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24 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça do Paraná TJ-PR - Direta de Inconstitucionalidade: ADI XXXXX-60.2022.8.16.0000 * Não definida XXXXX-60.2022.8.16.0000 (Acórdão)

Tribunal de Justiça do Paraná
ano passado

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

Órgão Especial

Publicação

Julgamento

Relator

Rogério Luis Nielsen Kanayama

Documentos anexos

Inteiro TeorTJ-PR_ADI_00578806020228160000_b3148.pdf
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Ementa

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI Nº 1.021/2022 DO MUNICÍPIO DE SÃO JOSÉ DA BOA VISTA, QUE DISPÕE SER FACULTATIVA A VACINAÇÃO DE CRIANÇAS DE 5 A 11 ANOS CONTRA A COVID-19, E AFASTA A EXIGÊNCIA DO COMPROVANTE DE VACINAÇÃO NAS ESCOLAS. PEDIDO DE MEDIDA CAUTELAR PARA SUSPENDER OS EFEITOS DA LEI. EXISTÊNCIA DE PLAUSIBILIDADE JURÍDICA. INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL ORGÂNICA E INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. PRESENÇA, ADEMAIS, DO PERICULUM IN MORA. CONCESSÃO MONOCRÁTICA AD REFERENDUM DO ÓRGÃO ESPECIAL. MEDIDA CAUTELAR CONFIRMADA.

A medida cautelar deve ser deferida se presentes a plausibilidade jurídica e o periculum in mora. (TJPR - Órgão Especial - XXXXX-60.2022.8.16.0000 - * Não definida - Rel.: DESEMBARGADOR ROGÉRIO LUIS NIELSEN KANAYAMA - J. 13.02.2023)

Acórdão

I – Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo Prefeito em exercício do Município de São José da Boa Vista, José Lázaro Ferraz, contra a Lei nº 1.021/2022 daquela municipalidade, que dispõe ser facultativa a vacinação de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19 e afasta a exigência do respectivo comprovante de vacinação nas escolas. O autor sustenta, de início, que a referida lei viola os arts. 12, II, 13, IX, XII e XV, 17, I, 167 e 216, todos da Constituição Estadual. Argumenta que há inconstitucionalidade formal porque a norma invade a competência legislativa concorrente da União e do Estado para legislar sobre educação, saúde e proteção à infância e à juventude. Aponta, nesse particular, violação à Lei Estadual nº 19534/2018, que exige o comprovante de vacina para fins de matrícula nas escolas de todo o Estado, e ao art. 14, § 1º, da Lei nº 8.069/90 ( ECA), que fixa a obrigatoriedade da vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias. Alega, mais, que há inconstitucionalidade material em razão de que “as crianças de São José da Boa Vista, a partir da Lei nº 1021/2022 tornaram-se excluídas da política pública e das ações de vacinação contra a covid-19 operadas pelo Estado e pela União, na medida em que a referida lei local relativizou a importância da vacinação para a proteção da saúde das crianças”. Defende que “não é possível que se deixe por conta de pais muitas vezes negligentes a decisão sobre aplicar ou não a vacinação contra a Covid-19, considerando que há muitos pais absolutamente desprovidos de capacidade de entender que a ciência já demonstrou a segurança e capacidade dos imunizantes de proteger as pessoas contra os agravos da Covid-19. Com efeito, há muitos pais que por decisão baseada em questões religiosas, políticas ou filosóficas, deixam de vacinar seus filhos, violando o direito fundamental à saúde de seus filhos”. Ressalta a existência de imunizantes aprovados para as crianças, conforme notícias oficiais da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). A fim de corroborar sua tese, cita o RE nº 1.267.879/SP, julgado pelo Supremo, e a Nota Técnica nº 2/2022, elaborada pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais do Ministério Público dos Estados e da União. Pleiteia a concessão de medida cautelar para que sejam suspensos os efeitos da norma impugnada, “aplicando-se eficácia retroativa ou, caso entenda não ser aplicável, que se conceda eficácia ex nunc, ao arbítrio do Órgão Especial, nos termos do que autoriza os artigos 257, 258 e 259 do Regimento Interno do E. TJPR”. Requer, ao final, a procedência do pedido para que seja declarada a inconstitucionalidade da Lei nº 1.021/2022 do Município de São José da Boa Vista (mov. 1.1). Distribuído o feito livremente a este Relator, deferiu-se, monocraticamente, a medida cautelar para suspender os efeitos da Lei Municipal nº 1.021/2022 (movs. 3.1 e 10.1). Notificada, a Câmara Municipal de Vereadores não se manifestou (movs. 14.1, 14.2 e 19). A Procuradoria-Geral do Estado se manifestou pela improcedência do pedido de inconstitucionalidade (mov. 22.1). A Procuradoria-Geral de Justiça ressaltou o ajuizamento da ADI nº XXXXX-23.2022.8.16.0000, em 23.9.2022, contra a mesma lei. Pugnou, assim, (i) pela reunião dos processos para julgamento conjunto e (ii) pela confirmação, pelo colegiado, da decisão monocrática que deferiu a medida cautelar (mov. 25.1). É o relatório. II – Consigne-se, em primeiro lugar, que a ordem de redistribuição da ADI nº XXXXX-23.2022.8.16.0000 a este Relator, por prevenção, deve ser determinada pelo ilustre Relator daqueles autos. Assim, cabe à d. Procuradoria-Geral de Justiça comunicar, naquele processo, a identidade do objeto das demandas e requerer a redistribuição. III – Em regra, a liminar requerida em ação direta de inconstitucionalidade deverá ser concedida por decisão da maioria absoluta dos membros do Tribunal, conforme dispõe o art. 10, caput, da Lei nº 9.868/1999 e o art. 257, caput, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Paraná. Excepcionalmente, verificada a relevância e a urgência da questão, é permitido ao Relator analisar o pedido monocraticamente, ad referendum do colegiado. A medida encontra fundamento em julgados recentes do Supremo Tribunal Federal: “CONSTITUCIONAL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NA RECLAMAÇÃO. SUPOSTA VIOLAÇÃO À SÚMULA VINCULANTE 10. INOCORRÊNCIA. DECISÕES SINGULARES. AUSÊNCIA DE ESTRITA ADERÊNCIA ENTRE O ATO IMPUGNADO E O PARADIGMA INVOCADO. AGRAVO INTERNO A QUE SE NEGA PROVIMENTO. 1. Decisões monocráticas, no exercício de competência singular, seja em primeiro grau ou segundo grau, não se sujeitam à Cláusula de Reserva de Plenário, estabelecida no art. 97 da Constituição Federal. 2. Conforme reiterada jurisprudência da CORTE, “a Súmula Vinculante nº 10 enuncia entendimento relacionado à atuação de órgãos colegiados do Poder Judiciário, não sendo aplicável, portanto, a decisões proferidas por órgão singular de primeira instância” ( Rcl 17.150 AgR, Rel. Min. DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, DJe XXXXX-06-2014). No mesmo sentido: Rcl 25457 AgR (de minha relatoria, Primeira Turma, julgado em 11/9/2017). 3. Quanto à atuação singular de juízo de segundo grau, esta CORTE também já decidiu que “o indeferimento de medida cautelar não afasta a incidência ou declara a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo”, havendo, nesses casos “desnecessidade de aplicação da cláusula de reserva de plenário estabelecida no art. 97 da Constituição da República” ( Rcl 10864 AgR, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, julgado em 24/3/2011). 4. Nessas circunstâncias, em que não se tem presente o contexto específico do Enunciado Vinculante 10, não há estrita aderência entre o ato impugnado e o paradigma invocado. 5. Agravo Interno a que se nega provimento” (STF. Rcl 52631 AgR, Relator (a): ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 06/06/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-111 DIVULG XXXXX-06-2022 PUBLIC XXXXX-06-2022).