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24 de Maio de 2024

Recuperação Extrajudicial e as eventuais exiguidades decorrentes da desjudicialização.

Publicado por Pedro Hugo Ibiapina
há 4 meses

O objeto de estudo do presente Artigo é o instituto da Recuperação Extrajudicial de Empresas, criado pela Lei nº 11.101 de 2005, no contexto da desjudicialização de conflitos, tendência no Direito contemporâneo. Buscou-se analisar os aspectos positivos e negativos do instituto, em especial frente à recuperação judicial, analisando-se também a baixa utilização em relação a esta. Verificou-se a presença de alguns aspectos que desincentivam a utilização. Concluiu-se, em primeira análise, pela importância do instituto, o qual deveria ser mais utilizado pelo empresariado brasileiro em razão do baixo custo, celeridade e composição amigável entre as partes; entretanto, em posterior sobreposição comparativa, foi possível observar clara a necessidade de o Legislador fomentar e aprimorar a modalidade.

ABSTRACT

This article´s study object is the Extrajudicial Reorganization Bankruptcy institute, created by Federal Law under the number 11.101/2005 , in the context of the dejudicialization of conflicts, which is trending in nowadays law. It was pursuit the analysis of both positive and negative aspects of the institute, specially compared to the reorganization bankruptcy, also analyzing the unusual choice about it. It was found out the existence of certain aspects that discourage its utilization. In primary analysis, it was highlighted the importance of the institute, that should be more utilized by the Brazilian companies due to its low cost, speediness and friendly solution between the parts; although, in a deeper juxtaposition, it is possible to observe a clear necessity of detailed improvement by legislators.

Palavras chaves: Direito Empresarial Falimentar. Recuperação Extrajudicial. Desjudicialização.

INTRODUÇÃO

A Lei nº 11.101/2005 foi uma importante inovação legislativa brasileira, que substituiu a arcaica legislação anterior. Tal lei introduziu a possibilidade de uma verdadeira solução de mercado às empresas em situação econômico-financeira difícil: a recuperação extrajudicial, um acordo entre credores e devedor. A antiga legislação, qual seja o Decreto-lei nº 7.661/45, não permitia tal instituto, inclusive punia o devedor que convocava seus credores.

Muitos institutos vêm surgindo nos últimos anos com o intuito de desafogar o Judiciário, buscando celeridade na solução de conflitos e possibilitando às partes que realizem acordos sem que o debate seja levado ao poder estatal jurisdicional. Como exemplos, citam-se mediação, conciliação, arbitragem, acordo na rescisão trabalhista, dentre outros. O Código de Processo Civil de 2015 foi elaborado justamente de acordo com tal tendência, estimulando meios de solução consensual de conflitos. Da mesma forma, a recuperação extrajudicial de empresas permite ao empresário insolvente que estabeleça com seus credores novos prazos e meios de pagamento de seus débitos, de modo a preservar sua atividade sem recorrer ao Judiciário, em consonância às leis de mercado e ao princípio da preservação da empresa, o qual constitui o alicerce do direito falimentar.

No entanto, há que se mencionar que o legislador foi tímido ao tratar de tal instituto, bem como impediu que débitos trabalhistas e tributários fossem incluídos nas negociações, os quais, na maioria das vezes, constituem boa parte da dívida do empresário. Ademais, é notório que no Brasil ainda prevalece a cultura da sentença, de modo que meios consensuais de resolução de litígios ainda são pouco utilizados., e consequentemente, não-aprimorados com a seriedade que merecem.

1 NOÇÕES GERAIS E CONCEITO DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

Conforme disposto no resumo do presente trabalho, até 2005 a legislação brasileira não estimulava as soluções de mercado para a recuperação das empresas em estado financeiro dificultoso. Isso porque sancionava como ato de falência qualquer iniciativa do devedor no sentido de reunir seus credores para uma renegociação global das dívidas.

Diante disso, nota-se, conforme versa (COELHO, p. 542), que a Lei 11.101/05 (tão somente denominada LRE) apresenta avanços e não qualifica de irregular a convocação de todos ou parte dos credores para a apresentação de proposta de renegociação. Ao contrário, adota posição distinta, incentivando a solução de mercado.

Nessa senda, a referida Lei dispõe que: art. 1o Esta Lei disciplina a recuperação judicial, a recuperação extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, doravante referidos simplesmente como devedor.

Ademais, detém uma sessão integral para dispor, de forma completa, sobre a Recuperação Extrajudicial, de forma que nos é oportuno colacionar abaixo tal menção à disposição legal, a fim de dinamizar a leitura do presente trabalho. Veja-se (art. 161 a 167:

Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.

Esta imagem no pode ser adicionada § 1o Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3o, e 86, inciso II do caput, desta Lei.

Esta imagem no pode ser adicionada § 2o O plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos.

Esta imagem no pode ser adicionada § 3o O devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.

§ 4o O pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarretará suspensão de direitos, ações ou execuções, nem a impossibilidade do pedido de decretação de falência pelos credores não sujeitos ao plano de recuperação extrajudicial.

Esta imagem no pode ser adicionada § 5o Após a distribuição do pedido de homologação, os credores não poderão desistir da adesão ao plano, salvo com a anuência expressa dos demais signatários.

§ 6o A sentença de homologação do plano de recuperação extrajudicial constituirá título executivo judicial, nos termos do art. 584, inciso III do caput, da Lei n o5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil.

Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.

Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.

§ 1o O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação.

§ 2o Não serão considerados para fins de apuração do percentual previsto no caput deste artigo os créditos não incluídos no plano de recuperação extrajudicial, os quais não poderão ter seu valor ou condições originais de pagamento alteradas.

Esta imagem no pode ser adicionada § 3o Para fins exclusivos de apuração do percentual previsto no caput deste artigo:

I – o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de assinatura do plano; e

II – não serão computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43 deste artigo.

Esta imagem no pode ser adicionada § 4o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

Esta imagem no pode ser adicionada § 5o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação extrajudicial.

Esta imagem no pode ser adicionada § 6o Para a homologação do plano de que trata este artigo, além dos documentos previstos no caput do art. 162 desta Lei, o devedor deverá juntar:

I – exposição da situação patrimonial do devedor;

II – as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadas especialmente para instruir o pedido, na forma do inciso II do caput do art. 51 desta Lei; e

III – os documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir, relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.

Art. 164. Recebido o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial previsto nos arts. 162 e 163 desta Lei, o juiz ordenará a publicação de edital no órgão oficial e em jornal de grande circulação nacional ou das localidades da sede e das filiais do devedor, convocando todos os credores do devedor para apresentação de suas impugnações ao plano de recuperação extrajudicial, observado o

§ 3o deste artigo.

Esta imagem no pode ser adicionada § 1o No prazo do edital, deverá o devedor comprovar o envio de carta a todos os credores sujeitos ao plano, domiciliados ou sediados no país, informando a distribuição do pedido, as condições do plano e prazo para impugnação.

Esta imagem no pode ser adicionada § 2o Os credores terão prazo de 30 (trinta) dias, contado da publicação do edital, para impugnarem o plano, juntando a prova de seu crédito.

Esta imagem no pode ser adicionada § 3o Para opor-se, em sua manifestação, à homologação do plano, os credores somente poderão alegar:

I – não preenchimento do percentual mínimo previsto no caput do art. 163 desta Lei;

II – prática de qualquer dos atos previstos no inciso III do art. 94 ou do art. 130 desta Lei, ou descumprimento de requisito previsto nesta Lei;

III – descumprimento de qualquer outra exigência legal.

§ 4o Sendo apresentada impugnação, será aberto prazo de 5 (cinco) dias para que o devedor sobre ela se manifeste.

Esta imagem no pode ser adicionada Esta imagem no pode ser adicionada § 5o Decorrido o prazo do § 4o deste artigo, os autos serão conclusos imediatamente ao juiz para apreciação de eventuais impugnações e decidirá, no prazo de 5 (cinco) dias, acerca do plano de recuperação extrajudicial, homologando-o por sentença se entender que não implica prática de atos previstos no art. 130 desta Lei e que não há outras irregularidades que recomendem sua rejeição.

Esta imagem no pode ser adicionada § 6o Havendo prova de simulação de créditos ou vício de representação dos credores que subscreverem o plano, a sua homologação será indeferida.

Esta imagem no pode ser adicionada § 7o Da sentença cabe apelação sem efeito suspensivo.

§ 8o Na hipótese de não homologação do plano o devedor poderá, cumpridas as formalidades, apresentar novo pedido de homologação de plano de recuperação extrajudicial.

Art. 165. O plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial.

Esta imagem no pode ser adicionada § 1o É lícito, contudo, que o plano estabeleça a produção de efeitos anteriores à homologação, desde que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários. 2o Na hipótese do § 1o deste artigo, caso o plano seja posteriormente rejeitado pelo juiz, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente pagos.

Art. 166. Se o plano de recuperação extrajudicial homologado envolver alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do devedor, o juiz ordenará a sua realização, observado, no que couber, o disposto no art. 142 desta Lei.

Art. 167. O disposto neste Capítulo não implica impossibilidade de realização de outras modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores.

