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6 de Junho de 2024

A Relevância dos Direitos de Personalidade Perspectiva Brasil-Portugal

Publicado por Weider Pinheiro
há 5 anos

RESUMO

O presente trabalho tem como norte o Direito Civil-Constitucional, a partir do reconhecimento da dignidade da pessoa humana como matriz da ordem jurídica. Assim, buscou-se demonstrar a construção da teoria dos direitos de personalidade, ao trilhar o percurso da evolução de uma sociedade conservadora e tradicional, pautada precipuamente pelo perfil notadamente patrimonial, quando a codificação do direito civilista passou a consagrar a preocupação substancial com o indivíduo. Daí surge o desenvolvimento da teoria dos direitos da personalidade, em dignificação do homem, reconhecido como ser dotado de atributos morais, psíquicos e físicos. No desenvolvimento dos direitos de personalidade enquanto valor fundamental do ordenamento, ligados que estão à dignidade da pessoa humana, aliada a referida trajetória histórica pautada por marcos relevantes da matéria, importante as conceituações de pessoa natural, personalidade e capacidade, e é claro, do próprio instituto dos direitos de personalidade e de sua teoria geral, para também falar sobre suas características e dos direitos de personalidade especialmente regulados.

Palavras-chave: direito civil, personalidade civil, direito de personalidade, dignidade da pessoa humana.

ABSTRACT

This work is the north Civil-Constitutional Law, from the recognition of human dignity as the matrix of law. Thus, it sought to demonstrate the construction of the theory of personality rights, to tread the path of evolution of a conservative and traditional society, guided primarily by notably asset profile, when the codification of civil law right began to devote substantial concern for the individual. Hence arises the development of the theory of personal rights, for dignity of man, recognized as being endowed with moral, psychological and physical attributes. The development of personality rights as a fundamental value of the order, linked they are to human dignity, coupled with such historical trajectory marked by important milestones of matter, important to the concepts of natural person, personality and ability, and of course, the very Institute of personal rights and of his general theory, to also talk about their characteristics and specially regulated personal rights

Keywords: civil law, civil personality, right of personality, dignity of human person.


1 Introdução

"No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então tem ela tem dignidade"[1].

 Notável a relevância dos direitos de personalidade, reconhecidos que são como direitos fundamentais e espécie de direitos humanos.

 O presente trabalho foi concebido a partir de uma exposição analítica, que busca delinear aos marcos relevantes para o estudo dos direitos de personalidade, atrelando os aspectos históricos com a percepção de que tais direitos, além dos direitos fundamentais individuais expressos na Constituição Portuguesa, devem ser entendidos como o direito geral de personalidade, cuja expressão está na cláusula geral extraída do princípio da dignidade da pessoa humana.

2 Da pessoa

 Na clássica lição de Maria Helena Diniz[2], “pessoa é o ente físico ou coletivo suscetível de direitos e obrigações, sendo sinônimo de sujeito de direito”. Entende-se por sujeito de direito aquele que pode titularizar uma pretensão diante do descumprimento de um dever jurídico.

 Toda pessoa é dotada de personalidade, que é qualidade jurídica que se revela como condição preliminar de todos os direitos e deveres.

 Para Caio Mário da Silva Pereira[3], liga-se à pessoa a ideia de personalidade, que exprime a aptidão genérica para adquirir direitos e contrair obrigações. Segundo o artigo 66º, nº 1, do Código Civil Português, a personalidade adquire-se no momento do nascimento completo e com vida, e tem seu termo com a morte, conforme prescreve o artigo 68º, nº 1, do mesmo diploma legal.

 Para o Direito Português importa apenas a existência de vida, independentemente do tempo que venha a durar.

 A capacidade jurídica ou capacidade de gozo de direitos é inerente à personalidade jurídica. Traduzindo esta inerência, o artigo 67 do Código Civil estabelece que “as pessoas podem ser sujeitas de quaisquer relações jurídicas, salvo disposição em contrário: nisto consiste a sua Capacidade Jurídica”.