“RECLAMAÇÃO. MEDIDA CAUTELAR. DECISÃO MONOCRÁTICA EM ADI ESTADUAL. ALEGAÇÃO DE AFRONTA À SÚMULA VINCULANTE Nº 10. INOCORRÊNCIA. A decisão monocrática do relator exarada em sede de tutela de urgência em ação direta de inconstitucionalidade estadual não se submete à cláusula da reserva de plenário albergada no art. 97 da Lei Fundamental. Precedentes. O relator atua, em tal hipótese, considerado o periculum in mora, como longa manus do próprio órgão pleno competente para a declaração da inconstitucionalidade, a cujo referendo, de qualquer sorte, submetida a decisão monocrática. Agravo regimental conhecido e não provido” (STF. Rcl 11768 AgR, Relator (a): ROSA WEBER, Primeira Turma, julgado em 02/02/2016, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-034 DIVULG XXXXX-02-2016 PUBLIC XXXXX-02-2016). “Agravo regimental em reclamação. Súmula vinculante nº 10. Decisão liminar monocrática. Não configurada violação da cláusula de reserva de plenário. Agravo regimental ao qual se nega provimento. 1. Decisão proferida em sede de liminar prescinde da aplicação da cláusula de reserva de plenário (art. 97 da CF/88) e, portanto, não viola a Súmula Vinculante nº 10. Precedentes. 2. A atuação monocrática do magistrado, em sede cautelar, é medida que se justifica pelo caráter de urgência da medida, havendo meios processuais para submeter a decisão liminar ao crivo do órgão colegiado em que se insere a atuação do relator original do processo. 3. Agravo regimental não provido” (STF. Rcl 17288 AgR, Relator (a): DIAS TOFFOLI, Primeira Turma, julgado em 25/06/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-164 DIVULG XXXXX-08-2014 PUBLIC XXXXX-08-2014).Nesta Corte, recentemente o Órgão Especial ratificou medida cautelar concedida monocraticamente pelo ilustre Desembargador Marcus Vinícius de Lacerda Costa na ADI nº XXXXX-76.2022.8.16.0000 e pela ilustre Desembargadora Lenice Bodstein na ADI nº XXXXX-23.2022.8.16.0000: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR –LEI Nº 1.950/2022 DO MUNICÍPIO DE TERRA ROXA–DIPLOMA QUE INSTITUIU O CHAMADO “ESPAÇO ÁRVORE” E DISPÔS SOBRE O PLANTIO, REPLANTIO E AMPLIAÇÃO DA PLANTAÇÃO DE ÁRVORES NAS TESTADAS DOS TERRENOS URBANOS E VIAS PÚBLICAS MUNICIPAIS– CONHECIMENTO PARCIAL DA PRETENSÃO AUTORAL – INVIABILIDADE DE UTILIZAÇÃO, COMO PARÂMETRO DECISÓRIO, DA LEI ORGÂNICA MUNICIPAL E LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL– INSTITUIÇÃO DE BENEFÍCIO APARENTEMENTE DESTITUÍDO DA ESTIMATIVA DO SEU IMPACTO ORÇAMENTÁRIO E FINANCEIRO– DESCUMPRIMENTO DO ART. 113 DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL –POSSÍVEL OCORRÊNCIA DE VIOLAÇÃO À CLÁUSULA DE RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO – PRESENÇA DOS REQUISITOS DA TUTELA DE URGÊNCIA – CAUTELAR DEFERIDA – EXCEPCIONALIDADE DA CONCESSÃO MONOCRÁTICA DA TUTELA DE URGÊNCIA “AD REFERENDUM” (TJPR - Órgão Especial - XXXXX-76.2022.8.16.0000 - * Não definida - Rel.: DESEMBARGADOR MARCUS VINICIUS DE LACERDA COSTA - J. 26.09.2022 – destaquei).“MEDIDA CAUTELAR EM AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – PARÁGRAFOS 6º E 7º DO ARTIGO 71 DA LEI MUNICIPAL N. 1.268/2005 DO MUNICÍPIO DE IVAIPORÃ, INTRODUZIDOS PELO ART. DA LEI MUNICIPAL N. 3.644/2002 – ESTABELECEM A OBRIGATORIEDADE DA INDENIZAÇÃO DE FÉRIAS E LICENÇAS-ESPECIAIS NÃO USUFRUÍDAS PELOS SERVIDORES MUNICIPAIS POR NECESSIDADE DA ADMINISTRAÇÃO, NO ATO DA APOSENTAÇÃO OU EXONERAÇÃO – requisitos para concessão configurados – REFERENDO PELO ÓRGÃO ESPECIAL. 1. Parcial conhecimento da ação. Lei orgânica que não serve de parâmetro de controle em sede de fiscalização abstrata de constitucionalidade. 2. Relevância da fundamentação caracterizada, pois os dispositivos impugnados decorreram de emenda parlamentar a projeto de lei oriundo do Poder Executivo, o que demonstra, a princípio, violação ao art. 66, caput e inciso II, da Constituição Estadual. 3. Perigo na demora igualmente evidenciado. Existente fundado receio de dano irreparável e/ou de difícil reparação, na medida em que o cumprimento imediato da lei imporia a realização de despesas não previstas no orçamento, com previsível risco de comprometimento das finanças municipais. 4. Medida cautelar referendada pelo Órgão Especial” (TJPR - Órgão Especial - XXXXX-23.2022.8.16.0000 - * Não definida - Rel.: DESEMBARGADORA LENICE BODSTEIN - J. 22.08.2022 – destaquei).Também no mesmo sentido: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE – MEDIDA CAUTELAR “AD REFERENDUM” – ARTIGO 10, INCISO III, §§ 2º, 3º, 4º E 5º DA LEI ESTADUAL Nº 18.466/2015 NA REDAÇÃO DADA PELA LEI ESTADUAL Nº 19.990/2019 – DISPOSITIVOS ORIUNDOS DE EMENDA PARLAMENTAR – LEI QUE DISCIPLINA O CADIN ESTADUAL DESENVOLVIDO COM O OBJETIVO DE UNIFICAR O CONTROLE E ADMINISTRAÇÃO DE PENDÊNCIAS DE PESSOAS FÍSICAS E JURÍDICAS PERANTE A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA, INDIRETA E PARAESTATAL DO ESTADO DO PARANÁ – PRELIMINAR DE INCOMPETÊNCIA AFASTADA – ADOÇÃO DA CAUSA DE PEDIR ABERTA – CLÁUSULA DE RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO – POSSÍVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DE PODERES – ARTS. 7º, 66, IV E 130, TODOS DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL – ART. 113, DO ADCT DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CAUTELAR REFERENDADA” (TJPR - Órgão Especial - XXXXX-56.2020.8.16.0000 - * Não definida - Rel.: DESEMBARGADOR PAULO CEZAR BELLIO - J. 22.09.2020). “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE - MEDIDA CAUTELAR DEFERIDA MONOCRATICAMENTE AD REFERENDUM DO ÓRGÃO ESPECIAL - INC. IX DO ART. 131 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE MANOEL RIBAS - DISPOSITIVO QUE EXIGE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO DA CÂMARA DE VEREADORES PARA QUE O PREFEITO POSSA SE AUSENTAR DO PAÍS "POR QUALQUER PRAZO" - PRESENÇA DOS PRESSUPOSTOS NECESSÁRIOS À CONCESSÃO DA TUTELA DE URGÊNCIA - APARENTE INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL DA EXPRESSÃO "POR QUALQUER PRAZO" - PROVÁVEL VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA SIMETRIA, DECORRENTE DA INCOMPATIBILIDADE COM AS DIRETRIZES DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL (ARTS. 49, III E 83) E DA CONSTITUIÇÃO ESTADUAL (ARTS. 54, X, E 86, CAPUT, ADEQUADOS AO MODELO FEDERAL POR FORÇA DA ADI XXXXX/PR, JULGADA PELO STF) - APARENTE VULNERAÇÃO AO PRINCÍPIO DA INDEPENDÊNCIA E HARMONIA ENTRE OS PODERES (ART. 7º, CAPUT, DA CE) - PERICULUM IN MORA DECORRENTE, DE PER SE, DA RESTRIÇÃO AO CONTEÚDO ESSENCIAL DA LIBERDADE DE LOCOMOÇÃO DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO MUNICIPAL, QUE SE VE TOLHIDO, DE FORMA DESARRAZOADA E DESPROPORCIONAL, NO SEU DIREITO DE IR E VIR - CAUTELAR DEFERIDA PARA SUSPENDER A EXPRESSÃO "POR QUALQUER TEMPO" CONSTANTE DO INC. IX DO ART. 131 DA LEI ORGÂNICA DO MUNICÍPIO DE MANOEL RIBAS - DECISÃO MONOCRÁTICA REFERENDADA PELO ÓRGÃO ESPECIAL” (TJPR - Órgão Especial - AI - 1748138-8 - Curitiba - Rel.: DESEMBARGADOR ANTONIO LOYOLA VIEIRA - Unânime - J. 16.09.2019).Na hipótese, não há dúvida sobre a relevância da questão, que envolve a imunização de crianças de 5 a 11 anos contra a Covid-19. Verifica-se a urgência, por sua vez, já que a vacinação tem avançado na faixa etária infantil, com a aprovação pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), em 16.9.2022, da Comirnaty Pfizer/Wyeth para crianças com idade entre 6 meses e 4 anos. Destarte, por vislumbrar o preenchimento dos requisitos, concedi monocraticamente a medida cautelar pleiteada (mov. 10.1).Submeto, então, referida decisão ao colegiado do Órgão Especial para confirmação. IV – Constituem requisitos para a concessão da medida cautelar pleiteada o fumus boni iuris e o periculum in mora.De acordo com Uadi Lammêgo Bulos, “o Supremo concluiu que os pedidos de liminares nas ações diretas devem satisfazer os seguintes requisitos: plausibilidade jurídica do que se alega (“fumus boni iuris”); possibilidade de prejuízo em virtude do retardamento da decisão pleiteada (“periculum in mora”); irreparabilidade ou insuportabilidade dos danos oriundos dos atos impugnados; e necessidade de garantir a ulterior eficácia da decisão (...)” (in Curso de Direito Constitucional. 12. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. pgs. 302/303).Nessa linha, JJ. Gomes Canotilho, Gilmar Ferreira Mendes, Ingo Wolfgang Sarlet e Lenio Luiz Streck explicam que “a jurisprudência do STF é pacífica no sentido de que, na ação direta de inconstitucionalidade, além dos requisitos da plausibilidade jurídica do pedido (“fumus boni iuris”) e do “periculum in mora”, exige-se a presença do requisito da conveniência para a concessão da medida cautelar. Esse requisito, em alguns casos, chega a substituir o “periculum in mora” como razão justificadora da concessão da liminar” (in Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Saraiva, 2013. pg. 1373).Ainda, alerta Reinaldo Poletti que “a concessão de liminar é condicionada a requisitos muito rígidos. A Constituição inseriu na competência do Supremo o processo e julgamento de pedido de medida cautelar das ações diretas de inconstitucionalidade (art. 102, I, p), mas ela somente é cabível quando a vigência imediata do texto contra o qual se representou poderá ocasionar dano irreparável ao Erário ou criar situação de difícil desfazimento. A suspensão liminar é medida de caráter excepcional que pressupõe demonstrada, além da relevância jurídica do fundamento da arguição, a ocorrência de interesse público prevalente, aferível pela iminência de dano irreparável ou de difícil reparação, que recomende o imediato retorno à situação anterior” (in Controle de constitucionalidade das leis. pgs. 130/131).Sob essa ótica, em relação à plausibilidade jurídica, vislumbro a aparente existência de vício formal da Lei Municipal nº 1.021/2022 frente aos arts. 12, II, 13, XII e XV, e 17, II, todos da Constituição Estadual, assim como a existência de vício material por transgressão aos arts. 167 e 216, ambos da Constituição Estadual. Inconstitucionalidade formal orgânicaDispõem os arts. 12, II, 13, XII e XV, e 17, II, todos da Constituição Estadual: “Art. 12. É competência do Estado, em comum com a União e os Municípios: (...) II - cuidar da saúde e assistência pública, da proteção e garantia das pessoas portadoras de deficiência.(...) Art. 13. Compete ao Estado, concorrentemente com a União, legislar sobre: (...) XII - previdência social, proteção e defesa da saúde; (...) XV - proteção à infância e à juventude;(...) Art. 17. Compete aos Municípios: (...) II - suplementar a legislação federal e a estadual no que couber”. O art. 12, II, trata da chamada competência material, enquanto os arts. 13, XII, XV e 17, II, evidenciam a competência legislativa. Enquanto a primeira busca regulamentar o campo de atuação político-administrativa, ou seja, delimitar a área de exercício das funções governamentais, a segunda cuida da competência constitucionalmente estabelecida para elaborar leis.[1] Deflui-se que em matéria de saúde, portanto, a competência material é comum entre os entes federativos, visando à cooperação em busca do equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar no âmbito nacional (art. 23, parágrafo único, da Constituição Federal e art. 12, parágrafo único, da Constituição Estadual). De acordo com José Gabriel Medida, citando Manoel Gonçalves Ferreira Filho e José Afonso da Silva, “há, na Constituição Federal, três ordens de autoridade: ordem total (União), ordens regionais (Estados-membros e Distrito Federal) e ordens locais (Municípios) (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso… cit., p. 48; cf. também comentário ao art. 18). Tais ordens de autoridade devem atuar harmonicamente, de acordo com a competência que lhes é conferida pela Constituição Federal (cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso… cit., p. 44; José Afonso da Silva, Do recurso extraordinário no direito processual brasileiro, p. 8)”. Trata-se, segundo o autor, do federalismo cooperativo, que “afastando-se de soluções extremas, opera a dosagem das competências federais, estaduais e municipais, de modo a instaurar o equilíbrio entre o ordenamento central da Federação e os ordenamentos parciais, como me parece ser a tendência dominante na Constituição Federal de 1988” (in Constituição Federal comentada [livro eletrônico]-- 5. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. RL-1.9). Ainda quanto à saúde e, também quanto à proteção à infância e à juventude, a competência legislativa é concorrente. Significa, pois, que à União cabe a edição de normas gerais, aos Estados cabe a edição de normas suplementares e, aos Municípios, incumbe suplementar a legislação federal e estadual, naquilo que couber. Em comentários específicos ao já referido federalismo cooperativo e às medidas relacionadas à pandemia da Covid-19, Medina esclarece:“Vê-se que, tanto no plano da competência material quanto no da competência legislativa, a Constituição impõe a competência concorrente entre os entes federativos, que é, como antes se disse, cooperativa. Note-se que, nesses casos, a competência do ente central é mais geral, enquanto à dos demais entes ligam-se a temas locais. Assim, o art. 30 da Constituição, que dispõe sobre competência material e legislativa dos municípios, estabelece que a este compete ‘legislar sobre assuntos de interesse local’ (inc. I), ‘suplementar a legislação federal e a estadual no que couber’ (inc. II) e ‘prestar, com a cooperação técnica e financeira da União e do Estado, serviços de atendimento à saúde da população’ (inc. VII). A Lei 13.979/2020 (com a redação da Medida Provisória 926/2020 [posteriormente convertida na Lei 14.035/2020]), dispõe, em seu art. 3.º, caput, que ‘para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, dentre outras, as […] medidas’ indicadas em seus incisos (destacamos). Ve-se, pois, que, no ponto, a referida lei não afasta o que antes se disse, no que respeita à competência dos entes federativos: a todos eles incumbe cuidar, proteger e defender a saúde. Um ente invadirá a competência do outro, p.ex., se a União dispuser sobre pormenor local, ou se um município estabelecer uma restrição geral de alcance nacional.(...)É certo, no entanto, que poderão surgir situações limítrofes, em que os lindes entre os interesses geral e local podem não se manifestar claramente, sobretudo quando divergirem entes federal e estadual/distrital, ou estadual e municipal, em que determinado tema pode transitar de uma órbita para outra, a depender das circunstâncias do caso. Em tais situações, segundo pensamos, deve-se observar a regra prevista no § 1.º do art. 3.º da Lei 13.979/2020, que estabeleceu critério que deverá nortear todas as ações realizada com base na referida Lei: elas devem ser determinadas ‘com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde’. Deverão, também, ser limitadas ‘no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública’. Essa regra dá rendimento ao que dispõe a Constituição em seu art. 6.º, caput, que trata o direito à saúde como direito fundamental social, e em seu art. 196, que considera a saúde ‘direito de todos e dever do Estado’. Não sendo possível definir, à luz dos critérios antes mencionados, qual dos entes tem competência para a realização da medida, deve-se verificar qual dos atos em conflito (federal versus estadual, estadual versus municipal, p.ex.) realiza substancialmente, em maior plenitude, o direito constitucional à saúde” (in Constituição Federal comentada [livro eletrônico]-- 5. ed. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. RL-1.9 – destaquei) Nessa linha de raciocínio, ao prever que a vacinação de crianças de 5 a 11 anos é facultativa, o Município de São José da Boa Vista, ao que parece, de fato invade a competência da União para dispor sobre normativas gerais vinculadas à saúde e à proteção à infância e à juventude, em especial porque a lei municipal é frontalmente contrária às leis nacionais que já regulam a vacinação obrigatória contra a Covid-19 e estabelecem regras afetas à criança e ao adolescente. Essa ausência de observância à competência legislativa é o que resulta na inconstitucionalidade formal orgânica.