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2 de Maio de 2024

Vedação ao confisco de multas punitivas na esfera administrativa

há 9 anos

A fim de proteger o contribuinte de investidas exageradas do Fisco, a própria Constituição Federal, como acima demonstrado, principalmente por intermédio do art. 150, IV, assevera ser vedada a utilização de tributo com efeito de confisco.

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

(...)

IV - utilizar tributo com efeito de confisco;

Desse modo, toda atividade tributária não poderá ultrapassar as fronteiras do confisco, inclusive a aplicação de multas. Em outras palavras, a aplicação de multa não poderá ser excessiva a ponto de, a uma só vez ou paulatinamente, destruir a propriedade do contribuinte, mormente porque suposta infrações praticadas pelos contribuintes não restam devidamente demonstradas pela autoridade administrativa que exara o Auto de Infração.

A propósito disso, assim afirma Antonio Roberto Sampaio Dória:

“O direito de propriedade se concilia, pois, e se subordina ao poder de tributar, sendo mesmo este condição daquele porquanto na ausência do Estado, a propriedade poderia assumir formas as mais rudimentares, se tanto. Mas, as restrições à plenitude dos direitos patrimoniais, sujeitos ao atendimento das necessidades fiscais, não podem ser distendidas ao ponto de importar na integral absorção da propriedade, rompendo-se o já de si precário equilíbrio entre os benefícios genéricos, propiciados pelo Estado, e os tributos que, em contrapartida demandaram dos cidadãos (...). O poder tributário, legítimo, se desnatura em confisco, vedado, quando o imposto absorva substancial parcela da propriedade ou a totalidade da renda do indivíduo ou da empresa.”

Com efeito, o tributo não pode esbarrar no confisco, assim como as penalidades decorrentes da aplicação do regime tributário igualmente não o podem. Tal entendimento é corroborado pela melhor doutrina e também pela jurisprudência, como passamos a demonstrar.

Nesse particular, Hugo de Brito Machado assinala que[1]:

“(...) em se tratando de imposição de penas pecuniárias, não é fácil estabelecer um critério para delimitar o que seria produto da infração. De qualquer modo, parece-nos que a pena pecuniária deve ser sempre estabelecida em função de um proveito que se presume tenha o infrator obtido com o cometimento do ilícito. Se a penalidade vai além de qualquer limite razoável daquilo que se poderia admitir como proveito obtido com o cometimento do ilícito, tem-se configurado o confisco, sendo invocável a proteção constitucional.”

Sacha Calmon Navarro Coêlho também condena as multas confiscatórias[2]. Confira-se:

A fixação de penalidades e dos respectivos valores é atribuição do legislador. De modo específico, inexistem limitações ou princípios condicionando-lhe o munus punitivo em tema tributário. Há, todavia, um princípio na Constituição proibindo o ‘confisco’

(...)

Três conclusões é preciso extrair:

Em primeiro lugar, a de que, no Brasil, a infração tributária não pode gerar o perdimento de bens e o confisco, que isto é vedado pela Constituição.

(...)

Em terceiro lugar, a de que uma multa excessiva, ultrapassando o razoável para dissuadir ações ilícitas e para punir os transgressores (caracteres punitivos e preventivo da penalidade), caracteriza, de fato, uma maneira de burlar o dispositivo constitucional que proíbe o confisco. Este só poderá se efetivar se e quando atuante a sua hipótese de incidência e exige todo um processo. A aplicação de uma medida de confisco é algo totalmente diferente da aplicação da multa. Quando este é tal que agride violentamente o patrimônio do cidadão contribuinte, caracteriza-se como confisco indireto e, por isso, é inconstitucional.

(...)

Do ponto de vista jurídico-positivo, duas fórmulas existem para o evitamento de multas escorchantes: a fórmula legislativa, mediante a qual, através de norma geral de potestade, a competência dos legisladores ordinários para estatuir multas tributárias restaria restringida quantitativamente; e a fórmula jurisprudencial, mercê da qual os juízes, através da fixação de standards — súmulas, no caso brasileiro —, construiriam os princípios de restrição norteadores da ação do legislador na espécie”.

Como se viu, a doutrina se mostra preocupada em desenvolver critérios que permitam identificar o caráter confiscatório nas multas fiscais, mas também é motivo de preocupação a imposição de multas que, embora não cheguem a ultrapassar o limite do confisco, são de qualquer forma excessivas.