3 Direitos de personalidade

   

 Da leitura do Código Civil Português, pode-se extrair que direitos de personalidade são poderes jurídicos pertencentes a todas as pessoas e incidem sobre seus diversos aspectos, sejam físicos ou moral.

 Assim é que, nos termos do artigo 70º do Código Civil, “A lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral”, e prevê, ainda, a implementação de providências necessárias para evitar sua consumação ou atenuar os efeitos de sua violação (artigo 70º, nº 1 e nº 2).

 É clássica a lição do Professor Doutor João de Castro Mendes[6], que classifica os direitos de personalidade com relação aos seus elementos internos, ou seja, aos elementos inerentes ao próprio titular de direitos. São eles (a) direitos do próprio corpo; (b) direitos da própria vida; (c) direitos de liberdade; (d) direito à saúde; (e) direito à educação. Há também os elementos externos do indivíduo e que se referem ao homem enquanto ser social: (a) direito à honra; (b) direito à intimidade privada; (c) direito à imagem; (d) direito ao ambiente; (e) direito ao trabalho. Ainda faz referência aos elementos instrumentais, que se encontram conexos com bens de personalidade e o direito à habitação. Por fim, cita os elementos periféricos previstos no art. 75º a 78º do Código Civil Português.

3.1 A teoria do direito geral da personalidade sob o enfoque da teoria atomista.

 A teoria do direito geral de personalidade tem como vetor axiológico a ideia de que não se pode individualizar a proteção da personalidade, nem deixar condicionada a proteção da pessoa a direitos previamente tipificados.

 Nesse sentido, atualmente parece ocorrer certo distanciamento da doutrina pluralista, que condiciona a proteção da pessoa humana a direitos tipificados, e uma aproximação da teoria atomista do direito de personalidade, na busca por uma maior proteção à pessoa, propiciando a aplicação de um conceito jurídico indeterminado, de forma que será possível a proteção da personalidade em todos os seus aspectos conhecidos e naqueles que ainda irão surgir com o tempo.

 A partir de um conceito jurídico aberto, é possível almejar a solução mais adequada para cada caso concreto, por meio da ponderação de interesses, o que leva ao interprete a definir quais são os bens que compõem a personalidade humana a ser tutelada. E a teoria atomista reconhece o princípio da dignidade da pessoa humana, princípio fundamental nos Estados Democráticos de Direito, como será visto adiante, como cláusula geral para a interpretação deste conceito jurídico indeterminado.

 Com fundamento nesse raciocínio, Perlingieri[7] menciona que "a personalidade, portanto, não é um direito, mas sim, um valor (o valor fundamental do ordenamento) e está na base de uma série aberta de situações existenciais, nas quais se traduz a sua incessantemente exigência mutável de tutela".

Com efeito, a mutabilidade de manifestações da personalidade humana não permite ditar, exaustivamente, os contornos do bem da personalidade a ser tutelado, cumprindo salientar, tão-só, que são tuteladas por este direito as expressões físicas e psíquicas da pessoa e as relações dela com a sociedade.

3.2 A evolução dos direitos de personalidade e a dignidade da pessoa humana. Os direitos de personalidade como direitos fundamentais

 Os Estados Democráticos de Direito estão fundamentados no princípio da dignidade da pessoa humana. Assim é que a Constituição da República Portuguesa destaca no artigo que “Portugal é uma República soberana, baseada na dignidade da pessoa humana e na vontade popular e empenhada na construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.

 A dignidade da pessoa humana é o núcleo essencial do ordenamento jurídico e tem seu nascedouro primordialmente no constitucionalismo pós-segunda guerra mundial.