[2] Observe-se que, nos termos do art. 14, § 1º, da Lei nº 8.068/1990 ( ECA), “é obrigatória a vacinação das crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias”. Em acréscimo, o art. 3º, III, ‘d’, da Lei nº 13.979/2020 é claro ao impor a obrigatoriedade da vacina, condicionada a evidências científicas, conforme previsão expressa do § 1º do mesmo dispositivo: “Art. 3º Para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional de que trata esta Lei, as autoridades poderão adotar, no âmbito de suas competências, entre outras, as seguintes medidas: (...) III - determinação de realização compulsória de:d) vacinação e outras medidas profiláticas; ou (...)§ 1º As medidas previstas neste artigo somente poderão ser determinadas com base em evidências científicas e em análises sobre as informações estratégicas em saúde e deverão ser limitadas no tempo e no espaço ao mínimo indispensável à promoção e à preservação da saúde pública”. Daí porque não parece haver dúvida que a Lei nº 1.021/2022 do Município de São José da Boa Vista não se limitou a suplementar, naquilo que cabível, os comandos normativos supracitados, mas verdadeiramente restringiu a aplicação dos dispositivos no âmbito municipal. Em outras palavras, impôs, sem qualquer justificativa amparada em peculiaridades locais, regra contrária à determinada pela União. Em hipótese semelhante, na sessão do dia 19.9.2022, o Órgão Especial desta Corte julgou procedentes os pedidos deduzidos na ADI nº XXXXX-96.2022.8.16.0000 para declarar a inconstitucionalidade formal de lei do Município de Toledo que proibiu a exigência do comprovante de vacinação ou qualquer medida restritiva que implicasse meio indireto ao cumprimento da vacinação obrigatória contra a Covid-19: “AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI R Nº 119/2021, DO MUNICÍPIO DE TOLEDO, QUE PROÍBE A EXIGÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DA VACINAÇÃO CONTRA O CORONAVÍRUS OU DE QUALQUER MEDIDA RESTRITIVA QUE IMPLIQUE MEIO INDIRETO AO CUMPRIMENTO DA VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA. LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DA VACINAÇÃO COMPULSÓRIA, A SER IMPLEMENTADA POR MEIO DE MEDIDAS INDIRETAS PELAS AUTORIDADES EM SUAS RESPECTIVAS ESFERAS, JÁ ASSENTADA PELO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ( ARE 1.267.879-RG, PLENO, REL. ROBERTO BARROSO, J. 17/12/2020, TEMA 1.103 DE REPERCUSSÃO GERAL; ADI 6586, PLENO, REL. RICARDO LEWANDOWSKI, J. 17/12/2020). VÍCIOS MATERIAIS CARACTERIZADOS. LEI MUNICIPAL QUE VAI NA CONTRAMÃO DA PROMOÇÃO À SAÚDE DA COLETIVIDADE (ART. 167, CE; ART. 196, CR), INOBSERVANDO O OBJETIVO DE CONSTRUIR UMA SOCIEDADE SOLIDÁRIA (ART. , I, DA CR). NORMA QUE, ADEMAIS, AVANÇA EM MATÉRIA CLAUSULADA PELA RESERVA DE ADMINISTRAÇÃO, SUBTRAINDO DO PODER EXECUTIVO LOCAL EVENTUAL DECISÃO PELA VACINAÇÃO COMPULSÓRIA, QUE ESTÁ ABARCADA NO PLANEJAMENTO E EXECUÇÃO DE AÇÕES DE VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA. AFRONTA À SEPARAÇÃO DOS PODERES (ARTS. 7º, CAPUT, E 168, DA CE; ARTS. 2º E 197 DA CR). VÍCIOS FORMAIS IGUALMENTE DEMONSTRADOS EXTRAPOLAÇÃO DA COMPETÊNCIA MUNICIPAL PARA SUPLEMENTAR A LEGISLAÇÃO FEDERAL EM TEMA DE SAÚDE PÚBLICA. CONTRARIEDADE ÀS NORMAS GERAIS PREVISTAS NA LEI FEDERAL Nº 13.979/2020. LEI QUE RETIRA A EFICÁCIA DE EVENTUAL ORDEM DE VACINAÇÃO COMPULSÓRIA ADVINDA DO ESTADO OU DA UNIÃO. VIOLAÇÃO AOS ARTS. 12, INC. II, 13, INC. XII E § 1º, E 17, INC. II, DA CE; ARTS. 23, INC. II, 24, INC. XII E §§ 1º A 4º, E 30, IN. II, DA CR. VÍCIO DE INICIATIVA IGUALMENTE IDENTIFICADO QUANTO AO ARTIGO 5º DA LEI, QUE DISPÕE SOBRE O REGIME JURÍDICOS DE SERVIDORES PÚBLICOS, MATÉRIA SUJEITA A INICIATIVA PRIVATIVA DO CHEFE DO PODER EXECUTIVO, NOS TERMOS DO ART. 66, II, DA CE. AÇÃO JULGADA PROCEDENTE, PARA DECLARAR A INCONSTITUCIONALIDADE DA ÍNTEGRA DA LEI” (TJPR – Órgão Especial – XXXXX-96.2022.8.16.0000 – Rel.: DESEMBARGADORA ANA LÚCIA LOURENÇO –J. 19.09.2022 – destaquei). Extrai-se do voto da eminente Relatora os seguintes fundamentos, que bem elucidam a questão: “(...) A competência material comum aos entes federativos enseja uma atuação cooperada para a consecução dos encargos atribuídos ao poder público. Contudo, como Manoel Gonçalves Ferreira Filho, isso não significa que os entes federativos estejam em pé de igualdade no desempenho dessas atribuições.10Isso porque cabe à lei definir a tarefa de cada um desses entes e, como a legislação pertinente às competências administrativas comuns é, em sua maioria, de natureza concorrente, haverá uma delimitação de esferas entre a União e os demais entes federativos, sinalizando para a preponderância da primeira.11Assim, embora a competência administrativa para cuidar da saúde seja comum aos entes estatais, há de ser exercida em consonância com as normas gerais editadas pela União sobre a matéria. A respeito, vale trazer ainda a doutrina de Fernanda Dias Menezes de Almeida:(...) Ainda sobre o direito à saúde, a Constituição da Republica detalha a organização do sistema único de saúde a partir do art. 19813, estabelecendo que as ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com diretrizes, dentre as quais a descentralização, com direção única em cada esfera de governo.Em resumo, a competência para legislar sobre defesa da saúde é concorrente entre União, Estados e Municípios, observando-se as especificidades do interesse local, mas de forma supletiva, ou seja, orientada pelas normas de caráter geral.Nessa esteira, no exercício de sua competência legislativa para a edição de normas gerais, a União editou a Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para o enfrentamento da pandemia do Covid-19. A lei prevê em seu art. um rol de providências que podem ser adotadas pelas autoridades para o combate à pandemia, em seus respectivos âmbitos, dentre as quais está vacinação compulsória, dispondo ainda que que tal providência pode ser adotada pelos gestores locais de saúde. Dito de outro modo, a norma geral editada pela União possibilita ao gestor local de saúde a imposição de vacinação compulsória.Exsurge daí a incompatibilidade vertical da lei em apreço, porquanto o legislador não se ateve a suplementar a legislação federal para adequá-la às especificidades locais. Ao proibir a exigência de apresentação de comprovantes de vacinação nos espaços públicos e privados (medida fiscalizatória que confere efetividade à vacinação compulsória), a norma contrariou a lei federal que veicula as regras gerais sobre a matéria, extrapolando a competência legislativa municipal, em desrespeito ao condomínio legislativo instaurado.Nesse ponto, relevante a ponderação trazida na inicial na linha de que a jurisprudência do STF tem prestigiado o modelo de federalismo cooperativo e de equilíbrio, não exclusivamente calcado na predominância do interesse (regional ou local), e sim voltado à maximização dos direitos (v. STF, ADPF nº 109/SP, Plenário, Rel. Min. Edson Fachin, j. em 30/11/2017).No caso em exame, a lei de Toledo, ao revés, acabou por restringir a proteção do direito fundamental à saúde, pois impediu que o gestor se valha de medida prevista na lei geral da União para o combate à pandemia.Perceba-se, muito embora a adoção da vacinação obrigatória não seja impositiva – já que é apenas uma das medidas de que podem se valer as autoridades sanitárias -, havendo competência comum dos entes federativos para promover o direito à saúde da coletividade, não pode o município, de antemão, neutralizar em seu território eventuais ordens nesse sentido oriundas do Estado ou da União, sem quaisquer peculiaridades que justifiquem tal diferenciação.