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23 de Maio de 2024
  • 2º Grau
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Tribunal de Justiça de São Paulo
há 2 meses

Detalhes

Processo

Órgão Julgador

2ª Câmara de Direito Público

Publicação

Julgamento

Relator

Claudio Augusto Pedrassi

Documentos anexos

Inteiro Teorf7137ddcd07924bc2228b9f9c213fc05.pdf
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Inteiro Teor

Registro: 2024.0000233739

ACÓRDÃO

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466, da Comarca de Pontal, em que é apelante TERRA PLANA ORLANDIA - TERRAPLANAGEM PAVIMENTAÇAO E SERVIÇOS DE LIMPEZA LTDA, são apelados MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO e MUNICÍPIO DE PONTAL.

ACORDAM , em 2a Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Deram provimento em parte ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.

O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI (Presidente), CARLOS VON ADAMEK E RENATO DELBIANCO.

São Paulo, 21 de março de 2024

CLAUDIO AUGUSTO PEDRASSI

RELATOR

Assinatura Eletrônica

Voto nº 27355

Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466

Apelante: Terra Plana Orlândia Terraplanagem Pavimentação e Serviços de Limpeza Ltda.

Apelado: Ministério Público do Estado de São Paulo

Apelado: Município de Pontal

Vara de Origem: 1a Vara da Comarca de Pontal

DESCRIÇÃO DAS CONDUTAS DOS CO-RÉUS. Individualização das condutas em consonância com o pedido formulado. Oportunidade de apresentação de defesa relativamente aos fatos descritos. Sentença que descreve as condutas de cada corréu. Preliminar rejeitada.

PRESCRIÇÃO INTERCORRENTE. Inocorrência. Irretroatividade do novo regime prescricional previsto na Lei nº 14.230/2021, conforme reconhecido pelo E. STF no julgamento do Tema nº 1199. Prejudicial de mérito rejeitada.

CERCEAMENTO DE DEFESA. Julgamento antecipado da lide. Produção desnecessária de demais provas. Documentos apresentados que são suficientes para formar o convencimento do magistrado. Preliminar rejeitada.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. LICITAÇÃO. Contratações para serviços de limpeza, capinação e fornecimento de equipamentos e máquinas no Município de Pontal. Alegação de direcionamento do procedimento licitatório para as contratações, frustrando a competitividade e a lisura dos certames e dos contratos administrativos firmados. Situação evidenciada. Prova robusta. Editais sem discriminação do objeto, impossibilitando a concorrência.

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. RESSARCIMENTO DE DANOS AO ERÁRIO. LICITAÇÃO. Improbidade fundada no art. 10, VIII da lei nº 8.429/91. Alegação de prejuízo presumido. Alteração da lei de improbidade pela lei nº 14.230/21, com nova redação do art. 10, VIII que passou a exigir perda patrimonial efetiva em tal tipo

Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466 - Pontal - VOTO Nº 27355 2/19

de improbidade. Falta de alegação e prova de superfaturamento ou inexecução. Prejuízo ao erário concreto ou perda patrimonial efetiva que passou a ser núcleo do tipo de tal improbidade (inciso VIII do art. 10). Aplicação da nova redação da lei, ante o item 3 da decisão do STF no tema nº 1199. Conduta que não pode ser enquadrada no art. 10, inciso VIII, devendo ser reclassificada na figura do art. 11, V da mesma lei. Improbidade administrativa caracterizada.

DOSIMETRIA DAS PENAS. Penas aplicadas devem ser reduzidas, nos termos do art. 12, III da lei nº 8.429/92, considerando a situação de cada réu. Observando-se em relação a perda da função pública, a limitação do art. 12, § 1º da mesma lei. Sentença de procedência parcial mantida, com observação. Recurso parcialmente provido.

Vistos.

Trata-se de recurso de apelação interposto por Terra Plana Orlândia Terraplanagem Pavimentação e Serviços de Limpeza Ltda. (fls. 2666/2685) contra a r. sentença de fls. 2637/2644, que julgou parcialmente procedente a ação civil pública proposta pelo Ministério Público do Estado de São Paulo, para condenar os réus Antônio Frederico Ventuelli Junior e Terra Plana Orlândia Terraplanagem Pavimentação e Serviços de Limpeza Ltda., nos termos do art. 10, incisos VIII, XI e XII, da Lei nº. 8.429/92, às penas de suspensão dos direitos políticos por sete anos, pagamento de multa civil de uma vez do valor do prejuízo ao erário, a ser apurado em liquidação de sentença e proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de cinco anos.