 Ligados que estão ao princípio da dignidade da pessoa humana, tem-se que a evolução dos direitos de personalidade está associada à evolução dos direitos humanos, haja vista que ambos os direitos visam à proteção da pessoa humana, embora os direitos humanos, no seu nascedouro, visassem somente à proteção da pessoa frente ao Estado.

Sobre essa relação entre direitos de personalidade e direitos humanos, comentam Ricardo Padovani Pleti e Rodrigo Pereira Moreira[8] que

os direitos humanos são, em princípio, os mesmos da personalidade; mas deve-se entender que quando se fala dos direitos humanos, referimo-nos aos direitos essenciais do indivíduo em relação ao direito público, quando desejamos protegê-los contra as arbitrariedades do Estado. Quando examinamos os direitos da personalidade, sem dúvida nos encontramos diante dos mesmos direitos, porém sob o ângulo do direito privado, ou seja, relações entre particulares, devendo-se, pois, defendê-los frente aos atentados perpetrados por outras pessoas.

 Hodiernamente, costuma-se apontar o desenvolvimento dos direitos da personalidade a partir do segundo pós-guerra, diante das atrocidades cometidas pelos governos totalitários à dignidade humana, quando os direitos de personalidade assumiram especial relevância para o mundo jurídico, sendo resguardados na Assembleia Geral da ONU de 1948, na Convenção Europeia de 1950 e no Pacto Internacional das Nações Unidas.

 Tem-se, todavia, que a evolução dos direitos da personalidade juntamente com os direitos humanos começa a se formar anteriormente à Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, seguindo uma linha de raciocínio relacionada às mudanças sociais ocorridas antes e depois da revolução francesa.

Pleti e Moreira ainda mencionam que

a abolição da tortura também foi um grande marco na conquista dos direitos humanos e também para os direitos da personalidade, pois a proibição da tortura ampliou a proteção à integridade psicofísica da pessoa, um dos colorários dos direitos da personalidade e do princípio da dignidade humana”.

 É preciso que se diga, igualmente, que o Bill of Rights já havia proibido o castigo cruel em 1689, entretanto somente em 1790 o Parlamento Britânico vedou a condenação à morte na fogueira para as mulheres.

 Com a revolução francesa e a Declaração dos Direitos do Homem nasce a perspectiva do Estado liberal, o que ocasiona diversos problemas econômicos, agravados pela revolução industrial que, por sua vez, dá origem à exploração dos trabalhadores, resultando em misérias sociais, num capitalismo desumano e consequentemente em uma qualidade de vida insalubre[9].

 Foi durante o século XX, especialmente após as duas grandes guerras, que o centro do ordenamento jurídico se transfere para o valor humano, devido às inúmeras atrocidades praticadas, acabando por se tornar um divisor de águas no processo de formação dos direitos humanos e da personalidade.

 Dessa maneira, ocorre a despatrimonialização do direito civil e a dicotomia, antes bastante nítida, entre público e privada agora é representada apenas por uma linha tênue. Nesse mesmo diapasão, os direitos da personalidade começam a ser identificados com o seu perfil atual (Ricardo Padovani Pleti e Rodrigo Pereira Moreira).

3.3 Características dos direitos de personalidade

3.3.1 Absolutidade

 Os direitos de personalidade possuem caráter absoluto ou de exclusão, ou seja, possuem eficácia protetiva diante de todos aqueles que possam lhes ameaçar ou causar alguma lesão.

3.3.2 Caráter originário ou inato

 Entende-se por originário o que é inato ao sujeito, decorrendo diretamente do reconhecimento da personalidade jurídica.

3.3.3 Não patrimonial ou extrapatrimonial

 São direitos insusceptíveis de avaliação econômica, sendo considerados bens fora do comércio (res extra commercium).

 Exemplo de tutela jurídica da extrapatrimonialidade é encontrado no art. 14.º, caput, do Código Civil Brasileiro, e no art. 1.º, da Lei Federal n.º 9.434/1997, que somente permitem a disposição do corpo humano nos casos de disposição gratuita, desde que com objetivo científico ou altruístico.