Sob este ponto de vista, é importante ressaltar que é sempre causa de invalidação da penalidade a desproporção entre o dano causado pela conduta do agente e a penalidade a ele imposta, quer porque a multa pode esbarrar em confisco, quer porque pode simplesmente ser excessiva para aquele caso em particular, como se pode verificar nos julgados do Supremo Tribunal Federal - STF, abaixo transcritos:

Multa fiscal. Redução pelo Poder Judiciário: sua admissibilidade em casos especiais, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário não conhecido.

(RTJ 93/932, RE n. 92.337-MG, ementa, 1ª Turma do STF, rel. Min. Xavier de Albuquerque)

ICM. Redução de multa de feição confiscatória. Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo montante desproporcionado, feição confiscatória. Dissídio de jurisprudência não demonstrado. Recurso Extraordinário não conhecido.

(RTJ 96/1354, RE n. 91.707-MG, ementa, 2ª Turma do STF, rel. Min. Moreira Alves)

Imposto Predial. Falta de inscrição imobiliária: multa. Não tem amparo legal o acréscimo pela Prefeitura Municipal de São Paulo, de 100% sobre o valor do IPTU, como sanção pela falta de inscrição imobiliária. O art. do CTN impede que seja utilizado um tributo com a finalidade extra-fiscal de penalizar-se ato ilícito administrativo. Pode o Município criar ou agravar multas com tal objetivo, mas não pode, com o aludido fim, criar adicional de tributo como substituto de sanção pecuniária de ato ilícito. Precedentes.

(RE n. 111.003-1-MG, ementa, 2ª Turma do STF, rel. Min. Aldir Passarinho)

Multa Fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstâncias do caso concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco. Precedentes do STF. Recurso não conhecido.

(RTJ 78/610, RE n. 82.510-SP, ementa, 2ª Turma do STF, rel. Min. Leitão de Abreu)

Multa em valor correspondente ao principal - Recurso Extraordinário.

(...)

Relativamente à multa e aos contornos confiscatórios decorrentes de haver sido estipulada em cem por cento do valor do tributo não recolhido oportunamente, procede o inconformismo da Agravante. De início, quando examinei o pedido de trânsito do extraordinário, passou-me despercebida a circunstância de a Corte haver feito referência ao percentual concernente à multa. Em passo seguinte, o Colegiado teve como descaracterizado o confisco por uma única razão, ou seja, a imprescindibilidade de demonstrar-se não suportar o contribuinte o respectivo pagamento. Assim, não procede o que assentei quanto à necessidade de revolvimento da prova. No mais, surge extravagante a fixação de multa, verdadeiro acessório, em valor correspondente ao principal. O tema está a merecer o crivo do Colegiado desta Corte. Reconsidero a decisão proferida.

(Despacho do Min. Marco Aurélio no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 202.902-8, Revista Dialética de Direito Tributário 36/190)

Ação Direta de Inconstitucionalidade. §§ 2.º E 3.º do art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Fixação de valores mínimos para multas pelo não-recolhimento e sonegação de tributos estaduais. Violação ao inciso IV do art. 150 da Carta da Republica.

A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente.

(ADIn nº 551-1/RJ, Pleno do STF, rel. Min. Ilmar Galvão, Informativo 297 do STF, fev/2003)

Vê-se, portanto, que o STF adota explicitamente a orientação de que:

(i) as penalidades tributárias devem ser graduadas segundo a extensão dos danos ao Erário;

(ii) a caracterização das infrações deve levar em conta a intenção do agente; e

(iii) é perfeitamente possível aos órgãos de julgamento administrativo ou judicial reduzir ou cancelar penalidades excessivas e/ou confiscatórias.

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça também se posiciona acerca de critérios para definição da razoabilidade e proporcionalidade para fins de aplicação de multas por descumprimento de obrigação acessória, consoante ementa abaixo transcrita:

TRIBUTÁRIO. IMPOSTO DE RENDA DE PESSOA FÍSICA. PREENCHIMENTO INCORRETO DA DECLARAÇÃO. MULTA POR DESCUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÃO ACESSÓRIA. INAPLICABILIDADE. PREJUÍZO DO FISCO. INEXISTÊNCIA. PRINCÍPIO DA RAZOABILIDADE.