Com relação à ré Marislei Bárbara Braidotti, a r. sentença julgou improcedente a ação.

Recorre a apelante, alegando inépcia da petição inicial, pela falta de individualização da conduta da requerida; que não há amparo ao argumento acatado pela r. sentença quanto ao caráter genérico do objeto das licitações, já que os editais descreveram suficientemente os serviços contratados; que inexiste provas de conluio e direcionamento da licitação; que a procedência da ação não pode se fundamentar em depoimentos colhidos na fase de inquérito civil, sem o crivo do contraditório; que houve cerceamento de defesa, pela falta de oportunidade de produção de prova oral; que foi cabalmente demonstrada a execução dos serviços contratados; que não houve prejuízo ao erário e dolo.

Contrarrazões apresentadas às fls. 2695/2705 e 2708/2714.

A D. Procuradoria Geral de Justiça ofertou parecer às fls. 2720/2725, pelo improvimento do recurso.

Oposição ao julgamento virtual as fls. 2728.

É o relatório.

1. De início, com relação à retroatividade da Lei nº 14.230/21, o E. STF, julgando o Tema 1.199, em 18 de agosto último fixou os limites da aplicação retroativa das mudanças da Lei de Improbidade:

1) É necessária a comprovação de responsabilidade subjetiva para a tipificação

dos atos de improbidade administrativa, exigindo-se - nos artigos , 10 e 11 da LIA - a presença do elemento subjetivo - DOLO;

2) A norma benéfica da Lei 14.230/2021 - revogação da modalidade culposa do ato de improbidade administrativa -, é IRRETROATIVA, em virtude do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição Federal, não tendo incidência em relação à eficácia da coisa julgada; nem tampouco durante o processo de execução das penas e seus incidentes;

3) A nova Lei 14.230/2021 aplica-se aos atos de improbidade administrativa culposos praticados na vigência do texto anterior da lei, porém sem condenação transitada em julgado, em virtude da revogação expressa do texto anterior; devendo o juízo competente analisar eventual dolo por parte do agente;

4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230/2021 é IRRETROATIVO, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei (Presidência do Ministro Luiz Fux. Plenário, 18.8.2022).

Logo, deve ser aplicado o Tema 1199 ao caso dos autos, aplicando a nova lei de improbidade administrativa, com exceção dos prazos prescricionais.

2. Deve-se refutar a preliminar de nulidade da sentença, por ausência de individualização da conduta da apelante.

Note-se que a sentença se utilizou das informações e dos documentos trazidos aos autos, para chegar ao entendimento da ocorrência de atos de improbidade pelos réus.

Observa-se que a r. sentença descreveu detalhadamente a conduta de cada corréu, em relação aos quatro certames impugnados, ressaltando que:

"Destarte, concluo que a sociedade empresária ré concorreu diretamente para a prática do ato ímprobo, vez que há provas de que todo o procedimento licitatório foi contrafeito para beneficiá-la. Assim, beneficiou-se a empresa com a contratação direta, bem como a apresentação de planilhas de medição que não eram conferidas pelo servidor responsável, possibilitando lançar medições que nunca seria aferidas.

Há provas eloquentes da fraude e os requeridos Antônio e o representante da empresa sabiam do direcionamento e para ele concorreram de acordo com a função que desempenhava na divisão de tarefas" (fls. 2641-verso).

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Logo, de rigor a rejeição da preliminar.

3. Também deve ser afastada a alegada ocorrência de prescrição intercorrente.

Como citado acima, foi julgado o Tema de Repercussão geral n.º 1199 do C. STF (ARE XXXXX) que versa sobre esta questão, com a fixação da tese de que "(...) 4) O novo regime prescricional previsto na Lei 14.230 0/2021 é irretroativo, aplicando-se os novos marcos temporais a partir da publicação da lei".

Desta forma, no tocante aos prazos prescricionais, a lei nova não retroage.