(...) Por outro lado, também procede a alegação autoral de que, ao declarar o Município de Toledo zona imune à vacinação compulsória, a lei atacada impediria a eficácia de possíveis ordens de vacinação compulsória advindas da direção nacional ou da direção estadual do SUS.Efetivamente, se as normas gerais, fixadas pela União por intermédio da Leis Federais nº 8.080/1990 e 13.979/2020, conferem não só aos Municípios, mas também à União e aos Estados, a competência para coordenar e participar da execução das ações de vigilância epidemiológica, no que se inclui a possibilidade de edição de ordens de vacinação, não pode o Município se autoexcluir de eventuais determinações vindas do Estado e da União.Consoante sublinhou o autor, o STF fixou tese em repercussão geral l no julgamento do ARE XXXXX na linha de que “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária [...] (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico”.Destaque-se que o STF já decidiu que, “[c]omo a finalidade da atuação dos entes federativos é comum, a solução de conflitos sobre o exercício da competência deve pautar-se pela melhor realização do direito à saúde, amparada em evidências científicas e nas recomendações da Organização Mundial da Saúde.” ( ADI 6341 MC-Ref, Relator (a): MARCO AURÉLIO, Relator (a) p/ Acórdão: EDSON FACHIN, Tribunal Pleno, julgado em 15/04/2020, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-271 DIVULG XXXXX-11-2020 PUBLIC XXXXX-11-2020).E, como exposto em linhas anteriores, no atual estado das coisas, a vacinação do maior número possível de pessoas tem se mostrado o instrumento que melhor promove o direito à saúde da coletividade no cenário de controle ao novo coronavírus.Assim, constatada a inconstitucionalidade formal da íntegra da Lei R nº 119/2021, por extrapolar a competência legislativa municipal para suplementar a legislação federal em tema de saúde pública (arts. 12, inciso II, 13, inciso XII e § 1º, e 17, inciso II, da Constituição do Estado do Parana; arts. 23, inciso II, 24, inciso XII e §§ 1º a 4º, e 30, inciso II, da Constituição da República)” (TJPR – Órgão Especial – XXXXX-96.2022.8.16.0000 – Rel.: DESEMBARGADORA ANA LÚCIA LOURENÇO – J. 19.09.2022 – destaquei).Emerge daí o fumus boni iuris quanto à inconstitucionalidade formal. Inconstitucionalidade materialNo mais, parece assistir razão ao autor também quanto à inconstitucionalidade material da norma impugnada. Segundo o art. 167 da Constituição do Estado, “a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à prevenção, redução e eliminação de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços de saúde para a sua promoção, proteção e recuperação”. Ainda, de acordo com ao art. 216, também da Constituição Estadual, “é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao deficiente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Desde logo é de se ressaltar que o direito à saúde e à proteção à infância constituem direitos sociais fundamentais, conforme prevê o art. da Constituição Federal[3]. Os direitos sociais “são direitos que requerem prestações para serem viabilizados, direitos que demandam a alocação de recursos (não apenas financeiros, mas também técnicos, normativos etc.). As prestações requeridas pelos direitos sociais não são, portanto, apenas de ordem material (direitos a prestações em sentido estrito), como o fornecimento de remédios para o direito à saúde ou de comida para o direito à alimentação. Também pode ser requerida a realização de outro tipo de prestação, como a edição de normas para disciplinar os direitos sociais. Para abarcar todas as modalidades de prestação, fala-se em direitos fundamentais a prestações em sentido amplo” (Direito constitucional brasileiro [livro eletrônico]: volume 1: teoria da constituição e direitos fundamentais/coordenador Clèmerson Merlin Clève.; coordenadora assistente 1ª edição Ana Lucia Pretto Pereira; coordenadora assistente 2ª edição Daniela Urtado; assistente de pesquisa 2ª edição: Diego Kubis Jesus. -- 2. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. RB-45.1).Nessa ordem de ideias, importante salientar que o Brasil, como Estado Parte do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[4], tem o dever de adotar medidas para assegurar o pleno exercício do direito de toda pessoa desfrutar do mais elevado nível possível de saúde física e mental, e buscar, especificamente (i) a diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil e (ii) prevenir e tratar doenças epidêmicas, bem como lutar contra essas doenças. É o que ressalta o art. 12 do aludido diploma legal: “1. Os Estados Partes do presente Pacto reconhecem o direito de toda pessoa de desfrutar o mais elevado nível possível de saúde física e mental.2. As medidas que os Estados Partes do presente Pacto deverão adotar com o fim de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão as medidas que se façam necessárias para assegurar:a) A diminuição da mortinatalidade e da mortalidade infantil, bem como o desenvolvimento são das crianças; b) A melhoria de todos os aspectos de higiene do trabalho e do meio ambiente;c) A prevenção e o tratamento das doenças epidêmicas, endêmicas, profissionais e outras, bem como a luta contra essas doenças; d) A criação de condições que assegurem a todos assistência médica e serviços médicos em caso de enfermidade” (destaquei). Ressalte-se que a previsão ganha ainda mais relevância em relação à criança e ao adolescente, notadamente diante da prioridade absoluta e da proteção integral[5] conferida a esses sujeitos por expressa previsão constitucional, conforme os dispositivos já citados (art. 227, caput, da Constituição Federal e art. 216, caput, da Constituição Estadual). Dentro da perspectiva de concretização dos direitos sociais ora analisados – direito à saúde e à proteção à infância –, especificamente em relação à vacinação, pelo menos desde a Lei nº 6.259/1975 (Programa Nacional de Imunizações) há previsão no sentido de que “cabe ao Ministério da Saúde a elaboração do Programa Nacional de Imunizações, que definirá as vacinações, inclusive as de caráter obrigatório” (art. 3º, caput). Paralelamente, o art. 29, caput, do Decreto nº 78.231/1976, que regulamenta a Lei nº 6.259/1975, dispõe de maneira expressa que “é dever de todo cidadão submeter-se e os menores dos quais tenha a guarda ou responsabilidade, à vacinação obrigatória”, esta dispensada apenas aos que apresentarem atestado médico de contraindicação explícita da aplicação da vacina (§ único). Além disso, nos termos do já aludido art. 14, § 1º, da Lei nº 8.068/1990 ( ECA), a vacinação de crianças nos casos recomendados pelas autoridades sanitárias é obrigatória, até mesmo com a imposição de sanções aos que, dolosa ou culposamente, descumprirem os deveres inerentes ao poder familiar ou decorrente de tutela ou guarda dos menores (art. 249). Todas essas medidas mostram-se plenamente compatíveis com a imposição de que o Estado adote políticas públicas sociais e econômicas destinadas à garantia e efetivação do direito à saúde da população em geral e, com prioridade, da criança e do adolescente. Vale dizer, o direito à saúde, enquanto direito fundamental social, tem aplicação imediata e compele o Estado a concretizá-lo. Dessa linha de raciocínio advém que, uma vez concretizados os direitos sociais, proíbe-se o retrocesso. Para Clèmerson Merlin Clève, é a premissa de que a implementação de direitos fundamentais não sofra qualquer diminuição, ou seja, de que “o desenvolvimento atingido não é passível de retrogradação. No plano normativo, a eficácia impeditiva de retrocesso fornece diques (obstáculos, daí a expressão francesa “efeito cliquet”) contra a mera revogação de dispositivos que consagram direitos fundamentais, ou contra a substituição daqueles por outros menos generosos. No plano dos atos concretos, a proibição de retrocesso permite impugnar, por exemplo, a implementação de políticas públicas de enfraquecimento dos direitos fundamentais” (in Direito constitucional brasileiro [livro eletrônico]: volume 1: teoria da constituição e direitos fundamentais. -- 2. ed. rev., atual. e ampl. -- São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2021. RB-45.5 – destaquei). Com base nesses pressupostos compete salientar que, no âmbito jurisprudencial, o Supremo Tribunal Federal, respaldado na técnica da ponderação, reputou ilegítima a recusa de pais em vacinarem seus filhos motivados por convicções filosóficas, sem que isso implique em violação à liberdade de consciência:“Direito constitucional. Recurso extraordinário. Repercussão geral. Vacinação obrigatória de crianças e adolescentes. Ilegitimidade da recusa dos pais em vacinarem os filhos por motivo de convicção filosófica. 