1. A sanção tributária, à semelhança das demais sanções impostas pelo Estado, é informada pelos princípios congruentes da legalidade e da razoabilidade.

2. A autuação da Administração Pública deve seguir os parâmetros da razoabilidade e da proporcionalidade, que censuram o ato administrativo que não guarde uma proporção adequada entre os meios que empresa e o fim que a lei almeja alcançar.

3. A razoabilidade encontra ressonância na ajustabilidade da providência administrativa consoante o consenso social acerca do que é usual e sensato. Razoável é conceito que se infere a contrario sensu; vale dizer, escapa à razoabilidade “aquilo que não pode ser”. A proporcionalidade, como uma das facetas da razoabilidade revela que nem todos os meios justificam os fins. Os meios conducentes à consecução das finalidades, quando exorbitantes, superam a proporcionalidade, porquanto medidas imoderadas em confronto com o resultado almejado.

4. À luz dessa premissa, é lícito afirmar-se que a declaração efetuada de forma incorreta não equivale à ausência de informação (...)

5. Deveras, não obstante a irritualidade, não sobejou qualquer prejuízo para o Fisco, consoante reconhecido pelo mesmo, porquanto implementada a exação devida no seu quantum adequado.elo Poder Judiciário: sua admissibilidade em casos especiais, consoante jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Recurso Extraordinário não conhecido. (RTJ 93/932, RE n. 92.337-MG, ementa, 1ª Turma do STF, rel. Min. Xavier de Albuquerque) ICM. Redução de multa de feição confiscatória. Tem o STF admitido a redução de multa moratória imposta com base em lei, quando assume ela, pelo montante desproporcionado, feição confiscatória. Dissídio de jurisprudência não demonstrado. Recurso Extraordinário não conhecido. (RTJ 96/1354, RE n. 91.707-MG, ementa, 2ª Turma do STF, rel. Min. Moreira Alves) Imposto Predial. Falta de inscrição imobiliária: multa. Não tem amparo legal o acréscimo pela Prefeitura Municipal de São Paulo, de 100% sobre o valor do IPTU, como sanção pela falta de inscrição imobiliária. O art. do CTN impede que seja utilizado um tributo com a finalidade extra-fiscal de penalizar-se ato ilícito administrativo. Pode o Município criar ou agravar multas com tal objetivo, mas não pode, com o aludido fim, criar adicional de tributo como substituto de sanção pecuniária de ato ilícito. Precedentes. (RE n. 111.003-1-MG, ementa, 2ª Turma do STF, rel. Min. Aldir Passarinho) Multa Fiscal. Pode o Judiciário, atendendo às circunstâncias do caso concreto, reduzir multa excessiva aplicada pelo Fisco. Precedentes do STF. Recurso não conhecido. (RTJ 78/610, RE n. 82.510-SP, ementa, 2ª Turma do STF, rel. Min. Leitão de Abreu) Multa em valor correspondente ao principal - Recurso Extraordinário. (...) Relativamente à multa e aos contornos confiscatórios decorrentes de haver sido estipulada em cem por cento do valor do tributo não recolhido oportunamente, procede o inconformismo da Agravante. De início, quando examinei o pedido de trânsito do extraordinário, passou-me despercebida a circunstância de a Corte haver feito referência ao percentual concernente à multa. Em passo seguinte, o Colegiado teve como descaracterizado o confisco por uma única razão, ou seja, a imprescindibilidade de demonstrar-se não suportar o contribuinte o respectivo pagamento. Assim, não procede o que assentei quanto à necessidade de revolvimento da prova. No mais, surge extravagante a fixação de multa, verdadeiro acessório, em valor correspondente ao principal. O tema está a merecer o crivo do Colegiado desta Corte. Reconsidero a decisão proferida. (Despacho do Min. Marco Aurélio no Agravo Regimental em Agravo de Instrumento nº 202.902-8, Revista Dialética de Direito Tributário 36/190) Ação Direta de Inconstitucionalidade. §§ 2.º E 3.º do art. 57 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. Fixação de valores mínimos para multas pelo não-recolhimento e sonegação de tributos estaduais. Violação ao inciso IV do art. 150 da Carta da Republica. A desproporção entre o desrespeito à norma tributária e sua conseqüência jurídica, a multa, evidencia o caráter confiscatório desta, atentando contra o patrimônio do contribuinte, em contrariedade ao mencionado dispositivo do texto constitucional federal. Ação julgada procedente. (ADIn nº 551-1/RJ, Pleno do STF, rel. Min. Ilmar Galvão, Informativo 297 do STF, fev/2003

(...)