Nessa senda, trata-se a recuperação extrajudicial de um acordo firmado extrajudicialmente entre o devedor e os credores, de forma que almejam, por meio dos termos firmados, sanar e recuperar a empresa que está assolada por uma crise financeira. (TOMAZETTE, p. 351 e 352)

Assim, diferentemente do que ocorre na Recuperação Judicial, em que há um acordo firmado judicialmente entre o devedor e os credores, na recuperação extrajudicial deve-se levar tão somente à homologação pelo Poder Judiciário, tal como ocorre, a título de exemplo, em um acordo de alimentos extrajudicial. Com isso, nota-se que há uma perspectiva muito mais célere e prática, na qual a intervenção estatal é apenas acessória, diferentemente do que norteia a recuperação judicial.

2 DISTINÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL PARA A EXTRAJUDICIAL

Conforme se aufere da Lei 11.101 de 2005, a recuperação extrajudicial trata-se de uma renegociação das dívidas empresariais, fora das vias judiciais. Com esse benefício, o empresário pode negociar diretamente com seus credores e elaborar um acordo que poderá ou não ser homologado pelo juiz.

No caso da referida modalidade, o art. 48 da Lei nº 11.101/05 estipula os requisitos para a ação em questão, as quais albergam tanto a recuperação judicial como também a extrajudicial, consoante disposto abaixo:

Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 02 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente: I - não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes; II - não ter, há menos de 05 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial; III

– revogado; III - não ter, há menos de 05 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo; IV - não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.§ 1o A recuperação judicial também poderá ser requerida pelo cônjuge sobrevivente, herdeiros do devedor, inventariante ou sócio remanescente.

Ou seja, os principais requisitos para ser contemplado com essas previsões são, em síntese: ter atividades regulares há mais de dois anos; não ter falido anteriormente; não ter concessão de recuperação judicial com base no plano especial há, pelo menos, oito anos; não ter sofrido nenhum tipo de condenação ou não ter, como administrador ou sócio, pessoa (s) condenada (s) por crimes previstos/relacionados pela lei de falência; em caso de falência, desde que esteja declarada como extinta, por sentença transitada em julgado;não ter concessão de recuperação judicial há, pelo menos, cinco anos.

Quanto à questão procedimental, na recuperação judicial o empresário devedor ou as pessoas elencadas no § 1º do art. 48 da Lei nº 11.101/05, peticionam ao juízo competente apresentando os documentos listados no art. 51 da mesma lei. Acaso haja o preenchimento dos requisitos documentais, o juiz poderá deferir o processamento da recuperação judicial se entender pela viabilidade da recuperação da empresa, podendo também decretar desde logo a falência, caso assim entenda.

Na recuperação extrajudicial, por sua vez, o devedor convocará e negociará diretamente com os credores, podendo organizar um planejamento para superação da crise econômico- financeira, em que haverá o processamento de homologação, consoante melhor disposto no tópico abaixo.

Outra diferença entre a recuperação judicial e a extrajudicial está nos credores submetidos aos seus efeitos. A esta não se submetem, além dos credores previstos no art. 49, §§ 3.º e 4.º, da LRE – os quais, conforme já visto, também não se submetem aos efeitos da recuperação judicial

–, os titulares de créditos fiscais, trabalhistas e acidentários. É o que dispõe o art. 161, § 1.º, da LRE: “não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3.º, e 86, inciso II do caput, desta Lei”. (COELHO, p. 881).

Vejam-se os artigos dispostos:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4o Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o , da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.

Com efeito, salienta-se que o pedido de homologação do plano de recuperação extrajudicial não acarreta suspensão de direitos, ações ou execuções, diferentemente do que acontece na recuperação judicial. Ademais, nota-se que a Recuperação Extrajudicial não necessita da participação obrigatória do Ministério Público, de sorte que alberga uma celeridade e redução de custos bem mais vantajosa.

3 REQUISITOS LEGAIS

Afere-se do art. 161 da LRE que para fazer jus ao benefício da recuperação extrajudicial o devedor em crise deverá preencher os mesmos requisitos exigíveis para a consecução da recuperação judicial, constantes do art. 48 já dispostos acima e reiterados abaixo, quais sejam (RAMOS, p. 880):

(i) exercer atividade empresarial regularmente há mais de dois anos;

(ii) não ser falido ou, se tiver sido, já ter suas obrigações e responsabilidade declaradas extintas por sentença transitada em julgado;

(iii) não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial ou de concordata – tratando-se de ME ou EPP, não ter, há menos de cinco anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial já examinado;

(iv) não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por crime falimentar.

No entanto, os requisitos retro dispostos não exaurem a previsão da Recuperação Extrajudicial, visto que o art. 161, § 3.º, da LRE prevê que:

o devedor não poderá requerer a homologação de plano extrajudicial, se estiver pendente pedido de recuperação judicial ou se houver obtido recuperação judicial ou homologação de outro plano de recuperação extrajudicial há menos de 2 (dois) anos.

Com isso, preenchidos os requisitos mencionados acima, permite-se que o devedor apresente plano de recuperação aos seus credores e posteriormente o submeta à homologação judicial.

Nesse ponto, (Ramos, p. 880) menciona que é importante destacar, não obstante seja óbvio, que o devedor só precisa preencher os requisitos ora em exame se realmente pretender a homologação do plano extrajudicial em juízo. Se, em contrapartida, pretende apenas negociar com os seus credores uma saída para a sua crise, sem nenhuma intermediação do Judiciário, o preenchimento de qualquer desses requisitos é irrelevante. Nesse sentido, prevê o art. 167 da LRE que “o disposto neste Capítulo não implica impossibilidade de realização de outras modalidades de acordo privado entre o devedor e seus credores”.

4 DEVEDORES E CREDORES DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

No que tange aos devedores, nota-se que poderão utilizar esse instituto os devedores que se enquadrem como empresários individuais ou sociedades empresárias, vale dizer, pessoas físicas ou sociedades que exerçam atividade econômica organizada para a produção ou circulação de bens ou serviços para o mercado. (TOMAZZETE, 352).

Ademais, por se tratar de um benefício, para obter a eventual homologação judicial, exige-se ainda que essas pessoas estejam exercendo regularmente a atividade empresarial, isto é, sociedades em comum, mesmo que sejam empresárias, não podem lançar mão da recuperação extrajudicial. (TOMAZZETE, 353).

Com efeito, dispõe ainda o mesmo autor que os devedores que se enquadram como empresários podem ser excluídos da recuperação extrajudicial, por possuírem um regime especial de superação da crise, acompanhado mais de perto pelo Estado, dada sua importância para a economia.

Desse modo, estão excluídos da recuperação extrajudicial a instituição financeira pública ou privada, a cooperativa de crédito, o consórcio, a entidade de previdência complementar, a sociedade operadora de plano de assistência à saúde, a sociedade seguradora, a sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores. Além disso, dentro de uma opinião majoritária no direito empresarial, também estariam excluídas da recuperação extrajudicial as empresas públicas e sociedades de economia mista. (TOMAZETTE, P. 352)

No que tange aos credores, vê-se que, conforme leciona de forma didática e esquematizada o Doutrinador (Ulhoa p.551), nota-se que alguns dos credores estão preservados da recuperação extrajudicial, mesmo a homologada judicialmente. A recuperação extrajudicial não altera minimamente os direitos dessas categorias de credores.

São, por isso, sujeitos de direito que não podem renegociar os créditos que detêm perante a sociedade empresária por meio do expediente da recuperação extrajudicial. A renegociação só pode fazer-se por regras próprias da disciplina legal do crédito em questão ou, quando inexistentes, pelas do direito das obrigações.

De forma esquemática, aduz o referido jurista que os credores preservados da recuperação extrajudicial são:

a) Credores trabalhistas. Tanto os créditos derivados da relação empregatícia como os de acidente de trabalho não podem ser alterados por meio de recuperação extrajudicial. Salários, férias e indenizações por rescisão do contrato de trabalho, bem assim as perdas e danos e outros consectários devidos ao acidentado, não podem ser considerados no plano de recuperação extrajudicial.

b) Credor tributário. Em razão do regime de direito público disciplinar dessa categoria de crédito, a renegociação no plano da recuperação extrajudicial é inadmissível. O credor tributário só mediante lei pode conceder remissão ou anistia, ou prorrogar o vencimento da obrigação do contribuinte. O regime jurídico de direito público, informado pelo princípio da indisponibilidade do interesse público, impede que a autoridade tributária renegocie o crédito. Lei específica disciplina o parcelamento desse crédito, em determinadas condições ( CTN, art. 155-A, §§ 3º e 4º). Atendidas estas, a sociedade empresária devedora terá direito ao benefício outorgado pela legislação tributária. Não atendidas, porém, a autoridade tributária não tem meios de autorizar o parcelamento, muito menos para conceder qualquer outro benefício ao contribuinte. A impossibilidade de renegociação, assim, exclui o crédito tributário da recuperação extrajudicial.

c) Proprietário fiduciário, arrendador mercantil, vendedor ou promitente vendedor de imóvel por contrato irrevogável e vendedor titular de reserva de domínio. Os credores identificados no art. 49, § 3º, da LF não se submetem aos efeitos da recuperação extrajudicial. Não significa dizer que estejam impedidos de renegociar, tal como acontece com o credor tributário (e, em certa medida, até mesmo com os trabalhistas, em algumas hipóteses). Se esses credores considerarem do seu interesse, podem entabular negociações com o devedor em crise, com o objetivo de contribuir para a superação desta. A exclusão significa apenas a absoluta impossibilidade de a homologação da recuperação extrajudicial atingir seus créditos, mesmo quando o plano tiver sido aprovado por 3/5 dos credores.

d) Instituição financeira credora por adiantamento ao exportador (ACC). Também os bancos, pelos créditos derivados do adiantamento ao exportador de contrato de câmbio, estão preservados da recuperação extrajudicial. Quer dizer, não há hipótese em que seu crédito seja alterado contra a sua vontade, mesmo que a alteração fosse essencial à superação da crise do devedor via homologação da recuperação extrajudicial.