3.3.4 Irrenunciabilidade e intransmissibilidade

 O Código Civil Português no artigo 81.º, nº 1, preceitua que a "limitação voluntária ao exercício dos direitos de personalidade é nula, se for contrária aos princípios da ordem pública". O artigo 340.º, nº 2, por sua vez, consigna que o "consentimento do lesado não exclui, porém, a ilicitude do acto, quando este for contrário a uma proibição legal ou aos bons costumes".

3.4 Os Direitos de personalidade especialmente regulados – uma análise comparativa com o direito civil brasileiro

O  legislador português, guiado pela teoria atomista anteriormente mencionada neste trabalho, optou por não enumerar um a um dos direitos de personalidade, no afã de não colocá-los como taxativos. Assim, com o exame que se fará a seguir, não se pretende uma análise exaustiva do tema.

a) Direito à integridade física e psíquica e direito à liberdade

 Conquanto não haja previsão correspondente no Código Civil Português, nos artigos 13.º a 15.º do Código Civil Brasileiro, encontram-se disposições que limitam a disposição do próprio corpo e proíbem a submissão forçada a tratamento médico ou intervenção cirúrgica.

 As disposições do próprio corpo previstas no referido artigo 13.º, segundo o qual "salvo por exigência médica, é defeso o ato de disposição do próprio corpo, quando importar diminuição permanente da integridade física, ou contrariar os bons costumes", aproxima-se das soluções a que se chegará por aplicação da exigência geral de que as limitações voluntárias aos direitos de personalidade não contrariem os bons costumes, resultante do artigo 81.º, nº 1, do Código Civil Português (e a ordem pública, nos termos do artigo 340.º, nº 2, do mesmo Código). Igualmente, a disposição do corpo para fins de transplante se encontra disciplinada em Portugal, pela Lei nº 12/93, de 22 de Abril.

b) Direito ao nome

 Encontra regulação nos artigos 72. º a 74. º do Código Civil Português e nos 16. º a 18. º do Código Civil Brasileiro. O direito fundamental ao nome cuida-se de direito sobre meios de identificação pessoal, reconhecido como um dos aspectos morais da personalidade, ao lado de outros.

 O direito ao nome abrange a faculdade de usá-lo para exprimir a identidade própria e de exigir que os outros, nas relações sociais, o atribuam ao seu titular, podendo, portanto, reclamar-se contra a recusa da sua atribuição por parte de outrem. E abrange igualmente a faculdade de defendê-lo contra uma usurpação por parte, quer para fins comerciais, quer para outros fins. O titular do nome pode, inclusive, requerer as providências adequadas às circunstâncias do caso, como fazer cessar ou obter a condenação pelo uso indevido do seu nome, fazendo publicar a expensas do infrator a sentença condenatória. Em particular, no caso de homonímia, pode exigir que o tribunal decrete as "providências que, segundo juízos de equidade, melhor conciliem os interesse em conflito", no caso de uso nome idêntico, especialmente no exercício de atividade profissional, "de modo a prejudicar os interesses de quem tiver nome total ou parcialmente idêntico".

c) Direito à palavra e à imagem e direito sobre escritos pessoais

 O artigo 20.º do Código Brasileiro disciplina "a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, ou a publicação, a exposição ou a utilização da imagem de uma pessoa". Trata, pois, dos direitos sobre escritos pessoais e dos direitos à palavra e à imagem.

 O direito sobre escritos pessoais incide sobre manifestações da pessoa e se aproximará do direito à reserva da vida privada e do direito do autor, apenas na medida em que os escritos forem reflexos da personalidade.

 Os direitos à palavra e à imagem protegem uma projeção física da pessoa. Incidem sobre a imagem e a palavra entendidas como conjunto de sinais, visuais ou sonoros, identificadores da pessoa, e que constituem uma dimensão ou modo de ser da sua personalidade.