4. Por fim, afasta-se a preliminar de cerceamento de defesa, pela falta de oportunidade de produção de prova oral.

Com efeito, compete ao julgador verificar as provas produzidas no processo e determinar, se assim entender pertinente, a produção de outras provas que considerar necessárias para a elucidação do caso concreto ou julgar a lide de forma antecipada.

Na espécie, o juízo a quo dispunha de elementos para apreciar as alegações apresentadas pelas partes, de forma que os documentos acostados aos autos eram suficientes para a formação de seu convencimento e permitiram o exame das questões discutidas, sendo, portanto, desnecessária a produção de outras provas.

De se salientar que a pretensão deduzida nos autos não necessita de produção de provas em audiência, sendo suficientes as provas já existentes nos autos.

Nesse sentido:

"RESP. PROCESSO CIVIL. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE. QUESTÃO DE DIREITO. DEVER DO JUIZ. - O ART. 330, DO CPC, IMPÕE AO JUIZ O DEVER DE CONHECER DIRETAMENTE DO PEDIDO, PROFERINDO SENTENÇA, SE PRESENTES AS CONDIÇÕES QUE PROPICIEM O JULGAMENTO ANTECIPADO DA CAUSA, DESCOGITANDO-SE DE CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. - RECURSO CONHECIDO E PROVIDO PARA RESTABELECER A SENTENÇA DE 1. GRAU." (STJ, 5a Turma, REsp XXXXX/AM, Rel. Min. José Arnaldo da Fonseca, DJ 26.05.1997).

Nesse passo, a produção de provas não foi dispensada arbitrariamente pelo juízo, pois estavam presentes os requisitos para o julgamento antecipado da lide.

Assim, agiu em conformidade com o que preceituam os artigos 370, 371 e 355, inciso I, do Novo Código de Processo Civil.

Também não prospera a alegação de condenação com fundamento apenas nas provas colhidas no inquérito civil.

Note-se que a r. sentença fundamentou a procedência parcial da ação, considerando todas as provas produzidas nos autos, principalmente o caráter genérico dos editais das licitações impugnadas.

Impertinente, pois, a alegação de nulidade da r. sentença, por cerceamento de defesa, razão pela qual deve ser afastada.

5. No mérito, trata-se de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público de São Paulo em face de Antônio Frederico Venturelli Junior (ex-Prefeito do Município de Pontal) e de Terra Plana Orlândia

Terraplanagem Pavimentação e Serviços de Limpeza Ltda., pretendendo a nulidade das licitações (Convite de Preços 01/09; Convite de Preços 02/09; Convite de Preços 04/09 e Convite de Preços 15/09), bem como o ressarcimento ao erário decorrente de ilícito civil.

A ação foi julgada parcialmente procedente pela r. sentença de fls. 2637/2644.

Sustenta o autor que os réus direcionaram os procedimentos licitatórios para contratação da empresa vencedora, frustrando a competitividade e a lisura dos certames e dos contratos administrativos firmados.

Depreende-se dos autos que, no dia 05/01/2009, o Município de Pontal realizou processo licitatório (Convite nº 01/2009) para "contratação de empresa especializada para execução de serviço de capinação manual e serviços braçais complementares de limpeza pública, para o período de 45 (quarenta e cinco) dias" (fls. 335).

Verifica-se que três empresas receberam os convites (cf. fls. 345/347) e apresentaram os orçamentos (fls. 329/337) no dia 06/01/2009, tendo a apelante vencido o certame, por apresentar o menor valor (R$ 72.000,00).

No dia 07/01/2009, o Presidente da Comissão de Licitação solicitou dotação orçamentária no valor de R$ 80.000,00 para a referida contratação (fls. 332).

No mesmo dia, o Contador Municipal respondeu ao ofício (fls. 333) e houve parecer jurídico favorável à contratação (fls. 334).

De fato, no edital do certame não há qualquer especificação da forma de execução do objeto contratado, como o número de horas, os funcionários necessários e a área abrangida para a limpeza.

Ora, como foi possível a estimativa de valores, se não há especificação da área abrangida ???

O termo "limpeza pública" é muito amplo e vago , podendo abranger todo o Município.

O edital apresentado às fls. 335 não discrimina o objeto da contratação .