Todavia, conforme versa (Tomazette, p. 353) alguns credores não se submeterão a esse acordo, seja pela indisponibilidade do crédito, seja pela falta de interesse para a eventual negociação. Nada impede, porém, que mesmo em relação a esses sejam realizadas outras modalidades de acordos individuais.

Nessa senda, discorre o referido autor, que não participam da recuperação extrajudicial os credores fiscais que, em razão do princípio da legalidade e pela indisponibilidade do interesse público, não são passíveis de negociação. Também são excluídos da recuperação extrajudicial os créditos trabalhistas e de acidente de trabalho que, embora passíveis de transação, devem ficar afastados dessa negociação extrajudicial, por não terem tanta força de negociação.

Ademais, excluem-se da recuperação extrajudicial os credores que não teriam qualquer interesse na negociação, por já possuírem uma grande segurança nos seus créditos, em razão do direito de propriedade. Nesta exclusão entram os credores titulares da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio ou de adiantamento de contrato de câmbio (Lei n o 11.101/2005 – art. 49, §§ 3º e 4º).

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

§ 3o Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias,

ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

§ 4o Não se sujeitará aos efeitos da recuperação judicial a importância a que se refere o inciso II do art. 86 desta Lei.

Art. 86. Proceder-se-á à restituição em dinheiro: II – da importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, na forma do art. 75, §§ 3o e 4o , da Lei no 4.728, de 14 de julho de 1965, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.

5 O PLANO EXTRAJUDICIAL E AS MODALIDADES DA RECUPERAÇÃO EXTRAJUDICIAL

O plano de recuperação extrajudicial do devedor em crise, a ser submetido posteriormente à homologação do Judiciário, diferencia-se do plano judicial, haja vista que prevê o § 2.º do art. 161 que “o plano não poderá contemplar o pagamento antecipado de dívidas nem tratamento desfavorável aos credores que a ele não estejam sujeitos”. Em segundo lugar, o plano de recuperação extrajudicial só poderá abranger os créditos constituídos até a data do pedido de homologação em juízo, em obediência ao disposto na parte final do art. 163, § 1.º, da LRE. (RAMOS, p. 880).

Além disso, segundo o disposto no art. 163, § 4.º, “na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia”. E conforme previsto no art. 163, § 5.º, “nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação extrajudicial”. Estas duas regras também se aplicam à recuperação (art. 50, §§ 1.º e 2.º, da LRE).

Com isso, atesta-se, conforme versa (Ulhoa, p. 544), que os requisitos legais para a homologação do plano de recuperação extrajudicial são de duas ordens:

- subjetivos (dizem respeito à sociedade empresária requerente) e objetivos (são pertinentes ao plano submetido à homologação). Requisitos subjetivos. A sociedade empresária que precisa ou pretende requerer a homologação da recuperação extrajudicial deve preencher os seguintes requisitos: a) atender às mesmas condições estabelecidas pela lei para o acesso à recuperação judicial, a saber: a.i) exercer sua

atividade empresarial regularmente há mais de 2 anos; a.ii) não estar falida ou, se o foi, terem sido declaradas extintas suas obrigações por sentença transitada em julgado; a.iii) não ter como administrador ou controlador pessoa condenada por crime falimentar ( LF, art. 48, caput, e incisos I e IV); b) não se encontrar em tramitação nenhum pedido de recuperação judicial dele (art. 161, § 3º, primeira parte); c) não lhe ter sido concedida, há menos de 2 anos, recuperação judicial ou extrajudicial (art. 161, § 3º, segunda parte).

- Requisitos objetivos. São cinco os requisitos dessa natureza: a) não pode ser previsto no plano o pagamento antecipado de nenhuma dívida (art. 161, § 2º, primeira parte); b) todos os credores sujeitos ao plano devem receber tratamento paritário, vedado o favorecimento de alguns ou o desfavorecimento apenas de parte deles (art. 161, § 2º, segunda parte); c) o plano não pode abranger senão os créditos constituídos até a data do pedido de homologação (art. 163, § 1º, in fine); d) do plano só pode constar a alienação de bem gravado ou a supressão ou substituição de garantia real se com a medida concordar expressamente o credor garantido (hipotecário, pignoratício etc.) (art. 163, § 4º); e) o plano de recuperação não pode estabelecer o afastamento da variação cambial nos créditos em moeda estrangeira sem contar com a anuência expressa do respectivo credor (art. 163, § 5º).

Assim, nota-se que a legislação prevê duas hipóteses distintas de homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial. A primeira, que denomino facultativa, é a homologação do plano que conta com a adesão da totalidade dos credores atingidos pelas medidas nele previstas (art. 162 LRE).

Art. 162. O devedor poderá requerer a homologação em juízo do plano de recuperação extrajudicial, juntando sua justificativa e o documento que contenha seus termos e condições, com as assinaturas dos credores que a ele aderiram.

Destaque-se, todavia, que nem sempre será preciso que todos os credores submetidos ao plano consintam com ele. O art. 163 da LRE prevê situação excepcional em que “o devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos”. Nesse caso, pois, o devedor é obrigado a fazer o pedido de homologação do plano se quiser obrigar os credores que a ele não aderiram ao seu cumprimento. (RAMOS, p. 882).

No que tange à homologação facultativa, vê-se que dois são os motivos que podem justificar a homologação facultativa. O primeiro é revestir o ato de maior solenidade, para chamar a atenção das partes para a sua importância. O segundo é possibilitar a alienação por hasta judicial de filiais ou unidades produtivas isoladas, quando prevista a medida ( LF, art. 166). (COELHO, p. 545).

Portanto, conforme versa o mencionado autor, quando todos os credores cujos créditos são alcançados pelo plano (isto é, nele altera-se seu valor, vencimento, condições de pagamento, garantias etc.) aderiram a ele, a homologação judicial não é obrigatória para a sua implementação. Se o plano de recuperação extrajudicial ostenta a assinatura de todos os credores por ele atingidos, a homologação não é condição para os obrigar. Eles já se encontram obrigados nos termos do plano por força da adesão resultante de sua manifestação de vontade. O ato judicial não é necessário para que o crédito seja alterado em sua extensão ou condições.

Nessa hipótese, caberá às partes decidir se levam ou não o acordo à homologação. Levando o acordo à homologação judicial, ele passará a ter a condição de título executivo judicial ( Novo CPC – art. 515, III), vale dizer, ele terá mais força no eventual cumprimento. Para tanto, obviamente deverão ser cumpridas as formalidades legalmente exigidas para a homologação. (TOMAZETE, p. 355).

Importante destacar, conforme versa (Ulhoa, p. 547) que ao requerer a homologação facultativa, o devedor deve instruir o pedido com a justificativa do pleito e o instrumento de recuperação extrajudicial (plano, acordo, termo etc.) assinado por todos os credores aderentes. Após receber a petição inicial devidamente instruída, o juiz determina a publicação de edital convocando os credores a apresentarem eventuais impugnações. O prazo para impugnar o plano de recuperação extrajudicial é de 30 dias, seguintes à publicação do edital. Nos mesmos 30 dias, o devedor requerente deve provar que comunicou, por carta, todos os credores sujeitos ao plano domiciliados ou sediados no Brasil, informando-lhes a distribuição do pedido de homologação extrajudicial, as condições do plano apresentado e o prazo para a impugnação.

Afirma, ademais, que:

A impugnação ao plano de recuperação extrajudicial deve vir instruída com a prova do crédito do impugnante (condição que o magistrado pode relevar, se não houver dúvidas acerca de sua titularidade e extensão) e só pode versar sobre um dos fundamentos admitidos pela lei. O impugnante, em outros termos, não pode suscitar contra o pedido de homologação senão as seguintes matérias: a) não preenchimento do percentual mínimo de 60% de cada espécie de crédito envolvido; b) prática de ato de falência previsto no art. 94, III; c) prática de ato que terá sua ineficácia subjetivamente suspensa, com base no art. 130 da LF, se vier a ser decretada a quebra do requerente; d) desatendimento a requisito subjetivo ou objetivo para a homologação; e) descumprimento de qualquer outra exigência legal (art. 164, § 3º). Apresentada a impugnação, o requerente será intimado para se manifestar em 5 dias. Em seguida, os autos são conclusos para o juiz deferir a petição inicial e homologar o plano ou acolher a impugnação e indeferir a homologação. Da sentença cabe, em qualquer caso, apelação sem efeito suspensivo. Na hipótese de indeferimento da homologação, nada obsta a reapresentação do pedido,

desde que afastado o motivo que justificou a decisão denegatória. Se a homologação havia sido negada, por exemplo, porque o percentual mínimo de apoio dos credores de certa espécie não havia sido atendido, o devedor pode tentar refazer o plano. Se a recuperação extrajudicial puder ser obtida (embora com maior dificuldade) sem alteração nos créditos correspondentes a essa espécie, o novo plano pode ser reapresentado para homologação.