 Numa comparação com o Código Civil Português ressalta-se a referência expressa no Código Brasileiro à transmissão da palavra, inexistente naquele. Também perante o Código Civil Português, porém, tem sido defendida uma analogia com o regime do direito à imagem.

No direito lusitano regula-se a matéria referente aos escritos pessoais, nos artigos 75. º a 78. º. Distinguem-se, assim, as cartas-missivas e outros escritos confidenciais ou referentes à intimidade da vida privada, para os quais se prevê um dever de reserva e a necessidade de consentimento para a publicação, das cartas não confidenciais, para as quais se prevê apenas um dever do destinatário de "usar dela em termos que não contrariem a expectativa do autor".

d) Direito à reserva sobre a vida privada

 O direito à reserva sobre a intimidade da vida privada é outro direito que encontra previsão expressa em ambos os códigos, sendo considerado inviolável pelo artigo 21.º Código Civil Brasileiro. Já o artigo 80.º, nº 1, Código Civil Português preceitua que "todos devem guardar reserva quanto à intimidade da vida privada de outrem".

 Trata-se de direito incidente sobre a informação e que tem como conteúdo a possibilidade de controlar o acesso a ela e a sua divulgação.

 Sobre a inviolabilidade da vida privada, o Código Civil Brasileiro, no artigo 21.º, dispõe que o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias a impedir ou fazer cessar ato contrário ao direito à reserva sobre a vida privada.

e) Direito à honra

 Oportuno citar sobre a matéria, trecho do acórdão proferido pelo Superior Tribunal de Justiça Português, em 15/03/2013, no processo nº 2612/07.2TVLSB.L1S1, 6ª Secção:

A honra é um preciosíssimo bem da personalidade. É a dignidade pessoal pertencente à pessoa enquanto tal, e reconhecida na comunidade em que se insere e em que coabita e convive com as outras pessoas. A perda ou lesão da honra – a desonra – resulta, ao nível pessoal, subjectivo, na perda do respeito e consideração que a pessoa tem por si própria, e ao nível social, objectivo, pela perda do respeito e consideração que a comunidade tem pela pessoa. A lesão da honra pode não ser total – só em casos excepcionais o será – e limitar-se a um seu detrimento. A honra, neste caso, é lesada, mas não perdida. Todas as pessoas têm direito à honra pelo simples facto de existirem, isto é, de serem pessoas. É um direito inerente à qualidade e à dignidade humana. Mas as pessoas podem perder a honra ou sofrer o seu detrimento em virtude de vicissitudes que tenham como consequência a perda ou diminuição do respeito e consideração que a pessoa tenha por si própria ou de que goze na sociedade.

 O direito à honra, entendida como honra objetiva, ou seja, imagem moral externa de uma pessoa encontra várias disposições em ambos os códigos, como a “afectação da honra”, no artigo 79.º, nº 3, do Código Civil Português, e da "boa fama e respeitabilidade", no artigo 20.º do Código Civil Brasileiro.

 No Código Civil Português encontra-se disposição expressa disposição dedicada às consequências ressarcitórias da ofensa do crédito e do bom nome - o artigo 484º, nos termos do qual quem afirmar ou difundir um facto capaz de prejudicar o crédito ou o bom nome de qualquer pessoa, singular ou colectiva, responde pelos danos causados.

f) Proteção após a morte

 Segundo a legislação brasileira, artigo 12.º do Código Civil, o morto poderá sofrer violação aos direitos inerentes à sua personalidade - direito à honra, à privacidade, à imagem, e a sua família terá legitimidade para pleitear que cesse a ameaça e/ou lesão inerente à violação da personalidade[10].

 Ainda de acordo com o Código Civil Brasileiro, no artigo 20, parágrafo único, e com as observações de Alves de Miranda, a família, o cônjuge, os ascendentes ou os descendentes do morto estão autorizados a proteger e/ou proibir a divulgação de escritos, a transmissão da palavra, a publicação, a exposição ou a utilização da imagem do morto que, necessariamente, atingirem alguns dos direitos inerentes à personalidade do morto.