7. Desta sorte, assente na instância ordinária que o erro no preenchimento da declaração não implicou na alteração da base de cálculo do imposto de renda devido pelo contribuinte, nem resultou em prejuízos aos cofres públicos, depreende-se a ausência de razoabilidade na cobrança da multa de 20%, prevista no § 2º, do Decreto-Lei 2.396/87.

8. Aplicação analógica do entendimento perfilhado ao seguinte precedente desta Corte: “TRIBUTÁRIO – IMPORTAÇÃO – GUIA DE IMPORTAÇÃO – ERRO DE PREENCHIMENTO E POSTERIOR CORREÇÃO – MULTA INDEVIDA. 1. A legislação tributária é rigorosa quanto à observância das obrigações acessórias, impondo multa quando o importador classifica erroneamente a mercadoria na guia própria. 2. A par da legislação sancionadora (art. 44, I, da Lei 9.430/96 e art. 526, II, do Decreto 91.030/85), a própria receita preconiza a dispensa da multa, quando não tenha havido intenção de lesar o Fisco, estando a mercadoria corretamente descrita, com o só equívoco de sua classificação (Atos Declaratórios Normativos Cosit nºs 10 e 12 de 1997). 3. Recurso especial improvido”. (REsp 660.682/PE, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ de 10.05.2006)

9. Recurso especial provido, invertendo-se os ônus sucumbenciais.

(REsp 728.999/PR, Rel. Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 12.09.2006, DJ em 26.10.2006)

Melhor dizendo, a jurisprudência da mais alta Corte pátria é maciça no sentido de que as multas tributárias não podem e não devem ter dimensionamento excessivo, nem tampouco feição confiscatória, por serem inconstitucionais em sua aplicação.

Isto porque, a multa tal como imposta aos contribuintes, encontra-se flagrantemente desproporcional ao suposto dano causado ao erário.

Reiterando o entendimento acima, recentemente o Min. Celso de Mello consolidou seu entendimento sobre a questão, dizendo ser confiscatória a multa aplicada em percentual maior que o tributo devido na operação:

RECURSO EXTRAORDINÁRIO – ALEGADA VIOLAÇÃO AO PRECEITO INSCRITO NO ART. 150, INCISO IV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL – CARÁTER SUPOSTAMENTE CONFISCATÓRIO DA MULTA TRIBUTÁRIA COMINADA EM LEI – CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA PROIBIÇÃO CONSTITUCIONAL DE CONFISCATORIEDADE DO TRIBUTO – CLÁUSULA VEDATÓRIA QUE TRADUZ LIMITAÇÃO MATERIAL AO EXERCÍCIO DA COMPETÊNCIA TRIBUTÁRIA E QUE TAMBÉM SE ESTENDE ÀS MULTAS DE NATUREZA FISCAL – PRECEDENTES – INDETERMINAÇÃO CONCEITUAL DA NOÇÃO DE EFEITO CONFISCATÓRIO – DOUTRINA – PERCENTUAL DE 25% SOBRE O VALOR DA OPERAÇÃO – “QUANTUM” DA MULTA TRIBUTÁRIA QUE ULTRAPASSA, NO CASO, O VALOR DO DÉBITO PRINCIPAL – EFEITO CONFISCATÓRIO CONFIGURADO – OFENSA ÀS CLÁUSULAS CONSTITUCIONAIS QUE IMPÕEM AO PODER PÚBLICO O DEVER DE PROTEÇÃO À PROPRIEDADE PRIVADA, DE RESPEITO À LIBERDADE ECONÔMICA E PROFISSIONAL E DE OBSERVÂNCIA DO CRITÉRIO DA RAZOABILIDADE – AGRAVO IMPROVIDO. (RE 754554 AgR, Relator (a): Min. CELSO DE MELLO, Segunda Turma, julgado em 22/10/2013, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-234 DIVULG 27-11-2013 PUBLIC 28-11-2013)

Nesse caso, o Fisco do Estado de Goiás cobrou multa de 25% sobre o valor da operação, enquanto o tributo devido, ICMS, pairava na alíquota de 17%.