O mesmo vício ocorreu na Carta Convite nº 02/2009, para a "contratação de Empresa especializada para fornecimento de máquinas e equipamentos para complementação da frota produtiva, para o período de 45 (quarenta e cinco) dias" (fls. 420), inexistindo discriminação de qual máquina ou equipamento seria necessário para complementar a "frota produtiva" .

As propostas enviadas apresentaram pá carregadeira, caminhão basculante trucado, caminhão com hidrojateamento, caminhão com carroceira (fls. 413/416) e indicaram um número de horas, requisitos não especificados no edital.

E novamente a solicitação de dotação orçamentária, a resposta do Contador Municipal e o parecer jurídico favorável ocorreram no mesmo dia (fls. 417/419).

Por sua vez, o Convite de preços nº 04/2009, estabelece o objeto da contratação "de empresa especializada para fornecimento de 01 (hum) caminhão toco equipado com poli guindaste e 50 (cinqüenta) caçambas de ferro para remoção de entulhos, com mão de obra, manutenção e combustível inclusos, para o período de 11 (onze) meses" (fls. 495).

Nos termos da bem lançada sentença, "com efeito, o edital está desacompanhado das especificações acerca de quantas horas de serviço diárias deveriam ser cumpridas, quantas caçambas deveriam ser removidas por dia ou por qual modo seria apurado o serviço efetivamente prestado , com nítido propósito de afastar concorrentes. A falta de descrição do objeto da licitação aos concorrentes enviarem orçamento sem a devida especificação do equipamento necessário ao cumprimento do contrato " (fls. 2640).

A celeridade na tramitação do processo licitatório também se verificou neste caso , de acordo com os documentos de fls. 487/494.

Por fim, o Convite de Preços nº 15/2009 (fls. 567/587) define a contratação "de empresa especializada para execução de serviços de roçada mecanizada e coleta de resíduos vegetais, em quantidade estimada de 266.200 m2" (fls. 574).

Neste caso também não há descrição do objeto da licitação, inviabilizando a competição, já que as empresas concorrentes não têm a oportunidade de enviar orçamentos com o equipamento específico para a execução do serviço.

O que se entenderia por "roçada mecanizada" e como seria a coleta dos "resíduos vegetais"??

E novamente houve a mesma celeridade acima descrita (cf. fls. 567/573).

Deste modo, verifica-se que as quatro contratações estão eivadas de vícios, impossibilitando a competição.

6. A Lei nº 8.666/93, vigente à época dos fatos, estabelecia que:

"Art. 7º. As licitações para a execução de obras e para a prestação de serviços obedecerão ao disposto neste artigo e, em particular, à seguinte seqüência:

I - projeto básico;

II - projeto executivo;

III - execução das obras e serviços. (...) § 2º. As obras e os serviços somente poderão ser licitados quando: I - houver projeto básico aprovado pela autoridade competente e disponível para exame dos interessados em participar do processo licitatório; II - existir orçamento detalhado em planilhas que expressem a composição de todos os seus custos unitários;

III - houver previsão de recursos orçamentários que assegurem o pagamento das obrigações decorrentes de obras ou serviços a serem executadas no exercício financeiro em curso, de acordo com o respectivo cronograma;

IV - o produto dela esperado estiver contemplado nas metas estabelecidas no Plano Plurianual de que trata o art. 165 da Constituição Federal, quando for o caso".

"Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte:

I - objeto da licitação, em descrição sucinta e clara; (...) § 2º. Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante: I - o projeto básico e/ou executivo, com todas as suas partes, desenhos, especificações e outros complementos; II - orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; (Redação dada pela Lei nº 8.666, de 1994)

III - a minuta do contrato a ser firmado entre a Administração e o licitante vencedor;

IV - as especificações complementares e as normas de execução pertinentes à licitação".

Ora, sem a devida especificação do objeto das contratações, não é possível apresentar proposta

Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466 - Pontal - VOTO Nº 27355 11/19

específica para a execução do serviço, estando evidente o direcionamento das licitações.