 No direito português, como visto anteriormente, a personalidade cessa com a morte, nos termos do artigo 68.º do Código Civil. E com a cessação da personalidade jurídica extinguem-se, por sua vez, as correlativas situações jurídicas (ativas e passivas) relacionadas com os bens de personalidade, nomeadamente os direitos de personalidade.

 Pode ocorrer, contudo, que alguns direitos de personalidade, como o direito à honra e ao bom-nome, sejam objeto de ofensa por parte de terceiros após a morte. E como a memória do falecido deve ser respeitada, não obstante a morte e a correlativa extinção dos direitos de personalidade de que aquele foi titular, ao artigo 71.º garante uma tutela post mortem, isto é, a possibilidade de se promover a defesa da memória do falecido, por meio da atribuição de determinados direitos de defesa àqueles que lhe sucedem na ordem jurídica, de modo a permitir que se pondere acerca do eventual prolongamento dos direitos de personalidade para além da morte.

4 Tutela geral dos direitos da personalidade

 Importante tema a tratar versa sobre a tutela dos direitos de personalidade, pois de pouco valeria seu reconhecimento sem os adequados instrumentos para sua proteção.

 Vale ressaltar, nesse sentido, a tutela judicial civil, não sem mencionar a existência de tutelas outras, como a constitucional, a penal, processual e a de direito internacional.

 No pertinente à tutela judicial civil, o artigo 10º do Código Civil Português estabelece que “a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou moral à sua personalidade física ou moral”.

 O nº 2 do mesmo artigo elenca as formas de tutela, que podem ocorrer de forma cumulada ou alternativa, quais sejam: responsabilidade civil, providências preventivas e providências atenuantes.

4.1 Responsabilidade civil

 No que diz respeito à responsabilidade civil, a doutrina a classifica em responsabilidade por culpa, pelo risco e pelo sacrifício.

 A primeira assenta-se num juízo de desvalor da conduta do agente. A segunda, em critérios objetivos de distribuição do risco e a terceira refere-se à compensação do lesado pelo sacrifício suportado.

 Existe, ainda, a classificação que distingue a responsabilidade delitual ou extrajudicial da obrigacional ou contratual.

 A responsabilidade extracontratual está prevista nos artigos 483.º e seguintes do Código Civil. A responsabilidade contratual encontra previsão no artigo 798.º e seguintes do mesmo diploma legal.

 É preciso destacar que tanto a responsabilidade obrigacional, quanto a extracontratual fundam-se na prática de ato ilícito, quer culposo, quer danoso.

 As ofensas aos direitos de personalidade estão no âmbito da responsabilidade aquiliana, porque dizem respeito à violação de direitos subjetivos. Não se descarta, contudo, que a violação seja contratual.

 Outrossim, cumpre aqui destacar os pressupostos da responsabilidade civil por factos ilícitos.

 O primeiro deles é o facto humano, ilícito e danoso, seja por ação ou omissão (arts. 491.º a 493.º do Código Civil Português).

 A ilicitude é o segundo pressuposto e vem previsto no artigo 483º do Código Civil.

 A culpa (ou ilicitude em sentido subjetivo), será verificada pela inexistência de causas de inimputabilidade (art. 488.º do Código Civil) e de exclusão de culpa, ou seja, erro desculpável, medo invencível e desculpabilidade.

 Para que haja a responsabilidade civil, imprescindível a ocorrência de dano, cuja inocorrência pode ensejar a aplicação de providências preventivas ou atenuantes e seu ressarcimento é previsto no artigo 496.º, nº 1, do Código Civil Português.