No que tange à homologação obrigatória, prevista no art. 163 da LRE, vê-se que há a previsão de que: “o devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos”. Assim, o devedor é obrigado a fazer o pedido de homologação se quiser que o plano tenha função vinculativa aos credores.

Veja-se o que dispõe o art. 163:

Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os créditos de cada espécie por ele abrangidos.

§ 1o O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e, uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas, exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação.

§ 2o Não serão considerados para fins de apuração do percentual previsto no caput deste artigo os créditos não incluídos no plano de recuperação extrajudicial, os quais não poderão ter seu valor ou condições originais de pagamento alteradas.

§ 3o Para fins exclusivos de apuração do percentual previsto no caput deste artigo:

I – o crédito em moeda estrangeira será convertido para moeda nacional pelo câmbio da véspera da data de assinatura do plano; e

II – não serão computados os créditos detidos pelas pessoas relacionadas no art. 43 deste artigo.

Esta imagem no pode ser adicionada § 4o Na alienação de bem objeto de garantia real, a supressão da garantia ou sua substituição somente serão admitidas mediante a aprovação expressa do credor titular da respectiva garantia.

§ 5o Nos créditos em moeda estrangeira, a variação cambial só poderá ser afastada se o credor titular do respectivo crédito aprovar expressamente previsão diversa no plano de recuperação extrajudicial.

§ 6o Para a homologação do plano de que trata este artigo, além dos documentos previstos no caput do art. 162 desta Lei, o devedor deverá juntar:

I – exposição da situação patrimonial do devedor;

II – as demonstrações contábeis relativas ao último exercício social e as levantadas especialmente para instruir o pedido, na forma do inciso II do caput do art. 51 desta Lei; e

III – os documentos que comprovem os poderes dos subscritores para novar ou transigir, relação nominal completa dos credores, com a indicação do endereço de cada um, a natureza, a classificação e o valor atualizado do crédito, discriminando sua origem, o regime dos respectivos vencimentos e a indicação dos registros contábeis de cada transação pendente.

A título exemplificativo e prático veja-se o exemplo disposto por (Ulhoa, p. 548):

Imagine que no passivo do devedor há credores de três espécies: com garantia real, privilégio geral e quirografário. Considere que, para o reerguimento da empresa em crise, é necessário dilatar o vencimento apenas dos créditos com garantia real e quirografários. Isso porque, suponha-se, todos os créditos com privilégio são representados por debêntures flutuantes com vencimento a longo prazo e não representam preocupação atual para o devedor. Além disso, considere que 50% dos créditos com garantia real são também representados por títulos de longo prazo e igualmente não preocupam o devedor no momento. A adesão desses credores é irrelevante para o sucesso do plano. Pois bem, nesse exemplo, a recuperação extrajudicial depende, em princípio, da adesão da totalidade dos credores quirografários e de metade dos titulares de crédito com garantia real (os que não possuem títulos de longo prazo). Eles são os credores “alcançados” pelo plano. Se o devedor conseguir o apoio de todos eles, a homologação é, como visto, facultativa. Não a conseguindo, contudo, mas obtendo o apoio de parcela significativa dos credores alcançados, poderá cogitar da homologação obrigatória. Considere, então, que credores titulares de 70% dos créditos quirografários e de 40% dos com garantia real (sendo que nenhum deles possui títulos de longo prazo) aderiram ao plano. Confiaram na seriedade do devedor e na consistência da proposta e concordaram em renegociar seus direitos para contribuir com a superação da crise. Nesse caso, está atendida a condição para a homologação, já que credores titulares de mais de 3/5 de cada espécie de crédito alcançado pelo plano aderiram. Homologado, o plano se estende a todos os credores alcançados, mesmo aqueles que não haviam concordado em assiná-lo. É o instituto que os advogados norte-americanos denominam cram down (expressão que, em português, equivaleria a “enfiar goela abaixo”). No cálculo do percentual de adesões mínimas (3/5), duas regras devem ser observadas. Em primeiro lugar, os créditos em moeda estrangeira devem ser convertidos para a moeda nacional, segundo a taxa de câmbio da véspera da assinatura do plano pelos credores aderentes. Em segundo, não se computam os créditos titularizados por pessoas ligadas à sociedade devedora, ou seja, seus sócios, as sociedades coligadas, controladoras, controladas ou as que tenham sócio ou acionista com participação superior a 10% do capital da devedora ou em que esta ou algum de seus sócios possua participação superior a 10% (art. 43).

Portanto, o processamento da homologação obrigatória é idêntico ao da facultativa, exceto no que diz respeito à instrução da petição inicial. Para o pedido de homologação facultativa, a lei

estabeleceu instrução singela, consistente na justificativa e no plano. Não há mesmo sentido em exigir mais do devedor nessa hipótese, porque os efeitos da homologação facultativa são modestos. O plano conta já com a adesão de todos os credores por ele alcançado e a homologação não lhes afeta os direitos creditórios.

Contudo, a instrução do pedido de homologação obrigatória, em vista do maior alcance dos efeitos desta, deve ser mais complexa. Além da justificativa e do plano (com a assinatura da maioria aderente), deve o devedor apresentar em juízo: a) exposição de sua situação patrimonial; b) demonstrações contábeis relativas ao último exercício; c) demonstrações contábeis referentes ao período desde o fim do último exercício e a data do plano, levantadas especialmente para o pedido; d) documento comprobatório da outorga do poder para novar ou transigir para os subscritores do plano em nome dos credores (por exemplo: ato de investidura do administrador de sociedade empresária acompanhado do estatuto ou do contrato social, instrumento de procuração com poderes específicos etc.); e) relação nominal de todos os credores, com endereço, classificação e valor atualizado do crédito, além da origem, vencimento e remissão ao seu registro contábil (art. 163, § 6º). (ULHOA, p. 551).

6 EFEITOS DA HOMOLOGAÇÃO

O art. 165 da LRE discorre que “o plano de recuperação extrajudicial produz efeitos após sua homologação judicial”. Isso significa, então, que em regra o plano de recuperação extrajudicial não pode, uma vez homologado, produzir efeitos pretéritos, retroativos. Isso porque o § 1º do mencionado artigo excetua que “é lícito, contudo, que o plano estabeleça a produção de efeitos anteriores à homologação, desde que exclusivamente em relação à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários”.

Ainda sobre esse ponto, (Tomazette, p. 326) dispõe que a princípio, todos os efeitos gerados pela homologação do plano de recuperação extrajudicial serão voltados para o futuro, isto é, para depois da homologação. No entanto, é lícito pactuar a produção de efeitos pretéritos, apenas no que tange à modificação do valor ou da forma de pagamento dos credores signatários, ratificando pagamentos efetuados antes da homologação. Caso não se obtenha a homologação, devolve-se aos credores signatários o direito de exigir seus créditos nas condições originais, deduzidos os valores efetivamente pagos (Lei n o 11.101/2005 – art. 165, § 1º).

Ademais, o mencionado autor leciona ainda que uma vez homologada, a recuperação extrajudicial produzirá seus efeitos, vinculando inclusive os credores que não aceitaram o plano inicialmente, desde que tenha sido obtida a concordância de mais de três quintos dos créditos de cada espécie ou grupo abrangido pelo plano.

Outrossim, essa vinculação de todos os credores produzirá a novação dos seus créditos, que passarão a ter as condições previstas no plano de recuperação extrajudicial, mesmo que se decrete a falência do devedor posteriormente.

Em última análise, a novação na recuperação extrajudicial é a mesma do Código Civil, sem qualquer peculiaridade. Além disso, a homologação tornará o plano de recuperação extrajudicial um título executivo judicial ( Novo CPC – art. 515, III), dando-lhe mais força.

De fato, outro efeito da homologação é a submissão da eventual alienação de estabelecimento prevista no plano à forma prevista para essa alienação na falência (Lei n o 11.101/2005 – arts. 166 c. c. 142), vale dizer, por meio de leilão, propostas ou pregão. Neste particular, registre-se que será obedecida apenas a forma prevista para a alienação de estabelecimentos na falência, mas não seus efeitos, vale dizer, o adquirente de um estabelecimento alienado em uma recuperação extrajudicial responderá pelas dívidas do alienante, nas condições previstas pelo direito comum.