Note-se que o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, analisando as quatro contratações acima citadas, apresentou as seguintes falhas formais comuns a todos os procedimentos:

"a) Do exame aos processos, observamos que as descrições dos serviços/equipamentos constantes dos pedidos de abertura dos certames são imprecisas e genéricas, sem detalhes acerca dos trabalhos que seriam realizados, e referidos pedidos estão desacompanhados de qualquer tipo de documentação (Fls. 1522, 1551, 1582 do Anexo VIII e 1613 do Anexo IX).

b) Não há nos autos informações claras trazidas pela Administração que justifiquem os valores constantes dos orçamentos estimados apresentados pelo Executivo de Pontal (Fls. 1526, 1556, 1587 do Anexo VIII e 1617 do Anexo

IX) ou pelas empresas que ofertaram cotações (Fls. 1523/1525, 1552/1555, 1583/1586 do Anexo VIII e 1614/1616 do Anexo IX);

c) Diante da ausência de informações claras acerca dos serviços/equipamentos, restou prejudicada eventual verificação de conformidade desses orçamentos aos praticados no mercado, nos termos do artigo 43, IV, da Lei Federal nº 8.666/93;

d) Os Editais não se encontravam rubricados em sua íntegra pelo responsável, nos termos doa art. 40, § 1º, da Lei Federal nº 8.666/93 (fls. 1529/1534, 1559/1564, 1590/1595 do Anexo VIII e 1620/1625 do Anexo IX);

e) A descrição dos objetos nos editais é genérica e imprecisa (fls. 1529, 1559, 1590 do Anexo VIII e 1620 do Anexo IX), e não constaram dos editais, das minutas dos contratos ou dos convites expedidos, elementos que indicassem os equipamentos, quantidades de horas, a forma ou os locais onde esses serviços seriam executados, o quantitativo de pessoal necessário, dentre outros aspectos ;

f) Referidas imprecisões impossibilitam a análise acerca da coerência ou não dos preços ofertados nos convites e contratados com os praticados no mercado" (fls. 29).

Note-se que Marcelo Tiepolo, responsável pelo departamento de licitações da Prefeitura, em sede de processo criminal (fls. 105/109), confirmou que:

Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466 - Pontal - VOTO Nº 27355 12/19

"a ordem de deflagrar o certame licitatório, seja para cada Secretaria ou Diretoria partia diretamente do Gabinete do Senhor Prefeito Municipal, que pessoalmente centralizava todas as decisões pertinentes àquele procedimento ."

(...)

"recebeu do próprio Prefeito Municipal a determinação de quem deveria ser o vencedor do certame. Questionou o Prefeito diversas vezes a respeito, sendo que ele dizia que"ele deveria ajudar, porque eram amigos seus""(fls. 104)."Afirma que, a mando do Prefeito, recebeu em diversas oportunidades, Minutas de Editais direcionados para as empresas que já haviam sido escolhidas previamente, e que deveriam vencer o certame ." (fls. 107)

A empresa Terraplana é citada nominalmente às fls. 107 de tal depoimento.

Assim, restou comprovada a irregularidade e o conluio entre os requeridos, direcionando as licitações para que a apelante firmasse as contratações, estando caracterizado o dolo.

7. Por outro lado, a petição inicial aponta várias irregularidades nos procedimentos, mas não há alegação de que os serviços não foram prestados, de superfaturamento ou de pagamentos feitos sem a prestação dos serviços.

Note-se que na demanda de ressarcimento cabia ao autor, ou seja, ao Ministério Público, alegar e provar a inexecução dos serviços ou o preço excessivo do serviço; sendo tal fato constitutivo de sua pretensão.

Não tendo o Ministério Público se desincumbido de tal mister.

8. As irregularidades nos

procedimentos das licitações, como apontados acima, por si só, não implicam em prejuízo efetivo ao erário, como passou a exigir a lei de improbidade, com a redação dada pela lei nº 14.230/21.

Não se pode presumir o dano, ele deve ser apontado, provado e mensurado.

Destarte, não havendo alegação de inexecução dos serviços e não havendo prova de eventual superfaturamento dos valores, não se poderia cogitar da condenação ao ressarcimento dos valores integrais dos contratos, como pretendido.

Determinar o ressarcimento de valores de serviços que foram prestados e sem prova de que os valores cobrados foram excessivos, implicaria em locupletamento indevido do ente público; que receberia os serviços e a devolução de todos os valores pagos.