1. Recurso contra acórdão do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) que determinou que pais veganos submetessem o filho menor às vacinações definidas como obrigatórias pelo Ministério da Saúde, a despeito de suas convicções filosóficas. 2. A luta contra epidemias é um capítulo antigo da história. Não obstante o Brasil e o mundo estejam vivendo neste momento a maior pandemia dos últimos cem anos, a da Covid-19, outras doenças altamente contagiosas já haviam desafiado a ciência e as autoridades públicas. Em inúmeros cenários, a vacinação revelou-se um método preventivo eficaz. E, em determinados casos, foi a responsável pela erradicação da moléstia (como a varíola e a poliomielite). As vacinas comprovaram ser uma grande invenção da medicina em prol da humanidade. 3. A liberdade de consciência é protegida constitucionalmente (art. 5º, VI e VIII) e se expressa no direito que toda pessoa tem de fazer suas escolhas existenciais e de viver o seu próprio ideal de vida boa. É senso comum, porém, que nenhum direito é absoluto, encontrando seus limites em outros direitos e valores constitucionais. No caso em exame, a liberdade de consciência precisa ser ponderada com a defesa da vida e da saúde de todos (arts. 5º e 196), bem como com a proteção prioritária da criança e do adolescente (art. 227). 4. De longa data, o Direito brasileiro prevê a obrigatoriedade da vacinação. Atualmente, ela está prevista em diversas leis vigentes, como, por exemplo, a Lei nº 6.259/1975 (Programa Nacional de Imunizações) e a Lei nº 8.069/90 ( Estatuto da Criança e do Adolescente). Tal previsão jamais foi reputada inconstitucional. Mais recentemente, a Lei nº 13.979/2020 (referente às medidas de enfrentamento da pandemia da Covid-19), de iniciativa do Poder Executivo, instituiu comando na mesma linha. 5. É legítimo impor o caráter compulsório de vacinas que tenha registro em órgão de vigilância sanitária e em relação à qual exista consenso médico-científico. Diversos fundamentos justificam a medida, entre os quais: a) o Estado pode, em situações excepcionais, proteger as pessoas mesmo contra a sua vontade (dignidade como valor comunitário); b) a vacinação é importante para a proteção de toda a sociedade, não sendo legítimas escolhas individuais que afetem gravemente direitos de terceiros (necessidade de imunização coletiva); e c) o poder familiar não autoriza que os pais, invocando convicção filosófica, coloquem em risco a saúde dos filhos ( CF/1988, arts. 196, 227 e 229) (melhor interesse da criança). 6. Desprovimento do recurso extraordinário, com a fixação da seguinte tese: “É constitucional a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina que, registrada em órgão de vigilância sanitária, (i) tenha sido incluída no Programa Nacional de Imunizações, ou (ii) tenha sua aplicação obrigatória determinada em lei ou (iii) seja objeto de determinação da União, Estado, Distrito Federal ou Município, com base em consenso médico-científico. Em tais casos, não se caracteriza violação à liberdade de consciência e de convicção filosófica dos pais ou responsáveis, nem tampouco ao poder familiar” (STF. ARE XXXXX, Relator (a): ROBERTO BARROSO, Tribunal Pleno, julgado em 17/12/2020, PROCESSO ELETRÔNICO REPERCUSSÃO GERAL - MÉRITO DJe-064 DIVULG XXXXX-04-2021 PUBLIC XXXXX-04-2021 – destaquei).Considerou-se constitucional, então, a obrigatoriedade de imunização por meio de vacina. Note-se que a constitucionalidade não se restringe aos casos previstos no Programa Nacional de Imunização: estende-se, também, às hipóteses de vacinação obrigatória por determinação legal ou por ordem dos entes federativos, com base em consenso médico-científico. A compreensão é importante porque, como justificativa ao Projeto de Lei nº 3/2022, convertido na Lei Municipal nº 1.021/2022, objeto do controle de constitucionalidade, anotou-se que “a vacina para Covid 19 não faz parte do PNI – Programa Nacional de Imunização, portanto não é obrigatória. Ela não pode ser exigida como requisito para matrícula do aluno, desta forma tal projeto visa proporcionar à não exigência da vacina para a matrícula nas escolas, tendo como base que segundo alguns estudos a vacina ainda tem caráter experimental, haja vista que à própria ANVISA destacou expressamente na Resolução RDC nº 475 que as vacinas contra COVID-19 sem registro definitivo estão autorizadas temporariamente em caráter experimental. Desta forma tal projeto tem o intuito de presar pelo livre arbítrio, deixando a critério dos pais que se sentirem confortáveis em vacinar seus filhos que possam exercer esse direito; porém que aqueles que não queiram vacinar seus filhos que não sofram represálias por essa decisão” (‘sic’) (mov. 1.3). Ocorre que, na contramão do exposto, o fato de a vacina contra a Covid-19 não fazer parte do Programa Nacional de Imunização não significa que não possui caráter obrigatório, notadamente diante do previsto pelo art. 3º, III, ‘d’, da Lei nº 13.979/2020 c/c art. 14, § 1º, da Lei nº 8.068/1990 ( ECA). Nesse ponto, vale consignar que, por meio das ADIs nº 6.586/DF e nº 6.587/DF[6], o Supremo também já entendeu constitucional a obrigatoriedade da vacina contra a Covid-19, principalmente diante do consenso existente entre as autoridades sanitárias no sentido de que a vacinação em massa da população constitui importante providência preventiva no combate à propagação de doenças infecciosas transmissíveis. Transcrevo, porque relevante, excerto do voto proferido pelo Exmo. Ministro Ricardo Lewandowski na ADPF nº 754, que, se referindo às ADIs nº 6.586/DF e nº 6.587/DF, discorreu a respeito da importância da vacinação obrigatória: “(...) Como o STF já registrou nas mencionadas ADIs XXXXX/DF e 6.587/DF, é consenso, atualmente, entre as autoridades sanitárias, que a vacinação em massa da população constitui uma intervenção preventiva, apta a reduzir a morbimortalidade de doenças infeciosas transmissíveis e provocar imunidade de rebanho, fazendo com que os indivíduos tornados imunes protejam indiretamente os não imunizados. Com tal providência, reduz-se ou elimina-se a circulação do agente infeccioso no ambiente e, por consequência, protege-se a coletividade, notadamente os mais vulneráveis. A legitimação tecnológica e científica dos imunizantes contribuiu para o seu emprego generalizado e intensivo em diversos países, pois os programas de vacinação são considerados a segunda intervenção de saúde mais efetiva hoje existente, figurando o saneamento básico na primeira posição. Alcançar a chamada “imunidade de rebanho” mostra-se, pois, assaz relevante, sobretudo para pessoas que, por razões de saúde, não podem ser imunizadas, dentre estas as crianças que ainda não atingiram a idade própria ou indivíduos cujo sistema imunológico não responde bem às vacinas. Por isso, a saúde coletiva não pode ser prejudicada por pessoas que deliberadamente