Assim, o adquirente responderá pelas dívidas regularmente escrituradas ( CC – art. 1.146), pelas obrigações trabalhistas ( CLT – art. 448) e pelas obrigações tributárias ( CTN – art. 133). No que tange a estas últimas obrigações, a responsabilidade será subsidiária se o alienante continuar ou restabelecer qualquer atividade econômica nos seis meses subsequentes ao negócio. Nos demais casos, a responsabilidade do adquirente pelas obrigações tributárias será integral. (TOMAZETTE, 362).

7 FENÔMENO DESJUDICIALIZANTE

Com o advento do Código de Processo Civil de 2015, o Brasil seguiu a tendência mundial de incentivar os meios extrajudiciais de solução de conflitos, prevendo a possibilidade de conciliação e mediação, bem como prevendo expressamente a arbitragem, já anteriormente regulada pela legislação específica (Lei nº 9.307/96). É sabido que o Judiciário brasileiro não se revela atraente à resolução de conflitos, em especial para as empresas, ante o custo, a morosidade e o ambiente de competição entre as partes.

Assim, importante compreender o contexto e as modalidades de resolução extrajudicial de conflitos, porquanto constituem possíveis meios de solucionar os obstáculos contidos na Justiça estatal.

Inicialmente, os principais meios de resolução de conflitos na sociedade podem ser classificados em três grandes grupos, de acordo com a evolução histórica: autotutela, autocomposição e heterocomposição. A autotutela consiste na vingança privada, em que os indivíduos protegiam a si mesmos, na chamada ―lei do mais forte‖. Não havia um terceiro que intervinha no conflito; a decisão emanava do próprio indivíduo ou da família, e não havia necessária equivalência entre o dano e a reparação (FONSÊCA, 2012, p. 36- 37). A autocomposição, por sua vez, nada mais é que o acordo entre partes. Há três formas de autocomposição, quais sejam: a desistência, a qual consiste na renúncia à pretensão; a submissão, que consiste na renúncia à resistência na pretensão, e a transação, na qual há concessões de ambas as partes. Nota-se, portanto, que a atuação de ambas as partes é imprescindível (CINTRA; GRINNOVER; DINAMARCO, 2012, p. 14). 14 Como modalidades de autocomposição, há a possibilidade de negociação direta ou primária, pelas próprias partes, ou a negociação indireta, em que há condução do procedimento por um terceiro, como na conciliação e na mediação (BARROS, 2007, p. 2). A conciliação e a mediação estão expressamente previstas na legislação processual brasileira, motivo pelo qual se faz necessária a breve diferenciação dos dois institutos. Na conciliação, as, partes buscam a satisfação dos seus anseios pessoais na lide, mantendo a própria característica de ideais antagônicos presentes nas lides. Na mediação, por sua vez, há uma desconstrução do litígio, buscando-se benefícios mútuos. Portanto, na conciliação, é esperado que o conciliador sugira ideias e acordos, enquanto que o mediador atua para facilitar o diálogo e a paridade entre as partes (ALMEIDA, 2009, p. 2-4). O último mecanismo, o qual surgiu da evolução dos demais, é a heterocomposição, em que há a atuação de um terceiro imparcial, o qual emite juízo de valor sobre a lide entre as partes. Esse terceiro pode ser um árbitro (eleito pelos litigantes) ou um juiz (autoridade investida no poder jurisdicional) (SILVA; ESTEVES, 2016, p. 2-3). Assim, denota-se que a diferença primordial entre a autocomposição e a heterocomposição consiste na decisão, que emana das partes no primeiro e de um terceiro nesse último. Existe divergência na doutrina sobre uma possível classificação da mediação como forma de heterocomposição, ante a atuação do mediador; no entanto, a diferença primordial está, como já mencionado, na decisão construída pelas partes (BARROS, 2007, p. 2).

Assim, a mediação só poderia ser classificada dessa forma se a decisão fosse proferida pelo mediador – o que, em verdade, não ocorre, visto que este apenas facilita o debate. No tocante aos meios de heterocomposição, ressalta-se a arbitragem, a qual possui regramento próprio no direito brasileiro e elevado grau de importância no meio empresarial. Conforme já dito, o Código de Processo Civil de 2015 deu preferência aos métodos alternativos de solução de conflitos, não sendo diferente quanto ao instituto arbitral. Exemplificando tal incentivo, diga-se que a sentença arbitral foi elevada a título executivo judicial na referida legislação. Explica o professor José Cretella Júnior (1998, p. 11): Arbitragem é, como dissemos, o sistema especial de julgamento, com procedimento, técnica e princípios informativos próprios e com força executória reconhecida pelo direito comum, mas a este subtraído, mediante o qual duas ou mais pessoas físicas, ou jurídicas, de direito privado ou de direito público, em conflito de interesses, escolhem de comum acordo, contratualmente, uma terceira pessoa, o árbitro, a quem confiam o papel de resolver-lhes a pendência, anuindo os litigantes em aceitar a decisão proferida. Nesse sentido, é uma possibilidade de ―justiça privada‖, por meio do qual o conflito é resolvido por um terceiro, sem a necessidade de intervenção estatal na lide. Tais meios consensuais de solução de conflitos surgem num contexto de perda do estigma do Poder Judiciário como único pacificador dos litígios; ademais, buscam soluções que integrem as partes, satisfazendo os interesses de ambas, visto que nem sempre a sentença e a solução mais apropriada para a celeuma (ZANFERDINI, 2012, p. 123). Importa mencionar que tais meios reúnem os mesmos elementos que possui o Judiciário, sendo que a principal diferença reside na possibilidade de apresentação de soluções mais velozes, que evitam desgastes entre as partes (GUILHERME, 2016, p. 9). Salienta-se que tanto pessoas físicas quanto jurídicas podem buscar meios alternativos aos conflitos; no entanto, as pessoas jurídicas, em especial as que exercem atividade empresarial, possuem um histórico de permissões e proibições no tocante à utilização de tais meios para controvérsias com seus credores, conforme será a seguir aprofundado.

Conforme pontua Paulo Penalva Santos (2017, p. 412), a realidade demonstra que credores e devedores buscam cada vez mais a regularização de seus negócios de modo informal, a fim de evitar os Tribunais. Os principais benefícios de tal informalidade é a rapidez e a discrição, em especial se comparados à morosidade e aos formalismos inerentes aos litígios judiciais. Além disso, cite-se o custo inerente ao Poder Judiciário, que engloba taxas judiciárias, honorários advocatícios, deslocamentos, dentre outros. 19 Frise-se que, conforme leciona Sílvio Venosa e Cláudia Rodrigues (2012, p. 315), ―A melhor maneira de resolver as dificuldades da empresa é detectar problemas ainda embrionários‖. Ademais, as relações empresariais derivam de relacionamentos a longo prazo, com alta complexidade. Por tal motivo, as formas consensuais de solução de conflitos são mais apropriadas em razão do incentivo à cooperação entre empresários, e, por conseguinte, no cumprimento espontâneo de obrigações contraídas (MORAES; SANOMYA, 2012, p. 08). Uma das formas mais comuns de solução de conflitos é a negociação, presente em todas as relações humanas.

Conforme já apontado, existem formas autocompositivas de solução de conflitos, em que a decisão emana das próprias partes, e formas heterocompositivas de resolução, em que um terceiro – no caso, o juiz ou o árbitro – decide a lide. Uma das espécies de autocomposição é a negociação, em que as partes chegam, sem intervenção de terceiros, a uma solução que, muitas vezes, é proporcionalmente menor aos problemas trazidos ao debate, sendo, desta feita, uma transação bilateral cujo objetivo é um acordo (LOPES, 2016, p. 04). Marcos José Porto Soares (2016, p. 123) explica que: ―É um processo natural e muito comum no dia a dia uma vez que em todas as relações jurídicas há basicamente uma negociação‖. Ressalta-se que a negociação é um meio de autocomposição por ser necessário que duas ou mais partes estejam interessadas em chegar a um acordo referente a determinado conflito, por meio de comunicação e poder de decisão (COSTA; GENEROSO, 2016, p. 33-34). Nesse sentido, não há a figura de um árbitro ou do Poder Judiciário; esse último poderá ser acionado no caso de homologação perante o juízo, como é o caso da recuperação extrajudicial de empresas, em que há essa possibilidade (frise-se, não há necessidade de homologação para efetiva validade do plano, é uma opção do devedor). A negociação é uma etapa necessária de qualquer solução extrajudicial de controvérsia, mas também é estudada como meio autônomo de solucionar 20 litígios. Conforme Barbosa (2009, p. 28), a negociação é a mais acessível e tradicional desses meios, conceituando-a como a forma amigável e independente, consubstanciada por tratativas, em que as partes resolvem elas mesmas seus conflitos. Roger Fisher, William Ury e Bruce Patton (2005, p. 15), professores de Harvard, explicam: Um número cada vez maior de ocasiões requer negociação; o conflito é uma indústria em crescimento. Todos querem participar das decisões que lhe afetam; um número cada vez menor de pessoas aceita decisões ditadas por outrem. As pessoas diferem e usam a negociação para lidar com suas diferenças. Seja nos negócios, no governo ou na família, as pessoas chegam à maioria das decisões através da negociação. Mesmo quando recorrem aos tribunais, quase sempre negociam um acordo antes do julgamento. Embora a realidade americana no tocante aos acordos realizados antes da judicialização do conflito esteja avançada em relação à brasileira, menciona-se que a tendência seja a busca por acordos nos processos judiciais e, consequentemente, o incentivo à negociação antes de chegar aos tribunais. Nesse método, na maioria das vezes, há possíveis ganhos mútuos para as partes, os quais podem se concretizar por meio uma posterior relação vantajosa mútua, ou pela satisfação dos interesses em debate por meio de uma solução criativa.