 Para ilustrar, oportunos os apontamentos de Tiago Soares da Fonseca[11], no pertinente aos danos causados aos direitos de personalidade, que

apesar de direitos não patrimoniais, podem ser patrimoniais, morais ou simultaneamente patrimoniais e morais. Assim, serão patrimoniais, entre outros, as despesas hospitalares, a perda de salários e lucros, os custos com tratamentos e serão morais, por exemplo, a dor, o sofrimento, o constrangimento, a humilhação, a perda da vida, a diminuição da saúde, da liberdade, da reputação e do bom nome. Nalguns casos ainda os danos serão simultaneamente patrimoniais e morais. Basta pensar nos casos de atentado à integridade física ou de violação do direito ao descanso impeditivos da pessoa trabalhar.

 Finalmente, para que se possa falar de responsabilidade civil, é necessário, nos termos do art. 483.º do Cód. Civil, que os danos causados sejam imputáveis ao autor do fato, entendida a imputabilidade como causa do dano aquela circunstância que, dadas as regras da experiência, se mostrava adequada à produção de certo dano. Exige-se ainda que o juiz, ao decidir, se coloque na posição concreta do agente, tendo em consideração as circunstâncias que uma pessoa normal, colocada naquelas circunstâncias conheceria, e as que o agente conhecia efetivamente.

 Configurada a responsabilidade civil, a partir dos pressupostos acima elencados, fica o agente obrigado a indenizar o lesado, nos termos dos arts. 562.º e seguintes do Cód. Civil.

4.2 Providências preventivas e atenuantes

 Outra forma de tutela prevista trata-se das providências preventivas e atenuantes, a depender do estado em que a ofensa se encontrar e do preenchimento de certos pressupostos, elencados com propriedade por Fonseca.

Em primeiro lugar, exige-se a ocorrência de um facto ilícito que tanto pode consistir numa ofensa consumada, como numa ameaça. Ao contrário da responsabilidade civil, não se exige que o acto ilícito seja cometido de forma culposa. Apenas releva o facto ilícito e não qualquer juízo de censura que se possa fazer sobre o agente. Assim, tais providências poderão ter lugar em situações puramente objectivas, sem prejuízo de se poderem também aplicar em situações culposas. Por outro lado, relativamente às providências preventivas, ao contrário do que sucede com a responsabilidade civil, não se exige a existência de dano. Basta a simples ameaça para a elas se poder recorrer.Em segundo lugar, para se recorrer a estas providências exige-se uma adequação entre a providência requerida e a lesão a evitar ou suster. As providências a decretar têm de ser adequadas às circunstâncias do caso. Esta ideia, além de reflectida na própria letra do art. 70.º, n.º 2 do Cód. Civil, resulta também de normas processuais, uma vez que a decisão no processo judicial de tutela dos direitos de personalidade, enquanto processo de jurisdição voluntária, deve ser tomada de acordo com critérios de equidade (art. 1410.º do CPC). Desta ideia de adequação resulta que, quanto à providência a adoptar em concreto, vigora o princípio da atipicidade. Será o julgador, na sua tarefa de aplicação do direito, a decidir, in casu, os termos e os contornos da medida a aplicar. Resta saber então quando é que uma providência é adequada. Para tanto, deve ter-se em conta os fins de protecção da personalidade, devendo a medida a aplicar ser suficiente para cessar a ameaça ou lesão, de acordo com o princípio do mínimo dano. Isto significa que, perante soluções alternativas, deverá procurar-se aquela que, assegurando a tutela dos direitos de personalidade, tenha em conta os interesses do agente, não lhe causando lesões desnecessárias ou desproporcionadas.

 Assim, haverá casos em que a medida poderá consistir na imposição de uma atuação positiva, enquanto que noutros na imposição de deveres de omitir a conduta prevaricadora.

 As providências preventivas destinam-se a evitar a consumação da ofensa e justificam-se pelo fato dos direitos de personalidade terem uma natureza não patrimonial, razão pela qual a sua reposição in totum ser difícil, senão impossível, em caso de violação.