Não obstante, o Min. Marco Aurélio decidiu sobre a limitação da multa no montante de 100% do imposto devido:

TRIBUTÁRIO – MULTA – VALOR SUPERIOR AO DO TRIBUTO – CONFISCO – ARTIGO 150, INCISO IV, DA CARTA DA REPUBLICA. Surge inconstitucional multa cujo valor é superior ao do tributo devido. Precedentes: Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 551/RJ – Pleno, relator ministro Ilmar Galvão – e Recurso Extraordinário nº 582.461/SP – Pleno, relator ministro Gilmar Mendes, Repercussão Geral. (RE 833106 AgR, Relator (a): Min. MARCO AURÉLIO, Primeira Turma, julgado em 25/11/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-244 DIVULG 11-12-2014 PUBLIC 12-12-2014)

Sobre esse aspecto, vale repisar, que se deve ter em mente que o parâmetro do crivo dos limites das multas fiscais diz respeito à observância da razoabilidade e da proporcionalidade da exação, que pelo entendimento da Corte Suprema, a multa punitiva não poderá ultrapassar 100% do imposto devido.

Não obstante, ao que toca às multas moratórias, o Pretório Excelso consignou entendimento de aplicar essas multas no limite de 20% do imposto exigido.

Em perfeita lição, o Ministro Luís Roberto Barroso reafirma o entendimento da Suprema Corte sobre a aplicação de multa punitiva no limite de 100% do imposto devido, como também sobre a aplicação de multa moratória em 20% do tributo exigido. Transcrevemos seu didático julgado:

Trata-se de recurso extraordinário interposto contra acórdão da 2ª Turma do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, assim do (fls. 179): TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DA CDA. NÃO COMPROVAÇÃO. MULTA. CARÁTER CONFISCATÓRIO. NÃO CONFIGURAÇÃO. SELIC. 1. Não há falar em nulidade do título executivo, porquanto presentes os requisitos legais e indicada a legislação pertinente a cada acréscimo. Ademais, a dívida ativa regularmente inscrita é dotada de presunção juris tantum de certeza e liquidez, só podendo ser afastada por prova inequívoca. 2. A multa aplicada, no percentual de 75%, não possui caráter confiscatório, pois decorrente da incidência do art. 44, I, da Lei nº 9.430/96, referente à omissão de rendimentos tributáveis. 3. A Taxa Selic tem incidência nos débitos tributários, por força da Lei nº 9.065/95. É pacífica a orientação do STJ no sentido de que o art. 161, § 1º, do CTN, autoriza a previsão por lei diversa dos juros moratórios, o que permite a adoção da Taxa SELIC, não existindo qualquer vício na sua incidência. Foram opostos embargos declaratórios, os quais foram rejeitados (fls. 195/6). O recurso buscou fundamento no art. 102, III, a, da Constituição. A parte recorrente alega violação aos arts. 5º, LIV; 150, IV; 192, § 3º, todos da Carta. Sustenta, em síntese, que (i) o valor dos juros inseridos na taxa SELIC é inconstitucional, porque ultrapassam o limite de 12% ao ano; (ii) a multa estabelecida no patamar de 75% reveste-se de caráter confiscatório; e (iii) as CDA’s que embasam a execução fiscal não cumpriram com os requisitos mínimos de constituição, restando ofendido o devido processo legal. De início, cumpre registrar que a análise da suposta ofensa ao devido processo legal demandaria prévia análise e interpretação da legislação infraconstitucional aplicável, notadamente do art. , § 5º, da Lei nº 6.830/80, o que não enseja abertura desta via extraordinária. De fato, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal tem se orientado no sentido de que as alegações de nulidade da Certidão de Dívida Ativa não possuem ressonância constitucional. Neste sentido, confiram-se os seguintes precedentes: AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. TRIBUTÁRIO. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE. CERTIDÃO DE DÍVIDA ATIVA. PRESCRIÇÃO. NULIDADE. MATÉRIA INFRACONSTITUCIONAL. OFENSA REFLEXA. NECESSIDADE DO REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO. INCIDÊNCIA DA SÚMULA 279/STF. A pretensão recursal ampara-se em pretenso equívoco na contagem do prazo prescricional, o que decorreria da adoção de termo inadequado. A matéria não encontra repercussão imediata na Constituição Federal. Ademais, as razões de decidir assentadas pela instância ordinária só poderiam ser revistas mediante o revolvimento das provas constantes dos autos. Agravo regimental a que se nega provimento. (AI 811.250-AgR, da minha relatoria) AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. TRIBUTÁRIO. EXECUÇÃO FISCAL. NULIDADE DE CDA. LANÇAMENTO DE DÉBITO TRIBUTÁRIO COM BASE EM LEI POSTERIOR À OCORRÊNCIA DO FATO GERADOR DO TRIBUTO. LEI QUE REPETE O CONTEÚDO DE LEI ANTERIOR, VIGENTE A ÉPOCA DOS FATOS. IMPOSSIBILIDADE DA APLICAÇÃO DE LEI A FATOS GERADORES ANTERIORES À SUA VIGÊNCIA. VERIFICAÇÃO DO ATENDIMENTO DOS REQUISITOS DE VALIDADE DA CDA E DA EXISTÊNCIA DE PREJUÍZO PARA O EXECUTADO. NECESSIDADE DO EXAME DE PROVAS E LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL. SÚMULA 279 E OFENSA INDIRETA À CF. AGRAVO REGIMENTAL A QUE SE NEGA PROVIMENTO. I É inconstitucional permitir que lei que institua tributo seja aplicada a fatos geradores anteriores à sua vigência, em razão do princípio da irretroatividade (art. 150, III, a, da CF). II Lei nova que repete o conteúdo de lei anterior, quanto à previsão de tributo, dispensa a obediência às regras da anterioridade tributária, mas os fatos geradores são regidos dentro do período de vigência da cada norma. III A verificação do atendimento aos requisitos de validade da CDA e da existência de prejuízo para o executado no caso concreto depende da reanálise dada ao conjunto fático-probatório dos autos e do exame de normas infraconstitucionais. Inviabilidade do extraordinário. Súmula 279 do STF e ofensa indireta. IV - Agravo regimental a que se nega provimento. (RE 776.156-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski) Ademais, cumpre registrar que esta Corte, no julgamento do RE 582.461-RG, relatado pelo Ministro Gilmar Mendes, pacificou entendimento pela constitucionalidade da incidência da taxa SELIC como índice de correção monetária do débito tributário, desde que haja lei determinando sua adoção. Na oportunidade, ficou também consignado que o patamar de 20% (vinte por cento) sobre o valor do tributo é um parâmetro razoável para o estabelecimento de multas moratórias. Confira-se, a propósito, a ementa da decisão: 1. Recurso extraordinário. Repercussão geral. 2. Taxa Selic. Incidência para atualização de débitos tributários. Legitimidade. Inexistência de violação aos princípios da legalidade e da anterioridade. Necessidade de adoção de critério isonômico. No julgamento da ADI 2.214, Rel. Min. Maurício Corrêa, Tribunal Pleno, DJ 19.4.2002, ao apreciar o tema, esta Corte assentou que a medida traduz rigorosa igualdade de tratamento entre contribuinte e fisco e que não se trata de imposição tributária. 3. ICMS. Inclusão do montante do tributo em sua própria base de cálculo. Constitucionalidade. Precedentes. A base de cálculo do ICMS, definida como o valor da operação da circulação de mercadorias (art. 155, II, da CF/1988, c/c arts. , I, e , I, da LC 87/1996), inclui o próprio montante do ICMS incidente, pois ele faz parte da importância paga pelo comprador e recebida pelo vendedor na operação. A Emenda Constitucional nº 33, de 2001, inseriu a alínea i no inciso XIIdo § 2º do art. 155 da Constituição Federal, para fazer constar que cabe à lei complementar “fixar a base de cálculo, de modo que o montante do imposto a integre, também na importação do exterior de bem, mercadoria ou serviço”. Ora, se o texto dispõe que o ICMS deve ser calculado com o montante do imposto inserido em sua própria base de cálculo também na importação de bens, naturalmente a interpretação que há de ser feita é que o imposto já era calculado dessa forma em relação às operações internas. Com a alteração constitucional a Lei Complementar ficou autorizada a dar tratamento isonômico na determinação da base de cálculo entre as operações ou prestações internas com as importações do exterior, de modo que o ICMS será calculado "por dentro" em ambos os casos. 4. Multa moratória. Patamar de 20%. Razoabilidade. Inexistência de efeito confiscatório. Precedentes. A aplicação da multa moratória tem o objetivo de sancionar o contribuinte que não cumpre suas obrigações tributárias, prestigiando a conduta daqueles que pagam em dia seus tributos aos cofres públicos. Assim, para que a multa moratória cumpra sua função de desencorajar a elisão fiscal, de um lado não pode ser pífia, mas, de outro, não pode ter um importe que lhe confira característica confiscatória, inviabilizando inclusive o recolhimento de futuros tributos. O acórdão recorrido encontra amparo na jurisprudência desta Suprema Corte, segundo a qual não é confiscatória a multa moratória no importe de 20% (vinte por cento). 5. Recurso extraordinário a que se nega provimento. Admito que deve haver uma distinção entre a multa punitiva e a multa moratória para fins de aplicação da vedação ao confisco. A natureza da multa definirá parâmetros de atuação diversos, legitimando uma aplicação mais rígida ou branda do princípio previsto no art. 150, IV, da Constituição Federal. A multa punitiva decorre de um descumprimento grave da legislação tributária, habitualmente associado ao propósito preordenado de suprimir indevidamente o pagamento de tributos. Considerando o recolhimento a menor, a sanção vem acompanhada do lançamento de ofício, tal como se verifica no caso concreto. A multa punitiva reveste-se de um caráter marcadamente pedagógico e repressivo, o que vem a legitimar a aplicação de sanções mais acentuadas. A multa moratória, por sua vez, tende a ser mais branda. Isso porque não há nesta modalidade de sanção um aspecto subjetivo marcante (intenção de burlar o recolhimento). A função primordial da multa moratória é promover o desestímulo ao adimplemento tardio da obrigação tributária. Sob tal perspectiva, a jurisprudência da Corte tem se orientado no sentido de que o montante de 20% da obrigação principal é um valor razoável. Analisando detidamente os autos, verifico que a hipótese reporta à aplicação de uma multa punitiva (art. 44, I, da Lei nº 9.430/1996), caso em que o descumprimento acarreta supressão indevida de tributo. Em casos tais, a Corte tem entendido que são confiscatórias as sanções que ultrapassem o percentual de 100% (cem por cento) do valor do tributo devido. Nas palavras do Ministro Marco Aurélio. Embora haja dificuldade, como ressaltado pelo Ministro Sepúlveda Pertence, para se fixar o que se entende como multa abusiva, constatamos que as multas são acessórias e não podem, como tal, ultrapassar o valor do principal. (ADI 551, Rel. Min. Ilmar Galvão) Em conformidade com as premissas adotadas, não deve ser considerada confiscatória a multa punitiva fixada no patamar de 75% (setenta e cinco por cento) sobre a totalidade ou diferença de imposto ou contribuição nos casos de falta de pagamento ou recolhimento, falta de declaração ou declaração inexata. Diante do exposto, com base no art. 557 do CPC e no art. 21, § 1º, do RI/STF, nego seguimento ao recurso extraordinário Publique-se. Brasília, 25 de novembro de 2014. Ministro Luís Roberto Barroso. Relator. (grifos nossos)