Por tal motivo, é sempre importante a identificação de interesses comuns (2005, p. 89). Leciona Isadora Urel (2017, p.7) que a negociação permite a continuidade da relação entre as partes, visto que a intenção é a resolução amigável, sem intervenção de terceiros; no entanto, as partes podem estar representadas por negociadores, os quais podem apresentar soluções à lide. Ressalta, ainda, que o controle da negociação é totalmente das partes. Menciona, ainda, as principais vantagens de tal método alternativo de solução de conflitos, tais como: custo menor, a privacidade do ato, não há um rito legal e é possível a criatividade no tocante às soluções buscadas. Ademais, a eficácia da negociação se resume na tomada da melhor decisão que maximize o resultado para todos os interessados (COSTA; GENEROSO, 2016, p. 26). Assim, a negociação nada mais é do que a busca pela solução mais benéfica a ambas as partes, utilizando-se de concessões mútuas; tal método é 21 utilizado desde situações cotidianas a acordos internacionais, e constitui meio autônomo de solução de conflito, bem como uma fase dos demais métodos. Em razão de sua informalidade, tal método é muito distante da instância judicial, visto que não há qualquer vislumbramento do conflito por um terceiro (GUILHERME, 2016, p. 19). Dessa forma, também será um pouco distante da conciliação e mediação, pelo mesmo motivo. 2.3.2 Conciliação e Mediação Tal qual o meio anteriormente estudado, conciliação e mediação são métodos de autocomposição, isto é, a decisão do litígio emana das próprias partes. A autocomposição é uma figura estimulada pelo direito brasileiro. Nesse sentido, Fredie Didier Jr. (2015, p. 166), menciona a possibilidade de existência de um princípio do estímulo da solução por autocomposição, o qual orientaria toda a atividade estatal para solucionar lides. O Código de Processo Civil (BRASIL, 2015) prevê a designação de audiência de conciliação ou mediação logo após o recebimento da petição inicial, veja-se: Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. Em relação à diferença entre os dois institutos, explica Rafael Machado Viviani Nicolau (2018, p. 814-815) que: O CPC de 2015 define conciliação como o método consensual de resolução de conflitos em que, preferencialmente, não há vínculo anterior entre as partes, conflitos mais simples, portanto (como, por exemplo, acidentes de veículos), em que é permitido ao conciliador propor soluções para o conflito (definição constante nos arts. , § 3º e 165, § 2º do CPC de 2015). Já a mediação, é definida como o método consensual de resolução de conflitos mais adequado para aqueles em que há vínculo prévio entre as partes, conflitos, portanto, mais complexos, que visa restabelecer o diálogo entre as partes para que essas, por si próprias, cheguem à solução do conflito. Fica subentendido nessa definição que o mediador fica vedado de sugerir soluções para o litígio (definição constante nos arts. , § 3º e 165, § 3º do CPC de 2015). 22 Assim, tem-se que a conciliação é indicada para conflitos de menor complexidade, ao passo que a mediação possui maior efetividade aos casos em que as partes já possuíam laços, visto que será fomentado o diálogo para que estas encontrem a melhor solução em conjunto. De acordo com Eduardo Mello (2015), o empresário precisa ficar atento às inúmeras formas de soluções de conflitos dispostas no ordenamento brasileiro. Em especial, deve estar aberto a tais possibilidades, compreendendo que nem todos os conflitos precisam ser levados ao Poder Judiciário, pois há caminhos mais adequados fora deste. Francisco Ribeiro Lopes (2016, p. 07) explica a importância da mediação no âmbito empresarial, não somente no que tange às disputas entre sócios, como também em atritos internos e nos conflitos com clientes e fornecedores. Assim, no contexto empresarial, a mediação pode ser utilizada tanto no âmbito interno da empresa, isto é, conflitos entre sócios, entre gestores, funcionários ou departamentos, quanto no externo, envolvendo a empresa e clientes ou outras empresas (TRENTIN; TRENTIN, 2018, p. 11). Ressalta-se que a ocorrência de audiência de conciliação ou mediação prevista pelo Código de Processo Civil de 2015 não significa que não é possível utilizar tais métodos fora do Poder Judiciário. Podem ser utilizadas, por exemplo, as chamadas Câmaras Privadas de Mediação e Conciliação, que são empresas privadas com ou sem fins lucrativos que oferecem os serviços de solução de conflitos por métodos alternativos (BORGES et al, 2017, p. 21). Quanto à necessidade de levar decisão proferida em sede extrajudicial ao juiz togado para validade, a Lei de Mediação (Lei nº 13.140/2015) possui previsão específica, qual seja: Art. 20. O procedimento de mediação será encerrado com a lavratura do seu termo final, quando for celebrado acordo ou quando não se justificarem novos esforços para a obtenção de consenso, seja por declaração do mediador nesse sentido ou por manifestação de qualquer das partes. Parágrafo único. O termo final de mediação, na hipótese de celebração de acordo, constitui título executivo extrajudicial e, quando homologado judicialmente, título executivo judicial. Assim, verifica-se que constitui opção das partes a homologação judicial (ou não) do termo final de mediação. 23 Quanto à conciliação, esta não possui regramento próprio, de modo que seguirá os procedimentos comuns a quaisquer acordos extrajudiciais. Tem, portanto, validade entre as partes, as quais podem levar ao juiz para homologação, constituindo título executivo judicial, nos termos do Código de Processo Civil: Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) III - a decisão homologatória de autocomposição extrajudicial de qualquer natureza; Verifica-se, portanto, que há certa segurança em utilizar de tais institutos. Tratamento distinto é dado à decisão oriunda da arbitragem, instituto a seguir estudado, de cujas decisões se têm ainda mais garantia. 2.3.3 Arbitragem Cumpre salientar que o instituto da arbitragem também recebeu grande importância pelo Código de Processo Civil de 2015, trazendo novas determinações legais além das dispostas na legislação específica sobre o tema. Nesse sentido, (KFOURI NETO; FATUCH NETO, 2017, p. 05): O Código de Processo Civil promulgado em 2015 trouxe um novo reforço aos meios alternativos de resolução de conflitos, dentre eles a arbitragem que está expressa nos dispositivos a seguir elencados, senão vejamos: § 1º do artigo 3º que menciona a possibilidade de arbitragem na forma da lei; no artigo 42, que trata da figura do juízo arbitral; no artigo 68, e do § 1º do artigo 69, que dispõe sobre a cooperação entre juízos; no inciso IV do artigo 189 que regula a confidencialidade da carta arbitral; no inciso V do artigo 237, combinado com os § 3º do artigo 260, artigo 261, artigo 267, artigo 268, que regulamentam as normas de procedimento, expedição e a execução das cartas, inclusive a arbitral; no artigo 345, e seguintes, que falam da declaração da convenção de arbitragem; no artigo 495 que regulamenta disponibilidade da competência em reconhecimento da convenção da arbitragem pelo Juízo Estatal; no artigo 529 que reconheceu como título executivo judicial a sentença arbitral, ensejando uma maior eficiência as disposições previstas na carta arbitral; nos artigos 972 e seguintes que regulamentam a homologação das sentenças arbitrais estrangeiras e sua executividade; e por fim o § 3º do artigo 1075 do mesmo codex que trata das nulidades de sentenças arbitrais. No âmbito do direito empresarial, a arbitragem inseriu-se principalmente em razão do direito internacional, em que se utiliza amplamente tal instituto na 24 solução de conflitos por ser mais prático e dinâmico, em especial quando comparado ao Poder Judiciário brasileiro, moroso e congestionado (SANTIAGO, 2015). O professor André Santa Cruz Ramos (2018, p. 722-723) explica que inúmeras são as vantagens do instituto arbitral na solução de conflitos entre sociedades empresárias, em especial a possibilidade de nomeação de um especialista no assunto objeto da lide, o que confere mais segurança e evita gastos com perícias, por exemplo. Destaca, ainda, outras características positivas deste método, quais sejam: a) celeridade, já que no procedimento arbitral, em regra, os árbitros têm prazo curto para apresentação do laudo arbitral; b) irrecorribilidade, já que a decisão do juízo arbitral é definitiva e dela não cabe recurso, apenas pedido de esclarecimento (embargos de declaração) ou, quando muito, ação anulatória, nas hipóteses do art. 32 da Lei de Arbitragem; c) informalidade, já que o procedimento arbitral é muito mais informal e flexível do que o processo jurisdicional; d) autonomia da vontade, já que as partes têm muito mais liberdade no procedimento arbitral do que no processo jurisdicional, podendo escolher, por exemplo, os árbitros e as regas de direito material e processual aplicáveis; e) confidencialidade, já que o procedimento arbitral é, em regra, sigiloso, ao contrário do processo jurisdicional que, em regra, é público; e f) preservação do relacionamento das partes, já que o procedimento arbitral costuma gerar muito menos animosidade entre as partes do que o processo jurisdicional. (grifos do autor) Por outro lado, enfatiza Fran Martins (2018, p. 465) que, embora seja mais ágil e rápido, o procedimento arbitral possui alto custo, bem como traz o espectro de ser confidencial. Destarte, a arbitragem não é adequada financeiramente para quaisquer conflitos; esse procedimento demonstra-se mais eficaz em situações de contratos com execução prolongada ou em que as partes envolvidas sejam parceiras comerciais a longo prazo (CARVALHOSA; EIZIRIK, 2010, p. 18). Frise-se que, em se tratando de uma espécie de ―Justiça privada‖, tal instituto somente é visível fora do Poder Judiciário, não havendo o que se falar em arbitragem após um processo judicial em curso, como acontece com a conciliação e a mediação. Leciona José Augusto Delgado (2000, p. 21): A arbitragem, como meio processual para a solução dos conflitos, sem a presença do Poder Judiciário, visa consolidar os anseios daqueles que estão insatisfeitos com a demora na entrega da prestação jurisdicional, não só porque contribui para aumentar o grau de discórdia com o seu 25 semelhante, mas, também, pelo fato de lhe ser negado o direito constitucional de ver o seu direito reconhecido em tempo razoável de ser possível o seu gozo e a sua fruição. Existem duas formas de optar pela arbitragem, sendo que ambas deverão ser expressas e por escrito: a cláusula compromissória, a qual é inserida no próprio contrato pactuado pelas partes, ou seja, a opção é feita antes da ocorrência do conflito; e o compromisso arbitral, em que, após o advento do conflito, as partes elegem a arbitragem para dirimi-lo. Cláusula compromissória e compromisso arbitral são espécies do gênero convenção arbitral (RAMPIN; COSTA, 2011, p. 158). Encontram-se diversas controvérsias empresariais passíveis de solução por meio da arbitragem. Nos contratos societários, por exemplo, o contrato ou estatuto social pode prever a aplicação do instituto em se tratando de direitos patrimoniais disponíveis, tais como exclusão de sócios, distribuição de lucros, apuração de haveres, dentre outros (SCAVONE JUNIOR, 2019, p. 62). O objetivo da arbitragem é justamente dirimir conflitos decorrentes de contratos empresariais, sejam nacionais ou internacionais. Isso porque esta somente é passível de utilização na resolução de conflitos de natureza econômica, que não envolvam direitos de ordem pública (RAMPIN; COSTA, 2011, p. 157). A legislação específica (BRASIL, 1996) a qual regulamenta referido instituto prevê liberdade às partes convencionarem os fundamentos jurídicos que serão aplicados no caso, o que é amplamente compatível com o direito empresarial, veja-se: Art. 2º A arbitragem poderá ser de direito ou de eqüidade, a critério das partes. § 1º Poderão as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à ordem pública. § 2º Poderão, também, as partes convencionar que a arbitragem se realize com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras internacionais de comércio. Frise-se, por fim, que o Código de Processo Civil de 2015 elevou a sentença arbitral a título executivo judicial4 , ou seja, tem os mesmos efeitos que uma sentença proferida por juiz togado. 4 Art. 515. São títulos executivos judiciais, cujo cumprimento dar-se-á de acordo com os artigos previstos neste Título: (...) VII - a sentença arbitral; (BRASIL, 2015). 26 2.3 ACESSO À JUSTIÇA E ACESSO AO JUDICIÁRIO A Constituição Federal de 1988 prevê expressamente o Princípio do Acesso à Justiça no rol de direitos fundamentais do artigo 5º, ao dispor que ―XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;‖ (BRASIL, 1988). Conforme bem assentou José Afonso da Silva (1999, p. 01), ―Acesso à Justiça é uma expressão que significa o direito de buscar proteção judiciária, o que vale dizer: direito de recorrer ao Poder Judiciário em busca da solução de um conflito de interesse‖. O acesso à Justiça é tema recorrente nos debates jurídicos há tempos, visto que o sobrecarregamento e o custo do Poder Judiciário obsta a efetivação desse importante princípio. Menciona-se, inclusive, que a dificuldade de acesso e a morosidade do Judiciário causa um descrédito deste perante uma sociedade cada vez mais imediatista, impulsionada pelos avanços tecnológicos e praticidade no acesso à informação (GONÇALVES, 2017). É de se dizer que as custas processuais e o desconhecimento da lei são potenciais obstáculos ao verdadeiro acesso à justiça. Nesse sentido (SANTOS; GONÇALVES, 2014, p. 4): O acesso à Justiça compreende o direito prestacional a ser assegurado pelo Estado e engloba o direito de ação, ter um sistema jurídico adequado e eficaz, isenção de custas processuais e o benefício da assistência jurídica gratuita. O desconhecimento do Direito junto às altas custas processuais, honorários advocatícios e perícias tornam o processo judicial demorado e oneroso, em decorrência disto fica limitado àqueles que podem esperar e têm como pagar. Ante tal panorama, o surgimento de meios alternativos de solução de conflitos é um importante passo para a efetivação do acesso à justiça, visto que é possível o resultado do litígio antes deste ser submetido ao Judiciário, dispensandose os custos inerentes aos processos judiciais, bem como a demora na efetivação da tutela pretendida.