se recusam ser vacinadas, acreditando que, ainda assim, serão beneficiárias da imunidade coletiva. É certo que a imunidade de rebanho talvez possa ser alcançada independentemente da vacinação obrigatória, a depender do número resultante da soma de pessoas imunes, em razão de prévia infecção, com aqueles que aderiram voluntariamente à imunização. Não obstante exista, em tese, essa possibilidade, entendo que, ainda assim, há fundamentos constitucionais relevantes para sustentar a compulsoriedade da vacinação, por tratar-se de uma ação governamental que pode contribuir significativamente para a imunidade coletiva ou, até mesmo, acelerá-la, de maneira a salvar vidas, impedir a progressão da doença e proteger, em especial, os mais vulneráveis” ( ADPF 754 TPI-décima sexta-Ref, Relator (a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 21/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG XXXXX-05-2022 PUBLIC XXXXX-05-2022). Em relação aos menores, o Ministro ponderou, ainda, que, “estando em jogo a saúde das crianças brasileiras, em tempos de grandes incertezas, afigura-se mandatório que os princípios da prevenção e da precaução sirvam de norte aos tomadores de decisões no âmbito sanitário. E, neste aspecto, as orientações e os consensos da Organização Mundial de Saúde – OMS, bem assim as recomendações de outras autoridades médicas nacionais e estrangeiras, têm destacada importância, representando - conforme entendimento jurisprudencial do STF - diretrizes aptas a guiar os agentes públicos na difícil tarefa de tomada de decisão diante dos riscos à saúde colocados pela pandemia, que não poderão ser ignoradas pelos agentes públicos responsáveis quando da elaboração e execução de políticas para o combate à Covid19, sob pena de configuração de dolo ou, quando menos, de erro grosseiro” ( ADPF 754 TPI-décima sexta-Ref, Relator (a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 21/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG XXXXX-05-2022 PUBLIC XXXXX-05-2022).E, justamente no que diz respeito aos aspectos técnicos, é essencial destacar que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), pelo menos desde 16.12.2021, já havia autorizado e recomendado a utilização da Comirnaty Pfizer/Wyeth na imunização de crianças de 5 a 11 anos.[7] Mas não é só. Conforme já exposto, mais recentemente, em 16.9.2022, a ANVISA também aprovou a utilização da Comirnaty Pfizer/Wyeth em crianças de 6 meses a 4 anos de idade[8], avançando e ampliando a vacinação na faixa etária infantil. Em extensa decisão que abordou de forma aprofundada vários dos fundamentos ora expostos, o Ministro Ricardo Lewandowski concedeu medida cautelar na já citada ADPF nº 754, posteriormente ratificada pelo colegiado do Supremo, para “determinar ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que façam constar, tão logo intimados desta decisão, nas Notas Técnicas 2/2022-SECOVID/GAB/SECOVID/MS e 1/2022/COLIB/CGEDH/SNPG/MMFDH, a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao art. , III, d, da Lei 13.979/2020, no sentido de que (i) “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”, esclarecendo, ainda, que (ii) “tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência, dando ampla publicidade à retificação ora imposta”. Confira-se a ementa do julgado, que expressa importantes conclusões a respeito do papel do Judiciário na proteção às crianças e aos adolescentes: “TUTELA DE URGÊNCIA EM ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. CONCESSÃO MONOCRÁTICA PARCIAL. EMERGÊNCIA DE SAÚDE PÚBLICA DECORRENTE DA COVID-19. NOTAS TÉCNICAS 2/2022-SECOVID/GAB/SECOVID/MS E 1/2022/COLIB/CGEDH/SNPG/MMFDH. ATOS DO PODER PÚBLICO QUE PODEM, EM TESE, AGRAVAR A DISSEMINAÇÃO DO NOVO COTRONAVÍRUS. CONHECIMENTO DO PEDIDO. ATUAÇÃO DA SUPREMA CORTE EM DEFESA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DA VIDA E DA SAÚDE DE CRIANÇAS E ADOLESCENTES. COMPROVAÇÃO CIENTÍFICA ACERCA DA EFICÁCIA E SEGURANÇA DAS VACINAS. REGISTRO NA ANVISA. CONSTITUCIONALIDADE DA VACINAÇÃO OBRIGATÓRIA. SANÇÕES INDIRETAS. COMPETÊNCIA DE TODOS ENTES FEDERATIVOS. ADIS XXXXX/DF e 6.587/DF E ARE 1.267.879/SP. PRINSCÍPIOS DA PREVENÇÃO E PRECAUÇÃO. ABSTENÇÃO DE ATOS QUE VISEM DESESTIMULAR A IMUNIZAÇÃO. NECESSIDADE DE ESCLARECIMENTO SOBRE O ENTENDIMENTO DO STF. DESVIRTUAMENTO DO CANAL DE DENÚNCIAS ‘DISQUE 100’. MEDIDA CAUTELAR REFERENDADA PELO PLENÁRIO. I - Trata-se da Décima Sexta Tutela Provisória Incidental - TPI formulado por agremiação política no bojo da presente ADPF, que merece ser conhecido por dizer respeito a atos do Poder Executivo Federal praticados no contexto do período excepcional da emergência sanitária decorrente da disseminação ainda incontida da Covid-19, os quais têm o condão de, em tese, fragilizar o direito fundamental à saúde e à vida abrigados nos arts. , e 196 da Lei Maior, configurando atos derivados de autoridades públicas, passíveis, portanto, de impugnação por meio do controle concentrado de constitucionalidade. II - As crianças e adolescentes, sujeitos de direitos, são pessoas em condição peculiar de desenvolvimento e destinatários do postulado constitucional da “prioridade absoluta”, de maneira que a esta Corte cabe preservar essa diretriz, garantindo a proteção integral dos menores segundo o seu melhor interesse, em especial de sua vida e saúde, de forma a evitar que contraiam ou que transmitam a outras crianças – além das conhecidas doenças infectocontagiosas como o sarampo, caxumba e rubéola – a temível Covid-19. III – Como os menores não tem autonomia, seja para rejeitar, seja para consentir com a vacinação, revela-se indiscutível que, havendo consenso científico demonstrando que os riscos inerentes à opção de não vacinar são significativamente superiores àqueles postos pela vacinação, cumpre privilegiar a defesa da vida e da saúde, em prol não apenas desses sujeitos especialmente protegidos pela lei, mas também de toda a coletividade. IV - Constitui obrigação do Estado, inclusive à luz dos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, proporcionar à toda a população indicada o acesso à vacina para prevenção da Covid-19, de forma universal e gratuita, em particular às crianças de 5 a 11 anos de idade, potenciais vítimas - aliás, indefesas -, e propagadoras dessa insidiosa virose, sobretudo porquanto já há comprovação científica acerca de sua eficácia e segurança atestada pelo órgão governamental encarregado de tal mister, qual seja, a Agencia Nacional de Vigilância Sanitária – Anvisa. V - Com a vacinação em massa reduz-se ou elimina-se a circulação do agente infeccioso no ambiente e, por consequência, protege-se a coletividade, notadamente os mais vulneráveis. Além disso, a legitimação tecnológica e cientifica dos imunizantes contribuiu para o seu emprego generalizado e intensivo em diversos países, pois os programas de vacinação são considerados a segunda intervenção de saúde mais efetiva hoje existente, figurando o saneamento básico na primeira posição. VI - Há fundamentos constitucionais relevantes para sustentar a compulsoriedade da vacinação, por tratar-se de uma ação governamental que pode contribuir significativamente para a imunidade coletiva ou, até mesmo, acelerá-la, de maneira a salvar vidas, impedir a progressão da doença e proteger, em especial, os mais vulneráveis. VII - A obrigatoriedade da vacinação é levada a efeito por meio de sanções indiretas, consubstanciadas, basicamente, em vedações ao exercício de determinadas atividades ou a frequência de certos locais por pessoas que não possam comprovar a sua imunização ou, então, que não são portadoras do vírus, conforme, decidido pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento das ADIs XXXXX/DF e 6.587/DF. VIII - A defesa da saúde compete a qualquer das unidades federadas, seja por meio da edição