 Porque se destinam a prevenir uma ameaça, as providências preventivas serão, notadamente, mais proibitivas do que impositivas, como, por exemplo, a proibição de divulgação e utilização de imagens não autorizadas, a proibição de acesso ou de registo de dados e informações atinentes à vida privada. Pode-se citar, ainda, a imposição ao dono de animais ou de coisas perigosas, susceptíveis de causar lesões aos direitos de personalidade, a obrigação de tomar medidas para que tal não venha a suceder.

 Já as providências atenuantes têm por fim eliminar ou minorar os efeitos da ofensa em curso ou realizada e diferentemente das providências preventivas, serão, tendencialmente, providências de injunção, ou seja, destinadas a impor uma conduta. Nada impede, todavia, se o caso o justificar, que sejam também proibitivas. São exemplos: cessação de produção de ruídos ou emissão de cheiros prejudiciais à integridade física e moral, cessação de utilização ilícita de nome alheio e apreensão ou destruição de revistas, filmes, software, livros ou outras criações artísticas públicas em ofensa aos direitos de personalidade.

5 Considerações finais

 Analisada a teoria geral dos direitos de personalidade sob o enfoque histórico, apresentados os conceitos de pessoa, personalidade e capacidade jurídica, a sua evolução enquanto direitos fundamentais e delineadas as suas características mais notáveis, assim como as formas de tutela jurídica destes direitos, encerra-se este trabalho atentando-se para a tendência moderna da relevância de tais direitos para a efetividade do princípio da dignidade da pessoa humana, considerados que são como categoria especial de direitos subjetivos.

 Por fim, ressalta-se a evolução da tutela jurídica dos direitos da personalidade com fundamento nos avanços doutrinários sobre a matéria, objeto cada vez mais de estudos, e concluindo com a evolução da tutela destes direitos no plano judicial, repleto atualmente de demandas versando sobre ofensas a direitos da personalidade tal como o direito à imagem, honra e nome, destacando-se, a técnica processual da tutela inibitória, a exemplo de seu caráter preventivo ao dano e por evitar a mera solução dos conflitos envolvendo esses direitos em perdas e danos, através da indesejada patrimonialização desses direitos de caráter tipicamente axiológico.

Bibliografia

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[5] TARTUCE, Flávio - Direito Civil: Lei de Introdução e Parte Geral, 10.ª ed. São Paulo: Método, 2014. ISBN 9788530953997. p.250.

[6] MENDES, João de Castro – Introdução ao Estudo do Direito. 3.ª ed. Lisboa: Almedina, 2010. ISBN 9780081893944

[7] PERLINGIERI, Pietro – O Direito Civil na Legalidade Constitucional. São Paulo: Renovar, 2008. ISBN 978857147-709-4

[8] PLETI, Ricardo Padovani; MOREIRA, Rodrigo Pereira – Direito geral da personalidade e o princípio da dignidade da pessoa humana: perspectiva civil-constitucional Revista Jus Navigandi, Teresina, ano 16, n. 2854, 25 abr. 2011. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/18968>. Acesso em: 23 nov. 2015.)

[9] BRESCIANI, Maria Stella M. - Londres e Paris no século XIX: o espetáculo da pobreza. São Paulo: Brasiliense, 2004.

[10] MIRANDA, Marcelo Barça Alves - Proteção post-mortem envolvendo os direitos da personalidade .http://marcelobarca.jusbrasil.com.br/artigos/121944063/proteçâo-post-mortem-envolvendo-os-direitos-da-personalidade. Acesso em 25/11/2015.

[11] FONSECA. Tiago Soares – Da tutela judicial civil dos direitos de personalidade: Um Olhar Sobre a Jurisprudência. http://www.oa.pt/Conteudos/Artigos/detalhe_artigo.aspx?idsc=47773&ida=47781, acesso em 25/11/2015

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