Pontua Catarina Frade (2003, p. 128) que o conceito de acesso à justiça deve ser compreendido como o acesso a um terceiro ou a uma entidade que os 27 próprios litigantes optem como mais adequada e legitimada à proteção de seus direitos, bem como à solução do conflito destes. Da mesma forma, leciona Humberto Theodoro Júnior (2019, p. 74): É de se ter em conta que, no moderno Estado Democrático de Direito, o acesso à justiça não se resume ao direito de ser ouvido em juízo e de obter uma resposta qualquer do órgão jurisdicional. Por acesso à Justiça hoje se compreende o direito a uma tutela efetiva e justa para todos os interesses dos particulares agasalhados pelo ordenamento jurídico. O princípio do acesso à justiça deve ser entendido, portanto, além da mera possibilidade de ajuizamento de ações e julgamentos por parte do Poder Judiciário; é preciso pensar nesse princípio como a busca pela solução mais adequada e célere para a lide (SENA; MUZZI FILHO, 2017, p. 83). No mesmo sentido, leciona Daniela Olimpio de Oliveira (2013, p. 95-96): Justiça não pode ser considerada um local, nem uma instituição. A expressão acesso à justiça pode até significar acesso à uma decisão, mas não à uma instituição. Aproximam-se os institutos, sendo, porém, um, sujeito e, outro, finalidade. Humberto Dalla Bernardina de Pinho e Tatiana Machado Alves (2014, p. 53) frisam que: Assim, o acesso à justiça não comporta apenas o direito do jurisdicionado de colocar sua pretensão perante o Poder Judiciário, mas também engloba a própria tutela (proteção) jurisdicional (adequada, tempestiva, e, principalmente, efetiva) a quem tiver razão.

De nada adiantaria que, ao ser proferida a decisão final de mérito pelo Juiz, a prestação jurisdicional não fosse entregue tempestivamente ou não se mostrasse adequada para a solução daquele conflito, em razão dos males que a litigância já teria gerado para as relações pessoais das partes entre si (por exemplo, nas relações entre familiares, ou entre vizinhos). Flávia Zanferdini (2012, p. 112-113) ressalta que são necessárias mudanças na mentalidade tanto dos operadores do direito quanto, consequentemente, dos próprios usuários do Poder Judiciário, tendo em vista que há meios menos burocráticos e mais céleres que a decisão judicial para resolver um conflito. Menciona-se, ainda, que o grande volume de processos judiciais se revela caro aos cofres públicos, em especial porquanto várias demandas levadas ao Poder Judiciário poderiam ter sido evitadas, justamente, pelos meios extrajudiciais e 28 consensuais, de modo que os casos complexos e/ou não passíveis de conciliação chegassem ao crivo jurisdicional (SENA; MUZZI FILHO, 2017, p. 83).

Especialmente no tocante ao direito empresarial, Flavia Antonella Godinho Pereira (2016, p. 64) frisa: ―O modelo essencialmente competitivo, reativo e formalista do processo judicial desencoraja o diálogo, desgasta os relacionamentos, favorece o antagonismo, consome tempo, dinheiro e energia que poderiam ser canalizados na função social da empresa‖. Importante mencionar que a busca por vias alternativas além da jurisdicional não exime o Estado da responsabilidade de proporcionar o acesso à justiça e a resolução das demandas em tempo razoável, apenas o auxilia na resolução de conflitos (ZANFERDINI; LIMA, 2013, p. 299). Frise-se, ainda, que a utilização de tais meios não possui como finalidade a diminuição de processos judiciais, mas sim a busca pela solução mais adequada para cada caso, considerando-se que há diversas fontes do direito e, portanto, diversos meios de resolução de conflitos (ZANFERDINI; LIMA, 2013, p. 304-305). Assim, tem-se que a finalidade precípua dos métodos consensuais é a busca pela maneira mais benéfica de resolução do conflito a ambas as partes; ao passo que, consequentemente, há menor volume de litígios que chegam ao Poder Judiciário. A mudança de paradigma na solução de conflitos é essencial, passandose de um modelo violento e competitivo para um modelo consubstanciado na cooperação, o qual envolva as partes, a sociedade e os operadores do direito, possibilitando-se, assim, uma participação ativa na solução dos conflitos sociais, havendo uma individualização da solução mais adequada para cada conflito (ZANFERDINI, 2012, p. 122).