Logo, sob o enfoque de ilícito civil, não se comprovou nos autos prejuízo ao erário capaz de gerar ressarcimento, haja vista que houve prestação efetiva dos serviços e o Ministério Público não comprovou qualquer incompatibilidade de valores, nos termos do art. 373, I, do CPC.

Além disso, a decretação da nulidade dos contratos a esta altura, após a prestação dos serviços, não poderia ter o efeito de levar ao ressarcimento de valores, sob pena de locupletamento do Poder Público pelos serviços prestados.

Ressalte-se que a liquidação de sentença, para apurar os prejuízos ao erário, como determinado na r. sentença, não pode ser aceito.

O dispositivo legal indicado na

decisão (art. 17-B da Lei nº 8.429/92, com a redação alterada pela Lei nº 14.230/21) se refere ao acordo de não persecução civil.

Na hipótese dos autos, o prejuízo ao erário deve ser demonstrado pelo Ministério Público, já que os serviços das quatro contratações foram prestados.

9. Note-se que a petição inicial da presente demanda está fundada no art. 10, VIII da lei de improbidade, que passou a exigir, com a nova redação, perda patrimonial efetiva ao erário (que não ficou demonstrada) (cf. fls. 29).

Ora, sem a prova do prejuízo (os serviços foram prestados e não há prova ou alegação de preço excessivo), a hipótese do art. 10, VIII não está configurada (não há prova de 'perda patrimonial efetiva').

De fato, o art. 10 da Lei de Improbidade, com a redação dada pela Lei nº 14.230/21, dispõe que:

"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão dolosa, que enseje, efetiva e comprovadamente, perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta Lei, e notadamente:

...

VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou de processo seletivo para celebração de parcerias com entidades sem fins lucrativos, ou dispensá-los indevidamente, acarretando perda patrimonial efetiva;

(...)

§ 1º Nos casos em que a inobservância de formalidades legais ou regulamentares não implicar perda patrimonial efetiva, não ocorrerá imposição de ressarcimento, vedado o enriquecimento sem causa das entidades referidas no art. 1º desta Lei. § 2º A mera perda patrimonial decorrente da atividade econômica não acarretará improbidade administrativa, salvo se comprovado ato doloso praticado com essa finalidade.

Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466 - Pontal - VOTO Nº 27355 15/19

Foi opção do legislador o abrandamento da lei de improbidade, não sendo viável ao Judiciário ignorar a alteração legislativa .

A lei atual não autoriza o reconhecimento de prejuízo presumido ou potencial; ela exige a ocorrência de prejuízo, sendo necessária a efetiva demonstração da perda patrimonial.

Comentando o dispositivo, Daniel Santos de Freitas coloca:

Não que a Lei 14.230/2021 seja isenta de críticas, mas em virtude dela inúmeros posicionamentos jurisprudenciais restaram afetados ou superados, como ocorreu, por exemplo, com o Tema XXXXX/STJ, afetado ao rito do artigo 1.036 e seguintes do CPC/2015 para"definir se a conduta de frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente configura ato de improbidade que causa dano presumido ao erário ( in re ipsa)".

Com efeito, temos que não mais há como definir como improbidade administrativa aquelas condutas pautadas em dano presumido ao erário matéria objeto do Tema XXXXX/STJ , uma vez que a nova redação dada pela Lei 14.230/21 ao artigo 10, caput e inciso VIII, e artigo 21, inciso I, da Lei 8.429/92 é clara ao dispor que, ainda nos casos de violação do procedimento licitatório, as ações pautadas em dano ao erário deverão demonstrar efetiva e comprovada perda patrimonial em prejuízo do poder público , sendo vedada qualquer presunção nesse esteio.

(...)

Isso posto, a perda patrimonial efetiva tornou-se aspecto nuclear da conduta ímproba descrita no artigo 10 da LIA, junto do elemento subjetivo doloso , o que impede o firmamento da Tese XXXXX/STJ no sentido de configuração de improbidade administrativa por dano presumido ao erário pelo simples frustrar da licitude de processo licitatório

(in"Improbidade: principais jurisprudências e temas afetados pela Lei 14.230/2021", - https://www.conjur.com.br/2022-jan-29/freitas-principais- jurisprudencias-temas-afetados-lei- 14230)

Logo, inviável a condenação dos réus com base no art. 10, VIII da lei nº 8.429/92.