de normas legais, seja mediante a realização de ações administrativas, sem que, como regra, dependam da autorização de outros níveis governamentais para levá-las a efeito, cumprindo-lhes, apenas, consultar o interesse público que tem o dever de preservar. Precedentes. IX - Neste momento de enorme sofrimento coletivo, não é dado aos agentes públicos tergiversar no tocante aos rumos a seguir no combate à doença, cumprindo-lhes pautar as respectivas condutas pelos parâmetros estabelecidos na legislação aplicável, com destaque para o rigoroso respeito às evidências cientificas e às informações estratégicas em saúde, conforme determina o art. , § 1º, da Lei 13.979/2020, cuja constitucionalidade o STF já reconheceu no julgamento da ADI 6.343-MC-Ref/DF, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes. X - Estando em jogo a saúde das crianças brasileiras, afigura-se mandatório que os princípios da prevenção e da precaução sirvam de norte aos tomadores de decisões no âmbito sanitário. E, neste aspecto, as orientações e os consensos da Organização Mundial de Saúde – OMS, bem assim as recomendações de outras autoridades médicas nacionais e estrangeiras, têm destacada importância, representando - conforme entendimento jurisprudencial do STF - diretrizes aptas a guiar os agentes públicos na difícil tarefa de tomada de decisão diante dos riscos a saúde colocados pela pandemia, que não poderão ser ignoradas quando da elaboração e execução de políticas no combate à Covid-19, sob pena de configuração de dolo ou, quando menos, de erro grosseiro. XI - Constata-se que, conquanto tenha havido um decréscimo relativo de mortes causadas pela Covid-19, a situação, de modo geral, ainda é preocupante, justificando a tomada de medidas enérgicas para debelar a doença, que tem imposto um pesado ônus para a sociedade, sobretudo em termos da perda de preciosas vidas humanas. XII - Não é possível admitir qualquer recuo no tocante a vacinação, já de longa data rotineiramente assegurada pelo Estado a todas as crianças, exigindo-se do Poder Público que aja com lealdade, transparência e boa-fé, sendo-lhe vedado modificar a conduta de forma inesperada, anômala ou contraditória, de maneira a surpreender o administrado ou frustrar as suas legítimas expectativas. XIII - Não se mostra admissível que o Estado, representado pelos Ministérios da Saúde e da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, agindo em contradição ao pronunciamento da Anvisa, a qual garantiu formalmente a segurança da Vacina Comirnaty (Pfizer/Whyet) para crianças, além de contrariar a legislação de regência e o entendimento consolidado do Supremo Tribunal Federal, venha, agora, adotar postura que desprestigia o esforço de vacinação contra a Covid- 19, sobretudo porque, com tal proceder, gerará dúvidas e perplexidades tendentes a impedir que um número considerável de menores sejam beneficiados com a imunização. XIV - Embora ainda em uma análise preambular, as Notas Técnicas emitidas pelo Ministério da Saúde e pelo Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos - considerada a ambiguidade com que foram redigidas no tocante a obrigatoriedade da vacinação -, podem ferir, dentre outros, os preceitos fundamentais que asseguram o direito à vida e à saúde, além de afrontarem entendimento consolidado pelo Plenário do STF no julgamento das ADIs XXXXX/DF e 6.587/DF e do ARE 1.267.879/SP. XV - De uma leitura mesmo superficial da Nota Técnica do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, percebe-se que a Pasta trata como violação de direitos humanos justamente aquilo que esta Suprema Corte, em data recentíssima, reputou constitucional, a saber: “a restrição ao exercício de certas atividades ou à frequência de determinados lugares” imposta àqueles que se negam, sem justificativa médica ou científica, a tomar o imunizante ou a comprovar que não estão infectadas. XVI - Afigura-se ainda mais grave a possibilidade de desvirtuamento do canal de denúncias “Disque 100”, que, de acordo com as informações colhidas no sítio eletrônico do Governo Federal, “é um serviço disseminação de informações sobre direitos de grupos vulneráveis e de denúncias de violações de direitos humanos.” XVII - Medida cautelar referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal para, considerando, especialmente, a necessidade de esclarecer-se, adequadamente, os agentes públicos e a população brasileira quanto à obrigatoriedade da imunização contra a Covid-19, determinar ao Ministério da Saúde e ao Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos que façam constar, tão logo intimados, das Nota Técnicas 2/2022-SECOVID/GAB/SECOVID/MS e 1/2022/COLIB/CGEDH/SNPG/MMFDH, a interpretação conferida pelo Supremo Tribunal Federal ao art. , III, d, da Lei 13.979/2020, no sentido de que (i) “a vacinação compulsória não significa vacinação forçada, por exigir sempre o consentimento do usuário, podendo, contudo, ser implementada por meio de medidas indiretas, as quais compreendem, dentre outras, a restrição ao exercício de certas atividades ou a frequência de determinados lugares, desde que previstas em lei, ou dela decorrentes”, esclarecendo, ainda, que (ii) “tais medidas, com as limitações expostas, podem ser implementadas tanto pela União como pelos Estados, Distrito Federal e Municípios, respeitadas as respectivas esferas de competência”, dando ampla publicidade a retificação ora imposta. XVIII - O Plenário também determinou ao Governo Federal que se abstenha de utilizar o canal de denúncias “Disque 100” fora de suas finalidades institucionais, deixando de estimular, por meio de atos oficiais, o envio de queixas relacionadas às restrições de direitos consideradas legítimas por esta Suprema Corte no julgamento das ADIs XXXXX/DF e 6.587/DF e do ARE 1.267.879/SP” ( ADPF 754 TPI-décima sexta-Ref, Relator (a): RICARDO LEWANDOWSKI, Tribunal Pleno, julgado em 21/03/2022, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-101 DIVULG XXXXX-05-2022 PUBLIC XXXXX-05-2022 – destaquei).Todos esses fundamentos, com a devida vênia, conduzem à conclusão de que tornar facultativa a imunização de crianças contra a Covid-19 significa legitimar a escolha dos pais ou responsáveis – motivados por convicções filosóficas, políticas, religiosas etc. – em não promover a vacinação dos menores sob sua guarda, em sentido oposto aos direitos fundamentais à saúde e à proteção integral da criança, consagrados nos arts. 167 e 216, ambos da Constituição do Estado, e em afronta à proibição ao retrocesso que incide sobre os direitos fundamentais. Assim, presente o fumus boni iuris também em relação à inconstitucionalidade material. Periculum in moraSob a ótica do periculum in mora, ainda que a norma impugnada tenha sido publicada em 26.1.2022, é certo que, diante do contexto ocasionado pela pandemia, gera efeitos atuais e que, em última análise, podem se tornar irreversíveis – cite-se, como exemplo, a hipótese de pais ou responsáveis que deixaram de imunizar seus filhos diante da não obrigatoriedade da vacina, aumentando o risco de que esses menores contraiam o vírus e suportem as consequências decorrentes. Demais disso, verifica-se a conveniência da concessão da cautelar para minimizar possíveis danos aos demais cidadãos, em especial a outros menores que convivem – principalmente no ambiente escolar – com crianças não imunizadas por opção dos pais ou responsáveis, de modo a neutralizar a predita “imunização de rebanho”. IV – Pelas razões expostas e com fundamento nos arts. 10 e 11, § 1º, da Lei nº 9.868/1999 e dos arts. 257 e 259, parágrafo único, do Regimento Interno deste Tribunal de Justiça, voto por deferir o pedido de medida cautelar, com eficácia ex nunc, a fim de suspender os efeitos da Lei Municipal nº 1.021/2022.
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