Pontua Ana Carolina Zanini (2017, p. 23) que as formas alternativas de solução de conflitos tornaram-se tendência visto que elevam o desempenho das atividades e driblam a morosidade do processo judicial de maneira célere e econômica, superando, portanto, algumas das principais barreiras ao acesso à justiça. O novo Código de Processo Civil de 2015 e demais atos normativos que o regulamentaram iniciaram uma nova fase ao Poder Judiciário, visto que ressaltaram a importância dos meios extrajudiciais de solução de conflitos; contribui-se, portanto, para a diminuição do volume de processos, e, consequentemente, garante-se o 29 acesso à justiça e a função de pacificador social que o Direito possui é de fato materializada (COSTA E COSTA; MENEZES, 2019, p. 23).

Portanto, os meios consensuais de solução de conflitos – também denominados Métodos Adequados de Solução de Conflitos (MASC) – constituem mecanismos importantes para efetivação do princípio do acesso à justiça, o qual deve ser levado em consideração numa perspectiva de busca pela melhor solução, não somente pelo acesso ao Poder Judiciário por si só. Se muitos são os benefícios de tais métodos para o Direito de forma geral, não seria diferente no ramo empresarial. Luciana Santiago (2015) explica que esses métodos acompanham uma nova tendência adotada pelas empresas, qual seja a resolução de conflitos com clientes por meio de diálogo dentro da própria empresa, diminuindo, assim, a quantidade de processos, e consequentemente os custos e a insatisfação desses clientes. Nesse sentido, Flavia Antonella Godinho Pereira (2016, p. 64) frisa que ―a utilização dos MASC pela empresa pode representar uma significativa diminuição de custos diretos (e.g.:serviços jurídicos, custas judiciais, sentenças, acordos) e indiretos (e.g.: produtividade, relacionamentos, tempo gasto no gerenciamento do conflito, publicidade negativa)‖. Trata-se, portanto, de assegurar o acesso a uma decisão equilibrada e justa, o que se mostra mais eficaz do que o mero acesso ao Poder Judiciário, fato que muito beneficia as empresas, cujas atividades são dinâmicas e necessitam de celeridade e manutenção das relações no contexto da solução de conflitos. Não se busca apenas a solução da lide, mas a solução do litígio entre as partes. Deste modo, não ocorreria o ajuizamento de novas demandas, já que o conflito permaneceria. Denota-se, outrossim, que no âmbito do direito empresarial tal pensamento já foi implementado desde a Lei nº 11.101 de 2005, em que houve a criação da recuperação extrajudicial de empresas, uma verdadeira negociação entre devedor e credores, buscando-se viabilidade econômica e preservação da atividade

8 LIMITAÇÕES PRÁTICAS À MODALIDADE CONSENSUAL

Embora a recuperação extrajudicial traduza um relevante mecanismo de superação da crise empresarial, não foi muito utilizada desde a edição da legislação. Essa baixa utilização se deve, em parte, por motivos tais como a tímida regulamentação do instituto, que possui apenas sete artigos e ao ainda pouco aprofundamento da doutrina e da vacilante jurisprudência – o que também é consequência da pouca utilização (CORBO; GARCIA; SILVA, 2018, p. 02). Para Murilo Aires (2019), essa pouca utilização pode ser causada pela complexidade das crises empresariais ocorridas no ambiente de recessão da economia brasileira, bem como pela pouca cooperação existente entre credores e devedores. Sabe-se que o Brasil é um país com histórico de crises econômicas. Ademais, alguns aspectos negativos já evidenciados no decorrer do presente estudo pesam na escolha do devedor em crise, tais como a ausência de suspensão das ações e execuções e a impossibilidade de incluir os créditos trabalhistas no plano extrajudicial. 58 Sabe-se, também, que alguns empresários tampouco têm conhecimento acerca da existência do referido instituto. Discorre André Santa Cruz Ramos (2018, p. 879): Não obstante a previsão legal, é triste a constatação de que, em geral, pouca importância tem sido dada ao tema. Talvez, em virtude do âmbito restrito de aplicação do instituto, conforme veremos a seguir. De fato, no primeiro ano de vigência da LRE, as varas especializadas em feitos falimentares da comarca de São Paulo receberam 1.109 pedidos de falência, 17 pedidos de autofalência e 56 pedidos de recuperação judicial, não havendo nenhum registro de pedido de recuperação extrajudicial (fonte: – seção notícias). O que se pode concluir, portanto, é que o legislador foi um tanto tímido ao disciplinar a figura da recuperação extrajudicial, o que, sem dúvida, merece críticas. Todavia, sob o ponto de vista do direito comparado, a introdução da recuperação extrajudicial no Brasil sinaliza um grande avanço. É o primeiro passo para uma mudança de paradigmas falimentares ultrapassados que muitos insistem em manter no nosso ordenamento jurídico. Denota-se que o pouco aprofundamento do legislador ao tratar da recuperação extrajudicial deixou alguns obscuros para interpretação, trazendo certa insegurança na sua aplicação, e consequentemente, tímida utilização por parte dos empresários brasileiros. No entanto, conforme devidamente explicitado no primeiro capítulo do presente estudo, a desjudicialização de conflitos é uma tendência que vem sendo incorporada ao Direito brasileiro – mas que, acima disso, deve ser incorporada pelos litigantes brasileiros. Vê-se, portanto, que também se trata de uma mudança cultural, não só neste específico ramo do direito empresarial, mas também em outras esferas. Isso porque ainda se tem uma perspectiva de necessidade do Judiciário intermediando negociações para solucionar os conflitos

Conforme verificado, um grande entrave à utilização do instituto é a limitação de créditos que podem compor o plano. No caso dos créditos tributários, por exemplo, na recuperação judicial, existe previsão de parcelamento na Lei nº 10.522/2002 (artigo 10-A, incluído pela Lei nº 13.043/2014), ainda que tímido, mas específico às empresas que tiverem o processamento da recuperação judicial deferido (BRASIL, 2002). Na recuperação extrajudicial, não há qualquer norma especial de natureza fiscal (SANTOS; SALOMÃO, 2017, p. 242). Assim, é possível que o legislador fomente a utilização do instituto, buscando outras vias para suprir os créditos não submetidos ao plano extrajudicial. Como exemplo de uma tentativa de colocar isso em prática, pode-se mencionar a Medida Provisória nº 899/2019, denominada ―MP do Contribuinte Legal‖, que permite regularização de débitos ficais junto à União. Trata-se de modalidade alternativa de solução do conflito entre o Fisco e o contribuinte, objetivando a redução de litígios, além da arrecadação pela Fazenda (FERNANDES, 2019)

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Percebeu-se que a Recuperação Extrajudicial é um meio célere, mais barato e sadio à relação das partes, sendo, portanto, benéfico de um modo geral. Posteriormente, alguns obstáculos à utilização do instituto foram levantados, tais como a não suspensão das ações e execuções contra o devedor e a impossibilidade de inclusão dos créditos trabalhistas, dentre outros. Assim, é possível que o legislador aprimore referida modalidade de recuperação, a fim de difundir a utilização deste pelo empresariado brasileiro.

Trata-se, concomitantemente, da necessidade de uma aproximação dialética, por parte dos operadores do direito, em relação aos meios consensuais de resolução de conflitos, de modo que o subproduto das divergências operacionais entre os dois caminhos seja uma ferramenta alternativa (recuperação extrajudicial) mais completa em relação às problemáticas concretas no âmbito do Direito Empresarial Falimentar.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. Lei de Recuperação e Falência, Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2005/Lei/L11101.htm. Acesso em 20 de outubro de 2018.

CAMPINHO, S. M. S. Curso de Direito Comercial - Falência e Recuperação de Empresa.

9. ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial. Direito da empresa. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2012. 3 v.

GUIMARÃES, Márcio Souza. Recuperação judicial - plano de recuperação judicial. Enciclopédia jurídica da PUC-SP. Celso Fernandes Campilongo, Alvaro de Azevedo Gonzaga e André Luiz Freire (coords.). Tomo: Direito Comercial. Fábio Ulhoa Coelho, Marcus Elidius Michelli de Almeida (coord. de tomo). 1. ed. São Paulo: Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, 2017. Disponível em: https://enciclopediajuridica.pucsp.br/verbete/215/edicao- 1/recuperação-judicial---plano-de-recuperação-judicial . Acesso em: 26 maio 2020.

RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito empresarial. – 7. ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017.

TOMAZETTE, Marlon. Curso de direito empresarial: Falência e recuperação de empresas,

v. 3 – 5. ed. rev. e atual. – São Paulo: Atlas, 2017.

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