10. Quanto a condenação do réu com

Apelação Cível nº XXXXX-28.2014.8.26.0466 - Pontal - VOTO Nº 27355 16/19

base nos incisos XI e XII, ela é inviável, pois tais dispositivos colocam:

Art. 10. (...)

XI - liberar verba pública sem a estrita observância das normas pertinentes ou influir de qualquer forma para a sua aplicação irregular;

XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente;

O caso não envolveu diretamente liberação de verba pública, pois o caso envolve contratação e licitação irregular, o que é coisa diversa.

Tampouco não se cogita de permitir, facilitar ou concorrer para enriquecimento ilícito de terceiro, pois não há alegação ou prova de enriquecimento ilícito.

A petição inicial sequer faz referência a tais dispositivos, que devem ser afastados.

11. A sentença condenou os réus com base no art. 10, incisos VIII, XI e XII, da lei.

Afastados os incisos XII e XII do art. 10, a situação dos réus deve ser reclassificada, pois em face da alteração trazida pela lei nº 14.230/21 quanto ao inciso VIII do art. 10; se enquadrando a figura no art. 11, V da lei nº 8.429/92, com a redação que lhe deu a lei nº 14.230/21:

Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública a ação ou omissão dolosa que viole os deveres de honestidade, de imparcialidade e de legalidade, caracterizada por uma das seguintes condutas:

(...)

V - frustrar, em ofensa à imparcialidade, o caráter concorrencial de concurso público, de chamamento ou de procedimento licitatório, com vistas à obtenção de benefício próprio, direto ou indireto, ou de terceiros ;

Note-se que nesta figura, não se exige a prova de prejuízo ou perda patrimonial efetiva.

Deste modo, ante a robusta prova existente nos autos, é de se reconhecer o conluio existente para frustrar o procedimento licitatório, que foi montado, ficando evidenciada a improbidade administrativa.

12. A participação dos réus condenados ficou evidenciada, da mesma forma que o caráter doloso de suas condutas.

O réu Antônio Frederico Venturelli Junior, prefeito municipal, ordenador de despesas, foi o responsável pela contratação, sendo que a prova demonstrou seu envolvimento na tramitação dos certames.

A ré Terra Plana Orlândia

Terraplanagem Pavimentação e Serviços de Limpeza Ltda. foi a grande beneficiária das licitações dirigidas e das contratações.

13. Com relação a dosimetria das penas os réus foram condenados já com base no art. 12, II da lei nº 8.429/92, aplicável à figura do art. 10 da mesma lei.

Note-se que as penas devem ser reduzidas, nos termos do art. 12, inciso III, da lei de improbidade administrativa, devendo os réus ser condenados à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de quatro anos, além de multa civil de 10 vezes a última remuneração do réu, devidamente atualizada (desde o último valor recebido), para cada um dos réus.

A presente decisão é extensível ao corréu Antonio, ante a regra do art. 1.005 do CPC .

14. Considera-se prequestionada toda matéria infraconstitucional e constitucional aventada, observado que é desnecessária a citação numérica dos dispositivos legais, bastando que a questão posta tenha sido analisada.

Isto posto , conheço e dou parcial provimento ao recurso, para readequar a condenação dos réus, com base no art. 11, V da lei nº 8.429/92, com a redação que lhe deu a lei nº 14.230/21, reduzindo as penas impostas, na forma do art. 12, III da citada lei, ficando os réus ser condenados à proibição de contratar com o Poder Público ou receber benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios, direta ou indiretamente, ainda que por intermédio de pessoa jurídica da qual seja sócio majoritário, pelo prazo de 04 anos, além de multa civil de 10 vezes a última remuneração do réu, devidamente atualizada (desde o último valor recebido pelo réu), multa esta para cada um dos réus. Os juros de mora incidentes sobre a multa, serão de 1% ao mês, a contar do trânsito em julgado (cf. tema nº 1.128 do STJ). No mais, fica mantida a sentença de fls. 2637/2644. Sem honorários advocatícios, ante a natureza da ação.

Cláudio Augusto Pedrassi

Relator

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