais, não houve qualquer referência às condições econômicas do Afiançado, em afronta ao disposto no art. 326, do Código de Processo Penal. Dessa forma, ausente a fundamentação concreta e específica para a imposição da medida cautelar de fiança, impõe-se o reconhecimento do constrangimento ilegal e a revogação da mencionada garantia. Cito os seguintes precedentes do Superior Tribunal de Justiça, mutatis mutandis:"HABEAS CORPUS. TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO. PRISÃO EM FLAGRANTE CONVERTIDA EM PREVENTIVA PELO MAGISTRADO DE PISO. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DA PRISÃO. RECOLHIMENTO DOMICILIAR NOTURNO. DESPROPORCIONALIDADE. PERTINÊNCIA COM OS FATOS. AUSÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. 'Para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, exige-se fundamentação específica que demonstre a necessidade e adequação da medida em relação ao caso concreto' ( HC n. 399.099/SC, relator Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 21/11/2017, DJe de 1º/12/2017) 2. No caso, o paciente é acusado de delito não violento - tentativa de furto qualificado -, ocorrido em horário comercial (em torno das 10 horas), inexistindo justificativa para a determinação de recolhimento domiciliar noturno. Dessa forma, considerando a inadequação da medida cautelar imposta sem nenhuma pertinência às circunstâncias fáticas do crime imputado ao paciente, presente se faz o constrangimento ilegal a ser sanado pelo Superior Tribunal de Justiça. Precedentes. [...]."( HC n. 493.892/SC, Rel. Ministro Antonio Saldanha Palheiro, Sexta Turma, julgado em 8/10/2019, DJe de 18/10/2019; sem grifos no original.)"HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. NULIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. MEDIDAS CAUTELARES DIVERSAS DE PRISÃO. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTAÇÃO IDÔNEA. ILEGALIDADE RECONHECIDA. HABEAS CORPUS CONCEDIDO. [...] 2. Para a aplicação das medidas cautelares diversas da prisão, exige-se fundamentação específica que demonstre a necessidade e adequação de cada medida imposta no caso concreto. 3. Tendo sido tão somente listadas as cautelares fixadas, sem justificativa de sua pertinência aos riscos que se pretendia evitar, tem-se a falta de suficiente fundamento e decorrente ilegalidade. [...]."( HC n. 480.001/SC, Rel. Ministro Nefi Cordeiro, Sexta Turma, julgado em 12/2/2019, DJe de 7/3/2019.) Outrossim,"[a] fiança não pode servir como uma espécie de preço ou taxa que o indivíduo é instado a pagar como condição para responder ao processo em liberdade"( HC n. 582.962/RJ, Rel. Ministro Rogerio Schietti Cruz, Sexta Turma, julgado em 30/6/2020, DJe de 4/8/2020). Nesse contexto, ressalto que, além da significativa quantia fixada para recolhimento, o Tribunal a quo impôs também outras medidas cautelares que se mostram mais gravosas à liberdade do Paciente - proibição de ingresso como advogado ou visitante em qualquer unidade prisional, devendo manter uma distância mínima de dois quilômetros de todos os estabelecimentos penais, recolhimento domiciliar noturno e monitoração eletrônica -, tornando-se desproporcional e irrazoável a manutenção da custódia apenas em razão do não recolhimento do valor estabelecido. A propósito:"HABEAS CORPUS. DIREITO PENAL. ESTELIONATO. LIBERDADE PROVISÓRIA. FIANÇA. DISPENSA. AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO. CONSTRANGIMENTO ILEGAL. OCORRÊNCIA. SUPERAÇÃO DA SÚMULA 1289712874/sumulan 691-do-stf"target=" _blank "rel=" nofollow ">691/STF. [...] 2. De acordo com a jurisprudência desta Corte Superior, afigura-se irrazoável manter o réu preso cautelarmente apenas em razão do não pagamento de fiança, mormente porque já reconhecida a possibilidade de concessão da liberdade provisória. 3. Ordem concedida para, ao ratificar a liminar concedida, garantir a liberdade provisória ao paciente, independentemente do pagamento de fiança, mantidos os demais termos da decisão do Juízo de Direito singular (Processo n. 5459017.94.2021.8.09.0051)."( HC n. 692.427/GO, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 15/2/2022, DJe de 21/2/2022; sem grifos no original.)

Ante o exposto, CONCEDO a ordem de habeas corpus para determinar a soltura do Paciente, independentemente do pagamento de fiança, mantidas as demais exigências determinadas pelo Tribunal a quo. Publique-se. Intimem-se. Brasília, 10 de junho de 2022. MINISTRA LAURITA VAZ Relatora

(STJ - HC: 713689 CE 2021/0402529-7, Relator: Ministra LAURITA VAZ, Data de Publicação: DJ 13/06/2022)

  • Publicações1084
  • Seguidores99
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações50
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/stj-jun-22-soltura-de-advogado-que-levava-recado-para-prisao-independente-de-fianca/1556555975

Informações relacionadas

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 7 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL: AgRg no REsp XXXXX MG XXXX/XXXXX-6

Rogério Tadeu Romano, Advogado
Artigosano passado

A busca e apreensão em escritório de advocacia

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 2 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC XXXXX CE XXXX/XXXXX-7

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 4 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - HABEAS CORPUS: HC XXXXX RJ XXXX/XXXXX-6

Superior Tribunal de Justiça
Jurisprudênciahá 5 anos

Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ORDINARIO EM HABEAS CORPUS: RHC XXXXX PI XXXX/XXXXX-9

0 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)