(STF - RE: 851071 PR, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 25/11/2014; Data de Publicação: DJe-234 DIVULG 27/11/2014 PUBLIC 28/11/2014)

Com isso, não pode haver distorção entre a medida prevista em lei e o fim por ela objetivado, que é o recolhimento do imposto, determinando que o modo de combater e punir os ilícitos fiscais deve ser disposto com penalidades que guardem adequação dos meios e dos fins, sob pena de violação ao principio da razoabilidade e a proporcionalidade (CF, art. , LIV).

Nesta medida, cabe ressaltar uma vez mais, punir o contribuinte quando não houve nenhum prejuízo ao erário, ou sequer houve fundamentação fática a respeito, ou em montante superior ao próprio imposto exigido, descaracteriza a sistemática das multas, tornando-as ilegais e inconstitucionais.

À vista do exposto, portanto, deve ser cancelada todo e qualquer tipo de multa aplicada quando ela se apresentar excessiva, confiscatória, ou, quando menos, desproporcional.


[1] Hugo de Brito Machado, in "Caderno de Pesquisas Tributárias", Ed. Resenha Tributária, nº 4, p. 255/6.

[2] Sacha Calmon Navarro Coêlho, in "Comentários aoCódigo Tributário Nacionall", Ed. Forense, p. 332/3.

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